quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Os cafés à conquista do espaço público em Évora

 


Surgidos em Inglaterra em meados do século XVII para servir os membros da nobreza, a burguesia ascendente e as pessoas instruídas, os cafés eram,, por excelência, espaços sociais dedicados a quem tinha por hábito tomar a bebida do mesmo nome, o chá ou o chocolate e pretendia fazê-lo num ambiente discreto, dissertando sobre a vida, a política, a poesia ou as artes. Pouco depois a sua frequência abria-se à classe média, nomeadamente aos mercadores e aos lojistas e os cafés deixavam de ser locais de carácter privado ou semi-privado para se transformarem em espaços públicos onde se trocavam ideias livremente, se aguçava o espírito crítico ou se organizavam debates do mais diversos teores.


O sucesso dos cafés foi pois imediato. No final da primeira década do século seguinte existiam só em Londres 3.000 coffee houses. A inovação galgou o Canal da Mancha e instalou-se em França, ainda que esta lhe tenha introduzido a possibilidade de servir também licores e cervejas. Em Inglaterra as bebidas alcoólicas, desde que destiladas, também ganharam o seu espaço em que o vinho, esse sim, era verdadeiramente interdito. Todavia Carlos II tentou suprimi-los alegando que ao serem frequentados por toda a gente sem excepção, se tornavam ideologicamente perigosos, albergando focos difusores de pensamentos revolucionários e subversivos que propalavam a liberdade, a igualdade e o republicanismo.


A eliminação dos cafés em território britânico processou-se de forma tão rápida quanto o seu crescimento. O soberano incentivou a criação de salões de chá e o aparecimento de bares, reconhecendo aos proprietários a prerrogativa de reservarem ou limitarem o direito de admissão. Coube à França a preservação e o desenvolvimento deste tipo de estabelecimentos que vieram a cotarse como poiso ideal de reunião dos idealistas e iluministas franceses. Era ali que se encontravam, mormente no famoso “Procope”, fundado em 1686 e ainda existente na Rua da Ancienne Comédie, para conspirar, escrever textos e redigir panfletos, figuras como Voltaire e Rousseau e mais tarde os enciclopedistas e o chamado «Clube dos Jacobinos». Luís XVI enviava frequentemente espiões aos cafés para saber se se tramava alguma coisa contra ele.

Houvesse ele dado crédito ao que prometiam Danton, Robespierre e Marat e talvez tivesse evitado ser guilhotinado com sua mulher Maria Antonieta em 1789. Dois anos antes tinha aberto em Portugal, em pleno Rossio lisboeta, o Café Nicola, local onde se vendiam cafés e refrescos e se cozinhavam pequenas refeições. Frequentado por jacobinos e mações, depressa se transformou em lugar de troca de ideias, discussões literárias e propaganda de opiniões. Em 1778, na Praça do Comércio, apareceu o “Café da Neve” que depois passou por vários nomes entre os quais o de “Café dos Jacobinos” até chegar em meados do século XIX à designação actual de “Café Martinho da Arcada”, ponto de encontro dos escritores do tempo. Em Évora só já no último quartel do século, mais concretamente em 1886, apareceu o “Café Esperança”, um estabelecimento que vendendo café e outras bebidasfuncionasse também como tertúlia política ou como local público de discussão, conversa e alguma agitação social. Silva Godinho, um excelente investigador autodidacta eborense já falecido, escreve em “Temas quinhentistas”, publicados na I série do boletim de cultura municipal “A Cidade de Évora”, que era ali, na rua da Porta Nova, junto ao arco, que entre umas chávenas de café ou uns goles de cerveja, a burguesia local se entretinha no cavaqueio político e comercial com os noticiaristas do “Diário de Évora” ou do “Manuelinho”, sempre de orelha à escuta de novidades.

O “Café Esperança”, propriedade de Estevão de Oliveira, que viria a tornar-se republicano e grande activista da Associação do Registo Civil, tinha para servir aos seus clientes café e cervejas de todos os tipos, rum, gin, aguardente, genebra, anis, conhaque superfino e licores variados, além de conservas de hortaliças e também peixes de diversas qualidades. Era o paradeiro favorito dos amanuenses, dos militares e dos lavradores endinheirados. Fechou em 1911 porque o seu proprietário decidiu enveredar por outro tipo de negócios.Quase a findar a centúria inaugurava-se na Praça de Giraldo, na zona onde hoje encontra o Banco Português do Atlântico, a mítica “Brasserie” que tantas saudades deixou nos eborenses da primeira metade do século passado. Os franceses, criadores do termo, usavam-no para designar os Grandes Cafés, herdeiros dos salões de cerveja, nos quais se consumiam moluscos e ofereciam, em ementa fixa, pratos da cozinha tradicional francesa à base de carne. Nesses lugares em que o horário era flexível, vendia-se todo o tipo de bebidas à excepção do vinho corrente.

A “Brasserie” eborense seguia estas normas, substituindo apenas a cozinha tradicional francesa pela portuguesa, servindo em pequenas refeições as gulosei mas regionais. E ademais fabricava divinais queijadas de Évora, que também fornecia para fora, como recordam os mais antigos que ainda lhe chegaram a cruzar as portas.

O estabelecimento saudou com júbilo a chegada da República e o dia da Bandeira, tendo em ambas as ocasiões ornamentado e iluminado a sua fachada e janelas. A 7 de Outubro de 1911 franqueava portas o “Café Giraldo”, situado na praça homónima e o primeiro nascido após a implantação do novo regime. Tido igualmente como um estabelecimento de luxo, servia almoços e jantares em mesas redondas, por lista e a qualquer hora; pertencia a António Lourenço Rodrigues e apresentava como novidade duas mesas de bilhar. Disponibilizava gratuitamente aos seus clientes jogos de damas, gamão, xadrez e dominó.

Na rua João de Deus instalara-se sem grandes alardes mas granjeando desde logo muitos adeptos o Café Restaurante “Parreira Escalabitana” com serviço de almoços, jantares, lanches e ceias e venda de vinhos, cervejas e gasosas. De algum aparato era o “Restaurant Chiado”, que lançava «um menu variado à vontade do freguês desde os mais finos acepipes às suculentas iguarias». Existia na Rua da Porta Nova, 20 a 22 e tinha gabinetes reservados. Na publicidade que fazia solicitava «aos snr.s lavradores e outros cavalheiros que vêm a Évora que não deixassem de o visitar». Os de menos posses recorriam à “Estrela Africana”, casa de petiscos na Rua de Alconchel, pertença do anarquista Manuel Vicente Ventura, preso por duas vezes pelo governo monárquico em finais do século passado enquanto director do jornal “A Rabeca”. Os operários eram os seus frequentadores mais assíduos com particular realce para os membros da Carbonária que ali dispunham de um compartimento isolado.

Uma derradeira referência entre os locais que ajudaram a construir o espaço público para o muito popular estanco do Didier, ou melhor para a “Casa Havaneza”, de José Ernesto Didier, que vendia charutos, cachimbos, isqueiras (como na altura se dizia) e sabonetes, a par de cervejas de todos os tipos, “soda water”, groselhas e salsaparrilha.

Texto: José Frota 

1 comentário:

Anónimo disse...

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