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sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Évora e Viana do Alentejo

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/evora-e-viana-do-alentejo/

Programa de divulgação de locais de interesse e de destino turístico, situados nas regiões de Évora e Viana do Alentejo.

Catedral de Évora 1975

https://arquivos.rtp.pt/conteudos/catedral-de-evora/

A Basílica Sé de Nossa Senhora da Assunção, mais conhecida por Catedral de Évora, é justamente considerado o mais belo edifício gótico a sul do rio Tejo. Com origens que remontam ao século XII e ao tempo da reconquista da cidade alentejana aos mouros, a maior parte da sua construção aconteceu no entanto ao longo dos séculos seguintes. Por esse facto a Catedral é um monumento marcado pela transição do estilo românico para o gótico, até com alguns elementos barrocos devido aos sucessivos melhoramentos de que foi sendo alvo até ao século XVIII.

domingo, 10 de junho de 2018

Templo Romano


Edificado no ponto dominante da Acrópole eborense, de que seria o principal elemento decorativo, possivelmente nas primeiras décadas do século III da Era Cristã, quando as influências dos Imperadores Trajano e Adriano se estendiam pela Península Ibérica em obras importantes de carácter público ou cultural, desconhece-se, todavia, a que divindade esteve dedicado e qual o período exacto da sua destruição, que tudo parece indicar ter sido intencional, talvez nos fins do IV séc. ou 1.ª metade do V séc., época mais intensa das perseguições religiosas contra o paganismo. Em tempo do Imperador Honório (a. 395 d.C.), verificou-se em todo o antigo mundo latino reacção violenta que provocou o arrasamento de inúmeros monumentos e obras de Arte. 

Semidestruído, o templo de Évora parece que, pela vizinhança das fortificações castelejas foi nelas integrado nos períodos visigodo, muçulmano e primeiras centúrias da dinastia de Avis até ser transformado em Açougues públicos da carniçaria por Alvará da Rainha D. Beatriz de Castela, mulher de D. Afonso IV, confirmado por sentença dada em Coimbra pelo rei D. João I (22-3-1403). Em Janeiro de 1384, do seu eirado recoberto de cortina de merlões piramidais, do tipo árabe, lançaram os patriotas do Mestre de Avis contra o alcaide-mor Álvaro Mendes de Oliveira e outros juizes da cidade, bandeados com D. Leonor Teles, inúmeros virotes incendiados e outros apetrechos de guerra, que forçaram a rendição do castelo e seu consequente arrasamento parcial. Transformado em sólida torre de planta rectangular (com campanil manuelino de 1500, do sino de correr, na face Norte), em dois corpos de alçados dissemelhantes, onde eram visíveis alguns fustes e capitéis, além de frestas românicas e três portais góticos de ogivas lanceoladas, trecentistas, dois na banda meridional, construídos na correspondência do pronaus e um ao norte, que sacrificou parte de duas colunas médias que sofreram corte no entalhamento granítico, o monumento não foi totalmente desconhecido dos escritores antigos, nomeadamente de Mestre André de Resende, Diogo Mendes de Vasconcelos e Manuel Severim de Faria, que o classificaram do pórtico romano ou fábricas coríntias de Sertório. 

Ao padre jesuíta Manuel Fialho, nos fins do seiscentismo se deve, porém, a denominação do Templo de Diana, convenção erudita que atravessou centúrias mas carece de aceitação crítica da arqueologia moderna, porquanto em respeito ao sistema normal da classe destes templos do estilo greco-romano - hexastilos ou pseudo-perípteros - os mesmos eram, habitualmente, dedicados a Deuses ou a Imperadores. Dentro deste critério, recentemente, em As grandes vias da Lusitânia (IV, 1963), Mário Saa sugeriu a dedicação do templo a Júpiter, o deus por antonomásia Liberalis. Quando se calçaram as ruas Oriental e Ocidental de Diana, em 1862, o próprio achado, nas imediações do edifício, de um fragmento agigantado de dedo de estátua, aparentemente masculina, parece corroborar o ponto de vista científico e anular o tradicional. No ano de 1836, por sentença do Administrador do Concelho António José de Ávila, Marquês de Ávila e Bolama, nele deixou de funcionar o Açougue: um lustro decorrido, a parte Oeste, exterior, amalgamada com pardieiros arruinados da designada Inquisição velha, da época de Cardeal D. Henrique, desapareceu por cedência da Duquesa de Palmeta, sua donatária, feita a instâncias do erudito Dr. Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara. Algumas décadas após, no seu interior se recolheu, com feição provisória, a colecção arqueológica do sábio arcebispo D. Fr. Manuel do Cenáculo, parcialmente trazida de Lisboa e em maior quantidade de Beja, em 1802 e 1862, este último núcleo em iminente risco de destruição. 

Finalmente, no ano de 1870, sendo Presidente da Câmara o Dr. Manuel da Rocha Viana e a conselho fundamental do rei artista D. Fernando e do Dr. Augusto Filipe Simões, director da Biblioteca Pública de Évora, o monumento foi desobstruído e reintegrado tanto quanto possível nas suas linhas originais, sob assistência técnica do cenógrafo italiano Guiseppe Cinatti, que deu início às demolições adventícias no dia 17 de Junho, com derrube simbólico de uma ameia gótica. Entre outros críticos e historiadores portugueses que se pronunciaram favoravelmente no sentido desta limpeza, destacaram-se Alexandre Herculano, Viscondes de Castilho e de Juromenha, Abade de Castro, Inácio Vilhena Barbosa, Francisco de Assis Rodrigues, Vítor Bastos, Caetano da Câmara Manuel e António Francisco Barata. O templo, de planta rectangular, representa um paralelogramo perfeito com o eixo maior apontado de norte a sul. Sobre um sólido envasamento de opus incertum, com moldura de grossos silhares formando soco e cornija, ergue-se a colunata completa na face norte, incompleta nas de oriente e poente; na oriental há quatro colunas completas além da angular; na ocidental restam duas completas, duas perderam os capitéis, da quinta existe a base apenas. Sobre todas as completas assenta ainda parte da arquitrave; os fustes são de granito, estriados de doze meias canas cada um; bases e capitéis de mármore branco, de Estremoz, sendo os capitéis corintios e bem lavrados; para efeito de perspectiva, para mais elevada e esbelta parecer a colunata, os fustes são ligeiramente curvos ou boleados, isto é, não são perfeitos e regulares troncos de pirâmide cónica. É hexastilo - tem seis colunas na face menor. É picnóstilo, quer dizer, o intercolúnio tem diâmetro e meio de coluna; é o mínimo intercolúnio consentido na grande arte romana (G. Pereira, Estudos Eborenses). O podium, desmoronado na parte meridional, no presumível assento da escadaria que comunicava com o corpo do pedestal e interna do templo, revela pelos restos subsistentes que sofreu mutilação violenta, no alambor, no vestíbulo e na cela, dos quais nem vestígios se encontram. Da cela demarca-se perfeitamente, no embasamento, os alicerces, dimensões e as meias colunas intermediárias, talvez de alvenaria. Foi, todavia, conforme o atestam fragmentos exteriores, revestido completamente de formigão hidráulico. Do entablamento resta a arquitrave de granito e sobrepujante, pouquíssimos elementos do friso, inteiramente lisos. 

As bases, de mármore, não tem ornatos. Do frontão existe, apenas, um elemento marmóreo, truncado. Nas escavações dos terrenos envolventes e nas paredes medievais apareceram fragmentos mutiladíssimos de capitéis e cipos, base de uma estátua, um dedo de figura colossal, fragmento de mão segurando uma patera, e pedaço de altar, de calcário, com resto de inscrição latina. Dimensões do monumento (verificadas por A. Filipe Simões): Altura do embasamento - 3,45 m Altura da moldura - 0,45 m Altura do nato ou dado - 2,10 m Altura da base - 0,35 m Altura do soco - 0,55 m Largura do soco - 7,68 m Comprimento do soco - 1,01 m Altura da coluna compreendendo capitel e base - 6,19 m Altura do capitel - 15,25 m Altura do fuste - 25,18 m Altura da base - 0,48 m Diâmetro da base e da parte interior do fuste em contacto com este - 1,00 m Os intercolúnios no lado maior medem - 1,35 m e no lado menor - 1,68 m Altura da arquitrave existente, incluindo os restos do friso - 1,71 m A altura total do edifício, ao vértice ou fastigium, seria próximo dos - 15,00 m O Templo Romano de Évora, relíquia monumental sem paralelo no país e seguramente dos mais preciosos do seu género da Península, é do tipo dos templos de Antonino e Faustina, de Roma, transformado na Igreja de S. Lourenço in Miranda, da Maison Carrée, de Nimes, do de Augusto e Lívia, em Vienne sur le Rhône e do de Júpiter ou Diana (?), incluído nas fachadas do palácio quinhentista dos Condes dos Corvos, em Mérida. 

BIBLIOGRAFIA: Fernão Lopes, Chronica del-rey D. João I, parte 1.ª pág. 80, D. Rodrigo da Cunha, Crónicas, 1643; Pe. Manuel Fialho, Évora Ilustrada, Ms. dos sécs. XVII-XVIII (Bib. Púb. e Arq. Dist. de Évora); J. Murphy, Voyage en Portugal, tomo 2, 1797; Arquivo Pitoresco, tomo VIII; Augusto Filipe Simões, Relatório acerca da renovação do Museu Cenáculo, 1869, e Artes e Letras, 1873; António F. Barata, Miscelânea histórico-romântica, 1878; Gabriel Pereira, Estudos Eborenses, Vol. I - Évora Romana ( 1.ª parte) - O Templo Romano - As inscrições lapidares, 1885. 

domingo, 3 de junho de 2018

Solar dos Cogominhos


Fundado nos meados do séc. XVI pelo fidalgo da Casa Real D. Gonçalo de Sousa passou, mais tarde, ao domínio dos Gonçalves Cogominhos, morgados da Torre de Coelheiros, ascendentes do marquezado de Monfalim. Alienado no século passado, nele se instalou o Hotel Eborense, actual Pensão do mesmo nome, no regime de enfiteuse particular. É propriedade de D. Glória Amos Gonzallez. Muito curiosa, a fachada principal, único corpo preservado das necessárias obras de adaptação ao seu novo destino, conserva a silhueta primitiva, com gracioso varandim de cinco arcos de volta inteira divididos por colunas toscanas, de granito, apoiados e defendidos por robustos botaréus de cantaria aparelhada de dois andares. 

A porta actual, de vergas simples, de pedra, não é, seguramente, a antiga: está sobrepujada pelo armorial quinhentista, de calcário azul, de Alvito, esquartelado, com as armas de Portugal e os leões de púrpura, dos Sousas do Prado. A peça foi colocada neste sítio em 1942, proveniente do Museu Regional, segundo arranjo conjectural, mas pertencia ao imóvel. Bem proporcionada é a escadaria nobre, de dois lanços paralelos de 11 e 17 degraus, com patins, em vasta caixa de planta rectangular, separados por arco abatido carregado de duas colunas dórico-toscanas, de volumes desiguais, que lhe imprime certo pitoresco. As abóbadas, tanto da escada como do terraço, são de berço, sendo aquela reforçada com arcos formeiros, de alvenaria. O pavilhão contíguo, de empena reforçada com cunhal de cantaria trabalhada, tem frente para o pátio da carruagem, que é antecedido pelo portal de granito, chanfrado, da mesma época. 

O corpo rasteiro, deste lado, está praticamente intacto: é constituído por série de salas de naves irregulares, abobadadas, onde subsistem arcos góticos, de volta plena e abatidos, além de portas com gonzos e munhoneiras de pedra. A primeira dependência, a mais característica do quinhentismo, ancho salão de dois tramos, de planta rectangular e imenso arco abatido, de granito, suportado por grossa coluna toscana, do mesmo material, é antecedida por arco externo nascido em pilares de cantaria, hoje obstruídos. O edifício é, no todo arquitectónico, exemplar dos começos do Renascimento. 

domingo, 27 de maio de 2018

Solar da Sempre Noiva


No limite da Freguesia de N.ª S.ª da Graça e confinante com a Pedra da Missa, local onde a tradição assegura que o Exército do Condestável D. Nuno Álvares Pereira ouviu missa campal nos fins de Junho de 1384, vigilante pelo arraial castelhano do marechal Pero Ruiz Sarmiento, que ocupava a vila de Arraiolos, e a cerca de 18 quilómetros da sede do Concelho, pela qual comunica com a Estrada Nacional 370 (troço Évora-Arraiolos), fica o celebrizado paço rústico do Bispo D. Afonso de Portugal. Construído nos fins do séc. XV e talvez já no reinado de D. Manuel, como relíquia muito notável da nossa arquitectura civil desse período, eivado de formas mudejares, está situado entre campinas levemente onduladas de manchas de sobro e azinhal e refrescado pela ribeira do Divor que, apesar da sua quase permanente secura concede encanto e certo bucolismo ao sítio, carregado de lendas e tradições. D. Beatriz de Portugal, filha do ilustre prelado, foi a instituidora do morgadio, na quinta e passal de herdamento e seu vínculo na pessoa do irmão primogénito, D. Francisco, 1.° Conde de Vimioso, segundo escritura original lavrada nas casas do 2.° Conde da Vidigueira, em 15 de Junho de 1531 e existente na colecção Pombalina da Biblioteca Nacional de Lisboa. 

Este titular, no paço hospedou, em Maio de 1554, no regresso a Madrid, a princesa viúva D. Joana de Castela, filha de Carlos Quinto e mãe de D. Sebastião. A herdade, já com o ancestral topónimo de Sempre Noiva, em tempos de D. Dinis, estava encorporada nos bens dos fidalgos Dragos, verificando-se o escambo, por concordância entre o bispo de Évora e Manuel Drago, por um morgadio no Algarve, no reinado de D. Afonso V. Em 1886 o arqueólogo alemão Haupt esboçou a reconstituição do edifício, que se encontrava em ruínas e de coberturas desmoronadas; no ano de 1892 o proprietário resolveu adaptar o velho paço a fins utilitários sacrificando, inutilmente, o primitivo aqueduto, algumas chaminés monumentais e os coruchéus cónicos das torrinhas cilíndricas da capela. Ao presente está na posse do lavrador Bernardino Câmara Mira e o seu estado de conservação não é bom. Compõe-se a fachada axial, a oriente, de vasto corpo rectangular antecedido por alpendre de três arcos de volta redonda, protegido por botaréus angulares de granito aparelhado, com abóbadas nervuradas e de aresta viva, apoiadas em colunas toscanas decoradas por capitéis e bases naturalistas e zoomórficas, do estilo manuelino. 

Escadaria de patamares abertos, alcança o eirado que domina a galilé e a entrada principal do corpo nobre, que teve alpendre (hoje desmoronado) e é constituído por portal de jambas e lintel encordoados, de secção conopial, ornado de capitéis inflectidos e mísulas ideográficas, bem típicos do mudejarismo. A fachada deste pavilhão, de cunhais de pedra trabalhada, está ricamente iluminada por fieira de sete formosas janelas de arcos de ferradura e ajimezes, quase todos geminados, em variados tipos de padieiras e arcos denticulados e ultrapassados uns, levemente contornados outros, de coluneis e meios coluneis de mármore branco, rica e exuberantemente esculpidos na capitelação, com temas vegetalistas, toros, cordas, cogulhos, rosetões e mais atributos afins e característicos do estilo da época. O balcão angular norte-leste, é mainelado e de duas faces. O corpo posterior, voltado ao Poente, pela sua assimetria de linhas, volumes de arquitectura e desencontro de contornos, oferece singular perspectiva, onde se combinam o austero, o pitoresco e o monumental. Galgando as empenas, em perfis muito recortados para o céu, levantam-se quatro chaminés (uma datada de 1612), decoradas e envolvidas por largas barras de esgrafitos de folhagem estilizada que, de igual modo, acompanham em desenho clássico as cornijas e os beirais. São do modelo utilizado nas fachadas do Palácio dos Condes de Basto, de Évora. 

Na face da torre (actual pavilhão coberto por telhado de quatro águas), há vestígios acentuadamente góticos em frestas e em seteiras cruciformes, de recorte militar. As caixas das escadas cocleadas, nesta banda, mostram a ossatura primitiva, rude e do quinhentismo. A mais arcaica janela do paço existe neste lado e revela maior ancianidade, embora construída de materiais pobres. É do tipo rectangular, de arco trilobado, reentrante, com moldura de carena abraçada por cordão contínuo, liso e rematado com três cones ornamentais, de alvenaria. Parece ser obra do período final do reinado de D. João II. A construção do corpo térreo oferece pouco interesse artístico e vê-se perfeitamente que obedeceu ao sentido prático. Na vasta dependência ocidental, de três tramos com abóbadas de barrete de clérigo, as mísulas, bem lavradas, embora singelas, parecem ser coetâneas de D. João III. Talvez não seja a cobertura original. Através de escada helicoidal, que nasce na casa imediata, atinge-se o primeiro andar do corpo nobre, que apenas conserva de notável a sala quadrangular, gótica, com fogão de mármore e tecto polinervado, de trompas e ogivas nascentes de oito mísulas circulares, constituindo impressionante feixe de nervuras chanfradas, enriquecidas por chaves de granito ornadas de lóbulos e temas ideográficos. 

Mede, a dependência, 6,75 x 6,05 m. Daqui nasce a escada de caracol, de 32 degraus, que conduz à última casa, o mutilado terraço de outrora. Nalgumas salas do piso principal, subsistem silhares baixos, de azulejos azuis e brancos, e verdes e brancos, enxadrezados, da 2.ª metade do quinhentismo. A secularizada capela solarenga, constituída na banda meridional, de serventia pública, está contrafortada por quatro torres cilíndricas, no género das de S. Brás, de Évora, protótipo do generalizado estilo provincial em toda a 1.ª metade do séc. XVI. Perdeu, em 1892, os remates cónicos e o campanil de alvenaria, que tanta graça lhe davam. Possui miniatural e curioso portado de arco de carena, com jambas guarnecidas de cogulhos e bases flordelizadas; o interior, de planta rectangular dividido por dois tramos, tem abóbada nervurada ornada de bocetes e mísulas de pedra com os habituais elementos manuelinos e, no pano fundeiro da ousia, vestígios nítidos de uma primitiva composição a fresco, policroma. 

No local conservam-se restos arqueológicos romanos de merecimento, talvez reunidos por D. Francisco de Portugal, 1.° Conde de Vimioso, homem ilustrado e poeta, provenientes do destruído Templo do Deus gentílico CARNEUS, de Santana do Campo. Algumas peças classificadas, encontram-se dispersas pelo Museu de Coimbra e colecção Manisola, do Visconde da Esperança. Escaparam, apenas, estas duas: Grande ara, anepígrafa, de mármore, encostada à galilé, medindo de alto, 1,30 x larg. 0,73 m. Fragmento de lápide de homenagem aos méritos de Cornélio Bocho, de mármore azulado, aplicado no murete da quinta, na face nascente, com a truncada inscrição latina: ...LIO... ...BOCCHO... ...AMPRO INCIRMIL... ...LONIA SCALLABITANA... ...EMÉRITA IN COLÓNIA... Dimensões das fachadas oriental e norte, do edifício, respectivamente: comp. 23,75 m. e 19,90 m. 

BIBL. Gabriel Pereira, Revista Ilustrada, 1890; António Francisco Barata, Évora e seus Arredores, 1904; Aibrecht Haupt, A Arquitectura da Renascença em Portugal; Raul Proença e Reynaldo dos Santos, Guia de Portugal, 2.° 1926, págs. 82-83; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 107-109. 

domingo, 20 de maio de 2018

Solar da Oliveira


Nas antigas terras realengas da Valeira, obtidas por escambo com a vila da Vidigueira, instituiu o arcebispo de Braga D. Martinho de Oliveira, eborense muito ilustre e antigo cónego da sua Sé, segundo cédula testamentária lavrada no convento dos frades menores de S. Francisco de Lisboa, em 13 de Agosto de 1286, o Morgadio da Oliveira. Foi seu primeiro administrador Pedro Pires de Oliveira, irmão do prelado, o qual fora mestre do príncipe D. Afonso, futuro rei D. Afonso IV, distinto erudito e embaixador nas cortes de Roma e de Espanha. No ano de 1397 o vínculo personificado no ex-alcaide de Évora Álvaro Mendes de Oliveira, exilado e ao serviço de Castela, foi confiscado por D. João I e entregue a Rodrigo Álvares Pimentel, cavaleiro dedicado à causa nacional. 

A propriedade (anexa, ulteriormente, com mais terras à herdade de Sobrados, outro morgado fundado pelo Bispo de Lamego D. Rodrigo de Oliveira, irmão do instituidor da Oliveira), nos últimos anos do reinado de D. Manuel pertencia ao fidalgo Martim Afonso de Melo de Miranda e era gerido por Henrique da Mota, que nela recebeu, muitas vezes, os infantes D. Henrique e D. Duarte, na sua juventude, como se sabe através da obra biográfica deste último príncipe feita por Mestre André de Resende. Nos meados do séc. XVII era governado pelo morgado Luís Francisco de Oliveira e Miranda, casado com D. Luísa de Távora, fundadora do Convento de Cardais, de Lisboa, em 1681. Presentemente, é património dos Saldanhas Zuzarte Figueira e Sousa, Condes de Rio-Maior. Do primitivo solar pouco subsiste de interesse arqueológico, porque nos meados do século passado, em hora infeliz, um herdeiro determinou o alindamento e modernização do palácio (obra que ficou incompleta por motivos desconhecidos), mascarando completamente o edifício com alienação da veneranda construção rústica de antanho. 

Do pouco que não foi destruído, destacam-se alguns portados de granito: um de ogiva chanfrada, que deita para o pátio do corpo principal (lado norte), de desenho e características quatrocentistas, sobrepujado pela pedra de armas dos actuais donatários, de mármore; outras portas dos tipo românico e gótico no rés-do-chão, aquela arquitravada e de impostas do período decadente, obstruídas; alguns cunhais de cantaria lavrada, restos de escadas exteriores e várias salas do piso térreo cobertas por tectos nervurados, de aresta viva, apoiados em mísulas grosseiramente esculpidas. A escada, que comunica com os pisos altos é antiga e do sistema mediévico, correndo no endossamento da parede, com caixa de aberturas chanfradas mas modificada nas obras recentes. Antecede o pátio solarengo, para a banda do ocidente, robusto e alto muro de alvenaria recoberto no cornijamento por friso de merlões do estilo manuelino, no qual se abre amplo e rústico portado de pedra facetada, de configuração rectangular, sotoposto a pequeno nicho desornado do padroeiro, quiçá S. Martinho ou Santo António, este último, orago da capela. Abre-se esta no topo sul da mesma frontaria, no prolongamento do lamentável pavilhão moderno, com dupla faceira de janelas de arcos lanceolados, e conserva o antigo portado exterior, de vergas e lintel graníticos entre possantes contrafortes de alvenaria. Sobranceiro, vetusto e poético cruzeiro marmóreo. Curioso capitel românico, octogonal, de granito, com 50 cm. de alto, ornamentado por pinhas estilizadas e folhas de parra, servindo de assento, subsiste na entrada do templete, denunciando quão imponente seria a primitiva construção de tal fragmento decorativo. 

A capela, de uma nave de planta rectangular, está ligada ao paço através da tribuna dos donatários, aberta com três arcos de lanceta, de colunas dóricas. Tem tecto de penetrações e todo o interior foi completamente renovado nos fins do séc. XIX. Na parede fundeira do coro, em tela de factura medíocre, expõe-se o retraio pintado a óleo do fundador, D. Martinho de Oliveira, segundo cópia de 1783 da galeria da Catedral de Braga, com a particularidade documental de mostrar a personagem segurando uma planta panorâmica do solar da Oliveira, interessante, sobretudo, pelo debuxo que deu origem à desastrosa modificação da centúria passada. Muito pobres são os dois altares colaterais, dedicados a S. Luís e a Santo António, abertos em nichos nas paredes, sendo a imagem deste boa peça de madeira estofada e dourada, do séc. XVII. 

Ao lado subsiste modesta caixa de esmolas, figurada pela pintura popular de S. Martinho. Bom exemplar de arquitectura clássica, embora de traça provincial, é o presbitério, cronografado de 1567, de pórtico rectangular aberto por arco de volta redonda, com aduelas almofadadas e armorejadas de símbolos da casa e apoiado sobre colunas dórico-toscanas, de granito, A cúpula, de secção ovóide, está igualmente decorada por tabelas brasonadas, de estuque. O retábulo do altar compõe-se de preciosa tábua pintada a óleo, de c.ª 1560, de temático da Assunção da Virgem, muito carregado de vernizes por restauro hodierno do pintor Carlos Reis, mas do maior interesse pictural, com intenso movimento de personagens e delicioso rancho de anjos músicos e cantores. O painel, que mede de altura 2 m x larg. 1,20 m., manifestamente peça barroca do maneirismo flamengo, pertence ao núcleo oficinal eborense dessa época. 

O Padre Eterno, predela sobrepujante, também pintado sobre madeira e emoldurado com pilastras estriadas, do estilo jónico, completa o conjunto do altar, além das imagens correntes do Calvário e Santo António, de lenho policromo e N.ª S.ª do Rosário, antiga, mas de roca. Dos estimados jardins do solar, perdidos actualmente, existem restos de alegretes, fontes e cascatas, uma grande taça gomeada, de granito, pináculos e vasto tanque lajeado, ornamentado com leão de pedra no rebordo, servindo de gárgula, e outros vestígios artísticos de uma opulência que a história largamente assinalou e os homens deixaram perder. 

BIBL. Cónego Abel M. Ferreira, Archivo Eborense - Secção Extraías, pág. 55; António Francisco Barata, Évora e seus Arredores, págs. 29-31; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, págs. 96-99. 

domingo, 13 de maio de 2018

Real Celeiro Comum do Monte da Piedade


O Depósito de Pão do Concelho, o primeiro instituído em Portugal, deveu-se ao rei D. Sebastião, por alvará de 20 de Julho de 1576 e foi instalado, a título provisório, nas torres do castelo manuelino por empreitada dada aos mestres de pedraria Mateus Neto e Francisco Gil no ano imediato e terminada por Brás Godinho na década seguinte. As vultuosas obras de adaptação deste edifício militar para Quartel de Dragões de Évora, segundo determinação real de D. João V em 1736, impuseram o estudo de transferência dos depósitos de trigo para lugar definitivo e o monarca, interessado em instalar condignamente os cereais do mais poderoso produtor nacional - o Alentejo deu plenos poderes à Junta nomeada para construir edifício que honrasse pela sua arquitectura e proporções a monarquia portuguesa. Para o efeito adquiriu-se um talhão de moradias situadas entre a Rua do Paço e o Largo de S. Francisco, que compreendiam os restos do palácio quinhentista de D. Jorge de Lencastre, Duque de Coimbra e filho natural de D. João II. Todavia, a construção, planeada nos últimos anos do reinado do Magnânimo só teve início no ano de 1773, sob assistência do Corregedor da Comarca Dr. João de Faria da Costa e Abreu Guião e foi concluída em 1780. Desde 1744, porém, que o Celeiro funcionava, com feição precária, no edifício do Trem (Palácio de D. Manuel). 

Foi tracista do novo imóvel o mestre pedreiro João Baptista e acessores Brás da Silva, António Baptista e Sebastião Rosado; oficiais de cantaria João de Sampaio e João da Silva; ferreiro Francisco Cardim; mestre de carpintaria João Crisóstomo; dos fomos e arranque da pedra. Sebastião José e Angelo Henriques e pintor João Baptista. Vedores: deputados cónego João Pedro Stokier e Estêvão Mendes da Silva. A obra importou em 20 000 cruzados. No ano de 1821 sofreu grandes benefícios assistidos pelo oficial de pedraria Manuel Joaquim dos Santos. O Regimento de 1576 vigorou até 1852, apesar de, após a restauração liberal de 1835 a Câmara, por sentença estadual que extinguiu a Junta primitiva, entrar na administração do Estabelecimento com as necessárias alterações. Estas foram, sucessivamente, modificadas com as Portarias e Leis de Outubro de 1852, Julho e Agosto de 1854, Julho de 1863 e Julho de 1898. A fachada axial, voltada ao lado sul e sobranceira à ermida de S. Joãozinho, é uma nobre empena decorada por janelas de sacada, de granito emoldurado e com frontões triangulares, defendidas por elegantes balcões de ferro forjado, do estilo rocócó. 

Formoso portado, também de granito, em linhas dum barroquismo seco mas monumental, compõe o centro, ladeado por pilastras que atingem as cornijas bem salientes do edifício, que é coberto com telhado de quatro águas donde rompem mansardas do tipo característico da arquitectura pombalina. O portal propriamente dito, de arco lanceolado, envolvido por ornatos aconcheados e volutas, onde assenta o armorial da casa reinante portuguesa, de mármore branco, está centrado por jambas apilastradas, de filetes e mísulas de enrolamento, do género vegetalista, terminadas em ábacos de porte muito acentuado, sobrepujadas por fachos de belo efeito ornamental. Estantes e lateralmente ao brasão, duas tabelas enroladas em forma de pergaminho exibem a inscrição: CELLEIRO COMM UM F.TO P.ª UTIL.DE P UBLICA POR ORD EM DE S.M.F.SEND O INSPECTOR E D EPUT.DO O DZ.DOR JOÃO JOZE DE F.ª DA COSTA E ABREU GUIÃO CORR.OR DESTA COMARCA E DEPUTADOS DE MESMO CELL EIRO O CONICO JOÃO PEDRO ST OCOLER E ESTE UÃO MENDES DA SILV.RA CID.ÃO DEST A CI.DE ANNO D 1777. 

O Real Celeiro Comum é constituído pelo depósito, em si, e pelas sala de sessões, sala vaga, cartório e moradia do tesoureiro, com suas dependências cómodas mas vulgares, que compreendem o piso alto e se atingem através da escadaria principal, coberta de abóbada em 1778 e que termina em patamar de três entradas, de vergas de granito trabalhado, com molduras salientes e reentrantes terminadas em empenas de cunha. São do puro estilo português do derradeiro período de D. João V. As portas, de madeira esculpida e almofadada, com seus painéis e filetes, conservam as fechaduras e espelhos originais, coroados, de latão. Verdadeira grandeza tem o depósito do trigo, amplíssimo salão de planta rectangular, onde se recolhiam cerca de cinco milhões de quilos do precioso cereal. Construído em alvenaria, é formado por um rectângulo de 30,10 m de comprimento, 21,60 m de largura, e 6,25 m de altura, com quatro naves de cinco tramos divididos por pilares de secção poligonal, de cornijas muito acentuadas e fechado por abóbada de penetrações, com arcos redondos de aduelas almofadadas. As doze colunas centrais assentam em robustíssima sapata de granito, e estiveram recobertas de alvenaria de 1821 a 1962. A iluminação da dependência faz-se por vastas janelas rectangulares, emolduradas, vulgares. O edifício está ocupado ao presente pela Direcção-Geral dos Serviços Agrícolas - Brigada Técnica da XII Região - e pela Federação Nacional dos Produtores de Trigo. 

BIBL. Tombos mss. do Celeiro Comum. Sécs. XVI-XIX. Arquivo Distrital de Évora. 

domingo, 6 de maio de 2018

Quinta do Sande


Pertenceu à família Landim Sande e é conhecida do vulgo como Quinta do Galego. Fica situada na margem esquerda do rio Xarrama, a c.ª de um quilómetro da cidade, para o lado Norte e pertence ao lavrador João Lopes Fernandes. Dos primitivos donatários, fidalgos ilustres que se fundiram através dos tempos e vinham desde os fins do séc. XV, descenderam e habitaram a casa de campo o cónego André de Sande, instituidor da notável capela tumular da igreja conventual do Espinheiro, onde jaz desde 1710; os sobrinhos João de Landim e Sande, também cónego e Simão de Landim, além do operoso capitular da Catedral, António de Landim Sande, reformador da capela da Natividade, em 1771, e do altar-mor da igreja monástica de S. Francisco, no ano de 1773. 

Aqui viveu em 1808, com residência fixada, o tenente-general Francisco de Paula Leite de Sousa, Visconde de Veiros, herói da Guerra Peninsular e denodado defensor da cidade contra as tropas francesas de Loison. Do mesmo modo, nestas salas e secretamente, se reuniram os principais cabecilhas da Independência: coronel espanhol Frederico Moretti, Corregedor José Paulo de Carvalho, António Lobo de Lacerda, sargento-mor de Ordenanças de Vila Viçosa e outros delegados do clero e nobreza local. O pátio do edifício solarengo era antecedido, ao Sul, antigamente, por opulento portado de alvenaria, de duas pilastras rematadas nos acrotérios por fachos perspectivados, precisamente na margem do Xarrama, o qual se atravessava em ponte de dois arcos, ao presente destruída. Compõe-se a parte primitiva do solar de dois grandes pavilhões oblongos, de telhados de duas vertentes, separados hoje mas comunicantes outrora por demolido passadiço, com frontarias de bela panorâmica voltadas para Évora e revestidos de janelas com padieiras de granito e grades de ferro forjado, do tipo de barrinha, dos começos do século actual. O bloco mais antigo, adulterado no corpo posterior, está adornado no pátio da face norte, por nobre escadaria de dois lanços e terraço corrido sobre sacada de três arcos de volta inteira, por banda, defendido em balaustrada de pedra e grades lisas de varões metálicos, toscamente forjados. Tem, na cobertura, uma lanterneta de quatro luzes em remate alongado, e interiormente, amplas salas e corredor central de abobadilha. 

O corpo térreo é constituído por formosa e vasta sala de três naves e sete tramos, com abóbadas de aresta e meio canhão apoiadas em pilares de pedra aparelhada: foi adega e casa da carruagem e serve agora de cavalariça. O outro pavilhão, no prolongamento ocidental, mais recente e em simetria com o anterior, possui alterosa torre rectangular, coberta e de cunhal fortemente aparelhado em granito, construída pelo pai do actual proprietário com aplicações utilitárias de materiais e guarnições do velho paço rural. A grande sala do ocidente, no rés-do-chão, debruça-se sobre interessante lago de planta rectangular, de mármores regionais, envolvido por pilares gradeados, corredores de alvenaria e friso de azulejos policromos, do tipo de grinaldas e festões, da Real Fábrica do Rato, de Lisboa, datáveis do último terço do séc. XVIII. No centro, sob pedestal de quatro carrancas antropomórficas, ergue-se a estátua marmórea, em tamanho natural, de Diana a Caçadora, de vestes romanas, em concordância com a dignidade eclesiástica do antigo donatário, prebendado António de Landim Sande. O corrimão da balaustrada esteve guarnecido por estatuetas alegóricas de faiança, de esmalte branco, também do Rato e do período 1770-75, que se perderam vandalicamente, com excepção de uma malfadado Neptuno, que pertence ao dr. Joaquim Vieira Lopes, de Évora. 

Opulenta nora, do género árabe, ligando a comprido e coleante aqueduto em arcos de alvenaria abastece este lago, a fonte do pátio e regava desaparecido jardim onde subsistem algumas obras de arte e um tanque circular, também de mármore de Estremoz, centrado por pira lavrada, de repuxo. O palácio está ao presente inabitado e da sua pretérita grandeza resta triste e desoladora ruína. Contra o lado oriental da quinta e da tapada que delimita o rio Xarrama, no local onde se construiu a Ponte dos viandantes, edificada de alvenaria e de chão lajeado aberto em arcada abatida de cinco vãos e de esporões a montante, afixou a piedade cristã, no anteparo do murete, um evocador registo de azulejos policromos, da Fábrica do Rato, alusivo à catástrofe dos eborenses mortos às mãos dos soldados da cavalaria francesa no fatal dia,. 29 de Julho de 1808. O painel, elíptico, representando as ALMAS DO PURGATÓRIO, está envolvido por moldura de grinaldas e sanefas policromas e ostenta a legenda: P.E N.O AVE MARIA, PELAS ALMAS. 

BIBL. Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 85-86.

domingo, 29 de abril de 2018

Quinta do Palha ou das Glicínias


A situação da casa solarenga, construída na lombada de um dos suaves planaltos de S. Bento de Cástris, sobranceira ao extinto convento cisterciense deste nome, é muito bela e cómoda e o panorama que dos seus terraços se observa relativamente à cidade e campos vizinhos, não encontra igual em todo o aro suburbano de Évora. Foi de património dos morgados Palhas, descendentes de Rui Palha, Cuja filha, D. Bianca de Almeida e Atexue, teve residência solarenga intra-muros, no local onde o Cardeal-Rei D. Henrique fundou, em 1578, o Colégio de S. Paulo, da Congregação dos ermitães da Serra de Ossa. 

A habitação actual, da época de D. José, parece ter sido fundada pelo cónego prebendado da Catedral, António Pereira Palha, sacerdote de grande prestígio local. A primitiva entrada, do lado norte, sobranceira ao Aqueduto da Água da Prata, é constituída por portado de cantaria e frontão circular centrado por opulenta vieira de granito e de pilastras laterais terminadas em fachos estilizados. Está datado de 1766 e a sua grade, de ferro forjado, parece coetânea. Extenso e sombrio túnel de arvoredo com cedros, alfarrobeiras e loureiros, alguns centenários, ladeados de bancos de descanso, comunica ao pátio do palácio, calçado e murado, e tendo ao centro uma fonte marmórea com tanque de secção octogonal, taça de quatro mascarões e obelisco piramidal, proveniente de uma casa antiga, situada no Largo de S. Tiago, na cidade, propriedade que foi dos Soures, actuais possuidores do imóvel. 

Deste lugar, a fachada nobre do solar, de dois pisos altos, oferece interessante perspectiva pela sucessão de planos, alçados e terraços dos diferentes pavilhões e mansardas, cobertos de telhados de quatro águas. Atinge-se o piso habitacional subindo escadaria de dois lanços, em balaustrada e degraus de mármore regional e de guarnições de sóbrias ferragens do estilo setecentista, com pavimentos lajeados de ardósia. Nos topos deste recinto, subsistem discretos assentos de repouso, de alvenaria. Nas fachadas rasgam-se elegantes, embora simples aberturas e uma porta de vergas e padieiras em mármore branco de Estremoz, de perfis correctos, no desenho vulgar da época de D. João V e D. José I, protegidas por grades de ferro, do tipo rural alentejano. O corpo superior é traçado nas características de torreão, de planta quadrada, com varandim gradeado de três faces e balaústres, donde se domina a imensidade do horizonte nas bandas Norte e Oriente. 

Os materiais empregados na construção, cunhais, pilastras e tímpanos, são esculpidos no belo mármore regional, o que imprime ao conjunto grande dignidade e riqueza. Bom recheio de arte ornamental decora o interior da residência, com destaque para peças de cerâmica oriental, inglesa e portuguesa, prataria e vidraria antiga, e núcleo mobiliário do século XVIII. De mencionar, igualmente, o serviço de chá de cerâmica negra de Wedgood, comemorativo da Guerra Peninsular e dedicado ao Duque de Wellington, herói da Batalha do Buçaco. 

BIBL. Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 34-35. 

domingo, 22 de abril de 2018

Quinta de Valbom


Fica situada a c.ª de dois quilómetros da cidade e o seu acesso é feito pela Est. Nac. 370, com entrada comum à Portaria do Convento da Cartuxa. Era o antigo posto de repouso da Companhia de Jesus, patrimonial do Colégio do Espirito Santo de Évora, pelo qual foi adquirido em 1580 a instâncias do reitor padre Pedro da Silva. Na década de 1610-20, grandes obras de valorização se efectuaram na quinta, sob direcção dos reitores António de Abreu e João Álvares, que a cercaram de muros e lhe construíram capela, refeitório, casa de jogos e anexos válidos para tão vasta comunidade. Com a expulsão dos jesuítas, em 1759, a propriedade foi integrada nos bens nacionais e posta em hasta pública, funcionando nela, já no ano de 1776, um importante lagar de vinho, que absorvia a produção vinícola da região limítrofe, boa produtora do líquido. 

Secularizada no séc. XVIII, a habitação e sua cerca ajardinada, perderam pouco a pouco o carácter e as obras decorativas que as compunham, com várias esculturas de barro cozido dispersas em nichos e plintos. Apesar de completamente modificadas, subsistem vestígios de arquitectura nas capelas de S. Francisco Xavier, no rés-do-chão, fundada pelo Pe. Sebastião de Abreu e concluída pelo Pe. Bento de Lemos, grande benfeitor do Colégio de Évora, que a ornou por volta de 1660 com três altares de talha dourada, dedicados ao padroeiro, a N.ª S.ª da Conceição e a. S. Sebastião, e o oratório, no piso alto, consagrado a Santo Inácio de Loiola. Retábulos, esculturas e outras peças litúrgicas levaram descaminho em época bastante recuada, pois os possuidores do imóvel não têm a mais ligeira lembrança de tais objectos. Actualmente, depois da perda destes santuários, somente tem interesse arquitectónico o vasto Refeitório, de planta rectangular, composto de duas naves com nove tramos de arcadas de meio ponto, com abóbadas de berço recobertas de apainelados de caixotões geométricos, de estuque relevado, primitivamente policromos. 

Os pilares, grossos e frustes, de secção poligonal, de pedra trabalhada, com ábacos e capitéis de perfis lisos, concedem singular robustez à construção, que teve início em 1610 e constitui, embora adulterado, expressivo exemplar do estilo barroco português. Na fachada exterior, sul, deste pavilhão, iluminado por janelas seiscentistas, com padieiras de granito, existe em nicho recentemente aberto, uma grande imagem de S. Francisco Xavier, de terracota, proveniente de fonte artística da cerca monástica, em ruínas, que esteve revestida de curiosas pinturas murais ordenadas em 1677 no tempo do reitor Pe. Manuel Luís. Outros restos, de certo modo curiosos da fábrica religiosa primitiva, são visíveis no alçado lateral externo, do lado este, apoiado em gigantes de alvenaria, e na dependência oposta, de acesso ao Refeitório, de cunhal trabalhado, com cobertura de meio canhão, de dois tramos, sendo um deles iluminado por opulento resplendor pintado a fresco, com o emblema do Espírito Santo e uma data irreconhecível por ter sido modernamente coberta de cal. Em dependências contíguas, alguns arcos antigos ostentam molduras e painéis decorativos em obra de estuque. O aqueduto e nora, que abastecem o edifício de água potável são, presumivelmente, do séc. XVII. 

Da primitiva entrada principal da quinta, levantada no caminho, ou azinhaga da Horta da Sueira, vêem-se os restos do pórtico erguido no ano de 1620, sobrepujado por frontão de volutas de enrolamento. A face exterior, era coberta por alpendre de colunata, de tipo do da Portaria do Colégio, na cidade, sendo a parte dianteira composta de três arcos semicirculares apoiados em meias colunas de pilastras de alvenaria escaiolada e de esgrafitos. Era da arte barroca. A obra arruinou-se irreparavelmente por desabamento, esmagando, do mesmo modo, o rodapé de azulejos policromos, seiscentistas que o forravam. Nos anos de 1959-1961 o edifício sofreu importantes beneficiações para se adaptar a residência do proprietário, eng. Vasco Maria Eugénio de Almeida, Conde de Vilalva. 

BIBL. Pe. António Franco, Évora Ilustrada, 1946, pág. 266; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 29-31.

domingo, 15 de abril de 2018

Quinta da Malagueira


Antiga propriedade rural de António Luís Ribeiro, residente em Madrid nos meados do séc. XVII, foi por este fidalgo eborense doada aos padres de Santo Agostinho, fundadores do Mosteiro de N.ª S.ª das Mercês. Completamente transformada pelo 1.° Conde de Ervideira nas primeiras décadas deste século, perdeu, em absoluto, as características originais; todavia, o actual residente, D. Luís de Sousa Carvalho conserva no edifício bom recheio de artes ornamentais portuguesas, antigas, e fundou no ano de 1945 em recanto dos jardins uma capela dedicada a N.ª S.ª da Glória, em evocação da demolida ermidinha do mesmo nome, sita na encosta do cabeço fronteiro a S. Sebastião e próxima do local onde existiu a seiscentista forca da cidade. 

Na frontaria desta capela, metida em nicho axial, existe delicada escultura de pedra de Ançã, policroma, quatrocentista, dedicada a N.ª S.ª dos Remédios (Virgem com o Menino), proveniente da Igreja de Santa Clara, de Évora, que mede, de alt. 0,57 cm. Do recheio decorativo (da moradia), destacam-se duas peças estrangeiras: PIETÁ - Pintura a óleo sobre madeira de carvalho do norte, dos meados do séc. XVI e obra oficinal anónima, hispano-flamenga, está muito repintada. Pertenceu ao crítico de arte dr. José de Figueiredo e ao poeta Afonso Lopes Vieira, ascendente, por afinidade, da esposa do proprietário. Mede: alt. 1,65xlarg. 1,48 m. MEDALHÃO - de faiança policroma, com busto central, feminino, emoldurado por flores e frutos. Ornamentação de relevo. Arte da Renascença florentina, da escola de Giovani delia Robbia (1.ª metade do séc. XVI). Diâm. 80 cm. 

domingo, 8 de abril de 2018

Pousada Real dos Estáus


Célebre hospedaria que está hoje absorvida pelo grande edifício do bloco Nascente-Sul da Praça do Geraldo, ocupado por vários estabelecimentos de cultura e recreio, corporativos ou comerciais e industriais. Remonta, nas suas origens, ao reinado de D. Duarte e teve início logo após as Cortes de 1435-36, começadas nesta cidade e concluídas em Leiria. Expropriado um velho casebre foreiro à Ordem de Avis, da Comenda de Menda Marques, as obras preliminares foram entregues a mestre Pero, oficial de pedraria castelhano que anos mais tarde, em 1443, dirigia uma empreitada no Convento de S. Francisco. Os primeiros materiais aparelhados que serviram para o efeito foram extraídos da muralha romano-goda, pasto dos construtores civis desde o reinado de D. Fernando. Alguns nomes de mestres e oficiais nos conservaram os documentos coevos: Esteves Rodrigues, pedreiro, 1451; Estevão Lourenço, 1440, João Ledo, 1461, Lourenço Gonçalves, 1480, todos carpinteiros ou marceneiros. D. Afonso V, em 10-6-1452, concedeu carta de privilégio ao oficial de marcenaria, Lamberte, francês de nação e a mestre Gris, serralheiro alemão, ambos residentes em Évora e em cujos paços trabalhavam. Esta primeira casa absorveu, no ângulo meridional, uma capela dedicada à Virgem Maria, patrimonial do Senado, mas o corpo administrativo impetrou a sua restituição nas Cortes de Torres Vedras de 1441, realizadas sob auspícios do Regente D. Pedro, o que obteve pela justiça da petição e, assim, o vetusto templete passou, depois de 1506 a ministrar os ofícios divinos aos encarcerados do tronco municipal que el-rei D. Manuel havia erguido, de raiz, no topo sobranceiro da Praça Grande e à esquina da Rua da Cadeia. 

No ângulo oposto, com faceira para a Rua do Raimundo, levantou em 1503 o fidalgo conselheiro da coroa. Rui de Sande, uma residência nobre, a qual ficou separada dos Estáus pelo passadiço do curro dos touros que entravam na praça nos dias de corridas públicas pelo hoje chamado Beco do Chantre, situado no corpo posterior dos imóveis. Os vastos pousamentos estavam prontos no ano de 1463, data em que, por provisão real D. Afonso V, os entregou aos cuidados da Câmara, depois de lhe atribuir 15 000 reais brancos para obras finais. Temos notícia de nas casas se terem aboletado algumas notáveis personagens portuguesas e estrangeiras, além da Casa Real, a saber: D. Fernando, Duque de Vila Real, 1443; Infante D. João, sobrinho do monarca, 1462; Infante D. Fernando, Duque de Viseu, 1462-66. Nesta última data o palácio foi citado pelo cronista Tetrel, que fazia parte do séquito do Barão de Rosmital, embaixador do rei da Boémia, considerando-o, cumulativamente ao do Bispo da Diocese, como únicos de valor artístico da cidade de Évora. 

Outros aboletamentos ilustres: Missão diplomática do Senhorio de Venesa, 1486; enviados especiais às comemorações do casamento do príncipe D. Afonso, filho de D. João II, com D. Isabel de Espanha, 1490; Infanta D. Isabel, duquesa viúva do duque D. Fernando de Bragança, justiçado de Évora, 1501; Embaixador de Espanha, 1534; Delegados portugueses às cortes de reconhecimento do príncipe herdeiro D. Manuel, 1535; Grande parte da embaixada extraordinária do cardeal Alexandrino, 1571; Embaixadores da Corte de Inglaterra nos preliminares da Paz Geral com Espanha, após o triunfo de Montes Claros, 1666. Ignoramos o período exacto em que a coroa se alienou do património nacional a casa dos Estáus e quando ela, amalgamada num todo indiviso passou às mãos dos fidalgos Henriques, descendentes de Henrique II de Castela, o Trastâmara. No séc. XVII vivia nela o alcaide-mor de Palmela e, nos fins da centúria imediata, o 11.° Senhor das Alcáçovas de Évora, D. Caetano Alberto Henriques Pereira Faria Saldanha de Lencastre e sua esposa D. Maria Domingas de Castro, 7.ª filha dos primeiros Condes de Resende. Em 1827 entrou em posse do lavrador J. A. Sousa Matos que lhe introduziu reformas assas substanciais que modificaram, estruturalmente, a fisionomia ancestral do imóvel, depois de receber importante maquia em dinheiro, que lhe devia certo oficial da nossa marinha, julgado desaparecido no ultramar após longos anos, facto que o proprietário assinalou com uma simbólica âncora no balcão da grade central, de ferro forjado, do 1.° andar e sobrepujante à entrada nobre. A vultuosa obra foi acabada no ano de 1830, data que se assinalou, também, no topo meridional da fachada da capela de N.ª S.ª dos Reis. 

No piso térreo escaparam, apenas, dois portais de umbreiras e dintéis com cimalhetes de granito, do séc. XVI, sendo os restantes, embora monumentais, modernos. Todo o imenso prospecto exterior, de dois andares, com grande número de janelas ornamentadas por trabalho de estuque, com frontões triangulares, pilastras de misuletas e grinaldas, vastíssima e contínua grade de ferro, do tipo de barrinha, oferece significativo sentido de robustez e uma noção perfeita dos volumes de arquitectura no meio ambiente. O corpo superior da banda norte foi ultimado nos primeiros anos do século actual. Nos terraços preservaram-se algumas bandeiras de grelhas de tejolo, das mais originais, certamente, existentes em Évora, com realce para as da Sociedade Harmonia Eborense, de grande porte, encerradas em pilastras emolduradas e mantendo desenhos alentejanos vulgarizados nos célebres papéis picados da doçaria regional, com discos paralelos e octógonos encaixados em tabelas geométricas. O parapeito da varanda da 4.ª Circunscrição Industrial, por outro lado, é de padrão corrente, de cartelas losângicas e octogonais, mais antigas, talvez ainda do séc. XVI, de reminiscências árabes. Esta empena posterior, que deita para o Beco do Chantre, é de singular pitoresco pelo desencontro e assimetria dos arcobotantes e contrafortes, frestas, varandins e caixa cilíndrica do poço que servindo todos os pisos atinge o coroamento da grilhagem. O oratório familiar, construído no último andar, de prospecto para a Rua do Raimundo, é de planta rectangular com tecto de berço e caixotões simétricos, quadrados e losangulares, de mármore branco e azul ornamentados por rosetas nas cercaduras. A capelinha de N.ª S.ª dos Reis, com entrada independente no extremo facial nascente do Paço e destinada unicamente ao serviço cultual dos presos, não escapou aos restauros de novecentos e perdeu todo o carácter primitivo. 

É de planta irregular, com arcos de estuque e uma divisória excêntrica de colunelos de mármore branco, frisos e capitéis concebidos ao gosto neoclássico do 1.° terço do séc. XIX: a cobertura está pintada a fresco, representada no eixo por anjo suportando medalhão ovóide, coroado e florido, com a insígnia de A. M. e a legenda latina sotoposta: SUB TUUM PRESIDIUM CONFUGIMUS SANTA DEI GENITRIX. O corpo térreo, onde funcionou o Terreiro do Trigo ou do Pão, Açougue de víveres e casa de carruagem da Hospedaria, embora perdesse a primitiva arcada pública por emparedamento, cujos restos são visíveis nos dois monumentais arcos graníticos do Posto de Turismo, conservou, todavia, elementos relativamente importantes de arquitectura civil do quinhentismo. Trata-se de salas térreas, quase subterrâneas, com abóbadas, nervuradas ou de berço, apoiadas em pilares de cunhais chanfrados. Numa empena, proveniente de local indeterminando do edifício e depois de estarem depositados no Museu Arqueológico, afixaram-se três modilhões de pedra cem máscaras esculpidas, antropomórficas e um leão rompente, com siglas do séc. XV, podendo representar, este último, uma peça heráldica dos donatários Henriques. Nesta mesma frontaria da Rua do Raimundo existiu, igualmente, lanço comprido e público de arcaria, obstruído em época recuada, sendo o tramo mais visível do gaveto ocidental, restaurado em 1961, composto de alçado volumoso e por dois arcos redondos de cantaria trabalhada, com dintéis de corda, picados. No espaço interior, de pesados e robustíssimos pilares graníticos, subsiste portado gótico da época de D. João II ou D. Manuel e que talvez pertencesse ao mencionado imóvel do conselheiro régio Rui de Sande. 

BIBL. Túlio Espanca, Palácios Reais de Évora, in A Cidade de Évora, n.° XI, págs. 21-45, 1946. 

domingo, 1 de abril de 2018

Paço dos Morgados de Manedos


Está situado na banda meridional da Praça Joaquim António de Aguiar, ao lado do extinto beatério-reformatório de Santa Marta e a par da igreja da Confraria das Almas, do clero secular. Edifício dos meados do séc. XVII, na sua traça actual, sofreu importantes benefícios no ano de 1745 e obras de valorização artística interior e exteriormente na década de 1950. Naquele período era pertença do visconde de Trancoso Bartolomeu da Costa Geraldes Barba de Meneses; no ano de 1785 do licenciado Estevão Mendes da Silveira Sarria de Cobelos e em 1850 habitava nele D. Mariana de Macedo, senhora da família dos Macedo Sequeira Reimão, gente de algo da cidade. Foi, também, do Seminário de Évora e actualmente pertence ao Governador Civil do Distrito, José Félix Mira, como residência privativa. A fachada axial é desenhada no espírito barroco tradicional da região, com seis amplas janelas de sacada, graníticas, de cornijas bem proporcionadas, defendidas por grades de ferro de balaústres cilíndricos e esferas transfuradas. 

Sensivelmente, no eixo, balcão de quatro tramos de arcos redondos apoiados em pilares calcários, com terraço e escadaria de cómodo lançamento, forrada recentemente por azulejos polícromos do tipo de tapete. No primeiro tramo da frontaria, para a banda ocidental, ao nível do cornijamento, vê-se escudo esquartelado, de mármore, dos morgados de Manedos, fundadores do paço, réplica do primitivo existente no Museu Regional de Évora. No centro da construção rasga-se um passadiço público sobre a Travessa de André Cavalo, ficando encravada sobre o extradorço, ao nível do andar nobre, uma janela geminada, de arcos de ferradura com jambas de granito, antigas, e coluneis de mármore, modernos, que veio do transformado Palácio de Francisco de Mendanha, da fachada ocidental, que deitava para o arco dos Penedos. A mudança não foi das mais felizes porquanto, além do imóvel ser de uma época posterior e de arquitectura diferente, os volumes do balcão destinado a empena mais alta, atraiçoaram o conjunto seiscentista. Do recheio interior, que é interessante em objectos mobiliários e decorativos portugueses, destacam-se os seguintes: Apresentação de Jesus no Templo e S. Tiago combatendo os moiros, pinturas a óleo sobre tábua, do último terço do séc. XVI e do ciclo oficinal eborense do estilo maneirista, procedentes da Igreja de N.ª S.ª da Purificação, sita na Herdade da Repreza (termo de Montemor-o-Novo). 

Foram beneficiadas na oficina de restauro do Museu Nacional de Arte Antiga, de Lisboa, pelo mestre Fernando Mardel. Medem, cada: alt. 1,80 x larg. 0,37 m. Cómoda, de pau-santo, com alçado e avental esculpidos, ornados de palmetas e vieiras estilizadas. Linhas recurvas e tampo de mármore escuro, com ângulos boleados. Pés de garra recobertos de plumagem entalhada. Belo trabalho de marcenaria artística do estilo D. João V. Alt. 0,90 m.; larg. 0,70 m.; comp. 1,30 m. Ucha, de espinheiro e pau-santo, lisa, com gavetas e rebordo muito saliente. Séc. XVII. Alt. 0,72 m.; comp. 1,37 m.; fundo 0,70 m. Dois leitos, de pau-santo, com bilros, colunelos torsos e cabeceiras de talha ornamental, naturalista. Peças dos meados do séc. XVII - Época de D. Afonso VI ou D. Pedro II. O menor, de pessoa-só, tem ornatos faciais flordelizados. Dimensões do maior: comp. 1,90 x larg. 1,25 m. Par de cadeiras, de nogueira, com braços e espaldar forrados de couro liso, guarnecidos por pregaria miúda. Tabelas axiais, esculpidas, com ornatos de volutas e vieiras estilizadas. 2a metade do séc. XVII. Espelho, com alçado de madeira dourada e esverdeada, esculpido no estilo rocócó. De grandes dimensões pertenceu, seguramente, a um tremó da época de D. José. Meados do séc. XVIII. 

domingo, 25 de março de 2018

Passal e Convento do Bom Jesus de Valverde


Nos princípios do séc. XVI a Mitra de Évora instituiu, nas tranquilas terras da ribeira de Valverde, então provença municipal, dominada pelo morro do celebrizado Castelo de Giraldo, uma quinta e paço para descanso e retiro espiritual da câmara eclesiástica. Ignoramos se a ideia partiu de Afonso de Portugal (1485-1522), filho do marquês de Valença, se do último bispo da diocese, o ilustre infante-cardeal D. Afonso, irmão de D. João III, que se finou em Abril de 1540. É evidente que já em 1514 (?) o local era habitado porque, com esta data, existe na cerca da actual Escola de Regentes Agrícolas uma construção gótica, coetânea e do maior interesse arquitectural. 

Em 1538, o mestre de obras Álvaro Anes executava, no paço, certa empreitada que lhe fora atribuída pelo bispado. No ano de 1544, D. Henrique, primeiro arcebispo de Évora e irmão do prelado antecessor fundou, nos terrenos da quinta, com portas adentro, um convento da regra capucha, a que deu o nome de Bom Jesus. Em 1607, sendo a comunidade titular da guardiania em Portugal, grassou no sítio, que é banhado pela ribeira de Valverde, prolongada epidemia de carácter sesonático que originou a morte de vários religiosos e leigos, tendo o cenóbio que ser abandonado a consentimento do arcebispo D. Alexandre de Bragança e a instituição passou a viver no Convento de Santo António da Piedade, da mesma Ordem, que o infante D. Henrique havia fundado no ano de 1576 às Portas da Lagoa. Purificando-se o lugar, mais tarde, o capítulo geral da regra capucha autorizou o regresso da comunidade, facto que se verificou em 1614, sob beneplácito do antístite D. José de Melo. 

Extintas as ordens religiosas em Maio de 1834 o convento, paço e cerca, com os seus 268 hectares passaram ao domínio da Igreja Metropolitana e em 1911 ao poder do Estado, que neles instalou, no ano de 1913, um Posto Agrário, ampliado oito anos depois para Escola Prática de Agricultura e, finalmente, em 1931, a Escola de Regentes Agrícolas, que vigora ao presente. PAÇO EPISCOPAL Existem muitos vestígios da primitiva arquitectura civil e religiosa do edifício quinhentista, assim como de épocas posteriores: alguns portados de granito, góticos, no vasto pátio fechado (onde, no séc. XVI se recolheram algumas lápides e cipos romanos da Tourega, segundo determinação do bispo-infante D. Afonso), e outros interiores ou no corpo posterior do pavilhão principal; grades de ferro forjado, mísulas e janelas de molduras trabalhadas e curioso portal, de entrada, ao lado Sul, de cantaria apilastrada com chanfro lanceolado no eixo e de aparelho rústico sobrepujado por bandeira de grilhagem de óvulos e bolas, donde rompem quatro torrinhas cilíndricas agulhadas, com chapéus de secção cónica. É trabalho de alvenaria da época manuelina e da 1.ª fase das obras palacianas. Contra esta face, ao nascente que é a principal do paço, com pavilhão regular de telhado de quatro águas, nasce interessante alpendre de travejamento de madeira, com três arcos apoiados em colunelos decorados por capitéis de motivos naturalistas, de mármore e do séc. XVI, mas aparentemente adaptados no local em época recente. 

A Secretaria da Escola e seus anexos, antigamente designados de Casas Pintadas, são antecedidos por alta galilé de quatro arcos redondos, emoldurados, com pilares de granito, sendo o portal encimado por pintura a fresco das armas capitulares e as insígnias de Sede Vacante. É obra do setecentismo. O friso do beiral anexo, trilobado e de tijolo moldado, para o lado norte, é resto curioso dos princípios do quinhentismo. Numa dependência interior guarda-se o armorial coroado, marmóreo, do arcebispo D. Domingos de Gusmão (1678-1689), cunhado do rei D. João IV, peça biface que ornamentou, durante centúrias, em plinto artístico, uma fonte do pátio, sobranceira à portaria, deslocada e ultimamente reconstituída na cerca, junto das capelas das Penhas. Tem as dimensões: alt. 65 cm., larg. 36 cm. O aqueduto de alvenaria que abastece de água potável a residência, é obra da 2a metade do séc. XVII e ostenta, no corpo principal, outro belo exemplar de pedra de armas do mesmo prelado, que o mandou construir. A capela palatina, presentemente subdividida e desafectada conserva, no exterior, o aspecto original. Está voltada ao poente, e não tinha portado axial. A entrada pública, para o pátio, é constituída por interessante porta granítica, com lintel de arco toreado e trilobado e de ornatos florais rudemente esculpidos. As jambas são, igualmente, centradas pelo cordão manuelino que encaixa na verga. Pitoresca espadana, com sineta de bronze rompe do telhado do presbitério. Compunha-se, o interior, de uma só nave alongada e capela-mor sensivelmente quadrada, sendo esta de dois tramos com abóbada de cruzaria ogival polinervada, fechada por chaves e mísulas de pedra. Num dos bocetes esculpiu-se a cruz de Malta, elemento intencional que pode designar o orago do templete, S. João Baptista, padroeiro da Ordem de S. João de Jerusalém, nome aliás do monarca português e irmão do bispo fundador. 

O edifício religioso teve, originariamente, ligação directa com o paço, através de uma galeria, hoje obstruída, e estava composto com retábulo de talha dourada, à antiga e ornamentado pelas imagens estofadas de ouro e em glória de Santa Rosa de Lima e S. Jacinto, cujo paradeiro se desconhece. Anexo ao paço, para a banda oriental e encorporado no chamado Jardim de Jericó, fica o grande lago circular construído em placas de mármore, ardósia e alvenaria, adornado por bandeiras recortadas, de lunetas ovóides, intervalando plintos com os bustos dos profetas Abraão e Elias e ao centro, também de mármore branco, a estátua popular de Moisés, talhado em tamanho natural. A obra decorativa é do séc. XVIII, mas a construção teve seus fundamentos no governo do arcebispo D. Domingos de Gusmão, protector desvelado da quinta. Tem o lago, de circunferência, 120 passos e de fundo 14 palmos. Contíguo, vê-se pitoresco tanque ornamentado com elementos conchóides aplicados numa gruta artificial, além de pedrinhas policromas e faianças populares, tanto do gosto setecentista, centrado por uma pilastra marmórea, quadrangular, com figuras esculpidas de influencia azteca ou oriental sobrepujada pelo busto de Minerva. CONVENTO DE BOM JESUS. (Imóvel de Interesse Público) A instalação da comunidade, filiada na ordem capucha da Província da Piedade, que desde 1517 tinha assento em Vila Viçosa, foi levada a efeito pela religiosidade do Cardeal-infante D. Henrique, em 1544. 

A clausura, destinada inicialmente a doze monges, foi ampliada e melhorada no arcebispado de D. Simão da Gama; o seu exterior, de fachadas alvinitentes, voltadas aos lados do oriente e meridional, oferecem muito pitoresco e certo interesse arquitectural. A portaria é antecedida por corpo alpendrado de cinco arcos redondos em colunata dórico-toscana, de mármore, do séc. XVI, sendo as portas, vulgares, encimadas por dois frontões barrocos, de estuque, representando Bom Jesus Salvador do Mundo e o Sagrado Coração de Jesus. À banda esquerda, adossado e formando ângulo recto, levanta-se o pavilhão rectangular da Hospedaria, com piso alto, coberto de telhado de quatro águas, apoiado em galeria de dois arcos plenos com colunelos toscanos, capitéis e bases por desbastar, dos começos do setecentismo, em cujo vão fica outra arcada similar, mas cega. Na facial existe a lápide comemorativa das obras, marmórea e brasonada que diz: ESTA OBRA MANDO FAZ- ER O ILVSTRISMO S.OR D. SIMÃO DA GAMA ARCE- BISPO DE ÉVORA CONSEL- HEIRO DE ESTADO E GVERRA DE SVA MG.DO QVE DEOS G.de X ANNO DE 1706 X A igreja é um gracioso exemplar de 1.ª Renascença, concebido em cruz grega, nos moldes italianos preconizados por Sebastião Serlio e, ao que parece, traçado pelo arquitecto eborense Manuel Pires por volta de 1550. Filipe II de Espanha, em 1583, segundo a tradição, visitou o pequeno monumento e achou de tal forma curiosa a sua planta que ordenou, em debuxo, a reprodução destinada ao Arquivo do Mosteiro do Escorial. 

De estilo dórico, compõe-se de cinco capelas octogonais cobertas de cúpulas esféricas, das quais a central assenta num tambor, interligadas através de 32 colunas toscanas de mármore branco de Estremoz. Dos três altares, únicos preenchidos com retábulos saíram, nos primeiros anos do actual século, os painéis de pranchas de carvalho, com cabeças semicirculares, atribuídos ao pintor régio Gregório Lopes e pintados cerca de 1545 nos temáticos: Presépio, Calvário e Ressurreição de Cristo. As preciosas tábuas, que foram restauradas em 1940, em Lisboa, encontram-se expostas no Museu Regional de Évora. O templete possui duas sacristias (uma destinada ao culto dos peregrinos), as quais conservam as portas primitivas, de madeira esculturada e policroma, ornadas de medalhões elípticos e grandes rosetas ovais, figurando neles o venerável fundador da Ordem, S. Francisco de Assis e o Santo Taumaturgo António de Lisboa. Nas dependências guardam-se muitos objectos cultuais de pintura, metal e tecidos antigos, provenientes na sua maioria da sede de freguesia, N.ª S.ª da Assunção de Tourega, mas apenas mencionamos, pelas suas características ou relativa importância, os seguintes: - Retábulo, popular, de pintura sobre madeira, incompleto, do fim do séc. XVI, com as imagens de Santa Ana e S. Joaquim e dois anjos coroando uma provável Virgem Maria, que se perdeu; - Prato de comunhão, de metal amarelo, circular e liso, com o diâmetro de 40 cm; - Dois cálices, de prata dourada, lisos e vulgares; - Cruz processional, de latão, e - Naveta, de latão amarelo, miniatural, encimada pelo Espírito Santo (Séc. XVII). 

Do extinto convento são de referenciar, a antiga Portaria, onde subsiste comprido banco de alvenaria revestido nas espaldas por azulejos relevados, do tipo quinhentista de corda seca, sevilhanos, (deslocados, como se diz, da Tourega), e o Claustrim clássico, de planta quadrada, com dois tramos por banda, dividido, no piso térreo por colunas toscanas e arcos redondos, apilastrados, graníticos e de molduras de alvenaria; e no superior, em arcada arquitravada da mesma ordem de arquitectura da Renascença. Neste corpo existem as pequeninas celas e no inferior as salas do Capítulo e outras utilitárias da comunidade, sendo todas de abóbadas abatidas ou de barrete de clérigo reforçadas por arquetas formeiras. É trabalho de c.ª 1560, inspirado, certamente, na claustra dos padres gracianos da cidade e atribuível, com segurança, a Manuel Pires, mestre de obras do Cardeal-infante D. Henrique. Na cerca existem, embora profanadas, várias capelas e oratórios de grutas para meditação, que estiveram, até épocas modernas recheadas de imaginária popular, de oficinas estremocenses ou de outras partes da província transtagana, inclassificáveis, dos sécs. XVII-XVIII, cujo paradeiro se desconhece. 

Destacam-se, segundo elementos cronológicos recolhidos do exame arquitectural, as seguintes construções: 
1) Capelinha gótico-manuelina, de portal granítico, de volta redonda e de abóbada com dois tramos de nervuras ogivais, de alvenaria. Tem as dimensões interiores: comp. 2,75 m; larg. 1,87 m. Ao fundo da nave, nicho vazio, posterior, com bases revestida de azulejos azuis e brancos; no chão, intervaladamente, azulejos de relevo, pavimentares, policromos, de aresta e corda seca, do género andaluz e da 1.ª metade do séc. XVI. O pequeno edifício, cópia reduzida da capela tumular do poeta Garcia de Resende, sita na cerca do extinto convento do Espinheiro, foi designada de S. João Baptista e já no ano de 1736 se encontrava adulterado. 
2) Ermida de planta rectangular, sobrepujada por pináculos de alvenaria dos meados do séc. XVII, com portado de mármores azuis e brancos cortados em lisonja, enobrecido pela pedra de armas do arcebispo D. João Coutinho, vítima inglória da política de Filipe IV durante as alterações de 1637 contra Castela. Teve o onomástico de S. Teodósio e também estava profanada em 1736. 
3) Grupo de capelas e nichos ligados em labirinto, abertos na rocha e chamados das Penhas, sendo uma de planta circular coberta por tecto de curioso malmequer estilizado, de alvenaria, e outras, também cilíndricas, numa cabeceira de três altares, com lanternim suportado por colunas. Neste conjunto, que esteve revestido de pinturas murais com cenas bíblicas, pastoris e de penitência existem, dispersos, alguns silhares de azulejos e outros elementos decorativos do séc. XVIII, incluindo uma Via Sacra de azulejaria colorida, seiscentista. 
4) Capela, de planta circular rematada por lanternim do séc. XVII, servindo de pombal. Num destes santuários existiu, até fins da centúria de novecentos, observado por Gabriel Pereira, um conjunto, em tamanho natural, do Apostolado, de terracota cozida e policromada, de época indefinida, que o erudito autor dos Estudos Eborenses classificou, em 1881, de imponente trabalho do seu género, que levou descaminho ou foi completamente destruído. Todavia, a mais importante e antiga construção que existe na cerca é a casa da água ou casa de fresco, datada de 1514 (?), que oferece o maior interesse de arquitectura gótica. Edifício de planta rectangular, protegido por gigantes de cantaria dispostos em andares, com dois portados, um de granito e outro de tijolo, é terminado no ângulo oriental por uma torrinha circular fechada em capacete piramidal, de alvenaria. O interior, de dois tramos, está coberto por abóbada de cruzaria polinervada, de ogivas, ornamentada com bocetes e delicadas represas de pedra, do tipo manuelino. Conserva o banco de repouso. Tem as dimensões interiores: comp. 6,88 m; larg. 5,30 m. Contra a parede do lado este, fica a abertura por onde correm os engenhos e alcatruzes da nora, cujo remate é feito por ampla varanda donde se descobre vasto panorama; descendo alguns degraus de tijolo entra-se na cisterna que é apoiada por pilares coetâneos. Na facial do murete-balcão, aberta a colher de obra subsistem, em tabela rectangular, vestígios da data acima mencionada: 1514 ou 1524-34(7) Exteriormente, ligados à edificação, ficam o velho aqueduto, de restos quinhentistas e o tanque que recebia, directamente, as águas para distribuição geral das regas. Ao norte, para as bandas da cidade, ainda em terras da Herdade da Mitra, existe sobre abrupta rocha granítica de configuração elíptica, um obelisco de homenagem, de mármore branco, monolítico, cujo evento comemorativo é desconhecido dos presentes. Tem a forma clássica de um longo prisma quadrangular, insensivelmente adelgaçado da base ao cume e terminado, sobre a pirâmide, por uma pinha do mesmo mármore, elemento decorativo que imprimiu ao monumento a designação popular de PEDRA DA PINHA. Mede cinco metros de altura e a base, quadrada, tem 45 cm. Gravado, no soco, lê-se esta legenda: AGOSTO 6 1792 

BIBL. Pe. Francisco da Fonseca, Évora Gloriosa, 1728, págs. 359-360; Notícia da Freguesia de Tourega, termo de Évora, seu Distrito, e de tudo o mais que nele se contém, cód. 71, peça 3, da Livraria da Manisola (Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora); Mário Tavares Chicó, História da Arte em Portugal, Vol. II, pág. 324; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 133-137. 

domingo, 18 de março de 2018

Palácio Real de D.Manuel


O Paço Real de Évora, designado nas crónicas e documentos oficiais, antigos, de S. Francisco, por estar compreendido nos terrenos e em grande parte do primitivo convento dos padres regulares desta Ordem, teve seus princípios em tempo do rei D. Afonso V c.ª de 1470. Ocupando, inicialmente, a Sala dos Estudos, onde a tradição afirma que el-rei havia fundado a primeira Livraria da Corte, ainda em sua vida absorveu outras partes do mosteiro, incluindo certa zona da cerca, a qual era vastíssima, pois se estendia das Portas do Rossio à do Raimundo. D. João II, que pousou nos Estáus da Praça Grande, no Castelo, no solar da Torre das Cinco Quinas e no Convento do Espinheiro, deu incremento ao edifício realengo e construiu na horta o célebre pavilhão de madeira, em 1490, que decorou ricamente e onde se efectuaram os desposórios dos príncipes D. Afonso de Portugal e D. Isabel de Castela, aquela tão afamada boda que causou sucesso na Europa pela enormidade dos seus banquetes, torneios e festejos públicos, como diz Garcia de Resende na Crónica de D. João II, caps. CXVI e sgs. 

A mencionada ampliação, que abrangeu o levantamento das tercenas reais, foi determinada em conselho conventual, a instâncias de D. João II, e teve efeito em 2 de Novembro de 1493, sob presidência do guardião da comunidade, fr. Martinho, guardando el-rei, em compromisso corroborado pela chancelaria e confirmado pela Bula papal Ex-Comisso, de Alexandre VI, dada em Roma em 14 de Abril de 1495, a obrigação solene de reedificar e engrandecer a casa religiosa, que guardava, no futuro, para seu real padroado. Infelizmente, ao que se sabe, toda essa imensa obra de pedraria da época gótica e manuelina, onde era ornamento insubstituível a Sala das Embaixadas e os Refeitórios, desapareceu amalgamada na absorção utilitária de oficinas monásticas e na demolição definitiva do edifício em 1892-95. D. Manuel imprimiu à casa notória importância e originalidade e entregou aos arquitectos Marfim Lourenço, Diogo de Arruda e ao castelhano Pero de Trilho sucessivas empreitadas, que vão de 1507 a 1520 e se estenderam indistintamente pelo Convento, Capela Real e Paço de S. Francisco. Seu filho e herdeiro no trono, D. João III, aumentou a grande obra e concedeu-lhe uma dignidade jamais atingida através dos séculos, habitando na casa anos seguidos e conservando-a com esmero tanto no domínio arquitectónico, entregue aos cuidados dos padeiros g mestres de pedraria da Comarca, Francisco de Arruda e Diogo de Torralva, como no sumptuário, pois o seu recheio mobiliário e jardins foram famosos em Portugal. 

De facto, a residência era considerada, outrora, como a mais notável e grandiosa do reino, depois do Paço da Ribeira, de Lisboa. Na Sala da Rainha, do corpo gótico, se reuniram as cortes de Março de 1490, e nasceram vários dos filhos, mortos-nados, de D. Manuel e D. João III; no Verão de 1535, no edifício, se jurou herdeiro da coroa o jovem príncipe D. Manuel, durante as cortes nacionais para o efeito reunidas. Nas mesmas casas se deu, em 1497, a solene investidura de Vasco da Gama como comandante da frota de descobrimento do Caminho Marítimo para a índia, concedida pelo próprio monarca Venturoso: e nas décadas seguintes a corte assistiu a várias representações do imortal Gil Vicente, incluindo os Autos Pastoril Português, Auto de Mofina Mendes e a Floresta de Enganos, artista que a tradição local afirma ter-se finado nos paços de Évora cerca de 1536. D. Sebastião e D. Henrique pouco residiram aqui: o primeiro por preferir a casa dos Capitães-mores, situada ao lado do seu querido Colégio da Companhia de Jesus, e o Cardeal-Infante porque habitava propriamente adentro dos muros do mesmo estabelecimento cultural, onde havia fundado a Universidade do Espírito Santo em 1559. Servindo, de longe a longe, a pousada de príncipes, embaixadores ou religiosos do favor régio (D. António, Prior do Crato, recebeu nele lições do douto dominicano fr. Bartolomeu dos Mártires), a grande mansão alentejana, com o advento da dinastia filipina maior abandono sofreu, porque a permanência dos reis espanhóis na nossa terra, a partir de Filipe II, passou a fazer-se a longo prazo, originando uma oportuna petição da comunidade franciscana a seu favor, durante a visita a Évora, de Filipe III, em Maio de 1619. 

Satisfeito o pedido, segundo diploma régio de 28 de Setembro do mesmo ano e confirmado em capítulo presidido pelo provincial fr. António da Trindade, a entrega de boa parte do corpo palaciano verificou-se na presença do Provedor da Comarca, Dr. Paulo Gomes da Fonseca e Gaspar Velho, almoxarife dos paços, compreendendo a Sala da Rainha e duas câmaras contíguas ao dormitório fradesco, destinadas estas a Enfermarias monásticas. Na mesma dotação se encorporavam os jardins e laranjal. Especificava o Alvará, todavia, que em tempo algum se poderia modificar a traça monumental dos imóveis ou construir obra de alvenaria nos espaços destinados a recreio, porque, diz o documento, quando aquele monarca ou quaisquer dos seus sucessores desejassem reedificar os paços para seu aposento, a comunidade seria constrangida a restituir, pura e simplesmente, as mercês neste diploma outorgados. Data deste período a integração do maior e mais belo conjunto gótico-manuelino do Paço Real de Évora na amálgama conventual e, desta forma, veio a sofrer as vicissitudes impostas ao edifício quando da sua extinção em 1834. Assim, segundo o Dec. Lei de 25 de Julho de 1845, a Câmara Municipal obteve do Governo certas partes do edifício, o refeitório manuelino e anexos para neles instalar o Tribunal e a Junta de Freguesia de S. Pedro: quatro anos após, vasta zona palaciega, o belo claustro quinhentista, os Gerais e o Noviciado vieram a terra para darem lugar ao novel Mercado Público da cidade. 

No ano de 1873 outro crime irreparável se cometeu - a destruição integral da típica torrinha do Aqueduto da Água da Prata, desenhada pelo arquitecto Francisco de Arruda - sobranceira ao pórtico da Igreja de S. Francisco, obra da maior curiosidade de arquitectura do estilo da Renascença. Finalmente, o Dec. Lei de 19 de Abril de 1892, assinado pelo rei D. Luís, autorizou a Câmara a vender os restos do Paço e Convento, onde estava encorporada a famosa Sala da Rainha e grande parte dos claustro gótico de 1376. Mais afortunado foi o destino do pavilhão meridional, a conhecida Galeria das Damas, que desde épocas antigas a coroa entregara ao Conselho de Guerra e onde subsistira um depósito de material militar designado do TREM. Nele se haviam acomodado pertences municipais, se realizaram festividades e representações populares; serviu, também, no corpo térreo, de Museu Arqueológico Cenáculo até que no Inverno de 1881, por desabamento de grande parte das coberturas, que já não eram as primitivas, ficou em grave ruína. Pouco tempo volvido, com licença da Câmara, a Junta Distrital determinou aproveitar o edifício para Museu de produtos naturais e industriais do Distrito, formação incipiente de um Gabinete etnográfico que não pôde levar avante, mas originou o seu restauro e utilização para casa de espectáculos públicos, e a adaptação foi entregue aos estudos do eng. Adriano da Silva Monteiro que, dentro do critério e planos coevos, lhe introduziu modificações de tal forma substanciais que o descaracterizaram estruturalmente. 

Cumpre, todavia, esclarecer que esse projecto, conduzido conforme o gosto romântico da época, onde predominavam as armações de ferro fundido, grandes superfícies de vidraria num agigantado segundo andar sobrepujado por lanternim de cobertura piramidal e a escadaria de dois lanços, que eliminara outra muito mais antiga, de encosto ao lado sul do torreão, embora mascarassem o todo arquitectónico primitivo, não conduziu a uma destruição irreparável do esqueleto quinhentista do imóvel. Transformado então em Teatro Eborense nele se inauguraram as sessões cinematográficas e se realizaram algumas festas solenes e exposições de floricultura dedicadas aos reis D. Luís e D. Carlos, até que, na madrugada de 8 de Março de 1916 um incêndio de grandes proporções o destruiu parcialmente. Do valioso palácio, que ocupava vastíssima área coberta e descoberta, com vários corpos e pavilhões, chegou ao nosso tempo apenas, a galeria quinhentista designada das Damas, que a Direcção Geral dos Monumentos Nacionais restaurou ultimamente (1943-1947). Se o restauro merece louvores incondicionais, por ter salvo de ruína e do abandono confrangedor as históricas paredes, o critério adoptado para uma tentativa de reconstituição arqueológica parece ter falhado em muitos aspectos que alienaram, irremediavelmente, a possibilidade de uma reintegração pura dentro das formas usuais da arquitectura manuelina. 

O pavilhão, construído nos sentidos norte-sul, em plano rectangular, tem, actualmente as dimensões exteriores seguintes: comprimento total, 57,70 m largura, 11,70 m. Compõe-se de três partes distintas, a saber: Corpo principal, a sul, ornamentado pelas janelas manuelinas e terminado com o eirado voltado para a planície alentejana; parte central, incluindo a torre de andares e o pavilhão correspondente e, finalmente, a galeria do norte, muito modificada no séc. XIX mas que mantém, com a pureza original, a alpendurada da época manuelina. Este corpo, de vãos abertos, onde se recolhia a carruagem, compõe-se de quatro tramos de arcos plenos, de alvenaria, apoiados em duas naves de pilares de granito decorados por capitéis e ábacos encordoados, revestidos de toros, nós, discos e outros elementos manuelinos, sem excluir, evidentemente a flora da arte coetânea. Curiosa mísula granítica existe no arco exterior (lado nascente), de laçaria terminada por cabeças de bichos estilizados. A abóbada é de ogivas chanfradas, de alvenaria, com chaves de granito lavradas ao gosto da 1.ª vintena do quinhentismo, de temas naturalistas. 

Externamente, esta parte do edifício está reforçado por botaréus de andares ornamentados com bolas; o piso alto, de arcadas de quatro arcos abatidos, com colunelos de granito e ornamentos frustes e reproduzindo temas manuelinos são, na totalidade, modernos e acusam nítido desgaste da violenta acção do fogo de 1916. Muito mais interesse artístico possui o lado meridional, embora de menores proporções, de empenas guarnecidas, no piso nobre, com dez formosas janelas geminadas, de arcos ultrapassados em desenho de ferradura, de granito e colunelos de mármore regional finamente ornamentados nos capitéis, ábacos e bases, por motivos comuns ao manuelino: cordame, bolas e nós, vieiras, uvas e parras e outros elementos florais. Os capitéis, de planta quadrangular e as bases de secção poligonal, acusam a nítida influência árabe então dominante na cidade, a que não estão alheios os mestres arquitectos coevos: Diogo de Arruda, Martin Lourenço, Duarte de Medina, Álvaro Anes, etc. Lateralmente, as janelas são guarnecidas por altos mastros ou toros circulares, interrompidos com ornamentos naturalistas e geométricos, habituais na decoração mudejar-manuelina desse tempo. No corpo do rés-do-chão rasgam-se, igualmente, dez janelas de profundos vãos, em arcos abatidos e chanfrados, de granito aparelhado, em cujas jambas e dintéis subsistem vestígios mutilados de decoração relevada. Esta dependência do palácio, depósito de guerra, originalmente composta de cinco tramos e duas naves e hoje somente com três tramos, porque a obra de restauro lhe alienou dois da entrada, conserva as coberturas e seus pilares de secção octogonal, com capitéis cilíndricos, emoldurados e bases quadradas, com ornamentos de vieiras estilizadas. O salão, construído no tipo severo e utilitário das obras da época final do remado de D. Manuel, com abóbada de arcos abatidos e redondos, tem robustas nervuras de aresta viva, desornadas de bocetes terminais. 

O torreão axial, voltado ao Nascente, é a parte mais nobre e melhor equilibrada de todo o edifício. De planta rectangular, em dois andares e rés-do-chão, este apoia-se em robustíssimas albarradas de granito aparelhado, sendo uma nova e substituindo o pano de muralha quatrocentista que, até meados do século passado, ligava o palácio à fortificação medieval. A cobertura, de secção hexagonal, muito agulhada, possui veios de aresta viva terminados em volutas de enrolamento e pináculo circular de cata-vento de ferro forjado, com a Cruz de Cristo, modernos. Nos ângulos faciais do beirado, subsistem duas curiosas gárgulas de calcário branco, em representação zoomórfica. O interior da torre, nos três pisos, embora melhorados, conserva a estrutura primitiva. O rés do chão, com dois portados de arcos de ferradura, agora obstruídos e feitos pelo eng. Adriano Monteiro depois de 1881, tem abóbada nervada, de simples chanfradura com chave de granito, em pinha de andares, manuelina e, na face exterior, a oriente, uma bela janela de peito, proveniente da demolida Sala da Rainha, do mesmo Paço de S. Francisco. Esculturada em mármore branco, da região, tem meias colunas nas jambas, base lavrada ao gosto clássico, de motivos naturalistas e dintel de cordão e óvulos estilizados afrontados por medalhão de figura masculina tratada à maneira romana. O primeiro andar, ostenta três elegantes arcadas geminadas, de volta inteira, apoiadas em colunas de mármore branco, com capitéis de andares, alguns revestidos de discos manuelinos, de molduras poligonais e bases entrançadas, circulares ou octogonais. Cobertura de aresta, vulgar. 

O arco de comunicação ao corpo nobre, é de carena, de toros ornamentados por cordas e nós, donde rompem, no tímpano, duas esferas armilares, terminais, de granito, e o armorial da Casa Real Portuguesa, de calcário, com as empresas manuelinas e a Cruz de Cristo, em composição triangular rematada por urna piriforme prenunciando as formas renascentistas. Portado interno, simples, de vergas e jambas de granito chanfrado, com elementos flordelizados. O último andar, que parece obra ligeiramente posterior ao projecto primitivo da Galeria das Damas, já da época de D. João III e que se atinge subindo estreita escada helicoidal, desenhado na fachada poente e muito beneficiado nos restauros de 1881 e 1943, tem cobertura octogonal assente em trompas, de alvenaria e discreta chaminé que arranjos práticos haviam destinado a uso do caserneiro, quando o edifício foi adaptado a Trem Militar. Três formosas janelas de peito, rectangulares, dos alvores do 2.° terço do séc. XVI, guarnecem as fachadas: são todas apilastradas, com frontões de vieiras e interessantes leques, abertos, ricamente esculturados, fachos laterais, vegetalistas e remates de umas e o serpe manuelino. Nos dintéis, rosetões de flores e os aventais, em baixo-relevo, são revestidos de formas renascentistas e platerescas com grandes S curvilíneos, entrelaçados, recobertos de vestígios marinhos e exóticos. Esta ornamentação, bem rara e estranha na arquitectura portuguesa coetânea, evoca a arte decorativa da vizinha Espanha, principalmente da região de Salamanca, de que não deve estar afastada estilisticamente. 

O pavilhão central correspondente ao mesmo andar, é obra moderna, coberto por telhado de quatro águas iluminado de igual número de frestas e de tecto apainelado, em estuque branco, ao gosto setecentista. O corpo nobre, cujo acesso se faz através de cómoda escadaria cocleada, de mármore branco totalmente construída nas grandes obras do Estado entre 1943-47, compõe-se de três salas ligadas e divididas somente por pequeno vestíbulo de triplas arcadas de arcos de ferradura apoiados em colunas de granito com ornamentação manuelina, que nascem de altos pedestais da mesma pedra. As coberturas, inspiradas em tectos de alfarge, árabes (o do lado Sul) e na antiga carpintaria artística portuguesa, de esteiras e caixotões geométricos, policromos são, do mesmo modo, obra moderna mas executada dentro de modelação inteligente e apropriada ao lugar. Finalmente, a galilé meridional, que tanto encanto concede ao velho paço quinhentista e outrora caía sobre o fosso militar, é utilizada como eirado através de duas elegantes portas maineladas, em materiais e desenho idêntico às janelas de todo o pavilhão contíguo. É composto, o alpendre, de cinco arcos ultrapassados e denticulados, de ferradura e tijolo vermelho, abraçados por toros circulares, lisos, de granito e por cordão contínuo que envolve toda a arcada e as respectivas mísulas. Pilares graníticos, chanfrados, quadrangulares e os angulares de secção poligonal, suportam o balcão, que é ornamentado com cruzes de Cristo encerradas em tabelas quadrilobadas, de trabalho recente, devido à reconstrução do eng. Adriano Monteiro, de 1885. 

BIBL. Pe. Francisco da Fonseca, Évora Gloriosa, Roma, 1728, pág. 348; Dr. Augusto Filipe Simões, Archivo Pitoresco, Lisboa, 1868; Túlio Espanca, Palácios Reais de Évora, Cadernos de História e Arte Eborense, III, 1946; Henrique da Fonseca Chaves, As obras do Palácio de D. Manuel, in A Cidade de Évora, 17-18, 1949, págs. 317-327; Boletim da Direcção dos Edifícios e Monumentos Nacionais, Palácio de D. Manuel, Março de 1955 - n.° 79.