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sábado, 18 de janeiro de 2020

Alto de S. Bento - O miradouro da cidade


Numa edição cujo tema de capa é o megalitismo, a proposta de passeio é naturalmente uma visita ao Alto de S. Bento, notável geo-sítio situado a cerca de três quilómetros do Centro Histórico e conhecido entre a população como o miradouro da cidade, que vista lá de cima parece estender-se a seus pés. Foi esta característica, aliada ao microclima existente, que concorreu para que o lugar se tornasse procurado e fruído por grande número dos habitantes. Nomeadamente quando, a partir de finais do século XIX, se alargou a estrada que lhe dava acesso e posteriormente se construiu a ligação rodoviária a Arraiolos. Desde tempos bem antigos que toda a vasta zona que se sucedia à Porta da Lagoa, constituída por terrenos de grande fertilidade e frescura, foi alvo do interesse das comunidades monásticas. Em séculos diferentes neles se vieram a instalar os Conventos de S. Bento de Cástris, da Cartuxa e do Espinheiro. 

A implantação religiosa estendeu-se posteriormente a outros eclesiásticos e prelados, conforme o denotam eloquentemente os nomes que alguns desses espaços ainda mantêm: Quinta do Chantre, Quinta dos Freires da Graça, Quinta de S. Caetano, Quinta de Santo António. Aos monges e padres que se instalaram para viverem em afastamento o seu retiro mundano, tendo a sua sobrevivência garantida pela exploração intensiva dos produtos hortícolas e de algum gado miúdo, juntaram-se posteriormente alguns nobres e magistrados que edificaram belas residências com o objectivo de ali passarem o inclemente verão eborense. O isolamento monástico, e a circunstância das poucas residências particulares estarem desocupadas durante um parte do ano, tornavam os caminhos entre quin tas bem perigosos. 

Nas zonas intermédias acoitavamse grupos de bandoleiros que assaltavam quem por ali por vezes circulava, para encurtar distâncias. Tudo viria a alterar-se com a revolução liberal. Os bens da Igreja foram secularizados, os nobres deixaram de viver das tenças reais e foram obrigados a vender os bens para sobreviver, enquanto muitos magistrados se viram afastados dos seus lugares e remetidos para outras paragens. A nova ordem política e social provocou bastas alterações fundiárias, tendo contribuído para o desmoronamento e fragmentação de muitas casas senhoriais, que vieram a conhecer outros donos. Rasgados novos caminhos vicinais de comunicação, foi possível melhorar e intensificar o trânsito entre as propriedades e franquear por completo o caminho que conduzia ao topo daquela colina granítica de cerca de 360 metros de altitude e em cujas imediações vivia uma série de pequenos hortelãos. A pé ou a cavalo, o Alto de S. Bento passou a ser demandado por todos quantos queriam conhecer a paisagem que dali se desfrutava, gozar a benignidade dos seus ares ou para ali fazerem os seus piqueniques, moda burguesa dos finais do século XIX. Este novo modo de vida ganhou outra dimensão por volta de 1885. 

Reinava em Évora um grande entusiasmo em torno das recém-aparecidas bicicletas, que os jovens ditos bem nascidos começavam a preferir aos trens e às caleches dos seus pais e avós. A novidade dos primeiros passeios velocipédicos deu origem às lúdicas voltas domingueiras, que os levavam às quintas dos arredores mostrando às moças o seu ar distinto de “ sportmen”. O Alto de São Bento era um dos percursos preferidos dos que gostavam de procurar a ruralidade dos subúrbios citadinos. A sua demanda aumentou a partir da segunda década da centúria passada, com a crescente utilização do automóvel. O Alto passou a ser, particularmente de noite, local de amores clandestinos. Pouco ou nada policiado, o local permitia por outro lado ver à distância quem se aproximava. Nem isto fez, porém, com que o local deixasse de ser procurado pelos anteriores motivos. 

Ele continuou e continua a ser frequentado pelos amantes da natureza e das caminhadas pedestres, a servir de refrigério nos calmosos dias de Verão ou a acolher os que se mantêm fiéis à tradição de ir comer o borrego pascal ao campo na tarde de segunda-feira. A esmagadora maioria dos que ali se deslocam desconhece, no entanto, que o Alto de S. Bento foi um povoado pré-histórico ocupado na transição do Mesolítico para o Neolítico, ou seja, quando o homem iniciou o seu processo de sedentarização. O estudo de vestígios dessa época ali encontrados - artefactos de sílex (lamelas e micrólitos geométricos) - levou o arqueólogo Manuel Calado a concluir ter sido o local «um dos povoados dos construtores de menires e recintos megalíticos». 

Esta ocupação ter-se-á verificado, com grande grau de plausibilidade, entre os finais do sexto milénio antes de Cristo e inícios do quinto. Junto à grande e compacta massa granítica que constitui o cabeço foram erguidos há muitas décadas seis moinhos de vento que, com o decorrer do tempo, foram perdendo a sua função original. Seguiu-se a entrada num processo de degradação que parecia imparável quando a Câmara, em finais do século passado, decidiu recuperar dois deles e o espaço envolvente com o propósito de ali criar um projecto educativo designado por Núcleo Museológico do Alto de S. Bento. Este comporta dois núcleos: o do Granito, onde estão recolhidos muitos dos vestígios pré-históricos encontrados, e o da Florística, sendo a criação deste justificada pela existência de um ecossistema muito diversificado e complexo onde abundam os matos mediterrânicos subtropicais, alguns pinheiros mansos, sobreiros e azinheiras. 

O Núcleo foi aberto à comunidade escolar e à população em 2001. Três anos depois começaram as obras de reconversão da chamada “Casa do Guarda”, que passou à designação de Núcleo de Expressão Artística. A intervenção no local alargou-se aos terrenos circundantes aos moinhos, o que permitiu a criação de dois percursos de passeio (A e B), com acesso limitado a peões e a veículos de duas rodas, a par de um parque de merendas. Foi igualmente colocada sinalética geral, da qual sobressai um magnífico painel de azulejos que indica todos os pontos da cidade que dali se divisam. E, como seria de aguardar, toda a zona foi vedada. A afluência ao Alto aumentou sobremaneira com a sua utilização por parte da população escolar, cativada desta forma para a aprendizagem das Ciências Naturais. Também a população se veio a interessar pelo sítio de uma forma bem diferente. Caminheiros e ciclistas voltaram a incluí-lo nas suas rotas lúdicas. Para sua melhor fruição, o Município vem promovendo nos sábados estivais o programa “Tardes Soalheiras, Noites ao Relento”, com o objectivo de conseguir que as famílias do concelho saiam de casa e partam à procura do muito que há para conhecer em seu redor. Visitar o Alto de S. Bento, na sua tríplice vertente (histórica, geofísica e ambiental), é pois um acto de cultura que tem como aliciante adicional a possibilidade de participação em actividades científicas, de investigação ou de descoberta da paisagem e riquezas ambientais.


ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

domingo, 21 de janeiro de 2018

Mosteiro de S.Bento de Cástris


Está situado a c.ª de dois quilómetros da cidade, na banda ocidental. É uma das mais antigas fundações freiráticas do Sul do País, como rezam as crónicas religiosa, em concordância com a literatura tradicional. Deveu-se, na sua origem a modestíssima ermida de devoção, ao 1.° bispo da Diocese D. Soeiro que, no local viu, repetindo a lenda, pouco depois da temerária façanha de Giraldo Sempavor e perto da atalaia mourisca, uma luz de fosforescência sobrenatural. Este facto passou-se na noite de 31 de Março de 1169, data hagiográfica do glorioso S. Bento, motivo que originou a santa crismação. Anos depois, uma nobre dama cristã, de nome Urraca Ximenes, obteve licença para construir, anexo, um cenóbio do tipo eremítico onde se emparedou juntamente a suas filhas e irmã. O retiro continuou a subsistir longos anos, sempre habitado por donas honestas de renunciação da vida terrena arrostando o tempo e a fortuna, acolhido à sombra e vizinhança das ruínas enegrecidas pela vetustade de um castro fortificado das épocas pré-históricas, até romper o ano de 1274, data em que, sendo superiora Domingas Soeira, esta foi de longada a Roma impetrar do Sumo Pontífice Gregório X o breve que autorizou ao Abade de Alcobaça, D. Estevão, a integração da comunidade na regra e Ordem de Cister. A primeira igreja conventual foi consagrada em 1328; no mês de Janeiro de 1384 era abadessa da comunidade D. Joana Peres Ferreirim, nobre dama ligada a D. Leonor Teles por laços familiares, celebrizada tristemente pela cruel morte padecida diante do povo enraivecido e patriota, depois de ser surpreendida na Catedral e arrastada viva pelas ruas da cidade, durante os tumultos a favor do Mestre de Avis (Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. XLVI). 

No reinado de D. Manuel o edifício sofreu importantes beneficiações sob protecção da Casa dos Almeidas, fidalgos intimamente unidos ao afamado coudel-mor dos espingardeiros de D. João II, Rui Gil Magro, família que deu inúmeras religiosas à clausura e algumas das mais operosas abadessas dos sécs. XVI-XVII. A mansão cisterciense extinguiu-se em 18 de Abril de 1890 por morte da última freira, soror Maria Joana Isabel Baptista e foi secularizada pouco tempo depois. Delegados do Governo e membros da Academia de Belas-Artes, de Lisboa, arrolaram os bens mobiliários de maior merecimento, que recolheram ao Museu das Janelas Verdes e Biblioteca Pública de Évora. Constituía, esse fundo primitivo, hoje impossível de classificar, algumas dezenas de pinturas a óleo sobre tábua e tela: a preciosa majórica de azulejos da Renascença italiana. Anunciação da Virgem, atribuída a Nicolau Pisano; tapeçaria de Arraiolos, porcelana do Oriente, faiança portuguesa seiscentista, objectos de metal, litúrgicos, mobiliário artístico e muitos livros impressos e códices manuscritos. Anos volvidos, a Fazenda Nacional instalou na propriedade, em regime rústico de certa amplitude, uma Estação Químico-Agricola do tipo ampelo filoxérico e, posteriormente, o Campo Experimental da Circunscrição Agrícola do Sul. No período das Comemorações Centenárias de Portugal, em 1940, o Estado entregou ao Governo Civil a grandiosa construção, na altura já gravemente atingida pelas devastações e ruínas acumuladas desde a profanação, para nela se instalar, com fins altruístas e sociais, um Asilo Agrícola Distrital e deu-se início, então, ao restauro do histórico imóvel pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. A mudança definitiva da Casa Pia Masculina verificou-se no ano de 1957. 

A massa exterior do edifício, no seu todo arquitectónico, de longos e pesados pavilhões com frestas gradeadas, algumas de puas, altos muros contrafortados, chaminés e campanários esguios rompendo a linha do céu e empenas desencontradas, imprimem interessante aspecto ao conjunto global de severíssimo barroquismo. A vista geral do lado Sul, observada do cômoro rochoso do Alto de S. Bento, estendida no berço de pequeno vale, pela variedade e assimetria das edificações, sua patine e tipos construtivos, oferece particular encanto, carácter e pitoresco. A entrada principal faz-se para amplo pátio, em portal de frontão triangular rematado por pináculos barrocos muito alongados, graníticos, de aparelho rústico, centrado pelas armas eclesiásticas de S. Bernardo de Claraval, marmóreas, com timbre de mitra e báculo, tendo, no arranque a data: FR.º 636 - ANOS Lateralmente, desadornados, dois nichos destinados aos padroeiros da comunidade: S. Bento e S. Bernardo. Neste pátio, chamado da carruagem, nasciam todas as comunicações freiráticas: ao pomar, com seu portão de arco abatido, almofadado, em cujo dintel se lê a data de 1617; à cerca, que era defendida antigamente por alto muro cortinado de ameias de andares, do tipo italiano, e no sopé pela comprida taça de Água da Prata, com suas várias bicas; ao convento, igreja a casa do capelão-feitor, esta absolutamente isolada da comunidade e que se encaixa no ângulo voltado à cidade, de escadaria e arcada de quatro arcos abatidos, sem curiosidade de maior. Foi muito melhorada no séc. XVIII, mas é, certamente obra anterior, pois apareceram durante o restauro alguns pilares graníticos do seiscentismo e uma escada exterior de comunicação directa com o pomar privativo da capelania. 

O templo, da reforma manuelina, era do padroado da Casa dos Almeidas. A entrada axial, a nascente, abre-se sobre alpendre de pujante arco torso e bases entrançadas, no estilo do pórtico da Igreja Real de S. Francisco; a abóbada, de artezões, chaves brasonadas (dos padroeiros) e mísulas de pedra ornamentadas com temas naturalistas, apoia-se em três tramos assimétricos reforçados por arcos góticos. Protege a nave da igreja um corpo de botaréus chanfrados, de andares, encaixados neste lugar e que defendiam a primitiva fachada do templo. Portal simples, da reforma setecentista. No adro repousam, em campas de mármore branco da região, singelas, uma abadessa de apelido Matos, cuja inscrição, em português, se consumiu pelos pés dos crentes e os seguintes confessores da comunidade: AQVI JAS O D.OR FR. GABR IEL DAVE MARIA FAL ESSEO AOS 13 DE JO. BRO DE 1677 S.A DO P.E F.R AN.TO CABR AL CONFEÇOR DESTE CONV.TO QVE FALECEO EM 26 DE AGOSTO DE I 704 E LHA MAODOV FAZER SEV IRMÃO O CO NIGO JOZEPH DE SOVSA MAS.CAS DEPOZITO DO P.E FR. ATHA NAZIO CABRAL RELIGIOZO DA ORDEM DE XP.TO QVE FALE CEO EM CAZA DE SEV IRMÃ O CONEGO JOZEPH DE SOVZA MAS.CAS EM 18 (?) DE MAIO DE 704 A igreja original da consagração de 1328, foi totalmente transformada no reinado de D. Manuel, como se disse: possui uma só nave de planta rectangular, com quatro tramos, incluindo o coro, coberta por formoso tecto de artezonado ogival e bocetes dourados, heráldicos uns, com a empresa do Rei Venturoso e brasão dos Almeidas, e os outros de temas vegetalistas. 

Ulteriormente, pujante inundação de anjos, serafins e estrelas recobriram os espaços das ogivas, em pinturas a fresco, policromas e de delicada confecção, que uma época de abastardamento estético condenou ao olvido, cobrindo-as de grosseiras camadas de cal. Pouco depois do templo ser desafectado do culto, sofreu bárbara delapidação e os altares colaterais, púlpito, mobiliário sacro da Sacristia, imaginária e os cadeirais de coro baixo e alto (este foi parar à igreja de S. Francisco de Estremoz, segundo oferta do Governador Civil dr. Tenreiro Sarzedas), levaram os mais díspares fins. A razia foi tão completa que, dos campanários se apearam os sinos de bronze, estando um datado de 1753 e o outro de 1429, com legenda gótica, monacal, certamente o mais curioso e antigo espécime do seu género do Sul do País e que foi transportado, inexplicavelmente, para a igreja da Misericórdia de Mora, onde se encontra. As duas espadanas, com sinos modernos, foram renovadas no séc. XVIII e estão revestidas de belos trabalhos de colher, relevados, em tons coloridos. A maior, de dois olhais e pináculos nos acrotérios, fortemente almofadada, conserva vestígios das primitivas decorações sagradas, como painéis emblemáticos de cruz beneditina, deprecações religiosas, báculo e mitra episcopal e abacial da Ordem. 

O campanário menor, mais antigo, de dois andares, frontões e volutas barrocos, ostenta retablitos cerâmicos, do setecentismo, com inscrições latinas e a representação da Virgem e Santa Bárbara. Do último quartel do séc. XVIII são os azulejos que revestem os socos da nave, os entalhados e telas pintadas e o retábulo da capela-mor, doirado, do estilo rocócó de D. Maria I, lançado com certa nobreza de linhas, em colunata compósita rematada, no frontão aberto, com trono e delicado baldaquino, por duas figuras alegóricas das Virgens Teologais ou Cardeais. O presbitério, que é de dois tramos, tem o tecto apainelado com grinaldas de estuques doirados. A série azulejada e polícroma, de fabrico lisbonense, talvez do Rato, representa temas da hagiografia e iconografia de S. Bernardo, tratados com certa liberdade artística mas canónica e estão envolvidos por molduras de exuberante composição naturalista. O sub-coro antigo, pequeno e sombrio, comunicante com o claustro, apoiado em toscos colunelos de alvenaria ornamentados por capitéis góticos, de folhagem estilizada, deve representar, julgamos, pelas suas características de arquitectura, os derradeiros vestígios da demolida igreja trecentista. Na parte superior, cujas grades de madeira apeadas em diminuição do imponente coro setecentista que abrigava uma comunidade de 80 professas, subsistem, nas paredes, em nichos ou em tabelas de pinturas a fresco, amalgamados em épocas várias, núcleos devocionais do culto católico, como: Santana e a Virgem, Morte de S. Bernardo, Padre Eterno, Adoração dos Pastores, Adoração dos Reis, S. Roque, Santa Rita de Cássia, S. João Nepomuceno e ainda outros painéis e agrupamentos sobrepostos, quase ilegíveis e de impossível interpretação. 

Algumas destas composições denunciam, pela sua manifesta ingenuidade, a origem íntima da concepção e a indesmentível factura de algumas sorores habilidosas. O coro de baixo, ligado à capela-mor por amplo arco defendido com grade de ferro forjado, de balaústres em cruzaria, do séc. XVIII, é cómoda, embora sombria dependência de planta rectangular, despida actualmente de cadeirado, coberta por tecto abatido de caixotões em alto-relevo, coloridos e de secção geométrica, de nítida inspiração barroca italiana. Tem armorial ao centro, de quatro bandas, envolvido por flores de liz, e tabelas floridas, ovóides, com atributos e legendas latinas, sagradas, na parte superior das destruídas espaldas do cadeiral. A interessante construção deveu-se aos préstimos da sacristã-mor, depois abadessa D. Ana Faria de Almeida (1644-47), que consagrou a obra em painel de cerâmica parietal, policromo, envolvido por anjos, frutos e flores, cronografado de 1640 (?), que fica sotoposta e semi-destruída composição a fresco do Calvário (1). A antiga portaria monástica, que deita, também, para o pátio, acompanhando a frente principal e um pouco acima da fachada da igreja, teve alpendre rústico (destruído recentemente) e a tradicional roda giratória em caixa de madeira chapeada. Interiormente, a sala, ampla e de planta quadrangular, com tecto de esteiras lisas, está composta no lambril por retábulos de azulejos do tipo de padrão vulgar, de verduras a cor azul, branco e amarelo. Anexo, mas profundamente reformado, demora um salão de duas naves com abóbadas de penetrações apoiadas em colunas toscanas, de granito, cuja porta de entrada tem, no lintel, a data de 1764. Notável pelas proporções, hibridismo de estilos e assimetria dos alçados, é o claustro gótico-mudejar que remonta, segundo as conclusões da sua arquitectura aos princípios do séc. XV, e foi aumentado durante a reforma manuelina. 

De planta trapezoidal, compõe-se de arcadas abatidas, de ferradura e de meio ponto (as mais modernas), em abóbadas de artezões chanfrados, fustes atarracados de capitéis fito-antropomórficos e armorejados com os seis besantes e emblemas reais. As duas quadras executadas em 1520 pelo mestre pedreiro Estevão Lourenço, dentro do espírito das anteriores e aproveitando, como diz o contrato da empreitada, materiais dos lanços apeados (certamente por ruína ou imperfeição construtiva), custou ao erário real 66 000 reais e ficaram concluídas pelo S. João de 1521. A mesma crasta sofreu, no ano de 1687, sendo abadessa D. Paula de Figueiredo, outra grande obra de consolidação. O recanto sul, de três pisos, oferece especial encanto justamente por marcar a forma evolutiva dos estilos e épocas da sua traça. O lanço ocidental com varanda, muito recente, por ter desmoronado o antigo e ainda para permitir uma melhor iluminação do dormitório novo, foi levantado ao gosto do tempo em 1825, durante o abadessado de D. Mariana Escolástica. Teve tabela escrita, que se perdeu modernamente. Três fontes adornam o magnífico recinto: a da quadra, com taça rectangular e obelisco lavrado do tipo clássico, em mármore branco de Estremoz; outra taça em forma de concha e opulento golfinho, contra a parede do ângulo sul, e finalmente o lavabo de volutas barrocas e pia de granito, contíguo ao Refeitório. No rodapé do claustro, nas galerias, nalguns oratórios e capelas existiram bons e variados padrões do azulejos polícromos, assim como altares de talhas douradas e telas pintadas, que a incúria, incompreensão e os restauros hodiernos nem sempre souberam preservar da ruína. No piso alto, escaparam de perda total, uma capela cronografada de 1687, revestida de azulejos coetâneos e decorações esgrafitadas e fresquistas; e vestígios da primitiva série dos Passos do Calvário, disposta em grandes quadros parietais nas mesmas alas; um altar gótico, contra a parede da igreja e ainda o pequenino santuário de N.ª S.ª do Rosário, do rés-do-chão (oriente), restaurado no séc. XVIII com altar de estuques coloridos e interessante guarnição de cerâmica com painéis baixos da Vida Mariana, da arte rocócó, a cor azul sobre esmalte branco. Velho portado gótico, chanfrado, do quatrocentismo, se pôs a descoberto, sem sacrificar, felizmente, os silhares de azulejos. 

No chão repousam os restos viscerais da abadessa D. Joana da Silva, sob pedra marmórea, com a seguinte inscrição: AQVI JAS DONA JOANA DA SILVA ABBA OVE FOI DESTE MVSTR.O DE S. B.TO FALESEO EM DEZASEIS DE NOVEMBRO DE 1634 Pequena lápida de mármore branco, rectangular, no pavimento do claustro e defronte da mesma capela, recorda outra religiosa estimável, com esta legenda: AQVI JAS A M.E LVIZA DE MIRA DA FON.CA QVE FALECEO A 13 DE AGO STO DE 1673 COM MOS TRAS DE GRANDES VIRTVDES Espalhados pelos dois pisos da claustra subsistem, após recolha piedosa do actual Director da Casa Pia, de escavações realizadas na cerca e pomar do extinto convento, fragmentos de arqueologia e arquitectura dos estilos gótico, manuelino, renascença e barroco, de mármore ou granito, sendo alguns lavrados com muita delicadeza. Ainda, vizinha do túmulo anterior, subsiste outra campa de calcário branco, de inscrição completamente ilegível. 

A primitiva SALA CAPITULAR, possui restos importantes de arquitectura gótica. A portada e as frestas, de duplos colunelos geminados, com capitéis de folhagem toscamente esculturados e arcos em lanceta, de granito, deve remontar ao séc. XIV; o tecto, abatido, coberto de nervuras de perfis semicirculares e adornado de chaves com as esferas armilares e os armoriais de besantes dos padroeiros, é da época manuelina. Nos espaços das ogivas subsistiram às caiações dos tempos modernos alguns anjos pintados a fresco, do género e período dos da nave da igreja. No sagrado chão desta sala, que esteve composta por interessantes altares de madeira dourada, do séc. XVII e do estilo barroco, jazem em campas epigrafadas, de mármore regional, com o simbólico báculo da governação, em alto-relevo, as memórias escritas das seguintes abadessas: AQVI JAZ DONA VIOL LÃTE DE SOVSA ABBA Q FOI DE SÃO BETO FALESEO AOS XXIII DE OITVBO NA ERA DE 1563 AQVI JAS D. IZABEL DORTA COTA FAL CÃO QVE FALESEV AOS 6 DE JANEIRO DE 1697 FOI TRÊS VEZES ABBA E GOVER NOV COM GRANDE ZELO E EXENPLO AQVI FOI SEPVLTADO O CORPO D. M.A D. AZEVEDO Q. DS. P.A SI LE VOV SEDO ABBA DESTE CÕVÊTO O QVAL ELA GOVERNOV CÕ OS PV D. HV SÃO BETO FOI GRÃDE EXZEPLO D. RELI- GIÃO E DEZAMÕ PA LAVRAS E OBRAS RECOLHA AQVI A TERRA SEV CORPO Q O SSEO SERA VERDADEIRO DESCÃSSO E ASËTO D SVA ST.A ALMA Q. DS. CHAMOV Ê 16 DIAS DO MES D. M. RSSO DA ERA D. 1622. Outra pedra tumbal, anepígrafa, ostenta o brasão de armas de abadessa da nobre casa dos Castros das nove arruelas. É de granito e parece ser dos princípios do séc. XVI. 

A sala fora melhorada em 1589, no abadessado de D. Maria Pacheco, conforme se lê em formosa tabela barroca de estuques relevados e policromos do amplo arco de acesso ao coro de baixo, onde existe o armorial da Ordem de Cister e se compõe de escudo em pala com banda e flores de lis. Atravessando sombrio e estreito saguão, que divide os dois grandiosos dormitórios do corpo superior, entra-se na moderna Sala do Capítulo, antigo Dormitório, bela e imponente dependência de duas naves e dez tramos com colunata toscana, de granito, suportando artezonado vulgar do quinhentismo, de aresta viva. O primeiro tramo esteve transformado, a partir do séc. XVII, em capela de penitência, segundo vontade de D. Ana de Souto Maior, que no solo foi sepultada em 1659 e havia fundado o altar no ano de 1622, que existe, embora desafectada. Tem frontão entrecortado, com deprecações religiosas, latinas, pilastras laterais, caneladas e no interior três painéis murais de certo merecimento artístico, coetâneos, representante o Calvário, Cristo da Coluna e a Oração no Horto. A leitura da sepultura, de pedra mármore, é esta: AQVI JAS DONA ANNA SOVTO MA IOR MOLHER QVE FOI DE NICVLAO DE BRITO SOVTO MAIOR MO RREO COMO VIVVEO NESTE S. CONVENTO AOS 11 DE DEZEMBRO DE 1659 ANNOS Na casa de passagem do coro de baixo para o saguão da Sala Capitular, existe uma pedra tumular de mármore, com esta inscrição, desdobrando as abreviaturas: VENIME CVN VT REQVIESCAS SECVRVS INCELESTEI ERVS ÃL SPOSSAME A. DONA ANTONIA LOBA 3. REG. 19. CHAMOVA OSPOZO E SICO. D. MAIO DA ERA D. SEISSÊTOS. E. DOZE Voltando à crasta e na mesma frente oriental, outra porta de granito emoldurado, de arco gótico e cobertura de ogivas com robusta chave representada por uma pinha, denuncia restos da primitiva fábrica quatrocentista do convento. O Refeitório, é uma cómoda e curiosa dependência dos fins do séc. XVI, contrafortada para o exterior, aberta em portado geminado, de volume atarracado, do renascimento tardio, com coluneis marmóreos, de planta rectangular coberta de abóbada de caixotões estucados e adornada de medalhões pintados a fresco, na interpretação alegórica de antigos elementos cósmicos, das estações do ano, dos meses e dos quatro elementos, além do grande painel quadrangular mostrando o melífluo S. Bernardo adorando Cristo vivo na Cruz. 

Estes deliciosos quadrinhos, onde a minudência e o pormenor dos temas, bucólicos e anedóticos, conferem rara importância, pela verdade da iconografia, indumentária e costumes coevos, aliados ao mérito como pintura, rescendem a profanidade pelo tratamento humano mas poético de algumas cenas amorosas. No topo da cabeceira, em composição a têmpera, vêem-se em quadros emoldurados mas infelizmente carcomidos pelo tempo e em franca ruína, as três cerimónias do Novo Testamento, Cristo em Casa de Marta, A Ceia e o Lava Pés. Na empena sobranceira, fica a pintura mural de grande volume, em cartela de inspiração clássico-barroca, elíptica e armorejada do escudo da abadessa D. Mécia de Melo, envolvido por aves, grinaldas floridas e outros atributos decorativos. A composição está datada de 1605 e mostra na parte inferior um monograma, certamente de autor: F. P. I. (?). Farta barra de azulejos policromos, do tipo de maçaroca, abraça a vasta sala, onde cabem, sentados, cerca de 160 pessoas em refeição; esta obra cerâmica deve-se à acção benemérita da abadessa D. Ana de Almeida e a Fr. Remígio de Sequeira, capelão monástico, segundo reza a inscrição cronografada de 1654, parcialmente oculta pela imponente cadeira de espaldar, de madeira pintada, de 1733, mandada fazer pela abadessa D. Catarina de Carvalho, que enche o fundo da sala (2). O remate do móvel conserva os registos antigos da Virgem, S. Bernardo e S. Bento. Contra a parede norte conserva-se o púlpito, de caixa de madeira entalhada. Os novos dormitórios do mosteiro, da época seiscentista, das professas e noviças, correndo paralelos em soberbo andar nobre, constituem enormes pavilhões rectangulares de imponente pé direito, com as fachadas voltadas ao campo (norte-oriente) e à varanda do claustro, a ocidente. Grades de ferro batido, de desenhos vários, algumas com puas e cruzes adossadas, defendem as inúmeras aberturas. Interiormente, as imensas naves acolhiam numerosas mas pequenas celas individuais recobertas de deliciosas pinturas sacras, populares ou eruditas, de devoção, nas paredes e tectos de masseira, em esteiras ou tecidos, de cúpulas das mais diversas formas e feitios. 

Os nichos, com assuntos piedosos e painéis de azulejos policromos ou monocromos, concediam profunda poesia e intimismo às alcovas das recoletas, as quais não estavam isentas da observação nocturna da irmã vigilante, pois estreita mas comprida varanda de madeira, com balcões e balaústres atravessava toda a sala ao nível da cimalha das mesmas celas, com clarabóias. O ciclone de Fevereiro de 1941 deitou por terra os telhados já bastante arruinados dos dormitórios, que as subsequentes derrocadas e invernias fizeram perder completamente. Os actuais, são coberturas utilitárias ao modo de armazém e as pequenas divisórias internas amostra lamentável da incompreensão e indiferença pelos volumes e sentido estético das gerações hodiernas. Na antecâmara destas dependências existiu opulento relógio de 1756, com o mostrador pintado a fresco, que as obras de restauro levadas a efeito pelos Monumentos Nacionais não souberam salvar. Contíguo, no patamar, conserva-se, afixado na parede, painel de azulejos encaixilhados, a azul, com representação da Virgem da Conceição, datável do 2.° terço do séc. XVIII, de fabricação lisbonense. O edifício da Enfermaria, contrafortado, de volumes, silhueta e alçados muito pitorescos, tem entradas pelos dormitórios comuns e por escada exterior, que deita para o pátio da Lavagem. O corpo alto, de janelas gradeadas, foi aumentado no ano de 1697. Os restos mais antigos do pavilhão são visíveis na curiosa sala quinhentista do rés-do-chão, austera mas de nobres linhas de arquitectura funcional, com duas naves e nove tramos rectangulares divididos por colunata dórico-toscana, de granito escuro e tectos de cruzaria com nervos de aresta viva. A dependência é sombria, porque lhe corre na ilharga o paredão forte, altaneiro e reforçado com botaréus da cerca exterior, que deita para o antigo caminho do Esborrondadouro e do Convento paulistano de Santa Margarida. Numa chaminé, curioso armorial de abadessado, aberto em estuque, com a data de 1567 e belo friso clássico, de modilhões gravados. Reentrando no pavilhão, comprido corredor com rodapé azulejado, em padronagem axadrezada de esmalte azul e branco, comunica a oito celas independentes, de portas com jambas e dintéis emoldurados do tipo setecentista, período que corresponde ao arranjo interior da Hospedaria. 

No fundo salvou-se altar de alvenaria, estucado e escaiolado, com pilastras caneladas, do classicismo decadente, abundante em pinturas de flores, serafins e temas religiosos muito arruinados, onde se identifica a cena do Calvário. Sobrepujante ao portado fundeiro e ao lado deste retábulo, também pintado a têmpera e bem executado, venera-se S. Sebastião, do séc. XVII, centúria das duas composições. No mencionado quintal da Lavagem subsistem, além deste tanque, com velha gárgula constituída por leão de mármore, quinhentista, mais dois poços, a saber: um muito interessante, da mesma época, sobranceiro à fachada exterior do Refeitório, protegido por alpendre de quatro colunas de granito, toscanas, suportando cúpula circular recoberta, na caixa interna, de estuques pintados; e outro de alvenaria, datado de 1824, da governação da Madre Abadessa D. Mariana Escolástica, que fica ao lado da Hospedaria. Deste recinto abre-se para a cerca geral um pomposo portado do estilo rocócó, de massas escaioladas, pilastras piramidais e opulentas volutas e fachos, frontão entrecortado e bestiários decorativos, tendo ao centro a alegoria, em alto relevo, de S. Bernardo amparado por serafins. Está cronografado de 1757. A cerca, bem explorada durante anos pela Circunscrição Agrícola do Sul, nada conserva de curioso arqueologicamente ou de arquitectura do tempo das monjas cistercienses. Uma capela, de telhados de linhas radiadas envolvidas no beiral por pináculos vulgares e de frontão de fantasia, foi transformada ainda em vida das últimas freiras (1824), e a fonte de depósito subterrâneo, com pórtico armorejado, revestido de pedrinhas coloridas, porcelanas orientais e taça com golfinhos barrocos e bancos laterais de alvenaria denunciam, igualmente, a época tardia de execução - c.ª de 1800. Recolhidos da antiga existência da Casa Pia subsistem, como património cultural, alguns painéis de pintura religiosa, que se expõem no gabinete do Director do Estabelecimento de Assistência Social. De entre vários, vulgares, merecem particular referência os seguintes: Visitação de Santa Isabel, atribuído ao pintor régio Gregório Lopes, c.ª de 1540, composto sobre tábuas de carvalho, nas dimensões: Alt. 1,16 x 88 cm. A Flagelação de Jesus, tábua da escola maneirista de c.ª 1590 e da arte popular. Santa Catarina de Sena, tela do séc. XVII, que mede: Alt. 1,33 x 97 cm. Matança dos Santos Inocentes, fragmento da grande tela da boca do altar-mor do profanado Colégio dos Meninos Órfãos (fins do séc. XVII), e No alto de S. Bento, local entretecido de lendas e tradições e no ponto limite da velha cerca monástica existiu, até 1739, muito arruinada, a atalaia mourisca ligada à escalada nocturna de Geraldo Sem Pavor e morte violenta dos vigias, no Outono de 1165. Comemorando a derrocada leu-se até época recente, embebida na cal no reboco do muro a seguinte inscrição: 1729 / AOS 12 / DE JANEIRO / CAHIO A TORE / DESTE CONVENTO.

BIBL. Fr. Bernardo de Brito. 7.ª Parte da Chronica de Cister, 1602, fls. 365-70; Pe. Manuel Fialho, Évora Ilustrada, ms. da Bib. Púb. de Évora; Pe. Francisco da Fonseca Évora Ilustrada, 1728, págs. 382-385; Gabriel Pereira, Estudos Eborenses, vol. 1.°, 2.ª edição, pág. 156 e segs.; José Queirós, Da Minha Terra - Figuras Gradas, 1909, págs. 113-117; Florentino Perez Embid, El Mudejarismo Português, Sevilha, 1944, págs. 104-107; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 35-42. ADENDA A comunidade de S. Bento de Cástris, por turbações internas de origens hoje desconhecidas, foi condenada pelo Conselho Geral de S. Bernardo de Alcobaça, no desterro de um ano e meio, de penitência, para o Real Mosteiro de Odivelas, pena que teve início no dia 26 de Maio de 1776 e conclusão em 24 de Novembro de 1777. Na extinção desta casa religiosa, também se perdeu, ou subsiste em lugar desconhecido, o órgão novo do coro de cima, estreado nas calendas do Espírito Santo, em 12 de Maio de 1742, devido aos esforços da abadessa D. Carlota Francisca, da cantora-mor D. Joana Micaela e do padre feitor fr. Francisco de S. Miguel. O instrumento havia custado 550 000 rs. ADENDA Como vestígio do coroamento de ameias manuelinas, subsiste na banda norte sobrepujante à galeria alta do claustro, embebido em novos alçados, um merlão do tipo chanfrado. (1) D. Ana de Almeida era deputada do conselho de regência conventual em 1637, durante o abadessado de D. Maria das Chagas. No ano de 1643 estava como abadessa D. Maria de Vilalobos e deputadas-prioresa D. Maria da Mesquita Pimentel e Ana de Santiago, escrivã. (2) O silhar cerâmico, neste ponto, está bastante atingido pela acção do tempo. Da inscrição apenas se pode ler o período truncado: ESTA OB .................. NNA ON / DE ALME .................. NONO DE/ 1654 E .................. RE REMI / 

domingo, 7 de janeiro de 2018

Igreja Paroquial de Santo Antão


Ocupa na totalidade o espaço da demolida ermida gótica de Santo Antoninho e do hospital-albergaria do Corpo de Deus, da Ordem dos Templários, além da desaparecida Rua dos Gaios, que corria na linha da dependência da Irmandade do Santíssimo Sacramento e de outro casario da Rua Ancha, que se adquiriu ao fidalgo Roque de Almada em 1549-50 e se deitou abaixo seguidamente, sob direcção do mestre Manuel Pires. No adro dessa remota casa religiosa se deu, em tempos do rei D. Dinis, no dia 6 de Fevereiro de 1286, a histórica reunião entre a corte, concelho, alcaide, juizes, homens bons, vassalos e representantes dos arrabaldes da cidade para ajuste de certa convenção de interesse público. A colegiada-paroquial foi fundada no dia 18-4-1333 e o provimento dos primeiros raçoeiros é de 1380 (L.° dos Originais do Cabido da Sé de Évora - pasta preta, fls. 22-23). O arcebispo D. João de Melo criou o reiturado em 28 de Abril de 1565, prelado que pela primeira vez se designou prior de Santo Antão. O 2.° prior foi o cardeal-infante D. Henrique. A este príncipe da Casa de Avis e último monarca da mesma dinastia se deve a fundação do presente edifício que, para o efeito, obteve assistência de seu irmão D. João III, monarca que, em Fevereiro de 1548, mandou estudar o local pelo arquitecto régio Miguel de Arruda. 

O autor do projecto foi, todavia, o mestre de pedraria eborense Manuel Pires, que deu início à obra no ano de 1557 e a deu como pronta em 1563. Em 17 de Abril de 1568, sábado de Aleluia, um abalo telúrico de certa violência deitou por terra a abóbada da igreja e esmagou nos escombros oito pessoas. O arquitecto das Obras da Comarca, Afonso Álvares, a solicitação do prelado fundador estudou o restauro em 1570, data lamentável para a arqueologia monumental eborense, pois nesta fase das obras D. Henrique ordenou o apeamento do arco triunfal romano da Praça Grande, que lhe ficava sobranceiro, e a subsequente recolha dos seus materiais ao Colégio do Espírito Santo. Do exame técnico de arquitectura saiu a empreitada final do mestre Brás Godinho, oficial de pedraria muito competente que levantou das ruínas todo o edifício. 

De principio, teve de consolidar as colunas das naves feridas pelo desmoronamento mas que aguentaram o terramoto; em 1572 rebocou internamente toda a obra, incluindo os fustes e fechou-se a nova cobertura, construíram-se as capelas laterais, os portados e o adro do tabuleiro ficou completo, com os degraus, em 1577, período limite da empreitada, pois nesta data se lançou a última féria custeada pelo prelado padroeiro. Baltazar Fernandes, mestre pedreiro assistiu a toda a reconstrução como capataz da obra. Na mesma fase o carpinteiro Manuel Gonçalves fez as portas de carvalho de Flandres e as primitivas grades de bordo dos santuários, substituídas posteriormente por outras de ferro forjado e ultimamente pelas existentes, de lamentável fundição novecentista. O monumento foi sagrado no dia 22 de Abril de 1804 pelo arcebispo D. Fr. Manuel do Cenáculo. Numa dependência colegial se guardaram, durante anos, os retratos de alguns condenados pelo Tribunal do Santo Ofício de Évora, em virtude de, no seu adro se armarem, nos sécs. XVI-XVII as tribunas dos bispos-inquisidores durante os Autos da Fé. A galeria de pintura, singular entre nós, foi irremediavelmente destruída na centúria setecentista. 

Em Agosto de 1637 na igreja se reuniu a Junta de Santo Antão, presidida pelo antístite D. João Coutinho e proposta pela nobreza, que pretendeu pacificar, em vão, os motins populares contra a dominação espanhola de Filipe IV. De porte volumoso, severo e pesado, a fachada principal do templo deita para o tabuleiro da Praça de Geraldo, olhando ao lado sul e enche completamente o topo norte do mesmo recinto público, do qual está separado por vasto adro lageado, com degraus de mármore e gradeamento de ferro forjado com seus cancelos, obra executada em Abril de 1794 por ordem do arcebispo Botelho de Lima. 

O alçado frontal, de três tramos apilastrados compostos de janelas rectangulares com enxalços muitos recuados, é abraçado, nos ângulos, por duas torres quadrangulares cintadas de aparelho granítico. A obra de coroamento, compreendendo as cúpulas e frontões de enrolamento separados por pilastras escaioladas, com fachos de alvenaria, embora principiada pelo mestre Brás Godinho em 1575, teve seu desfecho nos fins do séc. XVIII. No eixo existe o relógio de quartos, doação do dr. Baptista Rolo (1902). O remate piriforme da torre do Ocidente é o único da fase primitiva: sotopostos ao olhai do sino régio existem, grande relógio de horas, em placa marmórea de números romanos, hoje avariado, e a lápida evocativa da sua inauguração em 1835 pelo Município Eborense, que diz: REINANDO / D. MARIA II / Á PUBLICA UTILID.E / A CAMARA MUNICI / PAL ANNO 1835 / Três portados vulgares, com portas almofadadas e pregueadas, dão acesso ao templo: o axial, mais ancho, de empena triangular metida em falso arco pleno, é decorado por cimalhete armorejado em campo de oiro com quatro bandas de vermelho (escudo do prelado Botelho de Lima). 

Sobrepujante e enchendo na totalidade o tramo frontal conserva-se a lápida da fundação, aberta em caracteres latinos sobre placa de granito, de homenagem ao Cardeal D. Henrique: DIVO ANTONIO ARCHIMANDRITE SACRVM D. EMANVELIS LVSIT. REGIS PII FEL. INVICTI FI. HENRICVS S. R. E. PR. CARD PRIMVS EBOR. ARCHIEP. PRIORE DIRVTO NOVVM HOC LONGE CAPACVS FORMA STRVCTVRA QVE AVGVSTIORE RELIGIO- NIS ERGO EREXIT. A torre do Nascente, por outro lado, tem uma lápida moderna, rectangular, de mármore de Estremoz, comemorativa das Alterações de Évora em 21 de Agosto de 1637, particularizando os nomes de João Barradas e Sesinando Rodrigues, juiz e escrivão da Casa dos Vinte e Quatro, que foi inaugurada em 21 de Agosto de 1928. Os alçados laterais, de cinco tramos, são protegidos por robustos botaréus de pedra lavrada, em dois andares, constituindo varanda no primeiro, correspondente às coberturas das capelas laterais e no superior defendendo as cornijas do telhado de duas águas. Na linha paralela do cruzeiro erguem-se duas meias torres quadrangulares que, segundo o plano original se destinavam a receber os sinos, conforme o tipo adoptado por Afonso Álvares na igreja colegial do Espírito Santo. Grande lanternim circular, hoje tapado, coroa a ábside e os telhados das lanternetas colaterais são desenhados em linhas radiadas ou de quatro vertentes. Exemplar notável de arquitectura funcional do Renascimento, é a escada helicoidal da torre do lado nascente, composta por 78 degraus de granito, apoiados numa nervura central, chanfrada, que conduz aos terraços. É obra de pedraria da primeira época do edifício, atribuível a Manuel Pires, de c.ª 1560. 

Nos olhais deste torre existe um carrilhão de 8 sinos de bronze, fundidos em Lisboa por Cândido Rodrigues Belas, em 1856, os quais são dedicados a S. João, S. José, Santo António e a outros santos do nosso hagiológio. Têm as imagens esculpidas. Mais dois sinos de construção recente - 1938, - completam o carrilhão e foram fundidos na Nova Lusitânia, de Ermezinde. O principal é consagrado a Santo Antão, e substitui o que caiu na década de 1920 e se desfez em mil bocados, no solo, em pleno dia, sem atingir, felizmente, qualquer pessoa. A torre velha, reformada no fim do setecentismo, mantém os dois sinos grandes, primitivos, destinados aos repiques reais, fundidos em bronze e decorados com as armas da casa reinante de Portugal, do último período de D. João III ou dos alvores do governo de D. Sebastião. Adaptados no século actual à relojoaria mecânica, o da banda do ocidente foi destinado aos quartos e o maior e mais nobre que deita para a praça, às horas. Este está ornado com bela inscrição latina rebordada de caracteres góticos floridos, intervalados por estrelas esculpidas, que diz: EMITE + SPIRITUM + TUUM + ET + CREABUNTUR + ET + RENOVABIS + FACIEM + TERRAE O terceiro sino, auxiliar dos quartos, é estampilhado de 1706 e tem, também, gravada, cruz disposta em tabelas losangulares, de andares, com punções estrelados e o emblema de J.H.S. Na fachada lateral do edifício, sobranceiro à Rua Nova e encravado no vão da primeira capela (desornada), com licença da Colegiada, edificou a Irmandade do Senhor Jesus dos Passos o seu quinto passo, feito de mármores de Estremoz, em 1723. Trata-se de exemplar do estilo barroco, absolutamente igual aos restantes da cidade, talvez mais perfeito arquitectonicamente, no qual se venera uma tela pintada a óleo, da mesma época e de pobre factura artística, na representação de Cristo a caminho do Calvário. INTERIOR Disposto em três naves de cinco tramos (incluindo o coro), em planta rectangular de 33 m. de comprimento por 17 m. de largura, oferece pelos volumes e proporções das colunas da ordem jónica, dispostas em tambores de granito e pela altura da cobertura, certa imponência aliada à severidade peculiar aos edifícios sagrados do fim da Renascença Portuguesa. A abóbada, quase plana e lançada ao nível das três naves, reforçada com nervuras de aresta viva onde subsistem vestígios acentuados de cintas de cal de obra a imitar pedra, é da reforma de 1570-75, dirigida pelo arquitecto Brás Godinho. Protótipo de uma série de monumentos levantados na província do Alentejo a partir da última década do reinado de D. João III e sob influência, manifesta do arcebispo D. Henrique, é exemplar muito curioso de templo-salão inspirado nas hallenkirchen da Alemanha. 

O projecto original de Santo Antão, sob assistência do arquitecto Manuel Pires, demonstra que ele deu começo ao grupo de igrejas que ainda em vida do mesmo prelado se ergueram em Estremoz, Vila Viçosa, Veiros, Olivença, Monsaraz e Alcáçovas. As colunas foram rebocadas no período de 1570 e ornamentadas com arabescos florais e círculos dourados, no espírito da arte barroca, cujos restos são visíveis nos arcos e fustes do presbitério. Dos restauros do tempo do arcebispo D. Fr. Joaquim Xavier Botelho de Lima (1784-1800), são os janelões marmóreos das empenas laterais, que substituíram as lunetas primitivas, estreitas como as da fachada principal e que davam pouca luz ao edifício, e o guarda-vento de madeira que, todavia, foi acabado com subsídios do cónego Miguel Remígio de Lima, em Dezembro de 1815. Os corpos laterais que o fecham completamente, são modernos. A este douto sacerdote, de origem italiana, grande benfeitor da Colegiada se deve, também, aliado ao cónego Lourenço Saraiva, a construção do coro e das cadeiras que o guarneciam. Interessante é o púlpito da nave central, de granito escuro, com base circular dividida em secções aneladas e apoiado em pedestal constituído por coluna toscana. 

Tem características da arte seiscentista. A cavaleiro dos arcos mestres das capelas transeptais, existem dois volumosos painéis pintados a óleo sobre tela, ao alto, dedicados à Exaltação do S. Sacramento e à Aparição de Cristo à Virgem, obra de pouco valor pictórico devida ao pincel do artista eborense José Xavier de Castro, datada de 1738, assim como outro que se guarda numa sala representando As Bodas de Canaã, muito maltratado e que figurou na parede sotoposta ao arco do coro. Das várias campas perpétuas, de mármore, que pavimentam o chão do templo, a maior parte perdeu, pela acção do tempo, a identificação das pessoas que nelas se enterraram. Uma delas, na entrada principal, foi brasonada e as restantes apenas têm simples epitáfios. 

À entrada da nave lateral do Evangelho jaziam os membros da Colegiada, como se lê ainda numa lage: S. DOS PADRES DESTA CAZA e mais abaixo, noutras linhas, que prosseguem ilegíveis: E. IAZ O PE ANT. LOPEZ Aos pés do púlpito: S. DE IOANA RO IZ E D. ERDS. Defronte da capela do Senhor Jesus dos Terramotos, em campa de mármore branco: S.A DO P.E JOZE NVNES DE AZEVEDO CO TRIM INDIGNISSIMO SACERDOTE SECV LAR E HVMIDISSIMO DEVOTO DA SACRO SANTA IMAGEM DE CHRISTO CRVCIFICA DO COLLOCADO NES TA CAPELLA. RECORDARE DOMINE CRE ATURE TUEQUAM PRETI OSISSIMO SANGUITUORE DIMISTI PONE PASSIONEM CRU CEM ET MORTEM TUAM IN TER JUDITIUM TUUM ET A NIMAM MEAM. As dez capelas laterais, com exclusão das do transepto e da 1.ª do lado direito, que nunca foi terminada, estão fechadas por ridículas grades de ferro fundido, dos finais do séc. XIX, que substituíram altos cancelos seiscentistas, durante as lamentáveis reformações dos mesmos santuários, quase todos redoirados a purpurina. São abertos em arcos de volta perfeita, de cantaria aparelhada e foram construídos entre 1570-75. 

Comecemos a sua enumeração pelo lado do Evangelho e a partir da primeira capela. BAPTISTÉRIO Está forrado na totalidade por apainelados de azulejos de esmalte branco e decoração azul, de dois tipos emoldurados - em desenho floral e geométrico -, valorizados, no centro, pelo painel de nove azulejos coloridos a amarelo e branco representando o armorial do arcebispo protector D. Fr. Luís Teles da Silva (1691-1703). Sobre a pia baptismal, peça vulgar, de mármore da região, de bojo circular apoiado em base quadrada, existe o grande retábulo pintado a óleo sobre tela do Baptismo de Jesus, que enche completamente o tramo fundeiro. É trabalho de oficina local de c.ª 1735, atribuído a José Xavier, sem valor artístico. CAPELA DE N.ª S.ª DA ALEGRIA Actual de Santo António. Altar de talha esculpida, de transição do classicismo para o barroco, dos alvores do seiscentismo, reformado e marmoreado no dealbar do séc. XVIII no espírito da arte rocócó do tempo de D. José I. Do período original conserva a estrutura retabular com colunata coríntia, de canduras, e o terço coberto de temas fitomórficos e no friso da banqueta, opulentas cartelas de vários desenhos, esculpidas e douradas. 

O nicho central, com aplicação de talha e os fogaréus terminais, são posteriores: sobrepujante ao conjunto, na empena, em forma de pórtico, de fustes clássicos e frontão circular, enquadra-se o painel do Menino entre os Doutores, pintado sobre tela. Nos espaços intervalares do altar, mais quatro composições da mesma época e factura, medíocres como obra de arte, constituem o recheio do santuário: representam a Anunciação da Virgem, dois painéis, no corpo superior, e Santa Ana e S. Joaquim, no inferior. A imagem padroeira, antiga, de somenos mérito artístico, recolheu-se na sala da Irmandade do S. Sacramento. As paredes laterais estão revestidas de azulejaria do tipo de maçaroca, formando discos explendentes, polícromos, de interessante efeito ornamental. São da 1.ª metade do séc. XVII. CAPELA DE SS. CRISPIM E CRISPINIANO Hoje de N.ª S.ª de Fátima. 

O altar, carregado de talhas barrocas, é decorado por colunas salomónicas recobertas de folhagem, com pinturas de tons verdes, azuis e doirados, sendo a arquitrave engalanada por tabela túrgida que anuncia as formas do estilo rocócó do último período joanino (c.ª de 1750). Anjos simbólicos e ceroferários, de madeira policromada, decoram os acrotérios. No corpo central, mísulas enobrecidas com dosséis são suportadas por atlantes de relevo envolvidos em volutas engrinaldadas. Curioso, o conjunto escultórico da Sagrada Família, de madeira bem estofada, com características oficinais do último terço do séc. XVII, da extinta Irmandade de S. José dos Carpinteiros. Vieram trasladados para aqui em 4 de Março de 1839, precedendo despacho da Junta do Governo de então. Medem, as imagens: S. José e Nossa Senhora, 1,00 m. Menino Jesus, 0,55 m. Diz-se que o retábulo de talhas veio da capela-mor de Santa Catarina de Sena pouco antes da demolição deste convento da Ordem de S. Domingos. As paredes estão guarnecidas de azulejos verdes e brancos, enxadrezados, dos começos do seiscentismo; no tecto, a composição é disposta em linhas paralelas formando pequenos quadros gradeados. 

Num cubículo do altar guarda-se tosca inscrição de caracteres romanos gravada em bloco de mármore branco, que diz: ESTA CAPELA HE DA IRMANDADE DOS GLORIOZOS M ARTIRIS SÃO CRIS PI CRIPINIANO ERA DI EI 20 (1720?) CAPELA DE SANTA ANA Mais tarde de N.ª S.ª dos PRAZERES e actualmente de Santa Terezinha do Menino Jesus (altar das Missões). Tem retábulo de talhas pintadas e douradas, com colunas do tipo berniniano, do barroco tardio, rematadas por fachos e nicho central, muito amplo, revestido de obra de marcenaria do estilo rocócó, doirada e mais recente à da factura geral. No corpo superior existe um curioso painel de tábua, de secção rectangular, com a Adoração dos Pastores, delicada pintura da Escola Maneirista, de mestre anónimo mas bom oficial do seu mister, datável de c.ª 1580. Em represas laterais veneram-se algumas pequenas imagens modernas; de interesse e antiga, apenas, a de madeira policromada, de S. Francisco Xavier. Outrossim, no altar, conserva-se uma credencia de talha esculpida e dourada, do estilo D. João V. CAPELA DE N.ª S.ª DOS REMÉDIOS Foi de particular devoção do arcebispo D. Fr. Miguel de Távora, membro da Ordem de Santo Agostinho, que a enriqueceu e dotou e nela se conserva no tímpano, embora mutilado, o armorial da sua casa, tapado à ordem do Marquês de Pombal, em 1759. Altar e talha do estilo rocócó, ainda de colunata salomónica recoberta de temas naturalistas, foliácios, com empena circular de medalhão decorado por grinaldas. Infelizmente, o retábulo foi muito retocado em épocas modernas. Belíssimo quadro a óleo sobre tela, bem emoldurado, de Santo Agostinho, atribuído a Francisco Vieira de Matos (Vieira Lusitano), enobrece o santuário. Pintura de c.ª 1740, é presumível réplica do painel do Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, e admite-se ter sido dádiva do infeliz prelado de Évora. 

As paredes laterais estão forradas por azulejos polícromos, de bom desenho, dos meados do séc. XVIII. Altares do lado da Epístola, a começar pela CAPELA DE N.ª S.ª DA SAÚDE, antiga de S. ROQUE. O retábulo é um discreto exemplar de talha do estilo jónico, concebido dentro das linhas do classicismo final, de c.ª 1600, decorado por duas colunas caneladas revestidas de elementos florais pendentes, e o terço inferior de corte muito sóbrio. Empena dupla, de elegante medalhão orlado de lóbulos, com figuração do Anjo Custódio de Portugal, infelizmente perdido por repinturas hodiernas. No centro, em maquineta envidraçada, de talha rocócó envolvida por grinaldas, venera-se N.ª S.ª da Saúde, imagem de roca e vestia de rica tecelagem de seda bordada a oiro, que foi adquirida custosamente em Julho de 1816, pela mordomia e aqui colocada depois da grande obra de restauro do altar. 

Os cetros e coroas de prata lavrada, que as adornam, são coevas entre si; além de outros vestidos ricos a padroeira possui adereços e jóias de alto valor artístico, antigos, que se guardam no cofre paroquial. A escultura mede, de alto 1,20 m. e o cetro, 60 cm, sendo esta peça ricamente esculpida e ornada de pedras coloridas; minas novas, crisólitas, etc. CAPELA DAS ALMAS Altar de talha dourada, da ordem coríntia, datável de c.ª 1600, com frontão duplo, aberto por medalhões lobulados que encaixam o painel da Santíssima Trindade: lateralmente, esvoantes, dois serafins papudos. Volumoso retábulo pintado a óleo sobre tábua, ao alto, de secção rectangular, preenche e valoriza o corpo do santuário, na representação de S. Miguel e as Almas do Purgatório. Pintura do tipo maneirista da Escola Eborense, impregnada do espírito tridentino onde o realismo de certas personagens acusa a tradição flamenguisante, foi atribuído por Barbosa Machado ao poeta-pintor Jerónimo Corte Real. É obra de merecimento artístico datável de c.ª 1570. Sobre o altar, vê-se pujante Crucifixo de pau-santo, trabalho exemplar da arte rocócó da 2.ª metade do séc. XVIII, guarnecido nas pontas da cruz, resplendor, legenda e cravos da figura de Jesus, por peças de prata arrendada. As paredes da capela estão revestidas de painéis cerâmicos, de tapete, em dois tipos correntes dos meados do seiscentismo, de esmalte colorido. CAPELA DE JESUS DOS TERRAMOTOS Primitiva do Senhor dos Reis, actual do Sagrado Coração de Jesus. Retábulo de madeira fortemente entalhado, barroco, de colunas salomónicas revestidas de folhagem, que se apoiam em mísulas ornadas de acanto de enrolamento e anjos afrentados. 

Conjunto da época joanina, de c.ª 1745, foi passado a purpurina, que lhe imprimiu um tom de oiro falso. Aos pés do altar, na nave, jaz por devoção particular, em campa rasa do séc. XVIII, o padre Azevedo Cotrim, cuja leitura se fez noutro lugar. CAPELA DE N.ª S.ª DA PURIFICAÇÃO Actualmente do Beato Nuno de Santa Maria. Foi da corporação dos alfaiates. Altar de talha clássica, de colunata coríntia, com canduras e o terço envolvido por motivos de flora. Frontão duplo e largo medalhão axial, com moldura de óvulos e festões de grinaldas laterais. Na facial subsiste grande tela seiscentista da Apresentação do Menino no Templo, obra de técnica e desenho medíocre e, no corpo inferior pintados em tábua, ao alto, dois santos padroeiros. Na credencial e no friso correspondente às peanhas dos fustes, vêem-se mais seis retablitos de secção rectangular, pintados igualmente a óleo sobre madeira, na figuração de S. Pedro, Santa Luzia, Santa Apolónia e S. Bento, todos em meio corpo e intervaladas duas cenas de milagres dos patronos da Irmandade, infelizmente muito repintados por amadores inconscientes. É obra oficinal eborense, popular, dos fins do séc. XVI. Paredes e tecto recobertos de dois géneros seiscentistas de azulejos polícromos, e molduras de guarnição de óvulos entrançados e cabeças de anjos. A imagem primitiva de N.ª S.ª da Purificação, obra de madeira estofada e policromada, do tipo comum do barroco final de c.ª de 1700, guarda-se numa dependência da Colegiada. Mede, de alto, 1,20 m.

A derradeira capela desta banda, que nunca teve culto, foi decorada em tempos modernos com o retábulo de S. Roque, interessante pintura maneirista dos começos do séc. XVII, de execução secundária e provável trabalho de oficina local. Na tábua, que mede 2,20 x 1,65 m. figuram, além do padroeiro, S. Sebastião, S. Cristóvão e S. Maurício (?). Sotoposta afixou-se em placa de mármore a memória da consagração do templo, feita solenemente em 1804 pelo arcebispo D. Fr. Manuel do Cenáculo. DEO OPT MAX TEMPLUM HOC DICATUM IM MEMO D ARCHIM ANTONI CONSE CRAT FUITINTEGRO SOLLEMNIRITU PER EX ACREV D D F EMMANUELEM ACOENACULO VILLAS BOAS METR ARCH EBOR AN REP S MDCCCIV XKAL MAII. A abside da igreja compõe-se de três capelas, as mais nobres e favorecidas: CAPELA-MOR e colaterais do S. SACRAMENTO e de N.ª S.ª do ROSÁRIO. 

Comecemos a descrição pelo santuário principal. De planta rectangular é pouco profundo e mantém as proporções originais quinhentistas; todavia, o belo altar de talhas douradas e policromadas e o escadório de mármores regionais guarnecido nos topos com embrechados ao gosto florentino, foram custeados pela generosidade do arcebispo D. Fr. Luís Teles da Silva, que governou a diocese eborense de 1691 a 1703. O mesmo prelado empregou, também, noutras importantes reformas da igreja e suas dependências, verbas volumosas. O retábulo e a tribuna, muito aparatosos, enchem totalmente a ousia e atingem, em excepcional altura o arco redondo da abóbada. Compõe-se de opulenta massa de talhas do estilo barroco, em obra de ensamblamento e fina marcenaria dividida por duas colunas salomónicas esculpidas com querubins, aves, parras e uvas apoiadas em anjos atlantes simples ou cavalgando águias, de alto relevo. No tímpano, combinam-se a arquitrave, de modilhões revestidos de palmetas e um equilibrado pórtico apilastrado rodeado por figuras simbolizando os trombeteiros da Fé sobrepujados, no frontão de enrolamento ornado de volutas e anjos, pelo armorial esquartelado e colorido do fundador: dois quartéis de oiro pleno e dois de prata, com um leão de púrpura armado de azul. Nos acrotérios, as esculturas douradas, em vulto, personificando a Fortaleza e a Prudência. Foi terminado entre 1703-1705. 

Enquadrando o conjunto retabular, conservam-se as pinturas a óleo sobre tela, coevas, devidas ao artista lisbonense Bento Coelho da Silveira. Representam a que cobre a boca do camarim, a Ceia de Cristo, e a da composição da empena, A Matança dos Inocentes. Esta parece conservar os tons originais, mas aquela, porque era frequentemente apeada durante a exposição do S. Sacramento, sofreu irremediáveis malfeitorias e restauros pouco escrupulosos. De excepcionais dimensões é, todavia, de limitado valor artístico. Custou 60 000 reis. No eixo da credencial, completamente forrada de apainelados de talha dourada, com ornatos foliáceos, palmetas, serafins e outros elementos decorativos do mais forte barroquismo, ergue-se o nicho do padroeiro guarnecido de pilastras coríntias, querubins policromados e ancha vieira no arco, toda revestida de temas naturalistas. A imagem de Santo Antão, de madeira, que mede de alto 1,80 m., é uma severa mas nobre peça barroca dos fins do séc. XVII, com mantéu estofado de negro laivado de oiro fino. 

O frontal do altar, desligado do retábulo, é constituído por curioso baixo-relevo de mármore branco representado pelo Apostolado, escultura da arte gótica da Escola Eborense do séc. XIV, do ciclo dos mestres lavrantes da Catedral, que pertenceu à primitiva ermida de Santo Antoninho e os arquitectos do novo templo preservaram, cuidadosamente, da destruição. Mede de comp. 1,00 m. e de alt. 0,55 m.: esteve longos anos tapado pelo frontal rico, de forte linhagem, por sugestão do cónego Remígio de Lima, peça que se guarda hoje dependurada e encaixilhada no alçado do presbitério. Do tipo de três alturas, é formado por sebastos de capas de asperges bordados a fio de ouro e conserva, por motivo de segurança, as bandas das bordaduras. São 22 figuras de santos, apóstolos e evangelistas com seus símbolos, sentados ou de pé, metidos em edículas sexifoliadas, com a particularidade de terem os pés e mãos pintados sobre seda. No eixo, fazendo a divisão da peça, as cenas de Cristo na coluna e o Calvário. Obra de tecelagem espanhola dos fins do séc. XVI, do estilo clássico, mede 2,80 m. de comp. e 1,00 m. de largura. A capa de asperges, igualmente metida em caixilho envidraçado na parede sobranceira, é tecida em brocatel de ouro bordado a matiz, com ornatos tulipados e de cravos, e aplicações de sebastos de três panos bordados, do mesmo modo, a fio de ouro. Neles existem as figuras de seis santos metidos em nichos da Renascença: S. Pedro, S. Paulo, Santo André, S. João Evangelista, S. Bartolomeu e S. José. Parece, de igual modo, trabalho têxtil do sul de Espanha, do ocaso da época quinhentista. Ainda, de merecimento, no santuário, conservam-se duas mesas de corporais, de talha esculpida, com pés de garra e tampos de pedra de Sintra do estilo português de D. João V. Tem as dimensões: comp. 1,36 m. e alt. 0,86 m. Também tem interesse artístico um banco de couro lavrado de três assentos, pregaria amarela, pés de garra, aventais e costas de talha dourada, da mesma centúria mas ainda do tempo de D. Pedro II. 

O camarim e o trono da capela-mor, complemento da obra de D. Fr. Luís Teles da Silva, aparatoso e rico, é constituído por forramento de talha apainelada, dourada, recoberto de ornatos fitomórficos, serafins e retablitos com emblemas reais de Portugal. O baldaquino de exposição do Santíssimo Sacramento, de madeira polícroma, rodeado de anjos ceroferários, é composto por bela moldura de secção ovóide revestida de anjos de baixo-relevo. CAPELA COLATERAL DO EVANGELHO: NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO Antiga de N.ª S.ª dos Prazeres. Teve confraria de muita devoção e ainda existe a preciosa imagem de prata, que se guarda no tesouro paroquial. A Irmandade de N.ª S.ª do Rosário veio para este lugar logo após a extinção do Convento de S. Domingos, em 1834, e era muito antiga, pois temos conhecimento escrito da sua existência já no ano de 1597. O altar que a guarnece é obra do estilo neoclássico dos meados do séc. XVIII, feito de mármores brancos e raiados de negro, da região, com colunata coríntia e frontão entrecortado, tendo no tímpano duas figuras personificando a majestade e expansão da Igreja, com símbolo de constelações celestes. Sobrepujante, outro corpo apilastrado, com facho de coroa real e tabela de baixo-relevo encomiástico da Virgem Maria. 

A composição esteve, outrora, encimada pelo armorial barroco figurado por rosário em disposição ovalada com remate de coronel fechado, peça de mármore branco subsistente numa dependência interna do edifício e que se não armou pelo facto de exigir maior altura. Esse espaço foi substituído pelo actual lanternim, obra moderna envolvida por painéis e florões de estuque colorido, sem qualquer valor artístico. A padroeira, imagem de madeira dourada e policromada, dos fins do séc. XVII, que mede de altura 1,45 m., está metida em maquineta axial, envidraçada e ornada de filetes foliáceos, de talha dourada. Escapou, do primitivo conjunto do santuário, o revestimento de azulejaria polícroma, seiscentista, que atinge a cimalha, constituído por dois tipos cerâmicos muito curiosos, sendo um de padrão idêntico ao da capela do S. Sacramento. Interessante é o par de mesas de corporais, obra de marcenaria portuguesa da época de D. José I, em madeira entalhada, com pernas recurvas e tampos de mármore cor de rosa. Fecha a capela uma grade de ferro forjado e dourado, do maneirismo peculiar no reinado de D. Maria I (fins do séc. XVIII), com ornatos e arabescos, de dois batentes rematados por fachos estilizados. No solo jaz António de Mira Solteiro, sob campa de mármore branco esculpido com dossel de baixo-relevo prenunciando as formas da arte rocócó. 

Diz a inscrição: S.A DE ANT.O DE MIRA SOLTEIRO E DE SEOS ER DEIROS QVE FALECEO A 10 DE 8BRO DE 1734 CAPELA DO SANTÍSSIMO SACRAMENTO (Colateral da Epístola) Foi sede de notável confraria, ao presente extinta. É fechada por elegante e leve grade de ferro forjado, revestida de oiro, dos finais do séc. XVIII. Belo retábulo de talha dourada, do estilo barroco, do período derradeiro do reinado de D. João V, preenche na totalidade o fundo da ousia, disposto em coluneis salomónicos apoiados em peanhas suportadas por figuras de vulto, estantes ou afrontadas. Na credencial, nobre sacrário de dois corpos com a imagem do Salvador, de baixo-relevo. Sobrepujante, formoso baldaquino esculpido e entalhado, seguro por querubins, tendo no centro o Cordeiro Místico e um Crucifixo de marfim, do séc. XVII; rompente, de amplos raios alternados e coroada, venera-se a Sagrada Partícula. As credências da banqueta, de talha pintada e de pernas onduladas, com mesas de mármore polido, de Pero Pinheiro ou Sintra, são da 2.ª metade do setecentismo. O forramento das paredes laterais, cúpula e lanterneta é feito por três tipos diferentes de azulejaria lisbonense da 1.ª metade do séc. XVII, policromos e inspirados em modelos de tapeçaria oriental. Dominam os elementos naturalistas: pinhas, alcachofras, ramagens e composições rombóides divididas por cercaduras também dissemelhantes. As trompas cupulares são ornamentadas com pelicanos cerâmicos, coloridos, sobre fundo branco. 

A série de painéis de azulejos da igreja de Santo Antão constitui, pela variedade e qualidade de modelos seiscentistas, repositório notável para estudo da cerâmica similar e das artes decorativas portuguesas em geral. SACRISTIA De planta rectangular e abóbada de meio canhão, foi profundamente modificada na 1.ª vintena do séc. XIX, com horríveis pinturas estucadas, a escaiola e apenas conserva de época mais antiga o rodapé de azulejos correntes, azuis e brancos, de c.ª 1700 e o lavabo coevo, de mármore, mas sem interesse artístico. Paramenteiro e anuário de parede, de madeira, também de pobre marcenaria. Aquele está encimado por retábulo do Calvário, entalhado, com frontão triangular e pilastras laterais, estriadas, do estilo jónico. A mesa dos cálices, de calcário e peanha circular, anelada e tampo rectangular com as pontas boleadas, deve-se a subsídio concedido pelo cónego Miguel Remígio de Lima, em 1815.

Numa parede conserva-se curioso painel de pintura sobre tela, dos fins do séc. XVII, representando a Assunção da Virgem. Tem boa moldura de ornatos de talha dourada, com óvulos entrelaçados. As casas da antiga Colegiada de Santo Antão - Secretaria e Sala da Comunidade - dispõem-se em dois pisos abraçando os volumes da igreja nos alçados lateral e principal Norte-Poente. Devem-se, na quase totalidade ao esforço do arcebispo D. Fr. Luís Teles da Silva, que as mandou construir de raiz ou as restaurou no ocaso do séc. XVII. As escadarias, de vários lanços, de arcos redondos, apilastrados, são de granito e os lambris foram guarnecidos de painéis de azulejaria dessa época, autenticados pelos escudos esquartelados do protector. A sala das reuniões, vasta e de planta rectangular, está absolutamente descaracterizada, desde que o reitor Pimentel Sancas, em 1816, ao restaurar a Confraria das Almas, então quase extinta, ordenou as obras infelizes de escaiola berrante, que subsistem nas paredes. Do estilo joanino, de c.ª 1740, são o jogo de cadeiras de braços e canapé de três assentos estofados e de coxins soltos, que aqui se conservam. Trata-se de três boas peças de nogueira esculpida, com costas de lira e pernas recurvas apoiadas em garras. Estão pintadas, indevidamente, de negro. Muito mais interesse tem a sala da Irmandade do Santíssimo Sacramento, que deita para a banda da Rua Ancha e em cuja fachada posterior conserva vestígios decorativos, barrocos, em obra esgrafitada, de ornatos, quadro retabular da Santa Hóstia e tabela sobrepujante cronografada de 1686. 

A escada de acesso situada por detrás do trono da capela-mor, assim como a dependência propriamente dita ostenta nos prospectos, friso e tecto, velhas composições fresquistas, alegóricas, datadas de 1708, com abundância de legendas latinas, arabescos, filetes, albarradas, brutescos e as imagens de S. José e N.ª S.ª da Conceição. É curiosa obra da arte barroca. A cobertura, sobretudo, de bom efeito ornamental, em cores vivas, é engalanada no eixo pelo escudo em pala de besantes dos Melos e por chaveirão com a empresa de AVE MARIA e os atributos das máximas teologais - Fé, Esperança e Caridade, esta última representada pelo Sagrado Coração de Jesus. Acantonadas, as virtudes personificadas: Prudência, Temperança, Fortaleza e Justiça. De entre muitas imagens de madeira e terracota guardadas na sala, apenas a escultura gótica das Santas Mães, tem valor arqueológico e artístico. Concebida em calcáreo regional, policromado, deve agrupar-se ao ciclo oficinal dos mestres da Catedral, dos fins do séc. XIV. Pertenceu ao altar próprio de Santa Ana, da sufragânea igreja colegiada de S. Tiago. Mede, de altura 0,48 m. 

O cubículo da obra de Freguesia, situado no canto lateral da capela de N.ª S.ª da Saúde, é de planta rectangular, com tecto de barrete de clérigo, em cujo eixo em tabela esgrafitada, do séc. XVII, existe o símbolo da hóstia santa sobre o cálix. Em friso de pedra lê-se gravada a inscrição: BENDITO E LOUVADO SEIA O SANTÍSSIMO SACRAMENTO TESOURO DA IGREJA DE SANTO ANTÃO Conserva precioso conjunto de alfaias de prata e jóias de muito merecimento artístico, que pertenceram às extintas Irmandades de N.ª S.ª do Rosário (de S. Domingos), N.ª S.ª da Saúde e de São Crispim e Crispiniano. De entre elas merecem particular referência as seguintes: NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO. Imagem de prata repuxada, de base poligonal de volutas ornamentadas com querubins de baixo-relevo. Roupagens marteladas ao gosto adamascado. Peanha circular de cabuchões, anjos, e inscrição gravada em português: ESTA IMAGEM MANDOV FAZER DIOGO DE BRITO Coroas de prata e opulento resplendor oval de raios ondeados revestidos de pedras falsas, solidárias com a escultura. Rosário de ouro. Peça portuguesa de estilo barroco, da 1.ª metade do século XVII. Alt. 0,70 m. Da extinta Irmandade de N.ª S.ª do Rosário. CRUZ PROCESSIONAL - De prata cinzelada e batida, apoiada em colunas caneladas, do estilo coríntio, que se apoiam em pelicanos coroados. 

Nó circular, fortemente repuxado, com ornamentos de querubins de baixo-relevo, tintinábulos e cabuchões dourados ostentando crisólitas e minas novas. No bojo, uma urna de medalhões ovóides com a figuração do Evangelista S. João, outro Santo e emblemas da Eucaristia. Fortes chanfros de relevo e cartelas barrocas. Imagem de Cristo de prata dourada. Legenda latina no timbre: CARO MEA VERE EST CIBVS SANGVIS SANGVIS MEVS VERE ESTE POTVS. Haste circular de prata lavrada composta por oito canudos. Peça portuguesa do estilo barroco, dos meados do séc. XVII. Alt. da cruz: 1,20 m. NOSSA SENHORA DOS PRAZERES - Imagem de prata cinzelada, branca e dourada, com manto ornado de rosetões e flores de liz. Peanha rectangular com legendas latinas metidas em cartelas ovóides e circulares, aplicadas, de glória à Virgem: REGINA COELLI LETARE / ALLELVYA / QVIA QVEM / MERVITI PORTARE / ALLELVYA / RESVRRE-XII SICVT DIXIT / ALLELVYA / QVIA QVEM / MERVISTI PORTARE / ALLELVYA. Base de serafins dourados. Escultura de arte barroca, do séc. XVII e peanha rocócó da 2.ª metade do setecentos. Alt. 0,50 m. Foi salva da pilhagem francesa de 1808, em virtude de ter sido escondida num poço pelo beneficiado Francisco Pinto, que a restituiu à igreja em Agosto de 1817. Perdeu-se na altura a coroa original. CUSTÓDIA - De prata dourada, com peanhas ornamentadas por cabeças de anjos, volutas, grinaldas e medalhões de secção ovóide figuradas pela Flagelação de Cristo, Jesus no Horto e Ecce Homo. 

O nó, ricamente cinzelado, é composto por brutescos estantes e querubins, entre símbolos da Sagrada Eucaristia. Resplendor de raios direitos e alternados, guarnecidos de serafins de baixo-relevo. Trabalho de ourivesaria portuguesa de c.ª 1700. Oferta do arc. D. Fr. Luís da Silva. Alt. 0,74 m. Custou, em Lisboa, 786 200 rs. CÁLICE - De prata dourada e base circular, com nó em forma de urna decorada por grinaldas clássicas de gravadinho. Legenda gravada em português antigo, de caracteres redondos, com abreviaturas: ESTE CA DEXOV DESMOLA JOÃ DESTREMOS PA. A CÕFRA. DE NOSA SNR DO ROSAIRO SRA. ROGAI POR ELE. Patena com legenda latina, de letra gótica: AGNVS DEI QVI TOLI PECATA MVNDI MISERERE. Peça portuguesa do fim da Renascença. Ultimo terço do séc. XVI. Altura, 0,24 m. Da extinta Irmandade de N.ª S.ª do Rosário. PÍXIDE - De prata dourada, circular, com ornatos esculpidos de intenção fitomórfica. Tampo de secção piriforme. Peça portuguesa do estilo D. João V. Altura, 0,27 m. ARCA DE SACRÁRIO - De tartaruga, com tampo abaulado e aplicações de prata esculpida: pés representados por golfinhos. Serve de guarda-jóias. Peça portuguesa da 1.ª metade do séc. XVIII. Altura, 0,14 m. Comprimento, 0,22 m. RELICÁRIO DE S. CRISPIM - De prata, com base circular ornamentado por pétalas-palmetas e haste de secção piramidal, de vidro, apoiada em esfera celeste contendo uma relíquia óssea do padroeiro dos sapateiros, a cuja irmandade pertenceu. Arte portuguesa do séc. XVII. Altura, 0,40 m. SANTO LENHO - Peça de prata branca, arrendada e composta por grinaldas esculpidas. Cruz com relíquias, de cristal da rocha. Pendente, na peanha, coração de ágata: base de três pés de volutas lisas, estilizadas. Arte neoclássica de provável factura italiana, de c.ª 1800. Altura, 0,32 m. Oferta do cónego Miguel Remígio de Lima ao reitor da Colegiada de Santo Antão, Pe. José Lúcio Limpo Pimentel Sancas, em 13 de Julho de 1822. VASO DOS SANTOS ÓLEOS - De prata arrendada, de secção ovóide. O prato é ornamentado por pétalas e o vásulo, em forma de pêra terminado por uma águia miniatural, está revestido de cordão de pérolas e gravadinho floral. Arte portuguesa do estilo neoclássico. Época de D. Maria I. Dim.: Comp. máx. da bandeja, 0,20; vaso, altura, 0,14. Altura total, 0,25 m. VASO DA EXTREMA UNÇÃO - De prata. com base hexagonal revestida de ornatos flordelizados e a imagem de Cristo gravada a ouro, com as letras: S. X. Nó de quatro serafins e vásulo de secção piriforme sobrepujado por Crucifixo. Peça portuguesa, sem marcas, do fim do séc. XVII. Alt. 0,33 m. CRUZ PROCESSIONAL - De prata branca e dourada, ornamentada discretamente com palmetas. Base em forma de urna, com volutas. Peça portuguesa do estilo neoclássico, do 1.° terço do séc. XIX. Punções do Porto. Marca de fabricante: APS. Alt. 0,98 m. Da extinta confraria de N.ª S.ª do Rosário. VIEIRA BAPTISMAL - De prata rebordada por cordão de gravadinho floral. Obra executada pelo ourives eborense António Nunes, em 1804. Mede, de comp. 175 mm. As duas derradeiras peças, a seguir mencionadas e existentes na Capela de N.ª S.ª do Rosário eram, do mesmo modo, da respectiva confraria. CRUZ DE ALTAR - De prata branca, esculpida sobre fuste salomónico revestido de uvas e parras: nós circulares compostos por serafins de baixo-relevo envolvidos por elementos de flora, com volutas. Peanha de três anjos de inspiração grega, de ornatos florais apoiada em bolas de garras felpudas, de águia: no eixo, igual número de medalhões de secção ovulada com a efígie, dourada, de N.ª S.ª do Rosário, envolvida pelo símbolo e tendo sobrepujante coroas reais fechadas, do tipo de D. João V. Formosa peça de ourivesaria portuguesa do estilo de transição barroco-rocócó, com punções de Évora e marca do fabricante: ANS (António Nunes da Silva, ourives da prata estabelecido no Poço de S. Manços em 1778). Peso, 14,100 k; Alt. 1,114 m. LAMPADÁRIO - De prata cinzelada, constituído por três lâmpadas piriformes com ornatos vegetalistas e florões de tabelas ovóides: suportes de volutas. Correntes do mesmo metal, em forma de cinturões com rosetas transfuradas. Arte portuguesa do estilo rocócó. Punções do Porto; fabricante APS. (1810-1818). Dim. Alt. da lanterna, 0,70 m., tampo 0,30 m. Peso total de cada lanterna 7,600 k. No cofre da Freguesia ainda existem outras alfaias sumptuárias, de prata e marfim, da Irmandade das Almas (com sede em Santa Marta), e um interessante Crucifixo, do extinto Convento de Santa Helena do Monte Calvário. 

Esta peça, embora arruinada é valiosa e tem as seguintes características: Cruz de pau-santo com aplicações de prata arrendada e lavrada, ornada de rosetões, ramos, volutas nas pilastras e atributos do Calvário. CRISTO, de marfim, com diamantes servindo de cravos. Arte portuguesa do estilo neoclássico, da 2.ª metade do séc. XVIII. Alt. total, 1 m. 

BIBL. Códice CVI-1-27, de Biblioteca Pública de Évora; Barbosa Machado, Biblioteca Lusitana: Gabriel Pereira, Estudos Eborenses - A Igreja de Santo Antão, 2.ª ed. 1947; Reinaldo dos Santos e Raul Proença, Guia de Portugal, II, 1927, pp. 52-53; Túlio Espanca, Artes e Artistas em Évora no séc. XVIII, in A Cidade de Évora, 21-22-1950; Flávio Gonçalves, Os painéis do Purgatório e as origens das alminhas populares. Boletim da Biblioteca Municipal de Matosinhos, 6-1959, pp. 71-107. ADENDA Na capela das Almas, da igreja de Santo Antão, existiu, até épocas recentes, no altar, um curioso S. Miguel, de madeira estofada, de características barrocas, com c.ª de 1,00 m de alt., actualmente considerado perdido. 

domingo, 31 de dezembro de 2017

Igreja de S.Mamede


Igreja paroquial com existência assinalada em 1302, segundo documentos do Arquivo Capitular da Catedral, sofreu completa transformação arquitectónica nos meados do século XVI, que refundiu a nave e capelas laterais, complemento do coro e pórtico. O altar-mor é do 2.° quartel de setecentos. Foram grandes benfeitores da freguesia os esposos fidalgos D. Catarina Borges de Macedo e Gaspar de Sequeira, fundadores da Capela da Piedade em 1546; D. Brites Valadares, que instituiu uma capelania em 1566, com licença do arcebispo D. João de Melo, e os membros dirigentes da Confraria do S. Sacramento, que nela existia desde c.ª de 1564, muito a melhoraram e enriqueceram de esmolas e obras pias. Olhando ao sul, com fachada discreta de alvenaria amparada por contrafortes rectangulares, santuários laterais e outras dependências, o corpo axial adquiriu certa dignidade com a construção do pórtico no estilo clássico, de três arcos de volta inteira e dois portais estreitos assentes sobre irregular escadaria de mármores regionais. 

O alpendre propriamente dito, revestido de mármores coloridos, com dois frontões - interrompido no plano inferior e triangular no terminal - ambos compostos de pináculos, encaixa o coro que, embora obra quinhentista, é posterior à nave do templo. Na banda ocidental ergue-se a torre, modernizada, de planta quadrangular e coruchéu cónico, com remates laterais de massa, onde se conservam, nos olhais, três sinos de bronze fundido. Um é moderno e os restantes são do séc. XVIII, merecendo referência o de Nossa Senhora da Encarnação, patrimonial da antiga Confraria deste nome, que na igreja existia, que saibamos, desde o ano de 1635. Os telhados do edifício são de duas águas, mantendo-se as primitivas gárgulas de granito, de rude execução. As portas de acesso ao templo, com batentes almofadados, de madeiras brasileiras, são três, muito sóbrias, sendo a central sobrepujada por frontão sem retomo, de perfis lisos, despidos de ornamentação. A nave é um amplo vão de três tramos, com 16,70 m. de comprido por 8,10 m de largura, coberto com feixes de 3 e 5 nervuras de aresta viva rompentes de um anel circular de estuque apoiado em mísulas vulgares, de pedra. Trata-se de formosa abóbada polinervada, concebida dentro do sistema tradicional da arte gótica, mas acusando nítidas manifestações renascentistas, e deve ter sido terminada numa época muito avançada do séc. XVI. 

No ocaso da centúria seguinte toda a cruzaria e o coro foram recobertos de intensa decoração mural, obra de merecimento do estilo barroco, de artista desconhecido mas que deve estar ligada às actividades pictorais do espanhol Gabriel dei Barco que, neste período, trabalhou para algumas igrejas de Évora e a quem se deve atribuir a execução do paramento integral de azulejaria da Sala da Confraria do S. Sacramento de S. Mamede. A pintura, datada na chave central de 1691, de colorido intenso, está composta e envolvida por laçaria e arabescos encordoados, com brutescos, serafins, aves, flores, mascarões e frutos, tendo como elementos centrais medalhões ornamentados com o Cálix, a Hóstia Sagrada, emblemas do padroeiro e legendas latinas. O coro, cronografado de 1693, perdeu totalmente a composição fresquista, de que restam vestígios na moldura do arco interno, mas conserva o revestimento de azulejos do tipo de tapete, policromos e de factura anterior, além da elegante balaustrada de mármore branco, de secção circular, dos finais do quinhentismo. Muito curiosa pela originalidade e policromia, embora desequilíbrio de factura, é a série de apainelados cerâmicos que preenchem do rodapé à cimalha as paredes da nave. 

São seis as composições de tapete, de brutescos e de maçaroca de milho, estes singulares no desenho e variantes ricas do mesmo padrão, generalizado no país, onde aparece o esmalte verde bem raro na azulejaria portuguesa dos meados do séc. XVII, época provável de execução desta encomenda. O efeito interior do edifício com as tonalidades, reflexos e garridice dos modelos que revestem os alçados, caixas de confessionários, capelas laterais e empena coral, é de efeito surpreendente e muito agradável, sendo o seu estado de conservação excelente. O púlpito, erguido no lado da Epístola, de secção hexagonal, feito de mármores coloridos, com incrustações, é peça barroca datada de 1656. Lateralmente, na boca da capela-mor, rasgam-se duas capelas de planta quadrada, quinhentistas, com tectos cupulares octogonais, assentes em trompas. 

A do Evangelho, crismada actualmente do Sagrado Coração de Jesus e na origem da Piedade, está forrada de azulejos vulgares do séc. XVII, do tipo de tapete e a cobertura em padronagem de maçaroca, policromos e idênticos aos da nave, circundando o brasão dos fundadores, numa chave de tabela clássica, de calcário branco. Incrustado no alçado da Epístola subsiste o mausoléu marmóreo de Gaspar de Sequeira e de Catarina Borges de Macedo, com as suas peças armorejadas e a lápida que diz: ESTA CAPELLA MANDOV FA ZER GASPAR DE SIQUEIRA E CATE RINA BORGES DE MACEDO SVA MOLHER PERA ELLES E TODOS SEVS HERDEIROS EM A QVAL PODERAM ESTAR AOS OFFICIOS DIVINOS E NAM SE ENTERRARA EM ELLA OVTRA NENHVA PESSOA ENTERRAN- DOSE RE QVERENDO HO PADROEIRO AO PRIOR OV A QVAL- QVER DOS BENEFICIADOS HO FORAM DESEMTERAR DENTRO EM VINTE E QVATRO HORAS SOB PENA DE PAGA REM CEM CRVZADOS E HO POSSVIDOR A TERA SEMPRE REPAIRADA QVE ESTE EM FEE CONFORME AO CONTRATO ERA M. C. XXXXVI No lugar conservam-se alguns bancos de madeira, de pés torneados e três assentos forrados de couro lavrado e pregaria de latão, do séc. XVII, além de fragmento interessante de um cadeiral de carvalho entalhado, quinhentista, quiçá resto de antigo mobiliário do extinto e demolido convento de Santa Mónica. Nada mais de valor artístico se conserva na capela, além da pia de água benta de mármore branco, desenhada ao gosto da Renascença. 

O santuário fronteiro, agora baptizado de N.ª S.ª de Fátima, e que do mesmo modo tem altar e banqueta modernos, está igualmente forrado de azulejaria colorida (grande parte hodierna), o tecto de padronagem de maçaroca, moldura barroca e fecho com florão amarelo sobre fundo azul (meados do séc. XVII). Antigos, dois bancos de costas direitas forrados de couro pregueado e pernas de madeira torneada. A CAPELA-MOR Aberta por vasto arco de volta inteira, de estuque apainelado, profunda e incaracterística, com 10,80 m. de comp. por 6,40 m. de larg., é obra tardia do séc. XVII: está coberta com tecto de meio canhão e de paredes caiadas de branco na maior simplicidade. No rodapé, longo silhar de azulejos policromos, seiscentistas, no género de tapete, ornamentado por sanefas floridas, de moldura de cordão entrançado com óvulos estilizados. Exteriormente, todavia, as empenas conservam a estrutura original, com cunhais de granito aparelhado, em silhueta dum severo barroquismo. O altar, monótono e pesado, feito de mármores brancos, róseos e negros avivados a oiro fino, das pedreiras regionais de Vila Viçosa e Borba, é concebido no estilo neoclássico inspirado no retábulo da igreja conventual de S. Francisco, com colunata da ordem compósita, fogaréus e frontão ornamentado com o tarro e o bordão de peregrino, símbolos do padroeiro. Em represas laterais veneram-se as imagens de S. Mamede e N.ª S.ª da Conceição, ambas de madeira estofada e policromada, dos sécs. XVII e XVIII, respectivamente. O titular, ostenta adereços de prata lisa, do séc. XIX, sem mérito artístico, que substituíram os primitivos, pilhados pelos soldados franceses durante o saque de Julho de 1808.

 Da banqueta conservam-se as duas credencias de madeira, de pernas e aventais curvilíneos, com discreta guarnição de talha dourada, da época de D. Maria I, e três tamboretes de pau-santo com pés e tabelas torneados, do séc. XVII. Curiosa, também, a cadeira paroquial, de madeira exótica, de braços representados por golfinhos e suportes de colunelos torsos revestidos de flora e pés de garra. Trata-se de exemplar pouco comum do barroquismo indiano ou hispano-americano, de c.ª 1700, adquirido ultimamente, no bric-à-brac. O cadeirado, de que existe a continuação na capela tumular dos Sequeira Macedo, lavrado no estilo do Renascimento, é geralmente atribuído aos despojos do coro de Santa Mónica. Nas paredes do presbitério conservam-se quatro pinturas de merecimento variável, épocas e estilos vários, que cumpre assinalar: a) Adoração dos Reis Magos, painel a óleo sobre tábua da antiga Escola Portuguesa. Meados do séc. XVI. Está adornado com larga moldura dourada, do barroco-joanino, de c.ª 1740. Mede, o retábulo: Alt. 1,60 m. x 1, 11 m. b) Piedade, tela do séc. XVII, de provável factura portuguesa, mas de nítida influência do dramatismo espanhol. Moldura rocócó, de talha dourada, guarnecida com serafins e tabelas de alto-relevo. Mede: Alt. 1.15 m. x 1,15 m. c) S. Pedro atormentado contempla Cristo na coluna. Grande pintura a óleo sobre tela, do séc. XVII, de factura medíocre onde, todavia, persistem traços da Escola Estremenha de Luís de Morales. Moldura lacada de negro, com figuras, paisagens e aves douradas. Mede: Alt. 1,40 m. x 2,10 m. d) Descida da Cruz, tela do séc. XVII, da Escola maneirista eborense, com moldura dourada e marmoreada, de talha barroca. Mede: Alt. 1,80 m. x 1,45 m. Alguns destes quadros são provenientes, certamente, da demolida igreja conventual das freiras agostinhas de Santa Mónica, cujos restos transformados na Escola do Magistério Primário correm na ilharga do templo. 

Separando o corpo da nave, como obra de marcenaria fina, do estilo barroco, da 1.ª metade do séc. XVII, conserva-se a formosa grade de madeira de cedro, com pilastras lavradas, balaústres torneados e pináculos piramidais sobre peanhas de volutas, urnas e fogaréus, tudo guarnecido de anéis e incrustações de latão. No meio do santuário, sob campa de mármore branco lavrada em dossel, com epitáfio de latim truncado, jazem as ossadas do prior António Nunes Vieira, cónego doutoral e antigo académico da diocese de Viseu, que se finou no ano de 1739. ANTONIO NVNES VR.A S. MAMANT1S ECCES PRIORI ARCHIEPISCO PALIS CVRIAE EB OR. SIS SENATORI PRVD.SSO ALMAE ACADEMIAE ECC LZ.TO CONSER VATORIOLIM DIOEC.SIS VISENS IS PROV.RI EMERIT SSO PIENT.SSO EGEN ORVM PATRIMAXI MARVQVIRTVTV VIRO ETIAPOST VITAIMORTALIAE TER NVIN MORTE MONVMENTVM RIP 1739 A SACRISTIA, da época seiscentista, que deita para a banda norte-ocidente, é dependência cómoda, bem iluminada, de janelas emolduradas, de granito, mas sem qualquer merecimento arquitectónico: nela se vê o lavabo de mármore branco, com uma de serafins e taça lisa, além de dois paramenteiros de madeiras e períodos diferentes, sendo o mais antigo, de carvalho, uma adaptação de peça barroca, dos começos de seiscentos, proveniente de Santa Mónica, e o próprio do lugar, belo móvel de pau-santo, com alçado de seis gavetões e corpo central ornamentado com o tarro do padroeiro, pilastras entalhadas e puxadores de metal decorados pela águia e corações metidos em vieiras. 

É obra portuguesa dos meados do séc. XVIII, do tempo de D. José I. De escultura, paramentaria ou torêutica antigas não vimos objectos de assinalar; sobrepujante à porta de acesso ao pequeno quintal privativo da paróquia, conserva-se uma pintura a óleo sobre tela, de características oficinais populares do séc. XVII, representando as Três Vias da Vida Mística, com figuração, também, de Santo Elias e Santa Teresa de Jesus. Tem moldura de madeira laçada de vermelho e ouro, com cartelas angulares e é quadrada, pois mede 1,80 x 1,80 m. Guardam-se aqui as peças litúrgicas mais valiosas da freguesia, de prata, latão e marfim, as poucas que escaparam ao saque funesto de 1808 e outras que após o desastre foram executadas nos prateiros de Lisboa e Porto. 

Neste Inventário (Évora - Cidade e Concelho) excluem-se, como é óbvio, as belas alfaias da Confraria do Santíssimo Sacramento, que se conservam no Museu Regional de Évora desde a promulgação da Lei de Separação da Igreja do Estado, entre as quais avulta o par de lanternas de prata cinzelada, da arte barroca, executado por prateiros eborenses no séc. XVIII. São, todavia, pouquíssimas as que merecem referência especial, a saber: 1 - Vaso dos Santos Óleos, de prata lisa, com base circular e tampo piriforme ornamentado com a imagem miniatural de Cristo. Punção de Lisboa: marca: A. P. Último quartel do séc. XVIII. Alt. 285 mm. 2 - Custódia, de prata branca e dourada, revestida de serafins no hostiário, suportado por quatro pés de volutas. Estilo rocócó. Punção do Porto: marca: G (1792-1810). Alt. 605 mm. 3 - Cálice, de prata cinzelada, com base de secção rombóide ornamentada por símbolos religiosos. Punção do Porto. Estilo rocócó. Marca: M.G. (1792-1810). Alt. 300 m. 4 - Purificatório, de prata, com brasão eclesiástico gravado, de casa de marquezado. Peça espanhola do séc. XVIII. Mede, de diâm. 90 mm. 5 - Par de coroas, de prata repuxada, de grandes dimensões, de N.ª S.ª da Conceição. 6 - Escultura de Cristo. Variante jansenista, muito bem tratado, sem cruz. Séc. XVIII. Mede: Alt. 0,38 m. A capela baptismal, de planta rectangular, com cobertura de lanternim octogonal assente em trompas e terminado por chave de mármore, estrelada, está forrada de azulejos policromos, seiscentistas, iguais aos da capela-mor. Pia de calcário branco, regional, simplesmente revestida na taça por pétalas: sobrepujante, o painel em tela, da arte populista local, do Baptismo de Cristo, encerrado em curiosa moldura policromada, guarnecida de canduras. 

A pintura oferece todas as características do séc. XVII e mede, 1,15 m. Divide a dependência interessante grade de madeira brasileira com pilastras de tremidos e balaústres circulares, torneados, certamente da mesma centúria. Na face fronteira, em sala interior, montou-se em épocas modernas a capela de N.ª S.ª das Dores, pelo que foi aproveitado o altar de talhas douradas, do estilo rocócó, que compunha o oratório do Paço Metropolitano desde o governo do arcebispo D. Fr. Joaquim Xavier Botelho de Lima (1784-1800) e onde, ao que se julga, D. Fr. Manuel de Cenáculo colocara o retábulo flamengo de Nossa Senhora da Glória. Neste lugar, despido da belíssima pintura, existe agora, em proporções erradas, uma maquineta de talha do mesmo estilo do conjunto, embora posterior, mas de melhor factura, onde se venera o busto da titular, coevo, em trabalho de lenho pintado. De certa monumentalidade e a melhor dependência do templo é a capela-sede da Confraria do Santíssimo Sacramento. Instituída no 3.° quartel do séc. XVI, atingiu através dos tempos grande importância paroquial, e a sua procissão de abertura, realizada com singular explendor, no Domingo 18 de Junho de 1564, sob auspícios do prior de S. Mamede padre Diogo Tavares, do juiz-escrivão Baltazar Fragoso e mordomos Domingos Fernandes Pombeiro e Adão Fernandes, sapateiro, foi abençoada e acompanhada, sob o pálio, pelos mestres André de Resende e João Sardinha, este como Visitador da Metrópole. Nos derradeiros anos de seiscentos, a sala própria passou por reformas estruturais que lhe imprimiram o actual aspecto. Trata-se de interessante casa de planta rectangular com cobertura de meio canhão toda revestida de composições fresquistas, de interpretação simbólica da Igreja, enobrecida, no eixo, pela Exaltação da Santíssima Partícula: envolventes, as figuras da Temperança, Fortaleza, Justiça e Prudência, além de inúmeros brutescos, ornatos, aves, vieiras, folhagens e verduras e atributos sacros. 

As paredes, até à cimalha e emoldurando as janelas, que deitam para o lado ocidental, estão completamente recobertas de apainelados cerâmicos de esmalte branco e decoração azul, com cenas historiadas da parábola do Novo Testamento (O Filho Pródigo), enquadradas por largas albarradas. O desenho, impreciso e falho de perspectivas, torna-se complicado pela minudência dos pormenores das faixas, com colunas berninianas, anjos suportando cornucópias e vasos floridos sobrepujantes a golfinhos, cachos de frutos, cartelas, óvulos, conchas e as figuras da Fé e da Caridade tratadas à maneira clássica. A composição geral, de nítido sentido barroco e de profundas afinidades com os trabalhos similares da nave da igreja de S. Tiago (assinados e datados de 1699-1700), foi atribuída por Santos Simões e Gabriel del Barco, o conhecido pintor espanhol que se popularizou entre nós, não sendo de desprezar esta classificação. É obra de oficina lisbonense deste período. Na parede fundeira, metido em profundidade, subsiste alto móvel de lenho, com portas almofadadas e chapas de ferro, infelizmente repintado, no qual, em prateleiras e nichos se guardavam os tombos, cartulários e os valores sumptuários da Confraria. Finalmente, no solo, vê-se uma pesada e desgraciosa imagem do Menino Jesus, mutilada, de mármore branco e da arte barroca que veio da frontaria da demolida igreja de Santa Mónica. É do séc. XVI. Mede, de alto, 1,02 m. 

BIBL. Pe. Francisco da Fonseca, Évora Gloriosa, Roma, 1728, pág. 218; Pe. António Franco, Évora Ilustrada, 1945, pág. 373; Gabriel Vítor do Monte Pereira, Estudos Eborenses, fasc. Procissões Eborenses, págs. 238/246.