A construção deste imóvel municipal deve-se a vontade expressa pelo rei D. João II e executada pelo bispo D. Garcia de Meneses, no local onde existiu, com feição temporária, uma albergaria de madeira para tratamento dos pestíferos do grande mal de 1479-80. À licença eclesiástica, expedida de Juromenha e datada de 7 de Setembro de 1480, seguiu-se a pergunta régia, de Abrantes, em 18 de Agosto de 1483, do andamento da obra outorgada ao poder civil no regime de padroado.
De positivo sabemos, segundo informação do sábio alemão Jerónimo Munzer, que a ermida já estava ao culto em 1490, pois na porta da fachada dela contemplou, pasmado, uma pele de cobra de gigantescas proporções, matizada de lindas cores, réptil que os portugueses haviam apanhado nas costas da Guiné. Interiormente, a capela sofreu beneficiações em 1573, que constaram de aplicações de pintura a fresco nas paredes e abóbadas da nave, feitura do retábulo de talha clássica e revestimento de azulejos no presbitério, obras perdidas em grande parte no calamitoso período dos assédios da cidade, em 1663, porque o templete, estando englobado na cinta defensiva dos bastiões do Rossio, sofreu os bombardeamentos dirigidos contra a praça de guerra. Os primeiros trabalhos de reedificação foram iniciados logo em Setembro do mesmo ano, por subsídio obtido pelo arcebispado, sede vacante, de que era governador fr. Luís de Sousa. Todavia, os derradeiros vestígios de tão veneráveis composições (pinturas murais), desapareceram nas reformas promovidas pela Câmara em 1897 e ultimamente no ano de 1904, durante a radical obra de alindamento custeada pelo benemérito par do reino dr. Francisco de Barahona Fragoso.
O exterior do monumento oferece grande interesse e originalidade de arquitectura e é considerado, pela crítica da especialidade, protótipo, em Portugal, do seu tipo decorativo, dentro da arte híbrida gótico-manuelino-mudejar. Compõe-se em planta, de alçados atarracados, por três partes distintas nos cânones góticos tradicionais: nartex, nave e capela-mor, de forma rectangular. Catorze contrafortes cilíndricos, terminados num friso de merlões chanfrados, de coruchéus cónicos e vértices desiguais, gárgulas de granito com figuração zoomórfica, protegem no todo o edifício, que é coroado por um beiral de ameias arquetípicas da época manuelina. Os telhados da capela-mor, donde emerge lanternim hexagonal, hoje obstruído, correm em linhas radiadas; no topo norte subsiste o campanil com ventana de sineta e frontão circular. Ao longo da cornija, trilada, quase ilegível, escapou aos vários consertos um friso de alta barra de esgrafitos, figurado por temas geométricos, cruciformes e naturalistas engrinaldados, do estilo de transição gótico-renascentista, tanto do gosto da arte local a partir do séc. XVI. Ainda, no pano externo da testeira, em relevo, existe uma cruz do género tudesco. Na fachada axial, que se rasga a poente, o pórtico é de três arcos góticos apoiados em meias colunas rudes de alvenaria, bases simples e capitéis de folhagem de granito e abóbada de penetrações. Porta e janelas de sóbrias molduras e jambas do estilo vulgarizado no tempo de D. João V e D. José, também de granito.
A nave é de tecto de volta inteira; tem, sobre a entrada axial largo janelão elíptico, de duplas barras barrocas, estucadas e policromas e, no chão, do lado do Evangelho, a pia de água benta, de mármore, que é peça da Renascença, decorada por atributos fito-antropomórficos e base encordoada. Os dois altares colaterais, dedicados a N.ª S.ª das Candeias e S. Romão, possuem retábulos de talha dourada, com dosséis de pingentes, de nulo interesse artístico, do séc. XVIII, mas estão, todavia, bem compostos e iluminados com lanternas de suspensão, de arame, coevas. As imagens dos padroeiros são vulgares e da arte popular. Os altares primitivos, perdidos durante os bombardeamentos do Conde de Almenara e D. Sancho Manuel, em Maio e Junho de 1663, e consagrados a S. Miguel e N.ª S.ª da Purificação, tinham painéis quinhentistas com os assuntos do Descimento da Cruz (talvez a tábua que a Câmara depositou nos Arquivos do Museu Regional), SS. Cosme e Damião, SS. Bento e Marçal S. Miguel encontrando-se os dois últimos, segundo admitimos, no altar-mor da ermida suburbana de S. Sebastião, desde 1713. Curiosa e talvez quinhentista grade de ferro forjado, de hastes circulares e pontas de lança, divide este corpo do templete. Alto silhar de azulejos de esmalte verde e branco, enxadrezados, de caixilho, com desenhos geométricos, de 1575, cobre até à cimalha o falso cruzeiro, aberto para o presbitério em arco redondo revestido de talha dourada e sobrepujado pelo escudo das armas reais de Portugal. É a capela-mor, de planta rectangular, iluminada por duas frestas, coberta de abóbada elíptica apoiada em trompas e está completamente recoberta de apainelados de azulejaria da mesma tonalidade, tipo e fabrico dos anteriores, dispostos em losangos, quadrados e rosetões circulares, de nítida influência do estilo hispano-mourisco. Grande parte deste revestimento sofreu restauro no ano de 1877.
Da obra sumptuária de 1573, do mecenato do Cardeal-Infante D. Henrique, escaparam aos malefícios do tempo alguns painéis do actual políptico de pintura que adorna o altar envolvido por modesta obra de marcenaria e entalhe a ouro do espírito rococó, com colunelos compósitos recobertos de aplicações e grinaldas naturalistas. O retábulo, composto por quatro tábuas de dimensões desiguais anuncia duas técnicas e tipos oficinais dissemelhantes dentro dos cânones determinados pelo espírito do Concílio Tridentino: ao alto. Natividade e Ressurreição; corpo inferior. Pregação e Martírio de S. Brás. Estas últimas pinturas, de c.ª 1565 ainda influenciadas pela escola flamenga e muito arcaizantes, lembram o estilo de Garcia Fernandes. São bem pintadas e estão absolutamente necessitadas de restauro.
O conjunto, trata-se de obra oficinal eborense, do derradeiro terço do séc. XVI. Na edícula central subsiste a famosa escultura de madeira, infelizmente reincarnada, de S. Brás que a tradição e os documentos antigos afirmam representar a figura do monarca fundador, D. João II. A imagem mede, de alto, 1,75 m; não deve ser coetânea do Príncipe Perfeito, mas é, certamente do período quinhentista. Sobrepujante ao nicho, venera-se um Calvário ladeado pelas curiosas e delicadas imagens da Virgem e S. João Evangelista, de madeira polícroma, do séc. XVI. No presbitério existem, ainda com interesse, o cadeiral de três assentos, destinados aos vereadores, uma credência de madeira, setecentista e a banqueta composta por seis belos castiçais de cobre e base circular, de tipo do séc. XVII. As duas sacristias contíguas, conservam as primitivas coberturas de artesões de aresta viva com fechos armorejados, mas de impossível interpretação.
Do recheio sumptuário constituído por alfaias do ancestral esplendor religioso e artístico depositaram-se, pela sua importância e raridade, no Museu Regional de Évora, as principais peças, algumas das quais, pela sua categoria figuraram nas Exposições de Arte Sacra Ornamental realizadas em Londres, 1881, Lisboa, 1882, Coimbra, 1940 e em Évora nos anos de 1889 e 1957, esta última somente dedicada à Ourivesaria, no Palácio de D. Manuel. Dimensões do monumento: Nave, 16,90 x 6,63m. Capela-mor, 3,50 de fundo por 4,50 m. de largura.
BIBL. António F. Barata, Évora Antiga, págs. 26-27, 1909; Raul Proença e Reynaldo dos Santos, Guia de Portugal, 2°, 1927; Florentino Perez Embid, El mudejarismo en la Arquitectura Portuguesa de la época manuelina, Sevilha, 1944, págs. 102-104; Reynaldo dos Santos, O Estilo Manuelino, 1952; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 67-69. ADENDA No pórtico primitivo da Ermida de S Brás existiu uma composição mural, emblemática, das armas reais e do pelicano de D. João II, seu fundador, que as obras de 1666, ordenadas pelo governador do arcebispado D. Fr. Luís de Sousa, bispo eleito do Porto e esmoler-mor de D. Afonso VI, com o subsídio de 20 000 rs. ou na reforma setecentista da portada de granito do tempo de D. João V não puderam preservar da destruição.
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