sexta-feira, 12 de julho de 2013

Vida e obra de Antunes da Silva ou o orgulho de ser alentejano


A vida de Armando Antunes da Silva foi essencialmente marcada por três grandes paixões: a escrita, o Alentejo e a prática democrática. Na literatura foi o que se pode chamar um escritor regionalista, dado que toda a temática da sua obra se centra naquilo a que chamou de “Pátria Alentejana”, socorrendo-se de uma linguagem linear, fácil e atraente. Pertenceu à segunda geração do neorrealismo, cujos mecanismos de representação narrativa se fundavam nos conflitos sociais que colocavam predominantemente em cena camponeses, operários, patrões e senhores da terra. Em termos políticos, lutou através da ação e da palavra contra a ditadura. Num outro plano, nutria uma especial afeição pelo Juventude Sport Clube, coletividade de que chegou a ser dirigente. 

Antunes da Silva nasceu em Évora em 1921, na Rua do Muro, sendo filho de um carpinteiro e neto de um casal de beirões que baixaram ao Alentejo para ganhar a vida no campo. Criado com a avó, cedo aprendeu a conhecer a natureza, os desmandos dos elementos (as chuvas, as secas, os ventos, as tempestades), os animais e os seus ciclos de vida e também as agruras, as carências, as dificuldades, a miséria e as injustiças que compunham a triste vida dos assalariados rurais. Depois de feita a instrução primária matriculou-se na Escola Comercial e Industrial de Évora, que passará a frequentar à noite, quando por volta dos treze anos consegue que o solicitador António Manuel Pascoal lhe arranje trabalho no seu escritório. 

Revertendo mais tarde ao horizonte da sua infância e adolescência, escreverá um livro de crónicas denominado “Alentejo é Sangue”, que dedicará emocionadamente ao «José Godinho Bastos, Álvaro Velez, António Rodrigues, Joaquim Maria Carrageta, Eduardo Teófilo Braga, João Cabeça Ramos, Manuel Peres, Joaquim Franjoso Murteira, Domingos Martelo, Joaquim Brás Godinho, António Cavaco e Manuel Chaveiro – gente do povo e da mesma raça, que deram à minha juventude a alegria de viver e o orgulho de ser Alentejano». 

Nessas páginas rememorará como uma dádiva de saudade as imagens da vida de todos: na escola primária, na escola industrial, no jogo da bola no Buraco dos Colegiais, no velho Convento do Salvador; ou confecionando uma gazeta pícara, datilografada, onde havia aprendizes de prosador, com saibo pelos pactos do amor e da amizade, e jornalistas sensíveis; brincando aos detetives e aos poetas, vagabundos noturnos dentro das ruas da nossa cidade, povoada de lendas, dos nichos, arcos, alcárcovas, poiais e catacumbas; no Jardim Público, ouvindo a música no coreto e namorando as moças – «tribunos de uma adolescência exaltante, pachorrenta e livre». 

Do escritório do solicitador Pascoal sairia Antunes da Silva para a Seguradora Ultramarina, organismo de Estado. As suas preocupações sociais levam-no a ingressar nas fileiras do MUD (Movimento de Unidade Democrática)/ Juvenil, integrando a secção de Évora. Detido em 1945, ano de eleições, pouco tempo permanece preso. É readmitido ao serviço e vê publicado no ano seguinte pela editora Inquérito “ Gaimirra”, um livro de contos que há tempo lhe bailava na mente. Todavia a vida em Évora tornara-se-lhe insuportável. Não tinha a mínima tranquilidade, perseguido que era constantemente pela PIDE, que destinara para a sua vigilância um indivíduo sem quaisquer escrúpulos, vigarista consumado e pederasta conhecido. Atendendo às circunstâncias, Antunes da Silva rumaria a Lisboa em 1948, apenas com 27 anos, onde um amigo lhe irá arranjar colocação na secção de publicidade e relações públicas da Celcat, fábrica de cabos eléctricos, emprego que ficará para o resto da vida. 

Garantida a subsistência e atingido o equilíbrio de vida, recomeçará então a sua produção literária, sempre na área do conto. A uma cadência bem ritmada publica ainda nesse ano “Vila Adormecida”, dois anos mais tarde “Sam Jacinto” (1950), “O Aprendiz de Ladrão” (1954) e “O Amigo das Tempestades” (1958). E em 1960 estreia-se no romance com “Suão”, título que o consagrará ao obter o “Prémio dos Leitores” do “Diário de Lisboa” e despertar a curiosidade dos críticos além- -fronteiras. Tiragens de muitos milhares de exemplares, traduções em várias línguas e a sua adaptação a peça radiofónica por parte do Rádio Clube Português, que a transmitiu em vários episódios, fizeram saltar o seu nome para a galeria dos notáveis da literatura portuguesa do seu tempo. 

Quatro anos depois dará à estampa «Terra do Nosso Pão», a que a censura não achou qualquer graça, tendo mandado apreender os últimos exemplares da primeira edição. A temática agora abordada era a cisma do regresso dos que nos anos 40 e 50 haviam deixado os campos e abalado para a cintura industrial para fugirem a um destino de fome e miséria. Os coronéis da censura recomendaram «que não deveria permitir-se o reclame do livro ou quaisquer críticas, nem ser permitida nova reedição». Em 1969, durante a chamada “primavera marcelista”, fará nova incursão na vida política ativa ao integrar as listas do MDP/CDE pelo círculo de Évora às eleições legislativas, as quais eram compostas por uma mescla de católicos progressistas e elementos de esquerda. 

Só voltará ao romance depois do 25 de Abril com «A Fábrica», uma obra menor, pouco conseguida e até confusa, longe da grande qualidade de trabalhos anteriores. Claro que a Reforma Agrária não o deixou indiferente. Em 1976 reuniu, em livro que denominou de “Terras Velhas Semeadas de Novo”, uma série de reportagens feitas por si ao serviço de diversos jornais. Nesse mesmo ano assumiu o cargo de diretor do “Notícias do Sul”, um semanário regionalista, literário e publicista, «apartidário, defensor das classes mais desfavorecidas», o qual teve sede em Évora no Largo Severim de Faria e se extinguiu três anos depois. Gostava imenso do jornalismo e colaborou em diversos periódicos, entre os quais “O Comércio do Porto”, “Diário Popular”, “Diário de Lisboa” e “República”, entre os de expansão nacional. 

No Alentejo abrilhantou as páginas da “Democracia do Sul” (Évora) e do “Diário do Alentejo” (Beja). Teorizou sobre o neorrealismo nas revistas “Vértice” e na “Colóquio”. Em 1987 foi-lhe atribuído o Prémio de Jornalismo do II Congresso sobre o Alentejo, realizado na capital do Baixo Alentejo. Mas, à semelhança de Manuel da Fonseca, Antunes da Silva também foi poeta. Em 1952 lançou “Esta Terra Que é Nossa”, que começou por ser proibido pela censura mas que, submetido a uma segunda apreciação, recebeu autorização para ser publicado, «apesar de não ser isento de reparos e o autor ser considerado suspeito». Reincidiria em 1957 com “Canções do Vento”, sempre, sempre o vento... (Vá-se embora senhor vento/não são horas de aqui estar/não há trevo nem há água/para o gado apascentar...). 

O grosso da sua produção poética está porém disperso pelas publicações citadas e também pelos dois Diários que escreveu: “O Jornal I – Diário”, escrito ainda em companhia da sua esposa, Arlete, que viria a falecer de doença súbita, e abrangendo relatos de fatos e acontecimentos ocorridos nos anos de 1984 e 85 e publicado em 1887; e o “Jornal II - Diário”, começado em 1986, ano do seu regresso, durante o qual casará em segundas núpcias com Maria Gisela, passando o casal a viver na Alcárcova de Baixo. Nessas páginas discorrerá sobre a velhice, sobre a paisagem alentejana e as suas cambiantes e reflete sobre o passado e a sua própria velhice, tudo isto entrecortado por poemas, numa linguagem simples e despretenciosa. 

Com este livro dá por concluída a aventura diarística em 1990. A sua publicação acontece ainda nesse ano. Em 1991 será o mandatário distrital do PS em Évora às legislativas, na condição de independente. Em 29 de Junho desse ano a Câmara distingue-o com a Medalha de Mérito Municipal e, em 1992, Mário Soares, enquanto Presidente da República, atribui-lhe o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 1996 a edilidade homenageou- o, comemorando os seus 50 anos de vida literária editando um pequeno livro preenchido com uma seleção dos mais belos textos. 

Passará os últimos anos da sua vida a ler e a conversar com os amigos nas arcadas da Praça, nunca desperdiçando uma oportunidade para um bom petisco, acompanhado de um copo de tinto alentejano. De quando em vez ia até Sines, terra de que gostava bastante e onde possuía casa também. Foi um homem bom, afável mas discreto, que não gostava de se colocar em bicos dos pés e por isso mesmo recusava sempre com elegância convites para colóquios e debates. Faleceu em 21 de Dezembro de 1997. A charneca e o mundo rural perdiam um dos seus lídimos defensores. Muito justamente, a autarquia viria a conceder o seu nome a uma das ruas da cidade.

Texto: José Frota

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