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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Visitas Guiadas no Centro Histórico de Évora


Horário:10h00
Inicio do Evento:21 fevereiro
Fim do Evento:21 fevereiro
Localização:Local de encontro na Praça do Giraldo.​Visitas Guiadas no Cento Histórico de Évora

No dia 21 de fevereiro, celebra-se o Dia Internacional do Guia Intérprete. A Agia, Associação de Guias Interpretes do Alentejo, vem assinalar esta data oferecendo visitas guiadas pelo centro histórico de Évora. As visitas serão realizadas em diferentes idiomas: Português, Inglês, Francês e Castelhano. Pretendemos chamar à atenção para a imensa riqueza da nossa cidade, e para o muito que há a descobrir para além do que se descreve em mapas e em roteiros turísticos. O ponto de encontro com os nossos Guias Intérpretes Qualificados será no posto de Turismo na Praça do Giraldo às 10,00. Esta visita é grátis, mas não inclui entradas nos monumentos.

Org.: Associação de Guias-Intérpretes do Alentejo - AGIA
Apoio: Câmara Municipal de Évora
Contactos: 
963702392
Visita Gratuita​

Informação retirada daqui

sábado, 25 de maio de 2013

Ecopista (a partir da cidade, em direcção a Arraiolos)



A ECOPISTA constitui o principal percurso pedestre que passa pela cidade de Évora, utilizando o antigo ramal ferroviário para Arraiolos e Mora. Na zona urbana, a  ECOPISTA é em tapete de betão betuminoso, para permitir a sua utilização a pessoas com mobilidade reduzida.

Desenvolvendo-se desde o Chafariz d'El Rei, em Évora, até à Herdade da Sempre Noiva, numa trajecto de cerca de 21km, tendo depois continuidade nos concelhos de Arraiolos e Mora, numa extensão total de 60km. 

Parte da ECOPISTA é utilizada no Percurso da Água da Prata, já referido. Mais informações sobre a ECOPISTA, no Posto de Turismo.

sábado, 30 de março de 2013

Óptica Havaneza o sucesso sob designação obsoleta



O “Prémio Mercúrio – o melhor do comércio” foi criado em 2007 pela Escola do Comércio de Lisboa com o propósito de reconhecer e galardoar as entidades e personalidades que, em cada ano, mais se tenham distinguido pela contribuição e valorização do sector do comércio e serviços e outras profissões a ele ligadas. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal veio a associar-se ao projecto como sua promotora. No ano passado foram atribuídos os primeiros troféus em várias categorias e diferentes ramos de actividade, mas nenhuma das empresas eborenses que se candidatou logrou a obtenção de qualquer distinção. No entanto, a Óptica Havaneza esteve entre as cinco nomeadas para a categoria de “Lojas com História”, tendo o triunfo sido arrebatado pela Livraria Lello do Porto. 

A selecção para o pequeno núcleo de empresas que chegou ao escrutínio derradeiro foi prestigiante para a firma, criada em 7 de Outubro de 1944 com um ob objectivo bem diferente do actual. Foram seus fundadores Sebastião Mendes Bolas, à data funcionário dos Correios, e sua mulher, Maria das Neves, que se estabeleceram na Rua Miguel Bombarda, nº 23, com um pequeno estabelecimento a que deram o nome de Havanesa (nessa altura a palavra foi assim grafada) Eborense. Destinava-se então à venda de tabacos nacionais e estrangeiros, lotaria, papelaria e artigos escolares. No anúncio publicado no “Notícias d’ Évora” se esclarecia que «as instalações da nova casa, não são muito espaçosas mas são largamente compensadas pelo variadíssimo sortido de artigos que apresenta». 

E porquê o nome estranho de Havaneza? Provavelmente porque este era o termo pelo qual se passaram a designar, desde a primeira casa em Portugal com esse nome – fundada em pleno Chiado lisboeta no ano de 1864 pelo Conde de Burnay – todas as lojas cujo objectivo principal era a venda de charutos e tabacos importados de Havana, sinónimo de grande qualidade e sujeição a um serviço cuidado e profissional no seu acondicionamento local. A primitiva Casa Havaneza, cuja existência ainda perdura, foi imortalizada na literatura portuguesa ao longo dos tempos, em obras de Eça de Queiroz (“Os Maias”), Guerra Junqueiro (“No Chiado”) e, mais recentemente, de José Cardoso Pires (em “Lisboa – Livro de Bordo”). 

 Com o passar do tempo, as havanezas foram-se, pois, estendendo um pouco por todo o país como indicativo de estabelecimento de comercialização de tabaco estrangeiro e de qualidade. Não foi assim motivo para admiração que também o casal tivesse conferido esta designação à sua loja, acrescendo-lhe apenas o qualificativo de eborense. Sete anos mais tarde, em 1951, a firma cria uma filial na Praça do Giraldo com o intuito de se dedicar ao ramo da fotografia. 

Em 1960 Sebastião Mendes Bolas encerra o primitivo estabelecimento na Miguel Bombarda (hoje faz parte da Xavier Modas – Confecções Femininas) e aproxima-se da filial para aí fundar a Tabacaria Paris. Maria das Neves mantém-se no comando da loja até à sua reforma, após o que a mesma será trespassada. É neste contexto que em 1968 Sebastião Bolas renuncia ao comércio dos tabacos, lotarias e papelaria para passar a dedicar-se à actividade óptica, sendo que o estabelecimento da Praça do Giraldo muda para o contraditório e já obsoleto nome de Óptica Havaneza (agora já com a ortografia corrigida) Eborense. Entretanto, já se envolvera no comércio e importação de máquinas e ferramentas, criando em 1965 a Sebastião Mendes Bolas & Filhos, Lda. (hoje Bolas – Máquinas e Ferramentas de Qualidade, SA) e depois a Mafeuropa- Máquinas e Ferramentas de Qualidade, já extinta. Politicamente era um homem de oposição ao regime salazarista, tendo sido um dos 36 eborenses que participaram no 3º. Congresso Nacional da Oposição Democrática, realizado em 1973 na cidade de Aveiro. 

Em 1987 a agora Óptica Havaneza Eborense volta a mudar de poiso, recuando um pouco nas arcadas. A empresa transfere- se para a Rua da República nº 27, em prédio próprio, o qual será objecto de grandes obras de ampliação e modernização. Reabre dividido por cinco secções: recepção, óculos de sol, óculos de receituário, contactologia, optometria e oficina, das quais nalguns casos foi pioneira. Numa visão de futuro toma definitivamente a dianteira no comércio óptico local, que entretanto floresce porque os óculos deixaram de ser as cangalhas que eram usadas por necessidade, a contragosto e muitas vezes às escondidas, para se tornarem em objectos de moda, em adereços e adornos desejados, com atraentes desenhos que valorizam o visual de mulheres e homens. As lentes de contacto foram-se impondo e com elas foi possível até mudar a cor dos olhos à vontade do freguês, como outrora se diria. O antigo anátema do ou da “caixa de óculos” perdeu-se por deixar de ter sentido. 

Foi tendo em conta esta evolução da empresa que a Associação Comercial de Évora decidiu propor a sua candidatura ao Prémio Mercúrio, na categoria de Lojas com História, a qual visa distinguir «lojas que, com mais de 50 anos, conseguiram ir adequando o seu conceito e adaptando a sua estratégia, de forma a continuarem a ser, ainda hoje, negócios de sucesso e factores de diferenciação do comércio de rua e, assim, pólos de dinamização das cidades bem como motivos de interesse cultural e turístico». O casal Mendes Bolas já há muito deixou o mundo dos vivos. O grande crescimento da firma enquanto óptica deve-se contudo a seu filho Francisco Mendes Bolas, o especialista na matéria e principal accionista da empresa, que continua a manter uma designação desfasada no tempo. De resto a Óptica Havaneza é hoje um êxito comercial, possuindo mais uma loja em Évora e filiais em Montemor-o-Novo e Reguengos de Monsaraz.

Texto: José Frota
Fotografias: Carlos Neves

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Farmácia Motta - O último reduto dos monárquicos eborenses



No comércio local existem lojas com mais de um século de existência. Do passado de algumas constam episódios que foram relevantes na história recente da cidade, ainda que o rolar dos tempos os tenha remetido para o baú do esquecimento. Importa por isso recordá-los, contribuindo para um melhor conhecimento do passado próximo da cidade, e também para se entender e compreender o seu presente. Isto porque a história de uma loja não se reduz à actividade a que se dedica nem ao espaço físico que ocupa, mas passa igualmente pelo percurso de vida dos respectivos proprietários e dos caminhos que imprimiram aos seus estabelecimentos. 

 É o caso da Farmácia Motta, situada em plena Praça de Giraldo, a qual foi palco de acontecimentos de natureza política de que muitos dos actuais eborenses não suspeitam mas que se vieram a inscrever nos registos oficiais da cidade e do país. O grande responsável por tais factos foi o seu proprietário, Joaquim Lopes da Motta Capitão, monárquico convicto e posteriormente nacional-sindicalista, de carácter inflamado e sempre pronto a usar da palavra ou da pistola para defender os seus ideais. Nascido no Tramagal em 1885, Motta Capitão, que foi um dos principais protagonistas políticos da cidade entre os anos de 1910 e 1933, veio muito novo para Évora a fim de ajudar seu tio na Farmácia Motta, que este fundara e tornara a mais conceituada do distrito. Inteligente, tirou com bastante facilidade o curso de Farmácia. Apaixonado e temperamental, casou cedo com Ana Fernandes Soares, filha única do poderoso proprietário e banqueiro Conselheiro José António d’Oliveira Soares. 

Gozando de excelente situação financeira, Motta Capitão evitou o encerramento do jornal “Notícias d’ Évora” nos dias seguintes à implantação da República, dado que este, como folha apoiante do dissolvido Partido Regenerador–Liberal, não tinha condições para continuar. Foram os operários despedidos a encontrar na pessoa do boticário da Praça de Giraldo a pessoa e a bolsa certa para o que o jornal não morresse. E, logo que reapareceu, o diário, pela pena do seu administrador Carlos Pedrosa, entendeu esclarecer que «reconhecendo a nova forma de governo instituída agora em Portugal, não queremos com isto dizer que aderimos à República». 

Investido por si próprio na função de redactor-chefe, passou usar o jornal como tribuna de ataque ao regime republicano. Enquanto cidadão, envolveu-se na conjura monárquica de 1912, pela que veio a ser condenado a 20 meses de cadeia na prisão do Limoeiro. Foi já na qualidade de director do “Notícias d’Évora”, e debaixo de forte escolta policial, que saiu do calabouço para vir responder ao Tribunal de Évora por abuso de liberdade de imprensa, com o fundamento de ter ofendido a Colomissão Concelhia de Administração dos Bens do Estado. 

Durante a sua reclusão foi o redactor agrícola Santos Garcia que assegurou a continuidade do jornal. Amnistiado por um decreto de Fevereiro de 1914, de Bernardino Machado, que abrangeu cerca de 1200 monárquicos, Motta Capitão é libertado e exila-se em Espanha. A morte do tio, que lhe deixa em herança a farmácia, obriga-o a regressar para ficar à testa do negócio. E volta de novo à política e ao jornal, ao qual torna a imprimir um cunho fortemente anti-republicano, envolvendo-se em várias quezílias com as autoridades. É assim que, na sequência de nova insurreição monárquica, os republicanos eborenses saem à rua para festejarem o seu insucesso e aclamarem a República, mostrando a sua firme disposição de a defenderem intransigentemente.

Em ambiente de grande exaltação, a enorme massa de manifestantes passa junto da Farmácia Motta e  segundo o Jornal “Voz Pública” – depois de alguns gritos de «abaixo os traidores» ouviram-se tiros, sendo voz corrente que partiram da farmácia, onde se encontravam os empregados e o proprietário, Joaquim da Motta Capitão. Prossegue o periódico: «Os vidros da farmácia voaram à pedrada, havendo mais tiros, um dos quais deu morte instantânea ao ajudante Jacinto Parreira, de 18 anos, ex-aluno da Casa Pia, de nada lhe valendo os prontos socorros da Cruz Vermelha que sem demora o conduziram ao hospital, já cadáver. Motta Capitão fora também atingido por dois tiros, um dos quais nenhum mal lhe produzira, por dar em uma caneta de tinta permanente que tinha no bolso do colete, sendo ferido pelo outro na mão direita, sem gravidade.

Chegadas ao local, as autoridades evitaram que a multidão invadisse a farmácia e linchasse o Capitão, o que por mais de uma vez esteve iminente. Conquanto os ferimentos o não tornassem necessário, foi metido numa maca e conduzido, sob escolta, ao Hospital, onde ficou detido. Pouco depois o povo, refluindo para a Praça de Giraldo, assaltou o “Notícias de Évora”, inutilizando as máquinas e queimando o mobiliário na praça em fogueira ateada para efeito (...). Jornal e farmácia foram encerrados e selados. Motta Capitão foi depois liberto com a promessa de não voltar à política e ao jornalismo.» Mas em 1925, com o recrudescimento do nacionalismo, regressou como presidente das Juventudes Monárquicas de Évora. Com o triunfo do General Gomes da Costa, aderiu à Liga 28 de Maio, organização de apoio à Ditadura criada em finais de 1926 mas só apresentada em Janeiro de 1928. Dado, porém, que a União Nacional demorava a implantar- se no terreno, a Liga 28 de Maio decidiu tomar a dianteira e aparecer como sua concorrente. Em Évora a farmácia tornou-se o principal local de reunião do grupo.

Com Joaquim Silva Dias (advogado e antigo secretário de Gomes da Costa) e António Cary Potes Cordovil (grande proprietário), Motta Capitão refundou o jornal “Manuelinho de Évora” e transformou-o em órgão local do grupo. O caldo entornou-se em 13 de Dezembro de 1931, quando dirigentes nacionais da Liga vieram a Évora inaugurar a sede distrital. Já no regresso, a caminho da Estação de Caminho de Ferro, estes viram-se cercados por republicanos que os apuparam e invectivaram. Na Avenida de Dr. Barahona houve agressões graves, gritaria infernal e tiros, daí resultando vários feridos de maior ou menor gravidade e a morte do carpinteiro Manuel dos Santos, apoiante da República.

A retaliação aconteceu na manhã seguinte. Às onze horas, quando Rolão Preto, o chefe dos nacionalistas radicais, se encontrava perto da Farmácia Motta, dentro do seu automóvel, em conversa com Silva Dias, este foi baleado mortalmente à queima roupa por alguém que se conseguira aproximar de uma portinhola do carro. Desvairado com o atentado, Motta Capitão passou meses nas páginas do jornal clamando vingança e a prisão de elementos da Maçonaria local sobre quem fazia recair as suspeitas do crime. O inquérito veio a dar como autor do disparo José Joaquim Coelho, um antigo cabo de polícia, expulso por envolvimento no golpe republicano de 3 de Fevereiro de 1927. Entretanto a Liga 28 de Maio transforma-se no Partido Nacional/Sindicalista. Motta Capitão, que se tornara ferrenho adepto do fascismo e possuía em cima da secretária, no seu gabinete de trabalho, uma fotografia de Benito Mussolini, adere entusiasticamente. A 28 de Junho de 1932, só por um erro no seu reconhecimento, por parte de um carbonário que tencionava assassiná-lo, não foi abatido à porta da farmácia de que era dono. Foi porém a ilegalização do Partido Nacional/Sindicalista que acabou por afastá-lo do jornalismo e da política. Tinha então 47 anos e os dias de paz na Farmácia voltaram aos tempos do seu tio e fundador.

Autor: José Frota

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Jardim Público - o “pulmão verde” da cidade


Lamentavelmente, poucos são os eborenses que se apercebem da beleza calma e tranquila do Jardim Público da sua cidade. Quase só o procuram turistas, estudantes e velhos à espera do passaporte para o outro mundo. É verdade que muitos outros, a maioria, naturais ou habitantes do burgo, o cruzam em passada acelerada para encurtar distâncias entre oblíquos destinos já definidos. Atravessam- no absortos, alheados e indiferentes à presença do grande pulmão verde da urbe, herdeiro do Passeio Público que, como raros outros no país, marcou arquitectónica e paisagisticamente o romantismo do fim do século XIX. O Passeio Público foi um elemento caracterizador da sociedade portuguesa do tempo, altura em que a burguesia urbana, principalmente a feminina, se atreveu a sair do enclausuramento medieval para conviver e saber novidades, enquanto ouvia tocar música, tomava o seu sorvete, assistia a representações teatrais e, em datas festivas, ao lançamento de fogo de artifício.

O Passeio ou Jardim Público surgiu em Portugal a partir do conhecimento do denominado Jardim à Inglesa, que começara a ser implantado em Londres quase uma centúria antes. Obedecia à ideia romântica de valorização da paisagem associada ao pitoresco (jardins com falsas ruínas, pavilhões, pontes, lagos, coretos e quiosques) e à utilização do ferro fundido como novo material de construção. Foi sob estes pressupostos estéticos que foram concebidos estes espaços de devaneio e diversão. O planeamento do Passeio Público de Évora coube ao arquitecto e cenógrafo italiano José Cinatti (1808-1879), que, tendo estudado em Milão, fugiu para Portugal em 1839 devido a razões de natureza política. Acolhido e protegido em Lisboa, onde existia um importante colónia de conterrâneos seus, que o apresentaram aos influentes pares do reino e burgueses endinheirados, depressa ganhou notoriedade pública graças à qualidade dos seus trabalhos, passando a ser o arquitecto e cenógrafo da moda.

Foi na capital que o abastado lavrador José Maria Ramalho Perdigão (1830-1884) o descobriu e contratou para projectar, em espaço que lhe pertencia, e se situava numa das modernas portas da cidade, um palácio sumptuoso digno da sua opulência e fortuna que viria a ser conhecido pelo nome de Palácio Barahona. Entretanto, Ramalho Perdigão tinha doado ao município os terrenos que haviam constituído a antiga horta real do palácio de D. Manuel (apenas restou a Galeria das Damas) e do Convento de S. Francisco e outros, à época afectos ao exército, numa extensão de 3,3 hectares. E foi a expensas suas que José Cinatti dirigiu, entre 1863 e 1867, os trabalhos de arqueologia e jardinagem do Passeio Público. Curiosamente, foi por alturas da Feira de S. João de 1867 que o escritor Eça de Queiroz abandonou Évora. Pouco antes, escrevera nas páginas do “Distrito de Évora”, pouco entusiasmado com o que vira: «uns minguapasseio dos tapetinhos de verdura, as árvores raras e despidas das galas da folhagem, as placas nuas, sem elegância».

A verdade é que só meses depois vieram a ser colocados os lagos com cisnes e terminada a instalação das Ruínas Fingidas, de estilo gótico, compostas por ameias de inspiração árabe, janelas geminadas com arcos em ferradura, pórticos e torre, retiradas de vários monumentos civis e religiosos da cidade, nomeadamente do Palácio do Vimioso. Enquanto isto as árvores exóticas, de crescimento rápido, rompiam em todo o seu esplendor. Magnólias, cedros, plátanos, begónias, castanheiros da Índia e outras espalhavam não apenas o seu perfume pela vasta área como igualmente projectavam a sombra refrigerante que os calmosos dias de Verão reclamavam. Cinatti morreu em 1879, e uma comissão de eborenses ilustres decidiu homenageá-lo, perpetuando-lhe a memória no espaço que tão habilmente pensara e gizara.

Um busto seu, da autoria do escultor Simões de Almeida, ali veio a ser colocado em 4 de Maio de 1884. Mas o embelezamento do Passeio Público prosseguiria com a inauguração do coreto, em 20 de Maio de 1888. À beleza naturalista do espaço acrescentava-se agora uma nova funcionalidade de ordem cultural. Criava-se desta forma um local especialmente destinado à realização de Fotografias de Carlos Neves passeio Jardim Público o “pulmão verde” da cidade concertos e outros espectáculos de matriz similar, muito apetecidos entre as elites e classes em ascensão, onde era fino ser melómano. Por seu turno, actuar no coreto «diante de gente tão selecta e distinta» constituía uma honra para as bandas filarmónicas. A sua frequência não era acessível a todos, dado que a entrada no recinto era paga.

O Passeio Público de Évora ganhou então fama em todo o país. As ditas melhores famílias da cidade, ou de fora mas cumprindo vilegiaturas em casa de parentes e amigos, acorriam à sua fruição com assiduidade inesperada, deleitando-se com a beleza e a civilidade do local. Até que, em 1910, o movimento republicano democratizou o espaço e mudoulhe o nome para Jardim Público. O escol social citadino passou a desprezá- lo gradualmente e “o charme discreto da burguesia” deixou de se sentir por ali. Mas continuou a ser frequentado, especialmente aos domingos e dias de festas, agora por pessoal menos snobe e afectado. No dia 14 de Julho de 1919 recebeu uma Oliveira da Paz, comemorando o final da I Guerra Mundial.

A instalação, nas imediações, das estações rodoviárias, a partir dos anos 40, fez do Jardim Público um bom lugar de espera para os forasteiros que tinham de aguardar pelo transporte de regresso. Com a oposição da Igreja, acolheu em 1949 o busto de Florbela Espanca, que tanto o frequentou e por ali namorou e poetou. Entre os anos 50 e meados dos anos 60 foi literalmente invadido, três a quatro vezes por temporada, por milhares e milhares de adeptos de futebol, nos domingos em que milhares e milhares de adeptos de futebol se deslocavam a Évora para aplaudirem os clubes da sua predilecção, em compita com o Lusitano, nos tempos áureos da permanência deste na I Divisão Nacional.

Noutro âmbito, a presença dos pavões, aliada à dos cisnes nos lagos, ou a cantoria desenfreada de pássaros faziam dele o encanto da criançada que pais e avós ali levavam a passear. Depois, com a Revolução de Abril, muita coisa se alterou. Perante a passividade das autoridades, o Jardim passou a dar guarida a toda a casta de marginais, que conspurcavam o ambiente e cujo comportamento atemorizava os mais afoitos. A permissão da montagem de um quiosque, servido por uma esplanada, a maior utilização da Galeria das Damas como cenário de eventos culturais e a aquisição do antigo Regimento de Artilharia 3 pela Universidade de Évora, que ali instalou o seu Departamento de Ciências Exactas, acabaram por banir dali os indesejáveis. Hoje transita-se no Jardim como a mesma tranquilidade de outrora. Voltou a ser um excelente espaço para passear, correr, descansar, ler, estudar, reflectir ou apenas oxigenar os pulmões, ainda que necessite, como é óbvio, de passar por um urgente programa de recuperação e requalificação.

Textos: José Frota

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A nobre e monacal Pousada dos Lóios



A 27 de Março de 1965 a cidade embandeirava em arco com a inauguração da Pousada dos Lóios, instalada no antigo Convento do mesmo nome e erigido, este, sobre as ruínas do primitivo castelo medieval em finais do século XV. Quebrava-se, por fim, um hiato de duas décadas e meia durante o qual Évora não dispusera de uma unidade do género, que primasse pela alta qualidade e superior conforto. Preencher tal lacuna tornara-se urgente, porque entretanto, a cidade começava a concitar o interesse de turistas nacionais e estrangeiros, interessados em nela pernoitar ou prolongar a estadia para, a partir daqui, se lançarem à descoberta de outras terras espalhadas pelo distrito.

A construção desta unidade hoteleira de excelência integrou-se na segunda fase da rede “Pousadas de Portugal”, criada em 1940 pelo então Secretariado Nacional da Propaganda, dirigido por António Ferro, conhecido intelectual do Estado Novo. O objectivo inicial do projecto visava a promoção turística do país no estrangeiro, oferecendo um conjunto de alojamentos criados de raiz e disseminados pelo país, que se distinguisse pela prática de baixos preços, tendo por alicerce a qualidade dos serviços prestados, com especial atenção para a gastronomia, que devia aproximar-se o mais possível da tradição local. Assim nasceram as Pousadas Regionais, com um número reduzido de quartos e onde não era permitida a estadia por mais de três noites consecutivas, para garantir a rotatividade da ocupação.

António Ferro deixaria o cargo onde tão influente fora em 1949. Muitas coisas haveriam de mudar em relação aos propósitos inaugurais. A partir da década de 50 o conceito de Pousada alargou-se ao de “Pousadas Históricas”, como produto do desejo de salvar da ruína e do
esquecimento edifícios históricos (castelos, mosteiros e conventos), alguns deles Monumentos Nacionais, que vieram a ser recuperados com fundos do orçamento público e adaptados a funções hoteleiras. Foi neste contexto que se fez a reabilitação do Convento de S. João Evangelista, da Ordem secular dos Frades Lóios, de fundação portuguesa e cujos cónegos regrantes não faziam votos secretos. O edifício tinha sido mandado erguer em 1485 por D. Rodrigo Afonso de Melo, primeiro e único Conde de Olivença e governador de Tânger. Em finais do século XIX passou para a posse do Estado e veio a ser sucessivamente utilizado como estação telegráfica, escola, quartel, Direcção dos Monumentos do Sul (1937) e Arquivo Distrital de Évora (1947). Neste interim ganhou o estatuto de Monumento Nacional em 1922.

A intervenção efectuada, projectada a partir de 1957 pelo arquitecto Rui Ângelo do Couto, permitiu ao Convento, de grande valor artístico, recuperar a monacal atmosfera de antanho e restaurar os testemunhos pictóricos do nobre e esplendoroso tempo da sua fundação. Assim, a Pousada dos Lóios é actualmente uma unidade de grande requinte, estruturada durante os períodos gótico-manuelino-mudéjar e renascentista, em que tudo evoca de forma permanente a fase da lusa Idade de Ouro.

A Pousada dispõe de 31 quartos e 2 suites. Os quartos revelam-se um pouco acanhados, na opinião de alguns, dado que correspondem em dimensão às antigas celas dos monges, todas diferentes umas das outras, mas estão decorados a preceito e equipados com os requisitos da vida moderna: ar condicionado, mini bar, TV por cabo, secador de cabelo, cofre, roupões de banho e internet. Situam-se no primeiro andar e ainda suportam a presença de uma cama extra. A eles se ascende por uma monumental escadaria de mármore. Ali ficam igualmente as duas suites, mais espaçosas, mas que pouco ou nada divergem dos quartos em termos de conforto e equipamento.

Situam-se no piso térreo os compartimentos de maior valia arquitectónica. Neles decorria a vida diurna dos monges, mais terrena e menos contemplativa. Espectacular é o claustro - onde hoje são servidas as refeições em dias soalheiros - de arcadas geminadas e enobrecido pela porta da Sala do Capítulo (salão onde os cónegos se reuniam diariamente para ler um capítulo da Regra da Ordem e tratavam de todos os assuntos concernentes à existência da comunidade), de belos e adornados capitéis. Quando o clima o não permite as refeições, tal como os pequenos-almoços, realizam-se no antigo refeitório dos anacoretas. A antiga cozinha está transformada num bar especial onde se servem aperitivos e vinho da mais diversa qualidade e origem.

A oferta gastronómica perdeu a genuinidade de outros tempos, embora tenha qualidade e incorpore alguns elementos da região, tratados agora de forma mais sofisticada, provavelmente mais próxima do paladar internacional. A oferta vinícola é bastante boa mas desequilibrada nos preços, em certos casos francamente especulativos. Noutra perspectiva, a Pousada está também preparada para organizar coquetéis e banquetes. Para reuniões e conferências dispõe da Sala Império, antiga sala do D. Prior, revestida de pinturas murais e de retratos ovalados de grandes figuras da História de Portugal e em que cada mesa pode acolher 12 pessoas.

Também o restaurante pode receber outros eventos, pois tem capacidade para receber 50 pessoas em configuração de audiência.
De resto a Pousada tem uma pequena mas graciosa piscina e um jardim com esplanada. Nas suas imediações proporciona passeios de bicicleta, pedestres e de balão de ar quente, equitação, actividades de tiro e karting, entre outros. Para além do ambiente de luxo e requinte, a Pousada dos Lóios possui ainda uma localização privilegiada - ocupa posição central na chamada Acrópole
Eborense.

Texto: José Frota
Fotografias: Pousada dos Lóios

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

A História da Fábrica de Massas «Leões»



A “SAM - Sociedade Alentejana de Moagem, Lda.” criada em 1916 por iniciativa de um grupo de proprietários e lavradores, inaugura em 1917 uma das mais importantes fábricas existentes na região do Alentejo a “Fábrica dos Leões”. Foi a maior empresa industrial eborense, e depois de ter sido adquirida pelos industriais espanhóis radicados em Lisboa, Eugénio Alvarez e Manuel Alvarez y Rivera aumenta o seu capital social de 120 contos para 800 contos. Nesta altura a “Fábrica dos Leões”, já dava emprego a 137 operários.

Este conjunto industrial constitui uma das primeiras centrais termoeléctricas da moagem alentejana, representando um primeiro passo, provavelmente tardio, da industrialização do Alentejo. Anterior à «Campanha do Trigo», a fábrica constitui uma importante referência na indústria moageira nacional e detém um papel de relevo na história da região. Em termos de dimensão tratava-se da maior unidade industrial do Distrito de Évora, seguindo-se-lhe a “Empresa Industrial de Cortiças Eborense” que empregava 80 trabalhadores.

A “Fábrica dos Leões” dispunha de uma central termoeléctrica privativa, instalada em 1942 com 40 kW de potência, em 1947 passa a receber energia da Câmara Municipal de Évora e a partir de 1949 é fornecida pela “UEP - União Eléctrica Portuguesa”. Dispunha igualmente do seu próprio cais de carga e descarga de comboios. Na década de 70 do século XX a “Fábrica dos Leões” passa a designar-se “Fábrica de Massas Leões”

A “Fábrica de Massas Leões” encerrou em 1993 tendo sido adquirida pela Universidade de Évora em 1998. Os edifícios em parte recuperados, e no restante erguido de raiz com o projecto de Inês Lobo e Carrilho da Graça acolhe o “Complexo de Arquitectura e Artes Visuais” desde 2 de Novembro de 2008. Neste complexo foram instalados os cursos do Departamento de Artes Visuais, Escultura, Multimédia, Pintura e Design e o Curso de Arquitectura da Universidade de Évora.

Textos: José Leite

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

A História do "Banco do Alemtejo"


O "Banco do Alemtejo" foi fundado em 6 de Fevereiro de 1875, com sede na Praça do Giraldo na cidade de Évora, com um capital social inicial de 1.200 contos de réis (1.200.000$000 réis) distribuído por 24.000 acções de 50 reis cada. A sua actividade tinha por objectivo «as operações de um banco de circulação, descontos e depósitos e todas as demais que forem próprias da sua natureza». Entre outras das mais destacadas teve a da emissão de notas. Foi um dos nove bancos nacionais que teve autorização para o fazer até à concessão da exclusividade ao Banco de Portugal.

A iniciativa da criação deste Banco partiu iniciativa dos negociantes locais: João Lopes Marçal, Eduardo de Oliveira Soares, José António Soares Pinheiro, António Lopes Horta e António Simões Paquete; os proprietários e lavradores José Sebastião Torres Vaz Freire, José Carlos Gouveia, e Joaquim de Matos Peres; os médicos José Lopes Marçal e Joaquim Henriques da Fonseca e os professores liceais José da Fonseca e Costa e João Augusto Calça e Pina. Os nortenhos eram cinco com ligações ao "Banco Comercial de Viana do Castelo" fundado em 1873.

Nesta cidade ficaram a existir, duas entidades bancárias: o "Banco Eborense" e o "Banco do Alentejo", ambos fundados em 1875, ainda que o primeiro tenha funcionado no ano anterior com a designação de "Caixa de Crédito Eborense". Segundo Hélder Adegar da Fonseca, «em meados do século destacavam-se em Évora duas instituições como importantes fornecedoras de dinheiro a crédito: a velha Misericórdia local e a Casa Pia». A necessidade da criação de bancos era entendida, nomeadamente pelos grandes lavradores, como uma necessidade de extrema urgência visando o empréstimo de dinheiro a prazo.

É assim, que surge a citada "Caixa de Crédito Eborense", em 1874 com sede na Praça de Sertório em Évora, dotada do capital social de 33 contos de réis dividido em 660 acções (50 mil réis cada) e destinada a receber depósitos sem juro, à ordem, e com juro, a prazo fixo, fazer empréstimos a corporações do distrito e realizar descontos de letras. Os resultados obtidos levam os homens fortes da sociedade – o referido investigador identifica os quatro principais como sendo o visconde da Esperança, os lavradores José Maria Ramalho Perdigão e José Joaquim de Moura Amaral e o negociante Manuel Eduardo de Oliveira Soares – a proceder ao aumento de capital que se irá fixar nos 1000 contos.

Na área da banca, finanças e seguros houve 5 registos, todos anteriores ao 28 de Maio de 1926. Para além do "Banco Eborense" (1875), do "Banco do Alentejo" (1875), foi registada a "Caixa de Crédito Agrícola Mútuo das Alcaçarias", a "Anselmo & Guerreiro" (1892) e, em 1916 a companhia seguradora “A Pátria”. A partir deste momento, não não se constituíram novas casas que negociassem com o dinheiro, embora o número de operadores na cidade de Évora não deixasse de aumentar até ao início dos nos 20 do século XX.

Em 1875 havia em Portugal 51 bancos, 21 do quais regionais, isto é, com sede fora de Lisboa e do Porto. Relativamente a esta “euforia” bancária : «Em 1875 chegou a Portugal a prática malsã da pletora bancária. Num curto período, exactamente de um ano, os estabelecimentos de crédito subiram de 26 para 51. Dir-se-ia que o dinheiro, seduzido por miragens de prosperidade fácil, corria, em marcha alucinada, apenas embrulhado numa única e suprema aspiração: fundar bancos sobre bancos»

Por sua vez, em 1889, o número de bancos havia baixado para 41, sobretudo os sediados em Lisboa e no Porto, dado que o número dos regionais só tinha descido para 18.

Em 1922 e 1923 existiam em Portugal 31 bancos, número que, em 1925, já havia diminuído para 24. Mesmo assim, tratava-se de um número exagerado, face ao evidente atraso do mecanismo económico e à defeituosa máquina bancária. Ainda nos anos 20 do século XX, certas casas bancárias transformaram-se em bancos, alguns dos quais, a partir de então, vieram a desempenhar um papel relevante na história bancária portuguesa, designadamente: Espírito Santos Silva & C.ª (1920); Pinto & Sotto Mayor (1925); Henry Burnay & C.ª (1926).

Não obstante se ter verificado um controle estatal mais rígido, com a Ditadura Militar (1926-1932) e com o Estado Novo (1933-1974), nos anos 30 do século XX o número de casas bancárias e banqueiros ainda ascendia a cerca de meia centena. Porém, pelos meados de 1950, já só havia, em Portugal continental, 18 bancos e 14 casas bancárias.

A 4 de Abril de 1972 o "Banco do Alentejo" incorpora a casa bancária "Almeida Basto & Piombino & Cª" estabelecida a 2 de Junho de 1881 na Rua do Ouro em Lisboa, a partir da casa bancária "Basto & Piombino".

O "Banco do Alentejo" foi absorvido em 10 de Dezembro de 1976, em virtude da vaga de nacionalizações da banca portuguesa decretada em Março de 1975, pelo "Banco Fonsecas & Burnay" (este resultado da fusão em 1967 do "Banco Burnay", ex-casa bancária Henry Burnay de 1875, e do "Banco Fonsecas, Santos e Vianna", ex-casa bancária fundada em 1861 por Francisco Isidoro Viana, tendo sido o último banco regional que sucumbiu à constituição dos grandes grupos económicos nacionais que entretanto se tinham criado em Portugal.

O "Banco Fonsecas & Burnay" foi adquirido em 1991 pelo BPI - "Banco Português de Investimento" fundado em 1981.

Textos: José Leite

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

A História do Salão Central Eborense


O “Salão Central Eborense”, em Évora, iniciou a sua actividade como animatógrafo no dia 23 de Setembro de 1916, resultado de uma adaptação de uma barracão anexo ao «Hotel Eborense» pelo seu proprietário José Augusto Annes.

Este edifício era composto por quatro pisos, integrando um restaurante e salas de recreio sendo a sua lotação de 784 espectadores distribuídos por: 308 na plateia, 264 na geral e 212 nas frisas e sendo servido por energia eléctrica produzida a partir de gerador próprio. Em 1922 a sala de espectáculos sofre remodelações para poder receber companhias e artistas além das sessões de cinema, com projecto, provavelmente da autoria de José Oreiro Teixeira, pelo que em 23 de Julho de 1923 o “Salão Central Eborense” reabre as suas portas como cine-teatro. Em 1931 o “Salão Central Eborense” estreia o cinema sonoro em Évora.

Em 1943, o “Salão Central Eborense”, já propriedade D. Judith Sanches de Miranda decide entrar em obras após ter sido chumbado numa vistoria de 1934 sendo a única sala de cinema em Évora pelo que é decidido avançar com novas obras que permitam melhorar as instalações de forma a proporcionar uma melhor comodidade e segurança dos espectadores tendo para tal sido escolhido o arquitecto Francisco Keil do Amaral que já tinha sido responsável pelo projecto de arquitectura da presença de Portugal na Exposição Internacional de Paris, em 1937. A nova sala é inaugurada em 1 de Novembro de 1945.

Já existia, entretanto, outro local de projecção de filmes em Évora mas este ao ar livre: o "Éden Esplanada" que foi durante quarenta anos o único cinema ao ar livre desta cidade, tendo ocupado o espaço do demolido Convento de Santa Catarina. O projecto da renovação do "Salão Central Eborenese" incidiu sobretudo, e por condição contratual nos alçados, não deixando contudo de alterar profundamente o seu interior, o qual é constituído por um foyer, dois átrios e necessárias instalações técnicas (projecção) e de serviço (sanitários); o palco, em relação à edificação anterior, transita do extremo nascente para poente; contudo a profundidade do palco é exígua, o que reduz a sua utilização para o teatro. A lotação passa a ser de 548 lugares assim distribuídos: 324 na plateia, 214 no balcão e 10 nas frisas.

A 27 de Dezembro de 1945, Carlos Porfírio estreia o seu primeiro filme “Sonho de Amor”, no "Salão Central Eborense". Depois da ante estreia deste filme em Évora, este só estrearia em Lisboa a 25 de Agosto de 1948. Os actores eram: Maria Eduarda Gonzalo, Ramiro da Fonseca, Bárbara Virgínia e Olavo de Eça Leal.

Nos anos que se seguiram, a afluência aos espectáculos cinematográficos no “Salão Central Eborense” decai devido à conquista desse público pela televisão, que cada vez mais se tornava acessível à maioria da população, e nos anos 80 com a abertura do cinema Alfa em Évora, mais confortável e com uma melhor qualidade de filmes e imagem, e, por último, com a disseminação do gosto pelos vídeo-clubes; as dificuldades de manutenção deste espaço aumentam e, já no seu derradeiro final, as fitas passadas são exclusivamente do foro pornográfico; em 1988 encerra definitivamente as suas portas à actividade cinematográfica.

Nos anos que se seguem, a “Empresa Manuel Themudo Baptista” arrenda este espaço com o consentimento da Câmara Municipal de Évora a outras entidades: uma rádio local, uma seita religiosa, etc. Em 1996, e após algumas dissensões com o proprietário em relação à compra do imóvel, este é finalmente adquirido pela Câmara Municipal de Évora. Desde esse período e devido à falta de verbas que permitam a recuperação do espaço, este tem vindo progressivamente a deteriorar-se face às condições climatéricas, falta de limpeza e vandalismo.

Textos: José Leite

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Apogeu e queda do Fomento Eborense



O Fomento Eborense foi uma maiores empresas nacionais de armazenagem, distribuição, venda e fabrico de produtos alimentares, durante mais de 60 anos, mais concretamente entre 1922 e finais dos anos 80, a partir dos quais se desmoronou como um castelo de cartas. Para muitos a rapidez com que tal império ruiu é ainda hoje um mistério por explicar do ponto de vista económico mas, para outros, a queda deveu-se a factores que tiveram por base graves desinteligências de natureza familiar, associados a um acontecimento funesto na vida do casal proprietário e à pouca qualidade dos últimos quadros contabilísticos. 

Mas esta empresa sempre se afirmou pelo espírito inovador, dinâmico, criativo e arrojado do seu principal mentor, Fernando Luís Ribeiro Alves Martins. Embora tenha começado a funcionar um ano antes, a empresa só nasceu legalmente como sociedade regional de importação e exportação de bens alimentares a 3 de Abril de 1922, sendo seus sócios o comerciante citadino José Roma Pereira e os lisboetas Filipe Rodrigues Melo Ataíde e José Filipe Rodrigues. Destes, só José Filipe Rodrigues se manteve quando, em 1930, o pacto social foi alterado e recebeu a companhia de António França Godinho e Luís Alves Martins. Por essa altura o Fomento Eborense tinha a sua sede no nº. 80 Rua João de Deus, local em que, algumas décadas depois, se instalaram as Galerias Teófilo e actualmente a loja Valadim, ambas dedicadas ao comércio de vestuário. 

O estabelecimento comercial ficava no rés-do-chão, enquanto o primeiro andar albergava o escritório. Mais ousado, político e empreendedor que os seus sócios Luís Alves Martins, que em 1932 se tornou presidente da Associação Comercial de Évora e, três anos mais tarde, Presidente da Comissão Administrativa da Câmara Municipal de Évora, foi cimentando a sua posição desembaraçando-se paulatinamente dos seus sócios, à excepção do seu grande amigo António França Godinho, até se transformar praticamente no senhor incontestado do Fomento Eborense. Entretanto a empresa alargava os seus negócios com a abertura da Fábrica Diana, situada na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra, 31, na qual produzia drops, caramelos, rebuçados e confeitaria variada, a par de gelo comercial, funcionando também como distribuidora de fósforos, refrigerantes e cerveja, uma vez que era representante, para o sul do país, da Sociedade Central de Cervejas.

A 31 de Agosto de 1949, Luís Alves Martins faleceu inesperadamente no Hospital da CUF em Lisboa, para o qual tinha sido encaminhado para ser operado de urgência. Natural de Proença-a-Nova, tinha 53 anos e era, na altura, vogal do Grémio dos Armazenistas de Mercearia. O seu desaparecimento originou uma recomposição do capital social, cifrado em 80 contos, e que na parte familiar ficou distribuído da seguinte forma: Alice Ribeiro Alves Martins (viúva), 19 contos; Fernando Luís Ribeiro Alves Martins (filho e já seu braço direito nos negócios apesar da sua juventude), 10 contos; Manuel João Cutileiro Ferreira (genro, futuro deputado da Nação, casado com Maria Luísa Ribeiro Alves Martins), 5 contos; e António Descalço de Torres Vaz Freire (igualmente genro, abastado lavrador e consorciado com Maria Noémia Ribeiro Alves Martins), igualmente 5 contos. 

Externamente à família, e dada a relativa inexperiência de Fernando Alves Martins e a necessidade de este poder contar com o apoio de gente com traquejo na gestão comercial e industrial, manteve-se António França  Godinho, com nove contos, e deu-se entrada a Rogério Batalha, Luís Paquete Godinho e Fernando Augusto Dinis, todos com 10 contos, e a Manuel de Oliveira Seisdedos Maldonado, com 2 contos, que foi nomeado primeiro como «administrador do estabelecimento  e fábricas desta sociedade» e dois anos mais tarde gerente. 

Dois anos depois o capital social é aumentado para 100 contos. Mas o jovem Fernando Alves Martins rapidamente revelou raro talento para o negócio, visão de futuro e espírito desempoeirado. Frequentador dos principais centros europeus do comércio alimentar por grosso (era frequentador assíduo das grandes internacionais do sector) e da indústria de confeitaria, começou a pensar no desenvolvimento e expansão da empresa, alicerçada em novos métodos e processos de distribuição e produção. Para isso necessitava de fazer grandes investimentos, os quais passavam pela compra das quotas dos sócios mais conservadores e pela junção da fábrica ao escritório.

Foi ao dar informalmente conta deste seu projecto a elementos da administração da Sociedade Central de Cervejas (o Fomento Eborense era, como se viu, seu distribuidor para o Sul do País) que estes o incentivaram a ir em frente, emprestando-lhe a soma para concretizar uma operação de tamanha envergadura. Em face disto a empresa regista nova alteração do pacto no ano de 1959, com Fernando Martins a ficar com uma posição leonina, acompanhado das pequenas quotas, ainda que também aumentadas, de Manuel João Cutileiro Ferreira e Manuel Seisdedos. Patrimonialmente o Fomento Eborense amplia o seu espaço na Avenida dos Combatentes da Grande Guerra e transfere para lá o seu escritório. 

Aumenta igualmente a área dedicada à Fábrica Diana. É no início dos anos 60 que se dá a grande expansão da empresa e o volume de negócios dispara por completo. Torna-se a segunda maior empregadora do concelho, só superada pela Siemens, que por esse tempo também se instala na cidade, e uma empresa de verdadeira dimensão nacional. A construção do primeiro supermercado em Évora marca essa fase de grande dinamismo. Cativado com o êxito da SPAR, empresa holandesa criada em 1932 com o objectivo de reunir numa estrutura única retalhistas independentes de pequena dimensão e grossistas, capaz de se opor ao aparecimento das grandes cadeias de distribuição da Europa, Fernando Martins resolveu integrar o Fomento Eborense na referida rede. 

Para o efeito mandou construir, na Avenida Leonor Fernandes, num terreno baldio junto a um posto gasolineiro que ainda hoje ali se mantém, um edifício adequado à função, de cujo projecto se encarregou o desenhador Daniel Ribeiro Sanches. Quase simultaneamente são lançadas as pastilhas elásticas “Pirata”, produção da Fábrica, as quais, correspondendo à febre de mascar que assaltou a mocidade do tempo, obtêm um estrondoso sucesso. Como meio de apoio à promoção do produto foi criada em 1965 a revista do mesmo nome, que publicava banda desenhada, histórias, passatempos e concursos e tinha um espaço, reservado ao Clube, de publicitação paralela, que chegou a reunir 90 mil sócios. Durou catorze anos e marcou a entrada em funções na empresa da mulher de Fernando Martins, Maria Fernanda Vargas Alves Martins, directora da revista, e da sua filha, Maria Luís (Milucha), então já casada com António Maria Bustorff Silva, um bom vivant ligado a uma família bem conhecida do regime salazarista.


Durante cerca de duas décadas o Fomento Eborense vive o seu período de apogeu. Mas se muito se facturava, também muito gastava na estúrdia lisboeta o casal, com segunda casa na capital. A férrea gestão anterior eclipsou-se. Seisdedos Maldonado, péssimo na relação com os empregados mas competente como administrador, aproveitou um convite de Lisboa e abalou. O 25 de Abril de 1974 causou as primeiras brechas num sistema cuja solidez já conhecera melhores dias. A SPAR abandonou Portugal, pois as regras do jogo no comércio alimentar foram mudadas e a gestão do supermercado foi atribuída a quem não possuía conhecimentos para tal.

Entretanto o casamento de Milucha estoirara. O segundo matrimónio da jovem viria a revelar-se fatal para o destino da empresa. Maria Luís viria a falecer na sequência de um parto, já após ter dado à luz um rapaz. Dilacerado pela dor, o casal deixou de ter condições psicológicas para gerir a empresa. Tudo se precipitou. Daí ao descalabro foi um passo. A fábrica e as pastilhas ainda resistiram por mais algum tempo, mas o Fomento Eborense acabou por cerrar portas em definitivo, em princípios dos anos 90. O processo administrativo de dissolução e liquidação, que decorreu na 2ª. Conservatória do Registo Comercial de Lisboa, só foi concluído, contudo, em Setembro de 2009.

Texto: José Frota
Fotografias de Arquivo Fotográfico Municipal

terça-feira, 17 de julho de 2012

A Genuinidade do Jardim da Palmeira

Na área do seu Centro Histórico, Évora é uma cidade bem dotada de pequenos jardins, como talvez nenhuma outra no país. Muitos são os que pensam que eles são o sucedâneo das casa-pátio em que o velho burgo foi e ainda é fértil ou, numa versão mais alargada, dos frondosos oásis que existiam junto dos conventos e faziam parte dos seus domínios, tendo revertido para o domínio público quando da sua extinção e sido posteriormente transformados em lugares de lazer, diversão, namoro e passeio, continuando a cumprir de igual forma a sua função ecológica e ambiental.

Com efeito, se bem se atentar na localização dos jardins eborenses facilmente se constatará que o Jardim do Paraíso se encontra na extensão do demolido convento do mesmo nome, o de S. Mamede existe encostado ao antigo Convento de Santa Mónica, o de Diana perto do Convento dos Lóios e o das Canas nas imediações do Convento de S. Domingos. Estes foram prazeirosos e amenos lugares de convívio ou de quietude muito importantes para que os que viveram a cidade e na cidade durante os finais do século XIX até quase ao termo da centúria transacta.

Por essa altura foi dada cobertura a uma intervenção deveras infeliz efectuada em todos eles, que os descaracterizou por completo. Consentiu-se na introdução de elementos espúrios, no abate de algumas árvores, no empedramento do piso, na eliminação de caleiras, enfim, numa panóplia de erros, a pretexto de uma pretensa modernidade, que acabou por afugentar os seus habituais frequentadores. O arquitecto Ribeiro Telles, professor na Universidade de Évora e um dos pioneiros na introdução da arquitectura paisagística em Portugal, censurou duramente essas alterações feitas em espaços emblemáticos da cidade por apenas um técnico, sem que mais ninguém tivesse a palavra.

Vem todo este arrazoado a propósito da abertura ao público, desde o início do ano, do Jardim da Palmeira, um espaço muito aprazível e contido devido à presença das muralhas fernandinas. Quase desconhecido, fica situado entre o Hotel M’Ar de Ar e a própria muralha, estando acessível através de um portão existente na Travessa da Palmeira, na ligação à Rua Serpa Pinto. Dispondo-se longitudinalmente, o caminho está logo à entrada rodeado de árvores esguias e bem altas, num cenário bucólico e romântico. Depois, à medida que se vai progredindo, o arvoredo apenas se prolonga do lado esquerdo, acompanhando as muralhas, enquanto no flanco contrário se estende um bem tratado relvado que dá para as traseiras do hotel. 

Segue-se a piscina privativa do mesmo e a porta que dá entrada para o bar, que poderá utilizar. Palmeiras só se avistam duas entre muitas árvores. Mas o nome do Jardim, como o da rua, tem a sua razão de ser. Ali ficava a Quinta da Palmeira que, para confirmar a regra, foi propriedade da Ordem da Cartuxa. E o actual Jardim não passa afinal do que resta da antiga quinta. Com hora de abertura às 9 da manhã e de encerramento às 17 horas de Setembro a Abril ou às 20:30 de Maio a Agosto, o Jardim da Palmeira merece ser descoberto e usufruído, pois permite reavivar a genuinidade da flora e a atmosfera tranquila e apaziguadora dos tempos de outrora.

Texto: José Frota 
Fotos: Carlos Neves

quarta-feira, 18 de abril de 2012

O Parque de Campismo

Nas propostas de alojamento que aqui temos apresentado a predominância tem ido para os hotéis de luxo. No primeiro número, porém, a nossa escolha foi para o Solar de Monfalim, a mais antiga unidade do ramo ainda a funcionar. E, na última edição, também fugimos à concentração na cidade e fomos até à vila de Azaruja conhecer o hotel rural “Monte do Carmo”. Acontece que todas estas opções, à excepção do Solar do Monfalim, são caras, e nem todos os que nos visitam para conhecer a cidade são de bolsa recheada. Por outro lado, existe igualmente quem não tenha dificuldades económicas e goste de viajar plácida e serenamente, se deleite na apreciação da paisagem e goste de usufruir o prazer de pernoitar em lugares na periferia dos centros urbanos, sorvendo o contacto com a natureza, isto é, de praticar aquilo que é chamado turismo itinerante.

Normalmente são os jovens e os seniores que mais procuram os parques de campismo e caravanismo. E Évora tem um, embora poucos o pareçam saber, provavelmente por falta de divulgação e promoção. Aliás, o Parque de Campismo nem sequer é novo. Segundo os dados disponíveis, o mesmo terá surgido em finais dos anos 60 por iniciativa da Câmara Municipal de Évora. Para a sua instalação o município disponibilizou a Herdade da Esparragosa, com uma superfície de 3.400 metros quadrados e colonizada por uma floresta de pinheiros que, na sua forma brava, permitem a recuperação de áreas degradadas. Ao tempo o terreno situava-se fora de Évora, a cerca de 2 quilómetros da cidade, na estrada de ligação às Alcáçovas.

Não havia zona habitada nas cercanias, sendo o campo do Lusitano e o Hipódromo Amílcar Pinto, de um lado, e o armazém do Gaz Cidla, do outro, os pontos de referência mais próximos mas ainda algo distantes. Para além deste relativo isolamento, o momento da sua criação não terá sido o mais oportuno. É verdade que a cidade era então deficitária em termos de alojamento para os forasteiros que a demandavam e certo igualmente que o campismo entrara em moda, mas este fluxo corria em direcção às praias e não às zonas do interior.

Estas circunstâncias, aliadas ao rigor do clima, extremamente frio no Inverno e desmesuradamente quente no Verão, conduziram à falência da sua exploração por parte da Câmara, claramente incompetente para fazer a gestão da estrutura por si criada. Seguiram-se alguns anos de suspensão da actividade, a par de tentativas frustradas de outras entidades para o colocarem em funcionamento. Só a partir de 1986, com a concessão pela UNESCO do estatuto de Património Mundial ao Centro Histórico, a carência de unidades hoteleiras se fez sentir com carácter de urgência. E a opção mais rápida - enquanto aquelas não foram aparecendo - foi a de recuperar o Parque de Campismo, entregando-se a sua concessão à Orbitur - Intercâmbio Turismo, S.A..

A organização, que é maior gestora de parques de campismo a nível nacional, procedeu a profundas alterações, tendo reformado o equipamento, modernizando e aumentando os serviços internos e introduzindo apartamentos ou “bungalows”, que o tornaram mais aprazível e acolhedor. Entretanto, a expansão da cidade acabou por integrá-lo na extremidade da freguesia da Horta das crescimento do Parque acompanhou, no fundo, o da cidade e acrescentou-lhe uma capacidade de alojamento imprevisível anos antes. Actualmente o Parque de Campismo de Évora, um dos raríssimos da rede Orbitur que não se encontra perto de uma praia, de uma barragem, de um rio ou do mar, tem capacidade para receber 773 pessoas. Como é natural, a sua frequência é mínima durante os meses de Inverno, começa a subir lentamente a partir de Março para atingir o máximo em Julho, Agosto e parte de Setembro.

Nunca fez o pleno da ocupação, mas nesses meses tem estado, por diversas vezes, bem perto de o conseguir. Plasmado em forma de cone invertido, recebe automóveis com e sem atrelado, autocaravanas e motas, fornecendo electricidade e admitindo cães e gatos. Aluga apartamentos para 2, 4 e 5 pessoas, podendo incluir um suplemento de mais duas, e possui parque de estacionamento. Entre os serviços disponíveis e essenciais para o apoio aos utentes contamse cabinas para deficientes, lavadouros de loiça e roupa, lavagem de carros, campo de ténis e parque infantil. Nos meses de Verão estão também abertos um snack-bar, um supermercado e a piscina. O período de silêncio vigora entre as 23 e as 7 horas. Tem saída de emergência e bocas de incêndio.

Em nota final, o Parque de Campismo de Évora é uma boa estrutura turística, de solo relvado, procurada principalmente por holandeses, britânicos e franceses, padecendo no entanto de um senão: as fotografias no interior só são permitidas mediante autorização da administração.


Texto: José Frota

sábado, 17 de março de 2012

A arte de encadernar no Atelier Barahona



Por vezes, em lugares inesperados do Centro Histórico, vão abrindo novos espaços comerciais que, contribuindo para a reabilitação da zona onde se inserem, oferecem, de forma singular e original, serviços de que Évora carece, na sua condição de cidade de cultura. É o que acontece com o “Atelier Barahona”, cuja loja se encontra num prédio de dimensões muito acanhadas na rua do Salvador nº. 13, à Porta Nova, em direcção à Praça Luís de Camões, junto ao último pilar visível do arco do Aqueduto, e que se dedica prioritariamente ao encadernamento, douramento e restauro de livros.

O ancestral cubículo pertenceu durante muitas décadas à família Campos Mello, que ali manteve um pequeno comércio de flores e de aves domésticas, para as quais dispunha de produtos alimentares específicos. Mais recentemente foi trespassado a outro negociante, que o escavou no seu interior para o adaptar a outra função. Mas ao encontrar ali restos da antiga defesa citadina e uma parede adjacente ao último pilar do aqueduto, parou as obras, deixou-as escoradas e não mais pensou em utilizá-lo para futuro empreendimento. E aliená-lo não parecia também tarefa fácil, dada a exiguidade do espaço e o fosso que ali fora cavado e não tapado.

Mas a localização era aliciante e o casal Alexandre e Sandrine Barahona decidiram ocupá-lo como pequeno estabelecimento de promoção, mostra e venda dos trabalhos produzidos na oficina, situada noutra zona, assim como para recepção de clientes e contactos com gente interessada nos serviços oferecidos. Recuperado o edifício e eliminado o fosso, através da construção de um forte separador de vidro apoiado em suportes de aço, a loja foi inaugurada a 27 de Novembro de 2009, data do aniversário de Sandrine. Alexandre, pertencente a uma das mais tradicionais famílias eborenses (é neto de Manuel Estanislau Barahona, durante muitas décadas provedor da Santa Casa da Misericórdia de Évora) e Sandrine eram jornalistas em França quando se conheceram. Era ela, porém, a apaixonada pela encadernação, arte maior no seu país a partir do séc. XVI, como resultante do incentivo às artes e ao livro, em fase de crescente procura e difusão. Em Paris e em Barcelona fez Sandrine as suas aprendizagens em encadernação e douração, obtendo o reconhecimento profissional por intermédio da Real Associação de Encadernação de Espanha.

Depois de casados vieram viver para Évora. «Mas aqui é muito difícil viver ou mesmo sobreviver como jornalista» - explicou Alexandre, que entretanto se tornou empresário com interesses espalhados pelo turismo, pela restauração e pela agricultura, para além de prestar apoio à actividade da mulher, que enveredou pelo exercício das suas aptidões e conhecimentos adquiridos, depois de ter comprado todo o equipamento pertencente ao Mestre José Brito, com oficina na Praça de Giraldo desde 1955, tido no final do século como o último encadernador dourador português em actividade e tragicamente desaparecido poucos anos depois na sequência de um acidente de viação.

De José Brito ficou, pois, Sandrine Barahona com os materiais de trabalho e o mister levado a cabo em sóbria oficina. Aí se dedicou à encadernação e douramento de livros utilizando métodos tradicionais, fazendo desde a encadernação clássica à decoração contemporânea, e da encadernação medieval à copta e japonesa. A qualidade do seu labor depressa galgou os limites da região, passando a ter clientes nas zonas de Lisboa, do Porto, de Coimbra e de Aveiro. A criação de um laboratório especial para recuperação de livros fez avolumar a procura dos seus serviços. A Biblioteca Municipal de Elvas e a Biblioteca do Palácio de Vila Viçosa estão entre as instituições que os demandam. Muitos sãos os bibliófilos e os escritores que ali mandam recuperar os livros mais antigos.

Acresce que outras formas acabaram por surgir, quer por iniciativa própria, quer por alvitre de alguns clientes. Conquistou assim alforria a papelaria de luxo, com  a execução artística de postais e ementas, com o fabrico de agendas e álbuns de fotografias, assim como a original produção de caixas (pequenas arcas, baús, cofres e malas, tudo manufacturado) personalizadas e idealizadas por quem as encomenda. Faltava pois uma loja, colocada em local estratégico, onde tudo isto pudesse ser exposto para ganhar superior visibilidade e promoção.

Foi desta forma que surgiu o “Atelier Barahona”. Mas o que sobretudo há a realçar em tudo isto é que, ao ocupar o lugar deixado vazio pela morte de Mestre Brito, Sandrine Barahona não deixou morrer em Évora uma arte cultural única no país e uma profissão em vias de extinção. O “Atelier Barahona” é uma loja que honra a cidade.


Texto: José Frota

domingo, 11 de março de 2012

Mont’Sobro - a inovação em objectos de cortiça


Na Rua 5 de Outubro, antiga Rua da Selaria, que liga a Praça de Giraldo à velha Acrópole eborense, fica a Mont´Sobro, uma loja onde a tradição se conjuga com a originalidade na exploração de todas as potencialidades da cortiça, grande riqueza da terra alentejana. 

Quem palmilha esta artéria - símbolo e montra do melhor artesanato local - decerto fica surpreendido com o design, a elegância e a imaginação que ressaltam de objectos tão funcionais e atraentes como os ali expostos. Mais caros que os de outros materiais, chapéus, guarda-chuvas, colares, malas, cintos, gravatas e bijuteria variada despertam a atenção e cobiça de quem possui gosto requintado e bolsa bem recheada. Um verdadeiro espectáculo na arte de manipular a cortiça.

A nova loja pertence a José Marques Azeda, 71 anos, natural da freguesia de Torrão, do concelho de Alcácer do Sal. Homem cujo percurso de vida esteve sempre ligado à lavoura, era em 1974 rendeiro de três herdades (cerca de mil hectares), nas cercanias de Vendas Novas, todas elas propriedade da Casa de Bragança. As vicissitudes do processo revolucionário levaram-no a procurar um outro modo de vida, ainda que ligado ao mundo rural.

Foi assim que decidiu estabelecer-se com uma loja de artigos de artesanato e brique-à-braque na rua da Selaria, quando esta começava a despertar para o grande turismo. Na Rua de Diogo Cão, uma transversal, montou pouco depois a “Arte Equestre”, casa suficientemente espaçosa para a apresentação de uma vasta gama de produtos relacionados com a equitação, a caça e o toureio: selas e selins, arreios e outros artigos de apoio às respectivas actividades. A que veio a acrescentar mais tarde outros produtos regionais como louças, cobres e estanhos, as peles e, claro está, os tradicionais capotes alentejanos.

Praticamente deixou a lavoura, embora possua uma pequena quinta nos arredores da cidade que continua a cultivar, e enveredou a tempo inteiro pela profissão de comerciante, dentro dos parâmetros já enunciados. «À beira dos 70 anos tive, talvez por intuição, a melhor ideia da minha vida ao pensar abrir uma loja na rua da Selaria só vocacionada para objectos de cortiça.

Os meus amigos e a família tentaram dissuadir-me deste propósito mas não lhes dei ouvidos e envolvi-me a fundo neste aliciante projecto de cariz ecológico», contou entusiasmado José Azeda.  «Só quem não conhece a fundo a maleabilidade da cortiça, na verdade quase impensável em termos de matéria bruta, poderá duvidar da sua aptidão para se transformar, depois de transformada em pele, naquilo que se quiser», acrescenta o comerciante. Assim se fazem também peças de vestuário que se moldam perfeita e suavemente ao corpo. Por outro lado, a impermeabilidade da cortiça confere a qualquer peça extrema durabilidade, pelo que basta um pano humedecido em água tépida e sabão azul e branco no local afectado para que a sua limpeza e conservação se processe em excelentes condições.

Azeda contactou então com um amigo da vila de Terrugem, próxima de Elvas, especialista no tratamento de pele de cortiça, para o interessar na produção de peças sofisticadas e elegantes, assentes em novos e atraentes modelos. Obtida a sua anuência, lançou-se no negócio e criou a empresa Mont’Sobro - Objectos de Matéria Viva, na dita Rua da Selaria. «O sucesso foi imediato» - enfatizou entusiasmado. Noventa por cento dos seus clientes são estrangeiros, avultando entre eles os japoneses, os russos, os italianos e os brasileiros. «Têm grande poder de compra e isso é o que mais interessa neste comércio».

E se as mulheres preferem a bijuteria, as malas, os sacos, as pulseiras e os artigos de vestuário, os homens centram a sua atenção nos chapéus normais (30 €), à Indiana Jones (59 €) e nos chapéus de chuva (69 €). Ultimamente, Azeda mandou fazer um capote alentejano em pele de cortiça, para uso próprio, mas o êxito foi tão grande que está a pensar em criar uma linha especial de comercialização deste tão tradicional produto alentejano.

Na verdade, a criação inovadora de objectos de decoração e de moda, a partir do aproveitamento da cortiça, vem revelando um dinamismo muito interessante nas áreas dos montados suberícolas. E em Évora a Mont’Sobro não descura esta fileira comercial, contribuindo para o desenvolvimento da economia regional.

Texto: José Frota

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Casa Bacharel / Drogaria Azul - 116 anos de existência

A “Casa Bacharel”, também conhecida por “Drogaria Azul” e sediada na Rua Elias Garcia nos nºs. 11,12 e 13, rivaliza com a Papelaria Nazareth na compita pelo estatuto de mais antiga loja da cidade. Nenhuma delas começou com a denominação actual e, se é possível precisar a data do início do funcionamento da drogaria, o mesmo não acontece com a papelaria, que teve por primeiro proprietário o comerciante Eduardo de Souza e abriu portas por volta da mesma altura, mas em ano e data desconhecidos. Mas que ambas são os estabelecimentos comerciais mais antigos de Évora, disso não sobejam dúvidas.

Posto este intróito, é tempo de nos reportarmos à história da loja, que iniciou a sua actividade em 1896 sob a designação de Casa Bacharel & Cª, sociedade por quotas, com o capital inicial de 8 contos de réis, sendo sócios os Senhores Bacharel e Cutileiro, este em posição minoritária. Em 1904, porém, já Cutileiro tinha deixado a sociedade e a firma passado à designação única de Casa Bacharel. Pelo menos disso nos dá conta a publicidade que Bacharel fazia inserir regularmente no jornal “A Voz Pública”, primeiro órgão oficioso e, depois, oficial do Partido Republicano em Évora. Nesses anúncios proclamava a Casa Bacharel ser a grande referência local em termos do comércio misto de ferragens, drogas, tintas, produtos químicos e farmacêuticos, óculos, binóculos, artigos eléctricos e fotográficos e uma quantidade inesgotável de instrumentos para o lar.

Com efeito, a localização do estabelecimento em plena Praça Luís de Camões, zona nevrálgica do comércio local desse tempo, a filiação republicana do proprietário e a qualidade da mercadoria em oferta fizeram da Casa Bacharel um estabelecimento de grande procura. Quando Bacharel se retirou a loja passou para as mãos de Jaime Teodorico da Silva Alberto, o seu único empregado desde início, que em 1938 a trespassou a António Peixoto da Silva. Pouco hábil para a função, este não soube lidar com as dificuldades advenientes da II Guerra Mundial e deixou que a loja entrasse em declínio. Por esse tempo já passara a ser mais conhecida por “Drogaria Azul”, atendendo ao facto de ser essa a sua cor nas ombreiras, nas portas, paredes exteriores e rodapés. Dez anos mais tarde, em 1948, trespassa-a a José Cid da Silva, um comerciante do ramo, natural de Alvito e que na freguesia de Vila Alva, logo após a conclusão da escola primária, se empregara numa drogaria, prosseguindo a sua carreira em Alverca. A vida levou-o posteriormente até Angola, de onde veio regressar a Vila Alva, ao que constou na altura por inadaptação ao clima. Pessoa muito dinâmica e profundamente conhecedora do ofício, Cid da Silva mudou a residência para Évora, dedicou-se de alma e coração ao negócio e, passados quatro anos, tinha revitalizado a drogaria, recuperado antigos clientes, conquistado novos e pusera o estabelecimento a dar lucros.

Mercê da sua afabilidade, simpatia e permanente disponibilidade, Cid da Silva tornou-se uma pessoa benquista na cidade. Para não ser prejudicado, nunca tomou posições políticas públicas, embora os amigos mais chegados soubessem da sua aversão ao salazarismo e à guerra colonial. Agiu neste campo sempre de forma discreta, por não querer comprometer o futuro da loja e o dos filhos. Em 1984 entendeu que chegara a hora de gozar a sua reforma. Também ele optou por fazer o trespasse da drogaria a um seu empregado, Leonardo da Silva, o qual lhe pagou uma verba à volta dos 1200 contos. Leonardo da Silva começou a trabalhar na Drogaria Azul a 1 de Setembro de 1956, depois de ter andado a guardar gado antes e depois de fazer a 4ª. classe. Era o filho mais velho de um trabalhador rural. Seu pai soube por um amigo que Cid da Silva procurava um empregado e foi lá conversar com ele, acabando o rapaz por ficar com o lugar. Mas em 1966 veio a incorporação no serviço militar, a ida para as colónias e só em 1969 o regresso.

Convicto de que em Lisboa outras perspectivas mais risonhas e atraentes se lhe abririam, decidiu ficar pela capital, encontrando trabalho numa firma que era fornecedora da drogaria eborense. No ano seguinte Cid da Silva acenoulhe com a hipótese do regresso, oferecendo-lhe três contos e quinhentos por mês. O facto de a namorada de então e actual mulher ser de Évora decidiu-o a regressar, assentando aqui arraiais. Catorze anos depois, tomava de trespasse – como já se disse – a loja ao seu patrão. O seu desejo foi manter a loja tal como a recebera, tradicional e com muita clientela. 

Em 1990 a Câmara emitiu uma postura na qual avisava que as lojas, nas suas portas e rodapés, só poderiam estar pintadas de amarelo torrado ou de cinzento. Leonardo da Silva solicitou à edilidade autorização para continuar de azul, dada que essa era a sua tonalidade emblemática e servia de referência a toda a população.

O município deferiu o pedido, atendendo à longevidade. De resto a Casa Bacharel/Drogaria Azul continua a
vender praticamente o mesmo que antes, apenas com ligeiras alterações, ditadas pela evolução dos tempos. E o maior anseio de Leonardo da Silva é, agora, que o tempo começa a deixar visíveis os sinais da sua passagem, que os filhos prossigam o negócio.


Texto: José Frota

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

“Arcada” o café da tradição



A abertura do Café Arcada em 14 de Fevereiro de 1942, «considerado um dos melhores do País, com mais de 100 mesas, possuindo frigorífico e outras inovações modernas», foi tida como um acontecimento social de grande impacto no quotidiano citadino. Iniciativa conjunta de António Justino Mexia da Costa Praça, Basílio da Costa Oliveira, Celestino Costa e António Borges Barreto, quatro dos maiores comerciantes eborenses, o estabelecimento foi inaugurado com um «jantar à americana (para famílias)», sendo obrigatório o uso de «trajo de passeio». As inscrições para o repasto efectuaram-se no próprio café ou através do telefone 357, permitindo a selecção dos clientes, que no final brindaram com champanhe e ouviram actuar a Orquestra de Jazz Luz e Vida em «alguns números do seu seleccionado reportório», como salientava o relato do “Notícias d’Évora”.

A exploração comercial efectuava-se em regime de aluguer pois o prédio pertencia, como pertence, ao Legado do Caixeiro Alentejano, ocupando o café todo o piso inferior, estando o 1º. andar reservado para várias acomodações tidas por indispensáveis no apoio ao funcionamento. A entrada fazia-se por três portas, sendo a principal a que dava para a Praça do Giraldo. Esta tinha a novidade de possuir uma porta rolante ou giratória igual à do famoso “Café Chave d’Ouro”, situado em pleno Rossio lisboeta, à imagem do qual havia sido projectado e que veio a ser encerrado em 1959. As outras entradas faziam-se lateralmente pela Rua Nova e no topo pela Alcárcova de Cima.

O seu interior havia sido decorado e equipado com grande luxo e requinte, o que fez com que se tivesse tornado o primeiro do género a ser frequentado por senhoras, ainda que geralmente acompanhadas pelos respectivos consortes. As mais de cem mesas espalhadas por uma área considerável eram todas niqueladas, com tampo de vidro, apresentando em complemento cadeiras de grande comodidade. Toda a louça (incluindo os indispensáveis cinzeiros) ostentava a marca Vista Alegre e havia sido adquirida na loja de José Leal Tojo, na Praça do Giraldo, representante da fábrica na cidade.

Ao lado direito ficava o balcão, numa extensão de oito metros e dotado dos mais recentes requisitos na área do frio. Ligado a este ficou a funcionar uma ampla cozinha com bastante luz e grande arejamento. Logo a seguir, e num plano superior, ficavam uma barbearia e um salão de cabeleireiro, explorados pelo casal Viriato. Debaixo ficaram montados os serviços sanitários. Junto à entrada, fora colocada no flanco esquerdo uma tabacaria com atendimento feminino, enquanto o lado direito era, como actualmente, ocupado pela pastelaria onde se confeccionava a doçaria regional, com especial destaque para as soberbas e deliciosas queijadas de Évora e para o doce de escorcioneira apresentado em tarro corticeiro.

Nos primeiros tempos o Arcada foi frequentado pela burguesia local, pequenos grupos de intelectuais, gente do reviralho, profissionais liberais e estudantes liceais. Os latifundiários e os agricultores frequentavam o Café Camões, à Porta Nova. Mas com a perda de centralidade desta zona e o acrescido ganho de importância da Praça do Giraldo, estes passaram a tomar de assalto o Arcada às terças-feiras, dia do mercado semanal. Em plena Praça e no interior do Café se discutiam e apalavravam negócios, tendo ali chegado a funcionar uma informal bolsa de gado. No seu romance “Aparição” o escritor Vergílio Ferreira relata bem o ambiente do Café Arcada quando nele entrou pela primeira vez em 1946, colocando a sua visão na boca do protagonista Alberto Soares. «... acabámos por marcar o encontro para o dia seguinte no Arcada sem que o Moura se lembrasse de que era uma terça-feira, ou seja dia de mercado.

Com efeito, ao entrar no café, após o almoço, tive a surpresa de ver aquele vasto túnel apinhado de gente. O corredor atravancava-se de negociantes, porque era ali, entre bebidas, que se realizava o mercado da semana. A terça-feira era «dia de porcos», como soube mais tarde que lhe chamavam». O escritor ficou aliás com uma marca indelével do “Arcada”, pois foi ali que o seu colega e padrinho de casamento, Alberto Miranda, lhe pagou a boda, a qual consistiu num galão a cada um e bolos, conforme revelou em “Conta-Corrente 2”.

Entretanto, com o passar do tempo, aos lavradores veio juntar-se uma corte de gente ligada ao mundo dos touros e ao marialvismo rural, composta por ganadeiros, toureiros e aprendizes, moços de forcados, apoderados, equitadores, aficionados e professores e alunos da Escola de Regentes Agrícolas. Com a subida do Lusitano à I Divisão em 1952 a fama do Café chegou a Lisboa. Os adeptos do Sporting, do Benfica e do Belenenses, do Vitória de Setúbal e do Barreirense, que aos milhares se deslocavam a Évora para apoiar as suas equipas, conheceram-no, apreciaram-no e dele fizeram grande propaganda na capital e arredores.

Com tão grande afluência o Arcada tornou-se um espaço de enorme concentração de gentes onde predominava a vozearia, o barulho e a fumaceira que nem as grandes ventoinhas do tecto conseguiam eliminar. Pequenas alterações foram feitas. No balcão foram instalados tamboretes.
Por baixo da barbearia foi aberta uma espécie de cave, excelentemente decorada, para instalar o restaurante. Naquela, uma sedutora manicura, morena, madura e roliça, bem ao jeito da época, passou a fazer as unhas e as delícias dos clientes mais endinheirados. E cá fora, na rua, bem encostado à vitrina da pastelaria, o Licas, um ardina local, e respectiva família montaram a sua banca de jornais. Durante duas décadas o Café viveu os seus melhores tempos e tornou-se uma referência incontornável da cidade

Por meados dos anos 60 o estabelecimento começou a dar sinais de algum declínio. Em 1964 faleceu António Borges Barreto, o mais dinâmico dos sócios da empresa e na prática o dono do Café; no final de 1966 o Lusitano foi despromovido ao escalão secundário do futebol português; a agricultura regional, por sua vez, começava a enfrentar algumas dificuldades e a generalização no acesso à TV começava a fazer mossa na frequência nocturna, pelo que a orquestra privativa emudeceu definitivamente e foi desmantelada.

A Revolução de Abril acentuou-lhe a decadência retirando-lhe a antiga frequência dos terratenentes e seareiros, engolidos na voragem do PREC. No seu interior tudo se começara a degradar, sem que os novos gerentes se manifestassem favoráveis a um investimento de fundo. Os empregados mais antigos ainda o tomaram em auto gestão. Em vão. O encerramento foi a solução encontrada depois de duas tentativas goradas de reabertura por pouco tempo.

Esta situação durou alguns anos e causava o desgosto de quem por ali passava e o tinha conhecido na sua época áurea. O poeta algarvio José Murta Lourenço, que em Évora morou algum tempo, escreveu assim em visita posterior à cidade quando deparou com o Café fechado mas onde ainda se podia vislumbrar através das vidraças a fotografia da orquestra que animou as suas noites durante anos a fio: “(...) E elevando-se sobre tudo e todos / cortando a distância desde o fundo / da fotografia amarelecida no tempo / um violino derrama a melodia / de um choro distante e plangente. Viva... / Apenas a orquestra parada, morta / mas mais viva que o vazio do Café Arcada / onde ouvi a sua orquestra não tocar / como a ouviu alguém / com o Arcada cheio de gente a abarrotar. Talvez por isso / se cale hoje a orquestra... / Ou só toque para as mesas de físico vazias / quando os fantasmas vierem para a festa / ausentes os vivos de almas insensíveis e frias.”

Mas mesmo ao findar o século passado a Cervejaria Trindade resolveu ocupar o espaço, remodelá-lo por completo, num investimento de um milhão de euros, e manter-lhe associado o nome de Café Arcada. Reaberto no início da nova centúria o estabelecimento conserva muita da estrutura anterior, incluindo a velha porta giratória. Sem o “glamour” de antanho, ainda hoje é ponto de encontro de muitos eborenses e de demanda de turistas nacionais e estrangeiros.

Texto: José Frota