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sábado, 25 de janeiro de 2020

O caso do Chico Engeitado


No primeiro dia de Outubro de 1959 Évora foi surpreendida com a notícia de que o Grupo Cénico da velha Sociedade Dramática e Recreativa Eborense (Antiga Mocidade) havia ganho o Concurso de Arte Dramática Popular, organizado pelo SNI (Secretariado Nacional de Informação), órgão de propaganda do regime salazarista. 

A estranheza pela escolha prendia-se quer com o facto de a sociedade não ser conotada, nem de perto, nem de longe, com o Estado Novo, quer com a temática da obra apresentada ser pouco cara às gentes abastadas e dominantes da região, apoiantes da situação. Da autoria de um modesto funcionário público, Alexandre Rosado de seu nome, a peça, inscrita na classe B (comédia e farsa), tinha como título “O Caso do Chico Engeitado” (sic) e contava de forma viva e animada o quotidiano de uma pequena aldeia alentejana em que um dos personagens sofria do referido estigma social. Ajudará a compreender melhor a situação se a situarmos no seu devido contexto. 

Ora bem, o SNI tinha sido criado em 1944, para substituir a SPN (Sociedade de Propaganda Nacional), lançada em 1933 como órgão público responsável pela propaganda política, informação pública e comunicação social. Fora o intelectual de direita, simpatizante do fascismo e dos regimes autoritários, para além de jornalista brilhante, António Ferro, quem sugerira a Oliveira Salazar a existência de um organismo encarregado de propagandear os feitos do regime. A derrota, já então previsível, dos fascismos europeus levou o governo português a proceder a uma reorganização quase imediata do recém - criado SNI, que viu a sua área de acção ser alargada com a integração do turismo e da Inspecção dos Espectáculos nos seus serviços e, ao mesmo tempo, ser-lhe cometida a tarefa de aproximação cultural à sociedade, ou, por outras palavras, de definir a actividade cultural das entidades particulares de fins recreativos. 

O contacto far-se-ia através da Federação Portuguesa das Colectividade de Cultura de Recreio (FPCCR), fundada em 1925, pouco antes do golpe do 28 de Maio, que levaria à Ditadura Militar. Uma das primeiras iniciativas governamentais de natureza cultural foi a organização de um concurso de Arte Dramática para as sociedades federadas dos distritos de Lisboa e de Setúbal. O propósito era o de estimular a renovação do teatro amador, contribuindo para o desabrochar de novos talentos, e deixar ficar patente a ideia do quanto a chamada arte de palco era importante para a educação do povo. Todavia, a FPCCR falhou na sua missão de concitar a adesão associativa ao projecto. Daí que, em 1949, António Ferro, já perto do seu adeus ao SNI, decida reformular a política cultural e recreativa e elaborar um novo plano de acção que despertasse verdadeiramente as sociedades para uma colaboração mais activa com os ditos interesses nacionais, propondo «a partilha simbólica de uma identidade comum». 

A criação do estatuto de utilidade pública, com todo um imenso cortejo de benefícios fiscais e alguns incentivos financeiros, foi um dos instrumentos postos em prática no âmbito da tentativa de consecução dos objectivos propostos. No concernente ao teatro o SNI decidiu estender o Concurso de Arte Dramática a todas as colectividades do género no país, dividindo o certame em duas categorias: a A, aberta ao género dramático e à tragédia; e a B, relativa à comédia e à farsa. As peças a concurso seriam apresentadas em Lisboa, a fim de se proceder à escolha das que participariam na fase final, a realizar no emblemático Teatro da Trindade. Mas logo na 2ª edição, em 1951, o Concurso esteve à beira da extinção, dado que o SNI, numa atitude de reforço à fiscalização da censura, decidiu proibir a apresentação de algumas peças, o que levou ao adiamento do certame para o ano seguinte. Também a Dramática Eborense se veio a queixar de cortes nos textos, o que lhes retirava o sabor da originalidade, obrigando por vezes à substituição por outros, dada a impossibilidade da sua reformulação. 

A vigilância cerrada do regime salazarista às sociedades culturais e recreativas adensou-se nos anos seguintes, culminando em 1957 com o encerramento de três delas. No rol foi incluída a Sociedade Fraternidade Simão da Veiga, com sede em Lavre, distrito de Évora, tendo os seus bens transitado para a respectiva Casa do Povo. Apesar de tudo, a Antiga Mocidade nunca deixou de se apresentar a concurso, ainda que com peças aparentemente pouco ambiciosas e de autores menos conhecidos. Em 1959 resolveu a sua direcção apostar num texto ligeiro, intitulado “O Caso do Chico Engeitado”, da autoria do entusiasta e estudioso local pelo teatro Alexandre Rosado. A este simples amanuense do Registo Civil, já com 71 anos, coube também a encenação. 

O certo é que a peça provocou surpresa em Lisboa e foi seleccionada para a fase final, a decorrer entre 20 e 30 de Setembro. As rasgadas loas dos críticos teatrais lisboetas deixaram desde logo antever um bom resultado. No “Diário de Lisboa”, onde moravam os melhores analistas do sector, escrevia-se a 24 : «Com “O Caso do Chico Enjeitado” (escrito aqui correctamente), de Alexandre Rosado, o teatro português criou o correspondente nacional da “Our Town” de Thornton Wilder ». (N. do red.: esta peça do referido dramaturgo norte-americano, que ganhou o Prémio Pullitzer do Drama em 1938, retratava o carácter dos cidadãos de uma comunidade do séc. XX através das suas vidas diárias.) (...) «Utilizando processos por vezes similares, com o pequeno senão do gosto malabarístico, de brincar com as coisas do teatro e não condensar a peça para esta encontrar a sua justa medida, Alexandre Rosado não soube apenas inventar um dos casos mais sérios do nosso teatro, soube ainda reunir o eficiente escol de amadores que constitui o Grupo Cénico da Dramática Eborense». 

Ao contrário do habitual, a decisão foi extremamente rápida. Um dia após o encerramento do concurso, a Emissora Nacional e os vespertinos da capital anunciavam a vitória do grupo de Évora na classe B com “O Caso do Chico Enjeitado” (localmente continuava a prevalecer a grafia com g), a que correspondia o prémio Joaquim de Almeida, no valor de 10.000$00, enquanto Alexandre Rosado arrebatava o prémio de encenação Carlos Santos, que era valorado em 5.000$00. Os intérpretes Luíza Moleiro, Jorge Pimentão e José Madeira da Rocha recebiam menções honrosas. Ao espanto na cidade pela obtenção do galardão máximo sucedeu-se a indiferença das gentes oficiais. 

Coube à imprensa local, com destaque para o “Jornal de Évora”, reagir contra tal «falta de interesse» e pressioná-las no sentido de patrocinarem a realização de uma festa de homenagem ao grupo e à colectividade. A vontade escassa e a realização próxima das festividades do IV Centenário da Universidade de Évora serviram de pretexto a dois adiamentos da consagração citadina. Finalmente, a 5 de Novembro, no Teatro Garcia de Rezende, perante uma «assistência escolhida», como salientou o diário “Democracia do Sul”, teve lugar uma sessão solene alusiva ao acontecimento. Falaram o Governador Civil, José Félix de Mira, o presidente da Câmara, João Luís Vieira da Silva, o prelado doméstico José Filipe Mendeiros e o comandante da PSP local. Elogios de circunstância, promessas poucas e vagas de auxílio e pouco mais. Feita a festa, fez-se o possível e conseguiu-se que a façanha dos amadores da Dramática caísse no esquecimento. Dos enjeitados (rejeitados pelos pais) se pretendia que não rezasse a história. Meio século depois a «Évora Mosaico» decidiu recuperá-la, para que ela permaneça na memória citadina.


ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

terça-feira, 20 de agosto de 2013

O mural desaparecido



Estava-se em pleno PREC (Processo Revolucionário em Curso). No Alentejo, a Reforma Agrária era um autêntico braseiro político e social, pois os proprietários de um milhão e duzentos e mil hectares tinham sido compulsivamente afastados das suas terras e substituídos pelas Unidades Colectivas de Produção, constituídas por grupos de trabalhadores organizados que as haviam ocupado com a conivência do MFA (Movimento das Forças Armadas) e o apoio do Partido Comunista Português. A tensão entre lavradores e antigos assalariados atingira o rubro, ameaçando transformar a região num enorme campo de batalha em que o sangue correria a rodos, visto que, se de um lado as forças militares e para militares possuíam armas legais, os latifundiários e rendeiros também as tinham, ainda que obtidas de forma clandestina. O confronto por diversas vezes esteve iminente, tal era o ódio entre ambas as partes em litígio. Nessa altura Évora era vista como a capital da Reforma Agrária. 

Os movimentos ditos progressistas e os intelectuais apoiavam calorosamente a mudança ocorrida nos campos alentejanos, emprestavam-lhe toda a sua solidariedade e criatividade e reforçavam as consignas emanadas do poder revolucionário. Foi assim que durante o chamado Verão Quente, mais concretamente nos dias 5 (sábado) e 6 de Julho (domingo), a instâncias da Comissão Dinamizadora Central do MFA, uma brigada de artistas plásticos deslocou-se à cidade para criar, num muro com 40 metros de comprimento, uma grande composição pictórica que celebrasse os momentos históricos de rutura com o antigo regime, nomeadamente a conquista da Reforma Agrária. 

O local escolhido havia sido uma extensa parede, adstrita ao Palácio de Cadaval e situada junto à Porta do Moinho de Vento, à entrada do Largo dos Colegiais. Durante aqueles dias trabalharam, num ritmo frenético e pluralidade de estilos, os pintores e desenhadores Vespeira, Gracinda Candeias, Rogério de Amaral, Rodrigo de Freitas, Sá Nogueira, Júlio Pereira, Sérgio Pombeiro, Teresa Magalhães, Henrique Manuel, David Evans, João Moniz Pereira, Silvia Chicó e Henrique Ruivo. 

A obra consagrava de fato maioritariamente a Reforma Agrária, quer através das imagens como por meio da inserção da máxima socialista “A terra a quem a trabalha”, mas referia também de forma mais breve e por vezes metafórica a chegada da liberdade ao Alentejo, as nacionalizações, a aliança Povo-MFA e o nascimento da Guiné-Bissau. Depois, com a realização das primeiras eleições e a instauração da democracia parlamentar e o consequente afastamento do PCP, a que sucedeu o paulatino regresso aos quartéis dos militares, a Reforma Agrária foi-se esboroando progressivamente. 

Em 1979 começa a devolução das terras que haviam sido nacionalizadas aos antigos proprietários. Os ocupantes resistirão, mas a GNR virá a ter um papel determinante na imposição das decisões governamentais. Será Cavaco Silva que, em 1995, com a publicação da Lei de Bases do Desenvolvimento Rural, vibrará o golpe de misericórdia na Reforma Agrária ao decidir-se pela privatização das terras. 

Na parede junto ao Palácio de Cadaval, o painel continuou indiferente aos ventos da história mas exposto à fúria dos elementos, que foram contribuindo para a sua acelerada deterioração, que já praticamente o tornava pouco menos que impercetível. Em 2004, aquando dos festejos do 30º. Aniversário do 25 de Abril, a Câmara Municipal tentou recuperá-lo, mas os peritos consultados para o efeito foram de opinião que o seu restauro era impossível, dada a degradação do reboco do muro. 

Em face disto, a edilidade optou por mandar executar uma placa interpretativa do mural que reproduzia a pintura como ela era em 1975, de acordo com a fotografia acima inserta e única que abrangia a totalidade da obra, e na qual figuravam os nomes dos artistas que haviam participado na sua feitura. Logo nos tempos imediatos desconhecidos roubaram a placa identificativa. 

Hoje, da existência do mural apenas restam alguns vestígios praticamente indecifráveis, com o muro carcomido pela usura do tempo e pelas ervas e líquenes que o encobrem. E foi pena que não lhe tivessem acudido a tempo. Independentemente das convicções políticas e ideológicas de cada um, o mural era valioso do ponto de vista artístico e cultural e marcava o testemunho de uma época marcante na história da cidade.

Autor: José Frota
Évora Mosaico

segunda-feira, 11 de março de 2013

Os casamentos de S. Pedro




Saberão acaso os eborenses que na cidade já se realizaram “Casamentos de São Pedro”, à imagem e semelhança dos que têm lugar em Lisboa pelo Santo António e dos que também já se fizeram no Porto pelo S. João? Pois é verdade, aconteceram por uma só vez, mas aconteceram no já longínquo ano de 1972, integrados, como não podia deixar de ser, na tradicional Feira da urbe alentejana. Não tiveram seguimento porque o ambiente político se toldou bastante no ano imediato e depois ocorreu a Revolução de Abril, tempo a partir do qual tudo o que eram manifestações de cultura ou festas populares, desde que não enquadráveis no novo paradigma, passaram a ser tomadas como sinónimo de reaccionarismo.

A iniciativa partiu de três senhoras (Maria Emília Rebocho, Laurinda Fernandes e Custódia Mata), que faziam parte da Comissão de Festas e pretendiam acrecentar alguma coisa de inédito na programação da Feira de S. João desse ano, para além do já prestigiado Cortejo Internacional de Trajo, que a 2 de Julho encerrava o certame e trazia à cidade milhares e milhares de visitantes. Tendo obtido luz verde da Câmara para o início das respectivas diligências, as referidas senhoras entraram em contacto com a administração do “Diário Popular”,o diário vespertino de maior tiragem no país e organizador dos casamentos de S. António, em Lisboa, e de S. João, no Porto, solicitando igual apoio e patrocínio para os matrimónios que desejavam levar a cabo em Évora.

A abordagem efectuada ao jornal lisboeta foi coroada de êxito. Como o tempo urgia, pediu-se total empenhamento e dedicação à Comissão de Festas. Rapidamente se anunciou a abertura da inscrição «a todos os interessados, que não dispondo de grandes recursos financeiros, tinham já planos matrimoniais para o futuro próximo». Acudiram à participação dez pares casadoiros, sendo que um deles posteriormente se viu obrigado a desistir por motivos pessoais. Na sua maioria, as moças eram domésticas e os mancebos tinham profissões operárias.

A raridade da situação agitou Évora, nomeadamente o sector feminino, e o então ainda pujante comércio local, que se desmultiplicou em ofertas para os nubentes. Os sapatos para as noivas saíram das sapatarias Guerreiros, ao passo que os dos homens foram uma dádiva do representante em Évora da marca Campeão Português. As camisas masculinas foram uma prenda das Confecções Melka. E houve ainda prendas de vários outros comerciantes, principalmente de electrodomésticos, que muito ajudaram casais em princípio de vida. Muitas destas e outras valiosas prendas estiveram em exposição, durante dias, numa loja da cidade.

Antes do início da cerimónia, as noivas, depois de se vestirem na Casa da Sagrada Família, situada no Largo Dr. Alves Branco (hoje Residência Episcopal). deixaram- se fotografar no terraço do edifício. Dali saíram em cortejo automóvel - todos de marca Ford e cedidos para a ocasião pela firma Aniceto & Espanhol – para o largo Conde Vila Flor, onde, tendo o Templo Romano por fundo, voltaram a posar para a posteridade. Foi então altura do cortejo rumar à Igreja de S. Francisco, com um carro da PSP a abrir caminho, dada a aglomeração de pessoas espalhadas pelas diversas artérias da cidade. Junto da Igreja, a multidão de curiosos apinhava-se numa densa mole humana. No interior do templo, pomposamente engalanado, não cabia um alfinete. Noivos, padrinhos, alguns familiares, convidados e as principais individualidades do distrito (Governador Civil, Presidente e Vice-Presidente do Município, representante do Comandante da Região Militar, Presidente da Junta Distrital e outros), acompanhados das respectivas esposas, assim como um administrador do “Diário Popular”, igualmente acompanhado da sua consorte, enchiam literalmente o velho espaço seiscentista.



À cerimónia litúrgica presidiu o Arcebispo de Évora, D. David de Sousa, coadjuvado pelo chantre Jerónimo Alcântara Guerreiro e pelo arcediago João Luís Guerreiro. Os cânticos solenes foram acompanhados por um conjunto instrumental de género “pop” da mesma instituição – caso sem precedentes nas cerimónias religiosas da cidade. Terminada a cerimónia, só a muito custo noivos e convidados conseguiram romper a mole humana que circundava a Igreja e dirigir-se para os automóveis que os conduziriam às piscinas municipais, onde a Câmara iria oferecer o copo d’água. O desfile nupcial passou pela Praça do Giraldo, Rua Cândido dos Reis, estrada de Arraiolos, estrada de S.Bento de Castris e parque Arantes de Oliveira – tudo em linha recta porque os tempo eram outros e o trânsito automóvel relativamente diminuto – entrando no belo salão decorado com hortenses azuis, rosas e cor de salmão. No decurso do ágape, o vice-presidente do município, José Luís Cabral, veio a acentuar: «Graças à iniciativa, entusiasmo e ao esforço desenvolvidos por uma comissão de senhoras da nossa cidade, as nossas festas chegaram a um nível nunca antes atingido.

Os Casamentos de S. Pedro são afinal a festa que faltava em Évora. E bem se viu como o povo, toda a cidade, a eles aderiu. Bem se viu como os industriais, comerciantes e  autoridades para eles contribuíram». Também Lopes da Rocha, o administrador do “Diário Popular”, usou da palavra para se congratular com «a decisão de patrocinar o acontecimento pois os Casamentos de S.Pedro atingiram de facto um brilho invulgar, perfeitamente na linha dos que o jornal organiza em Lisboa e no Porto», acabando por oferecer a cada casal uma prenda pecuniária.

Ao “Diário Popular” coube, como é natural, a reportagem em exclusivo do evento. Para o efeito fez deslocar a Évora Ângelo Granja, o seu mais talentoso repórter (homem ligado ao Partido Comunista e que chegaria mais tarde à chefia da redacção) e dois repórteres fotográficos. Durante os dois dias (véspera e dia dos casamentos) em que permaneceram em Évora, cada um, à vez, deslocou-se a Lisboa de táxi aéreo, para fazer a entrega das películas, enquanto na cidade o Banco do Alentejo pôs o seu telex à disposição para envio dos textos.

Há 37 anos os casamentos de S. Pedro constituíram um acontecimento diferente  no dia do padroeiro da cidade. Um dos noivos declarou à reportagem do “Popular”: «Tudo isto é maravilhoso e oxalá se repita para beneficiar outros jovens entre nós». Os rumos da História e a vontade dos homens não o vieram a permitir.

Texto e Fotos: José Frota

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Os Duques de Cadaval



A família dos Duques de Cadaval, título criado no século XVII, constitue uma ramificação da Casa Real de Bragança. A actual duquesa de Cadaval é Dona Diana Álvares Pereira de Melo, também Princesa de Orleans e Duquesa de Anjou.

O Ducado de Cadaval foi criado pelo rei Dom João IV no dia 26 de Abril de 1648, dia do nascimento do infante Dom Pedro, futuro Dom Pedro II, rei de Portugal. O título foi criado a favor de Dom Nuno Álvares Pereira de Melo (1638-1727), filho de Dom Francisco de Melo, um dos sustentáculos da Restauração da Independência de 1640, de quem herdaria os títulos de Conde de Tentúgal e Marquês de Ferreira.

A fusão destas Casas tornou Dom Nuno o mais poderoso nobre do reino, para o que muito contribuiu a luta desta família pela causa da Independência, tanto durante a crise de sucessão de 1580, como na Restauração da Independência em 1640.

Entre os privilégios da Casa de Cadaval, contava-se a autoridade senhorial de poder nomear ou confirmar as vereações municipais, podendo nomear os ouvidores, escrivães, inquiridores, contadores e outros cargos nas terras sob sua jurisdição.

Até ao momento, o Ducado de Cadaval teve 11 titulares, sendo a actual duquesa de Cadaval, Dona Diana Álvares Pereira de Melo, 11º Duquesa de Cadaval, título confirmado por Dom Duarte Pio, duque de Bragança e chefe da Casa Real de Portugal.

No 21 de Junho de 2008, Dona Diana Álvares Pereira de Melo, 11º Duquesa de Cadaval, contraiu matrimónio com Sua Alteza Real o Príncipe Charles-Phillipe de Orléans e Duque de Anjou.

Diana de Cadaval e o Príncipe Charles-Philippe d’Orléans contraíram matrimónio ontem, dia 21 de Junho de 2008, em cerimónia religiosa realizada na Sé Catedral de Évora e presidida pelo Arcebispo Emérito de Évora, D. Maurílio Jorge Quintal de Gouveia.

D. Duarte Pio de Bragança, seu padrinho de baptismo, entrou na igreja com Diana do Cadaval. O pai da Duquesa, D. Jaime Álvares Pereira de Melo, 10º Duque de Cadaval, faleceu em 2001. A Duquesa do Cadaval elegeu um vestido de Carolina Herrera e usou um diadema com mais de um século - uma peça de alta joalharia em diamantes e pérolas, montada sobre ouro branco. O Duque d’Anjou usou um fraque criado pela casa Christian Dior.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

A origem do Presépio

O fim de Dezembro é desde eras remotas, e para muitos povos e culturas, época de celebrações religiosas, quase todas associadas ao Solstício de Inverno e ao nascimento de um Deus Sol, renovador e salvador. Druidas, persas, egípcios, gregos e fenícios celebravam, também a 25 de Dezembro, tal como o fazem ainda hoje os hindus, o nascimento de um ser divino, criador e eterno, sinónimo de luz e esperança.
A Igreja de Roma sacraliza depois essa data, já há muito assinalada por gentes pagãs, e o dia do nascimento de Jesus adquire uma importância ímpar, desde os primórdios da história cristã, sendo canonicamente instituído como festivo no século IV, pelo Papa Júlio I.
Mas, se a nascença de um Menino-Rei de uma Virgem não é exclusiva dos cristãos, a representação da Natividade de Jesus adquire, ao longo dos tempos e por toda a geografia cristã, contornos únicos.
E de entre as várias manifestações e símbolos do espírito do Natal uma delas sobressai, como sendo talvez a mais universal, popular e significativa: o presépio.
Palavra de origem latina, que significa “local onde se recolhe o gado”, o presépio é uma representação de cariz espiritual da cena do nascimento de Jesus, que assume contornos poéticos e bucólicos, em que não faltam animais de estábulo, pastores, anjos e reis magos.
Atribui-se a S. Francisco de Assis, no século XIII, a ideia de encenar o nascimento de Jesus, tal qual este se deu numa gruta em Belém. Existem registos de que o terá então feito, em 1223, numa gruta da cidade italiana de Greccio, para a qual, se diz, levou uma vaca e um burro e onde mandou instalar uma manjedoura, cheia de feno, para festejar a vinda do Filho de Deus à terra com as mesmas condições que rodearam o seu nascimento: pobreza, simplicidade, humildade, encanto e fraternidade de Deus com os homens. A sua intenção era dar um sentido de actualidade à Natividade e reviver a Eucaristia, trazer de novo o Evangelho para o espaço natural de vida dos homens. O presépio de S. Francisco não tinha, por isso, figuras, Jesus era representado pela hóstia.
Depois desta pioneira representação da descida de Deus à humanidade, outros presépios, já com figuras, começam a surgir. A tendência começa noutros conventos franciscanos em Itália, a que se seguem igrejas e casas particulares, das mais nobres às mais humildes, e estende-se depois a toda a Europa.
Em Portugal, o culto do presépio terá surgido ainda no fim do século XV, sendo do início do século XVI os primeiros documentos que o referenciam. O grande desenvolvimento desta tradição, porém, dá-se sobretudo com as contratações de artistas para a construção de presépios pelos reis D. João II, D. Manuel I, D. João III e, mais tarde, D. João V, o que terá contribuído largamente para a sua generalização no país. Surgem presépios muito famosos como o da Basílica da Estrela e de S. Vicente, em Lisboa, da autoria do escultor Machado de Castro, o do Convento de Mafra, o dos Marqueses de Borba e vários presépios eborenses, entre os quais os dos Conventos do Paraíso, de Santa Clara e de S. Bento de Cástris.
O presépio entranha-se assim definitivamente na cultura portuguesa, entre os séculos XVII e XVIII, e vários são os barristas e escultores famosos que, desde então, e até ao século XX, alimentam a procura de figuras para a encenação da Natividade, quer em conventos, quer em casas particulares. Oriundos de olarias e escolas de Alcobaça, Barcelos, Coimbra, Évora, Estremoz, Lisboa, Mafra e Tomar, entre os principais nomes responsáveis pelas figuras características do presépio popular português encontram-se Francisco de Holanda (residente em Évora), José de Almeida, Joaquim Machado de Castro, Francisco Xavier (eborense) e António Ferreira.
Em Évora, cidade que, como afirma João Rosa, em “Presépios de Évora”, sempre foi “ao longo da sua história, um grande centro de cultura estética e de desenvolvimento de todas as artes (...)”, os presépios “tesouros disseminados por igrejas, mosteiros, capelas, oratórios, dão-lhe o nome de relicário de arte, paraíso de arqueólogos e de aguarelistas” .
Nessa mesma obra, este autor refere o que considera serem os principais presépios do distrito de Évora, começando pelo do Convento de São Paulo, na Serra D’Ossa, no concelho de Redondo; e pelo do Convento de Capuchos, edificado em 1544, nos Passos de Valverde, junto à Serra do Monfurado e ao Castelo de Geraldo, e depois aproveitado pela escola agrícola, onde diz terem existido figuras de barro em tamanho natural, anteriores às influências da primeira metade do século XVIII, dos escultores Alessandro Giusti, italiano, e Machado de Castro, português, natural de Coimbra.
Prossegue mencionando o antigo Convento do Paraíso (antes erguido onde é hoje o Jardim do Paraíso, em Évora), como um verdadeiro “alfobre de arte sacra” e deixando as seguintes referências ao seu presépio: “(...) era o enlêvo de Évora, e arrumava-se no claustro em todas as vésperas de Natal. As figuras são todas de barro, maiores que humanas, mas expressivas (...) tanto parecem estar vivas e respirando como qualquer criatura de Nos’Senhor” . João Rosa lembra ainda como ficou célebre o Menino Jesus do Paraíso, que “apareceu em fôfo leito dourado”, no presépio do Natal de 1826 , e o tríptico de marfim gótico que representa a Vida da Virgem, o Nascimento do Menino e a Adoração.
Seguem-se alusões aos presépios, também em Évora, do Convento do Salvador “(...) em peça inteira, primoroso espécime em torrão, atribuído ao grande mestre Machado de Castro”; o de São Bento de Castris, “possivelmente o maior de Évora”, e que diz ser armado na Sala do Capítulo e incluir figuras de barristas de Estremoz; e o do Convento do Calvário.
João Rosa aponta ainda o presépio do escritor Cunha Rivara, que além de figuras de Estremoz do século XVIII, teria em marfim, e adquiridas na Índia, as três imagens principais, S. José, a Virgem e o Menino, o qual aparecia a chuchar no dedo, numa cama de prata, com um travesseiro ornamentado com pedras preciosas.
E, finalmente, os últimos presépios artísticos em destaque nesta obra são: o da Capela Mor da Sé de Évora, da autoria de João António Pádua, cujas imagens vieram do extinto Convento das Maltesas, em Estremoz; e o do Museu da Misericórdia de Estremoz, antes pertencente ao Recolhimento das Servas, em Borba, considerado dos maiores e melhores em barro do Alentejo.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Arquivo Municipal de Évora

A Câmara Municipal possui os seguintes arquivos: o Arquivo Histórico (depositado no Arquivo Distrital de Évora, desde 1917), o Arquivo Intermédio (que já possui documentação histórica em virtude do Arquivo Distrital não suportar mais incorporações no espaço disponível para Arquivo da Câmara), o Arquivo Fotográfico e o Arquivo de Obras Particulares, todos localizados em diferentes edifícios.

A criação do Arquivo Intermédio da Câmara Municipal de Évora resultou da recolha, catalogação e arquivo do acervo documental decorrente da actividade desenvolvida, pela Câmara Municipal de Évora. Toda a documentação criada por esta entidade pública, indispensável ao desenvolvimento normal dos serviços que presta à população e à cidade, tem que ser organizada em função de uma lógica que articule os conceitos de administração e história, na qual se fundamenta a criação dos Arquivos Públicos, viabilizando, em paralelo, a sua consulta pelos interessados.

Respeitando o princípio do “respect des fonds”, por forma a preservar a identidade inerente aos documentos de cada fundo, ultrapassou-se o sentido de colecção para, em alternativa, valorizar o da constituição de um fundo em que fossem tidas em conta a origem do documento e a sua representatividade contextual intrínseca.

Depois da recolha inicial e do tratamento do material em causa, esgotada que foi a sua utilização específica, e porque os documentos guardam entre si uma relação orgânica que deve ser respeitada, tentou então dar-se a este arquivo, um tratamento arquivístico adequado, identificando, organizando e indexando a documentação aqui existente. Transformando-se, assim, uma enorme massa documental dispersa num fundo documental uniforme, com o objectivo de tornar mais fácil o acesso à informação e mais rápida a consulta, não esquecendo, porém, a segurança, conservação das espécies e sua localização. Após esta fase de tratamento documental, verificou-se terem sido analisadas 23 794 caixas e 2751 livros, distribuídos por 4 salas de depósito, os quais ocupam cerca de 3 000 metros lineares de prateleira.

Com o objectivo de salvaguardar e difundir a sua documentação, a Câmara Municipal de Évora procedeu à remodelação das instalações deste Arquivo Municipal, oferecendo condições adequadas para a consulta de investigadores e dos serviços autárquicos, e à criação de um espaço expositivo. Estas novas instalações foram inauguradas no dia 14 de Novembro de 2008, apresentando-se, em simultâneo, uma exposição subordinada ao tema “O Abastecimento de Água a Évora”.

O Arquivo, cuja entrada principal é pela Rua de D. Isabel, possui um catálogo on-line na intranet da Câmara e um serviço de digitalização, fotocópias e microfilmagem.

Visite este serviço e fique a conhecer um património que é de todos e para todos.

segunda-feira, 8 de agosto de 2011

O abastecimento de água na cidade de Évora, do passado à actualidade

O abastecimento de água na cidade de Évora, desde a sua origem até aos nossos dias, é um tema bastante interessante, devido à sua complexidade e à existência de um riquíssimo património hidráulico, que tem sido preservado e revitalizado.
Na Antiguidade, o abastecimento de água incluía a sua captação em cisternas, nascentes e poços, e a sua posterior condução para chafarizes, fontes, tanques e termas da cidade – podendo estas últimas ser hoje visitadas no edifício dos Paços do Concelho.
Apesar de não haver provas científicas consistentes, considera-se a possibilidade do Aqueduto da Água da Prata, do período renascentista, ter sido construído no trajecto de um outro mais antigo, que terá sido edificado no período da cidade romana, então denominada Ebora Liberalitas Iulia.
Chegados à Idade Média, o crescimento da cidade e o possível desmoronamento, e desactivação, do hipotético aqueduto romano dificultaram o abastecimento de água, que se baseava ainda em captar água em cisternas, nascentes e poços, para alimentar os chafarizes e os banhos públicos. Para além disso, também as ribeiras eram usadas para satisfazer necessidades domésticas e industriais.
Com a construção do Aqueduto da Água da Prata, que era urgente, e que ocorreu já na Idade Moderna, na primeira metade do século XVI, a nova água passou a ser fornecida em fontes próprias, tal como em chafarizes, tanques públicos e particulares, existindo fiscalização por parte dos Vereadores, do Juiz e do Provedor do Cano.
Mais tarde, no século XIX, o aqueduto corria riscos de ruína e faz-se então uma grande obra para a sua reconstrução. Com as novas técnicas da época foi possível construir alguns novos troços do aqueduto, mais eficazes.
Durante o século XX, dá-se a remodelação e a ampliação das captações do aqueduto, surgindo a Central Elevatória de Águas (CEA). Esta, localizada no centro histórico da cidade, presentemente é uma unidade museológica que testemunha a grande inovação tecnológica que permitiu o sistema de distribuição de água ao domicílio. Com a sua sede na Rua do Menino Jesus, a unidade museológica está patente ao público em permanência.
Após a construção da CEA, e ao longo do tempo, criaram-se soluções para aumentar o caudal de água. Primeiramente, através da perfuração de novas captações e da construção de poços e, numa segunda fase, em 1966, a cidade passou a receber água da nova Albufeira do Divor, o que reforçou bastante o caudal do aqueduto.
Contudo, em 1995, como a água daquela albufeira não apresentava a qualidade necessária, o abastecimento à cidade passou a ser garantido por uma nova albufeira, a do Monte Novo.
Assim, com a construção da Barragem do Monte Novo, o abastecimento à cidade deixou de depender da região da Graça do Divor e, nomeadamente, do Aqueduto da Água da Prata. A evolução tecnológica passou a permitir a adução de água por condutas.
Actualmente, está em fase de conclusão a ligação da Barragem do Monte Novo ao canal do Alqueva, eliminando-se o risco de falta de água nos períodos de seca. Mas, o Aqueduto da Água da Prata continua a funcionar, sendo a sua água ainda aproveitada, o que é um orgulho para a cidade e um caso raro no contexto nacional. O ponto de recepção da sua água, bem como o da água da Barragem do Monte Novo, é nos reservatórios do Alto de São Bento, os quais substituíram, na década de 70 do século passado, a Central Elevatória de Águas.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

O Antigo Carro da Água


CARRO DA ÁGUA DA CÂMARA MUNICIPAL DE ÉVORA

Denominação: carro da água/camion-tanque/carro da rega/camioneta de rega
Função: rega/lavagem das ruas, largos, praças e Rossio (principalmente na época da feira e nos dias de mercado)
Data de aquisição: 1926
Início e cessação de actividade: 1927 e 1958/1963
Fabrico: francês
Marca: Arroseuse/Laffly/L.C.2
Lotação: 2
Motor: 4 cilindros (diâmetro 90 mm; curso 130 mm), 4 tempos
Caixa de velocidades: 4 velocidades e marcha-atrás
Suspensão: molas de lâminas direitas, à frente e atrás
Tipo de carroçaria: cisterna
Capacidade do tanque: 2.244 litros (estado regular)

O antigo carro da água é uma peça rara no meio automobilístico e única na história local, que se encontrava em elevado estado de degradação, tendo optado a autarquia por o restaurar, devido ao seu valor patrimonial.
Hoje em dia, é possível ver o carro novamente pelas ruas da cidade, nalgumas ocasiões especiais, imagem que estimula as lembranças da gente mais velha, enquanto que a mais nova fica curiosa e aprende a história local.
Este tipo de carro era também utilizado noutras cidades, nomeadamente em Lisboa, devido à sua imprescindibilidade para a higiene pública.
O carro foi adquirido pela Câmara de Évora, em 1926, à Casa Specia, L.da – Société Portugaise d`Expansion Commerciale, Industrielle et Agricole, L.da., situada, na época, no n.º 9 da Praça de D. Luiz, em Lisboa, e o seu custo final foi de 53.235$00.
A 5 de Maio de 1927 o carro foi entregue em Évora e esteve em circulação durante quatro décadas, até aos anos 60 do século XX.

No Rossio, a camioneta da água da Câmara andava pelos arruamentos definidos no recinto, molhando a terra solta e escaldante, baixando o pó e levantando um cheiro a barro húmido e quente. Durante os dias da feira repetia várias vezes o mesmo circuito. O tempo de fazer uma volta e de ir reabastecer-se era suficiente para que tudo secasse. Este autotanque dos “tempos pré-históricos” tinha nas rodas aros de borracha maciça em vez de pneus e uma sineta que o motorista badalava, avisando tudo e todos da sua aproximação, espalhando água. Correndo ao lado dos jactos que lançava, a garotada aproveitava para um “duche” municipal.
Por uns momentos tudo ficava depois mais fresco e sem poeira…
in A. M. Galopim de Carvalho, O Autotanque in O Cheiro da Madeira, Editorial Notícias, [1993], p.141.

Núcleo de Documentação
Texto de Maria da Conceição Rodrigues Rebola - Bibliografia
REBOLA, M.C., DUARTE, J., (no prelo) – O carro da água de Évora -Autotanque Laffly, LC2, Arroseuse (1926) in A Cidade de Évora, II série, n.º 8, Câmara Municipal de Évora.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

UTAD desvenda idade exacta de oliveira milenar de Évora

É um dos “ex-libris” da cidade de Évora e tem 1098 anos. Trata-se da histórica oliveira do Convento do Espinheiro, que, através de um método de datação único no mundo desenvolvido pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), ficou a conhecer a sua idade exacta.

Esta técnica, já anunciada pelo "Ciência Hoje" em 2009, foi idealizada por José Luís Lousada e Pacheco Marques, investigadores do Departamento Florestal, e permite datar árvores até aos três mil anos, de uma forma “não-destrutiva”.

No caso da oliveira de Évora, o processo de datação foi facilitado pelo seu “bom estado de conservação e por não conter quase nenhuma zona morta”, explicou ao “CH” José Luís Lousada. O investigador acredita que, “por estar num jardim e encostada a um mosteiro, alguém deve ter cuidado dela e podado, o que não acontece em muitas árvores que se encontram em estado selvagem”.
Processo de datação

Este método está a ser desenvolvido na UTAD desde 2007, depois do desafio da empresa "Oliveiras Milenares", que pretendia um sistema para datar árvores antigas. Embora este processo seja geralmente facilitado em árvores jovens, podendo ser realizado através de métodos ópticos que contam os anéis de crescimento, no caso das mais antigas e ocas tornava-se impraticável.

De acordo com o investigador, esta nova metodologia supera esse entrave e “permite estimar a idade de árvores idosas, particularmente nos casos em que estas já não têm todo o material lenhoso acumulado ao longo dos anos”.

O método desenvolvido na UTAD consiste num cálculo feito através de um modelo matemático que relaciona a idade com uma característica dendrométrica do tronco (raio, diâmetro ou perímetro). Além disso, recorre-se ao estudo de outras árvores com características idênticas para, de forma comparativa, se ir preenchendo a parte interior “como se fosse um puzzle”.

Este modelo “eficaz e credível” não provoca a destruição da árvore, pois não obriga ao seu abate, nem provoca lesões que comprometam a sua sanidade. Contudo, apresenta uma margem de erro de dois por cento, o que num milénio pode significar uma variação de 20 anos.

A cerimónia de entrega da certificação da oliveira agora datada, que é anterior ao próprio convento (construído no século XV), decorre a 19 de Fevereiro em Évora, numa iniciativa promovida pela empresa “Oliveiras Milenares”.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

O caso do Chico Engeitado - Prémio SNI de Teatro Amador (1959)

No primeiro dia de Outubro de 1959 Évora foi surpreendida com a notícia de que o Grupo Cénico da velha Sociedade Dramática e Recreativa Eborense (Antiga Mocidade) havia ganho o Concurso de Arte Dramática Popular, organizado pelo SNI (Secretariado Nacional de Informação), órgão de propaganda do regime salazarista. A estranheza pela escolha prendia-se quer com o facto de a sociedade não ser conotada, nem de perto, nem de longe, com o Estado Novo, quer com a temática da obra apresentada ser pouco cara às gentes abastadas e dominantes da região, apoiantes da situação. Da autoria de um modesto funcionário público, Alexandre Rosado de seu nome, a peça, inscrita na classe B (comédia e farsa), tinha como título “O Caso do Chico Engeitado” (sic) e contava de forma viva e animada o quotidiano de uma pequena aldeia alentejana em que um dos personagens sofria do referido estigma social.

Ajudará a compreender melhor a situação se a situarmos no seu devido contexto. Ora bem, o SNI tinha sido criado em 1944, para substituir a SPN (Sociedade de Propaganda Nacional), lançada em 1933 como órgão público responsável pela propaganda política, informação pública e comunicação social. Fora o intelectual de direita, simpatizante do fascismo e dos regimes autoritários, para além de jornalista brilhante, António Ferro, quem sugerira a Oliveira Salazar a existência de um organismo encarregado de propagandear os feitos do regime.

A derrota, já então previsível, dos fascismos europeus levou o governo português a proceder a uma reorganização quase imediata do recém - criado SNI, que viu a sua área de acção ser alargada com a integração do turismo e da Inspecção dos Espectáculos nos seus serviços e, ao mesmo tempo, ser-lhe cometida a tarefa de aproximação cultural à sociedade, ou, por outras palavras, de definir a actividade cultural das entidades particulares de fins recreativos. O contacto far-se-ia através da Federação Portuguesa das Colectividade de Cultura de Recreio (FPCCR), fundada em 1925, pouco antes do golpe do 28 de Maio, que levaria à Ditadura Militar. Uma das primeiras iniciativas governamentais de natureza cultural foi a organização de um concurso de Arte Dramática para as sociedades federadas dos distritos de Lisboa e de Setúbal. O propósito era o de estimular a renovação do teatro amador, contribuindo para o desabrochar de novos talentos, e deixar ficar patente a ideia do quanto a chamada arte de palco era importante para a educação do povo. Todavia, a FPCCR falhou na sua missão de concitar a adesão associativa ao projecto.

Daí que, em 1949, António Ferro, já perto do seu adeus ao SNI, decida reformular a política cultural e recreativa e elaborar um novo plano de acção que despertasse verdadeiramente as sociedades para uma
colaboração mais activa com os ditos interesses nacionais, propondo «a partilha simbólica de uma identidade comum». A criação do estatuto de utilidade pública, com todo um imenso cortejo de benefícios fiscais e alguns incentivos financeiros, foi um dos instrumentos postos em prática no âmbito da tentativa de consecução dos objectivos propostos. No concernente ao teatro o SNI decidiu estender o Concurso de Arte Dramática a todas as colectividades do género no país, dividindo o certame em duas categorias: a A, aberta ao género dramático e à tragédia; e a B, relativa à comédia e à farsa. As peças a concurso seriam apresentadas em Lisboa, a fim de se proceder à escolha das que participariam na fase final, a realizar no emblemático Teatro da Trindade. Mas logo na 2ª edição, em 1951, o Concurso esteve à beira da extinção, dado que o SNI, numa atitude de reforço à fiscalização da censura, decidiu proibir a apresentação de algumas peças, o que levou ao adiamento do certame para o ano seguinte. Também a Dramática Eborense se veio a queixar de cortes nos textos, o que lhes retirava o sabor da originalidade, obrigando por vezes à substituição por outros, dada a impossibilidade da sua reformulação.

A vigilância cerrada do regime salazarista às sociedades culturais e recreativas adensou-se nos anos seguintes, culminando em 1957 com o encerramento de três delas. No rol foi incluída a Sociedade Fraternidade Simão da Veiga, com sede em Lavre, distrito de Évora, tendo os seus bens transitado para a respectiva Casa do Povo. Apesar de tudo, a Antiga Mocidade nunca deixou de se apresentar a concurso, ainda que com peças aparentemente pouco ambiciosas e de autores menos conhecidos. Em 1959 resolveu a sua direcção apostar num texto ligeiro, intitulado “O Caso do Chico Engeitado”, da autoria do entusiasta e estudioso local pelo teatro Alexandre Rosado. A este simples amanuense do Registo Civil, já com 71 anos, coube também a encenação. O certo é que a peça provocou surpresa em Lisboa e foi seleccionada para a fase final, a decorrer entre 20 e 30 de Setembro. As rasgadas loas dos críticos teatrais lisboetas deixaram desde logo antever um bom resultado. No “Diário de Lisboa”, onde moravam os melhores analistas do sector, escrevia-se a 24 : «Com “O Caso do Chico Enjeitado” (escrito aqui correctamente), de Alexandre Rosado, o teatro português criou o correspondente nacional da “Our Town” de Thornton Wilder ». (N. do red.: esta peça do referido dramaturgo norte-americano, que ganhou o Prémio Pullitzer do Drama em 1938, retratava o carácter dos cidadãos de uma comunidade do séc. XX através das suas vidas diárias.) (...) «Utilizando processos por vezes similares, com o pequeno senão do gosto malabarístico, de brincar com as coisas do teatro e não condensar a peça para esta encontrar a sua justa medida, Alexandre Rosado não soube apenas inventar um dos casos mais sérios do nosso teatro, soube ainda reunir o eficiente escol de amadores que constitui o Grupo Cénico da Dramática Eborense».

Ao contrário do habitual, a decisão foi extremamente rápida. Um dia após o encerramento do concurso, a Emissora Nacional e os vespertinos da capital anunciavam a vitória do grupo de Évora na classe B com “O Caso do Chico Enjeitado” (localmente continuava a prevalecer a grafia com g), a que correspondia o prémio Joaquim de Almeida, no valor de 10.000$00, enquanto Alexandre Rosado arrebatava o prémio de encenação Carlos Santos, que era valorado em 5.000$00. Os intérpretes Luíza Moleiro, Jorge Pimentão e José Madeira da Rocha recebiam menções honrosas. Ao espanto na cidade pela obtenção do galardão máximo sucedeu-se a indiferença das gentes oficiais. Coube à imprensa local, com destaque para o “Jornal de Évora”, reagir contra tal «falta de interesse » e pressioná-las no sentido de patrocinarem a realização de uma festa de homenagem ao grupo e à colectividade.

A vontade escassa e a realização próxima  das festividades do IV Centenário da Universidade de Évora serviram de pretexto a dois adiamentos da consagração citadina. Finalmente, a 5 de Novembro, no Teatro Garcia de Rezende, perante uma «assistência escolhida», como salientou o diário “Democracia do Sul”, teve lugar uma sessão solene alusiva ao acontecimento. Falaram o Governador Civil, José Félix de Mira, o presidente da Câmara, João Luís Vieira da Silva, o prelado doméstico José Filipe Mendeiros e o comandante da PSP local. Elogios de circunstância, promessas poucas e vagas de auxílio e pouco mais.

Feita a festa, fez-se o possível e conseguiu-se que a façanha dos amadores da Dramática caísse no esquecimento. Dos enjeitados (rejeitados pelos pais) se pretendia que não rezasse a história. Meio século depois a «Évora Mosaico» decidiu recuperá-la, para que ela permaneça na memória citadina.

Fonte: Évora Mosaico

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

O painel necrológico da Praça do Giraldo

Em Évora, ao contrário do que acontece no resto do país, a morte não é um acontecimento tabu que envolve apenas uns quantos elementos da família e amigos íntimos de quem parte desta para melhor. Em Évora, a morte é denunciada na praça pública, através de um ‘placard’ existente na Praça do Giraldo, o qual dá notoriedade mesmo àqueles que nunca a tiveram em vida. Ali todos são lembrados, para que ninguém possa dizer que daquele passadio não teve notícia. Um perfil, que foi vagamente familiar, adquire a dimensão que lhe é atribuída pela divulgação dos dados biográficos inscritos neste obituário público. Não se privam os eborenses de tecer comentários sobre a personalidade do desaparecido e das causas que o vitimaram. Uns merecem exclamações de condoída simpatia, enquanto outros mais não recebem do que uma apressada e indiferente leitura.

O ‘placard’ não nasceu, porém, com esse fim e tem uma história que muitos dos actuais eborenses desconhecem por completo. Foi ali colocado pelo extinto jornal “O Século” no ano de 1937, no âmbito de uma acção de distribuição de painéis idênticos pelas principais cidades e vilas do país, com o objectivo de apresentar diariamente, por antecipação, sínteses das notícias mais importantes que sairiam na edição do dia seguinte. Pretendia com isto a administração do matutino lisboeta interessar os leitores na aquisição do diário. Assim sendo, os correspondentes nas respectivas terras recebiam, ao final da tarde, um telegrama com o resumo das notícias de maior relevo e afixavam-no no “placard”. A ideia vingou e, como era desejado, as vendas aumentaram sobremaneira na chamada província. Em Évora, há ainda quem se recorde que, pela hora da saída dos empregos, muita gente se aglomerava junto do jornal de parede de “O Século” para saber as últimas novas sobre a Guerra Civil de Espanha. Foi, aliás, pelo mesmo meio que a cidade soube do começo e do termo da Segunda Guerra Mundial.

Mas nem só de guerras tratava o ‘placard’. Os grandes acontecimentos desportivos e os resultados da extracção da Lotaria Nacional eram outros dos assuntos de leitura obrigatória. Mesmo assim, faltava-lhes ali a informação veiculada pela imprensa local: a necrologia. Tanta foi a pressão exercida nesse sentido pela população que, a partir dos anos 40, aos fins-de-semana lá começaram a aparecer, em forma de complemento noticioso, os nomes dos conterrâneos desaparecidos. Uma conquista que acabaria por institucionalizar uma iniciativa, em princípio de carácter efémero. Apesar de toda a eficácia da censura do regime salazarista, «os jornais de parede» foram muitas vezes, pólos de subversão. Como as sínteses informativas eram redigidas e enviadas para os correspondentes antes da ida das provas dos jornais ao ‘lápis azul’ dos coronéis, a província tinha conhecimento de notícias de que os grandes centros ficavam privados. 


A distracção dos coronéis não foi tão longa quanto muitos desejavam. A seguir ao final da Segunda Guerra Mundial, os serviços de censura proibiram a afixação das sinopses prévias das edições. Desta medida resultou a desactivação deste tipo de painéis em todo o país, à excepção de Évora. As notícias de necrologia, agora diariamente incluídas no jornal de parede, foram o argumento utilizado para convencer as autoridades censórias da necessidade de preservar o painel na Praça. Uma vitória que comportava alguns riscos para o correspondente (Aníbal Queiroga), o qual ficava com a responsabilidade de, além da necrologia, apenas fornecer informações desportivas e o calendário das festas e romarias do concelho. À menor infracção a estas regras o ‘placard’ seria extinto e ao correspondente levantado um processo disciplinar e outro de natureza criminal. A manutenção do painel não foi pacífica nas duas décadas seguintes. Acontecia que tanto o Queiroga pai como depois o filho, além de correspondentes de “ O Século” eram proprietários da «Democracia do Sul», um jornal regional republicano de oposição ao regime. 


Os elementos situacionistas locais não descuravam a vigilância sobre as actividades dos dois homens. Diziam, à boca cheia, que ambos aproveitavam qualquer oportunidade para desrespeitar o sistema político vigente, o que se tornava notório na forma como tratavam os dados necrológicos relativos aos que tinham militado na oposição, ou apenas apoiado essas forças, os quais eram habitualmente acompanhados de menções elogiosas, ao passo que os falecidos afectos ao regime eram referidos de forma breve e seca. Até que, em 1967, já falecido o pai cinco anos antes, Aníbal Queiroga Pires foi preso pela PIDE. Sobre ele pesava (além da suspeita de ter auxiliado alguns dos assaltantes da agência do Banco de Portugal na Figueira da Foz) a acusação de cumplicidade na deserção de um alferes miliciano que fugiria para Argel com armas roubadas no Quartel General da Região Militar do Sul: o então alferes miliciano Seruca Salgado, então apenas com 21 anos, depois membro fundador do Partido Socialista e jornalista da RTP. No seguimento da prisão veio o despedimento. O correspondente Queiroga recebia uma carta em que a direcção de “O Século”, «por razões conhecidas», lhe dispensava a colaboração.


 “O Século” escolheu então Josué Baptista, até então correspondente do diário católico “A Voz” e do “Diário da Manhã”, órgão oficioso do regime, para substituir Aníbal Queiroga. Ainda que sem querer subverter as normas impostas pelas autoridades censórias, o novo correspondente tenta recuperar parte da função informativa do jornal de parede. Contudo, encontra pela frente outro tipo de opositores: a imprensa local. Josué Baptista é então acusado de lhes fazer concorrência. E, nessas circunstâncias optou por desistir dos seus intentos. Só que a partir desse momento o noticiário necrológico, que sempre fora um serviço gratuito, passava a custar 100 escudos, montante de que o correspondente retirava 16 escudos, percentagem a que passou a ter direito. Ninguém porém recalcitrou.


 Depois de Abril de 1974 Josué Baptista deixou de ser correspondente de “O Século, mas a pedido da administração ficou ligado à exploração do jornal de parede. Como ele gostava de recordar, pouco antes da Revolução, um inspector do jornal passara por Évora e ficou estupefacto por ainda existir o ‘placard’. Na capital, as inevitáveis convulsões provocadas pelo PREC (Processo Revolucionário em Curso) abalavam as estruturas do velho e respeitado matutino. Em 1977, “O Século” deixava definitivamente de aparecer nas bancas dos jornais. Nem tudo desaparecia com ele. Em Évora, o painel da necrologia continuava a cumprir a sua missão na vetusta Praça do Giraldo. E assim continuou até que, em 1982, a Comissão Liquidatária de “O Século”, «consciente de que o painel se tornara uma instituição da cidade, visto a sua consulta, em termos de informação necrológica, se ter enraizado na cidade, decidiu oferecê-lo à Câmara.”.


 De facto, a leitura do ‘placard dos mortos’ faz parte dos rituais dos eborenses, o que causa espanto a muitos forasteiros. Para os leitores não parece ter importância que as notícias dos óbitos sejam agora veiculadas pelas agências funerárias a quem o município atribuiu a sua utilização e conservação. É que eles gostam de saber quem deixou de pertencer ao número dos vivos. Apesar do progresso, do desenvolvimento da rádio e do aparecimento da televisão e de múltiplos órgãos da imprensa escrita, nada substituiu em Évora a informação personalizada do painel de “O Século”. Aníbal Queiroga Pires, falecido em 2001, afirmava sem rebuço que foi a pressão popular que sempre impediu a sua extinção.

Autor: José Frota
Évora Mosaico

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A mais antiga loja da cidade: Papelaria e Livraria Nazareth

 
Em plena Praça do Giraldo e debaixo das arcadas, no seu ponto mais central, fica situada a Papelaria Livraria Nazareth. Com mais de cem anos de existência, é a mais prestigiada livraria ao Sul do Tejo e foi ponto de encontro obrigatório de muitas gerações de intelectuais locais ou que passaram pelo Alentejo, mormente no período entre 1920 e 1970.

Tanto quanto parece, é a mais antiga loja da cidade. Embora já sem o fulgor de outrora, conserva um estatuto ímpar no comércio cultural eborense. No edifício onde a loja está instalada funcionou durante a primeira metade do século XIX o Seminário de Évora e, logo depois, uma ordem monástica feminina. Em 1890 Eduardo de Sousa, um conhecido comerciante da cidade, alugou o piso térreo para nele abrir uma papelaria e livraria. Três anos depois, António da Silva Nazareth entra para empregado e, em 1897, passa a sócio com uma pequena quota. 

Mas só em 1906 se tornou seu proprietário e deu à loja a sua actual designação. Eduardo de Sousa vendeu- lhe a sua parte na firma para saldar dívidas de jogo contraídas na Sociedade Harmonia Eborense. A loja alargou então o seu leque de ofertas, passando a vender chás, lotarias, perfumes e brinquedos, “kodaks” e postais, executando ainda trabalhos tipográficos e de encadernação. Assim reza um anúncio publicado nos anos 20 do século passado que o seu actual sócio-gerente Joaquim Manuel Nazareth - conhecido demógrafo e professor catedrático jubilado do Instituto Superior de Estatística e Gestão de Informação da Universidade Nova de Lisboa - guarda «religiosamente». Exactamente por esses anos o poeta João Vasconcelos e Sá, aludindo à diversidade comercial do estabelecimento, compunha a seguinte letra para uma revista teatral eborense que conheceu grande êxito: «Dentro dos arcos da Praça/a loja do Nazareth/tem selos, correntes, carteiras e pentes/impressos, rosários, botões, calendários/ compassos, carimbos, romances, cachimbos/kodaques, tabaco, postais e rapé». 

Mas a paixão de António da Silva Nazareth eram os livros e logo que pôde tratou de assegurar um espaço mais reservado na loja para acolher os clientes que gostavam de se demorar escolhendo com cuidado e critério as obras que pretendiam. O local acabou mesmo por se tornar um centro de cavaqueio dos intelectuais do burgo ou vivendo nas proximidades. Florbela Espanca e José Rodrigues Miguéis eram, então, dois dos que ali passavam horas a fio. Entusiasmado pelo sucesso obtido, o proprietário tentou incutir nos irmãos, todos mais novos, a paixão pelo comércio de papelaria e livraria, ajudando-os a criar estabelecimentos do sector em Portalegre, Beja, Faro e Santarém. Há dez anos as duas últimas ainda existiam, mas só a de Santarém permanecia ligada à família - esclareceu na ocasião Joaquim Nazareth. Em 1950 a livraria ficou separada do restante estabelecimento pela introdução de três degraus que a colocavam num patamar ligeiramente superior.

 A casa viveu então os seus maiores momentos de glória. Vergílio Ferreira (ali fotografado várias vezes) e o grupo da Soeira, composto pelo médico Alberto Silva e pelos pintores Saul Dias, António Charrua e Henrique Ruivo, eram os frequentadores mais assíduos. De modo menos frequente, também franqueavam a porta e se entretinham a folhear as últimas novidades personagens como Álvaro Lapa, Fernando Namora, Maria Lamas, José Régio e Fernando Namora. Cerca de dez anos depois António Nazareth, avô de Joaquim Manuel, aproveitou o facto de a Vacuum Oil Company ter abandonado o primeiro andar do prédio para comprar o edifício. Para lá passou a livraria, garantindo uma maior privacidade e um espaço mais amplo para os frequentadores se movimentarem mais à vontade.

 Mas a debandada para outras paragens, principalmente para Lisboa, de muitos dos seus principais animadores fez-se sentir em demasia e a livraria deixou de ser a tertúlia que até aí tinha sido. Além de ter aberto o caminho aos irmãos no mercado dos livros e dos papéis, o “velho” Nazareth sempre pretendeu que os responsáveis da livraria se tornassem bons profissionais do ramo. Quase todos se vieram a estabelecer depois por conta própria. Assim aconteceu com os responsáveis das papelarias- livrarias Carapinha e Gaspar, já há muito extintas, e da papelaria-livraria José António, este por ventura o melhor de quantos por lá passaram. As suas saídas, porém, não abalaram muito o funcionamento da Nazareth, que sempre acabou por se restabelecer rapidamente. Só o 25 de Abril lhe proporcionou alguns embaraços, quando foi apelidada, vá lá saber-se porquê, de “livraria dos fascistas”. 

Uma designação surgida das bandas comunistas, que bem perto implantaram uma delegação da Editorial Caminho (Livraria Bento de Jesus Caraça), a qual acabou por encerrar as suas portas após oito anos de actividade. Entretanto, António da Silva Nazareth, inveterado tabagista e que todos os dias - fosse Inverno ou Verão - se apresentava vestido de colete e respectivo relógio de bolso, falecia em 1978 com 98 anos de idade.

Sucedeu lhe o filho, que, juntamente com José Manuel Cabeça, um empregado-associado, apostou mais no sector da papelaria e do material de escritório, desguarnecendo um tanto a livraria. A morte prematura do filho do fundador abriu uma crise profunda na empresa. José Manuel Cabeça saiu e fundou uma papelaria própria, tal como o anterior responsável pela livraria. Foram os netos - Joaquim Manuel Nazareth e a irmã - que vieram a herdar o estabelecimento.

Sob a nova gerência a livraria ganhou novo fôlego, entregue aos cuidados de Maria José Bastias, que alia a proficiência na matéria à afabilidade no trato. É certo que nos últimos anos surgiram novos estabelecimentos no sector livreiro, sem no entanto adregarem retirar estatuto à velha “Nazareth”. Já o mesmo não se poderá dizer em relação à área da papelaria e dos artigos de escritório, que perdeu dinamismo perante a agressividade e modernidade de alguma concorrência.

Os seus actuais proprietários não precisam da loja para viver, pois tiveram outras profissões que lhes asseguraram uma reforma sem sobressaltos, mas vão mantê-la na sua posse, não se dispondo a vendê-la, ainda que, pela sua localização privilegiada, o espaço seja alvo de cobiças várias. Para eles a loja é um símbolo da vida cultural eborense e uma excelente herança a perpetuar a memória do seu avô.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Indicadores Estatísticos



Indicadores Demográficos

O Distrito de Évora tem registado nas últimas décadas um importante decréscimo da população residente. Este decréscimo deve-se essencialmente a um saldo natural negativo, que está na origem de um duplo envelhecimento da população com um aumento da população idosa e simultâneo decréscimo do número de nascimentos. Se até 1991 o saldo migratório se apresentava igualmente negativo, na última década regista-se pela primeira vez um saldo migratório positivo. Este facto, apesar de não ser suficiente para inverter a tendência demográfica de decréscimo populacional, contribuiu no entanto para um crescimento negativo menos acentuado na última década.
À semelhança de toda a região Alentejo, o Distrito de Évora apresenta uma densidade populacional muito baixa de apenas 23.11 habitantes por Km2, extremamente discrepante com os 113.92 de média nacional.


Evolução da População Residente no Distrito de Évora 1950-2001



 



Fontes: INE, Recenseamento Gerais da População.
        INE- Anuários Estatísticos da Região Alentejo.
        INE- Censos 2001, resultados preliminares.


Densidade Populacional - 2003



 

Fonte: INE, O País em Números, 2004

Estrutura etária da População do Distrito Évora - 2001



 


Fonte: INE, Censos 2001



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Indicadores Sociais


O Distrito de Évora corresponde a uma área com fortes potencialidades ambientais e paisagísticas, sendo de destacar os baixos índices de poluição registados.
Ao nível dos equipamentos e infraestruturas sociais, o Distrito apresenta um significativo nível de cobertura populacional, próximo ou superior dos níveis de cobertura nacionais.
Outros indicadores de índole social despertam a atenção pela sua expressividade negativa. É o caso da taxa de analfabetismo que, apesar de apresentar uma redução na última década mantém-se no entanto bastante discrepante face à média nacional. De salientar igualmente a manutenção de uma maior incidência desta taxa nas mulheres, aspecto relacionável tanto com o envelhecimento demográfico da região (as gerações mais velhas são tendencialmente menos escolarizadas) como com a maior proporção de mulheres idosas face ao total da população residente.







 




Médicos, Camas e Farmácias








 




Fonte: INE, Anuário Estatístico da Região Alentejo, 2004




Taxa de Analfabetismo - 2001








 


Fonte: INE, O País em números, 2004


Número de Estabelecimentos de Ensino no Distrito de Évora - 2003



 



Fonte: INE, Anuário Estatístico da Região do Alentejo, 2004
Equipamentos culturais - 2002








 




Fonte: INE, Anuário Estatístico da Região Alentejo, 2004
Equipamentos de Segurança Social por 10.000 habitantes - 2002








 




Fonte: INE, Carta de Equipamentos e Serviços de Apoio à População, 2003
Infraestruturas Básicas: População Servida por Rede de Águas, Esgotos e Recolha de RSU no Distrito de Évora - 2002








 




Fonte: INE, Anuário Estatístico da Região Alentejo, 2004


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Indicadores Económicos


O Distrito de Évora tem assistido na última década a uma diversificação progressiva da sua base económica com uma significativa tendência para a terciarização a par de um importante crescimento do sector da indústria transformadora. Apesar desta diversificação, a agricultura permanece como actividade de relevo, particularmente ao nível dos concelhos limítrofes da sede de distrito, ocupando ainda uma importante faixa da população activa.
Apesar de um ligeiro decréscimo ao nível da taxa de desemprego no Distrito na última década, esta mantém-se ainda muito elevada face à média nacional e particularmente incisiva na população feminina.


População empregada por sectores de actividade - 2001*








 



Fonte: INE, Contas Regionais, 2002
Peso Relativo das Empresas Sedeadas, por Sector de Actividade - 2002*



 



* Dados considerados para a NUT Alentejo Central
Fonte: INE, Ficheiro de Unidades Estatísticas (FUE), 2002


Taxa de desemprego total (HM) 1991-2001



 


Fonte: INE, Infoline, 2004
Taxa de Desemprego por concelhos - Distrito de Évora 1991-2001



 

Fonte: INE, Infoline, 2004

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Necrópole romana com quase dois mil anos encontrada na escola Gabriel Pereira

Uma necrópole romana com quase dois mil anos foi descoberta na escola secundária Gabriel Pereira, em Évora. As obras de requalificação do estabelecimento de ensino permitiram trazer ao luz do dia um achado inédito. “É um achado inédito, porque foi a primeira necrópole romana encontrada na cidade. Desconhecia-se até agora onde é que as necrópoles romanas estariam implementadas na envolvência da acrópole (zona histórica mais alta da cidade)”, disse hoje à agência Lusa a arqueóloga Conceição Maia. Os vestígios arqueológicos foram descobertos na Escola Secundária Gabriel Pereira, em Évora, durante as obras de requalificação, da responsabilidade da empresa pública Parque Escolar. Inicialmente, segundo a responsável pelo acompanhamento arqueológico das obras, foram detectados vestígios de materiais, como cerâmicas, datados do século segundo depois de Cristo (d.C.), e durante a fase de desmontagem das terras foi descoberto uma necrópole romana. “Trata-se de um cemitério de incineração, com uma série de sepulturas, do século segundo d.C., em plena época romana, contemporânea do fórum e de toda acrópole da cidade de Évora”, disse Conceição Maia, da empresa Arkeohabilis. De acordo com a arqueóloga, naquela altura, “os mortos eram cremados, as cinzas depositadas em pequenas urnas (vasos) e depois colocadas em sepulturas construídas com tijolos, juntamente com todo o espólio associado ao morto”. “Junto das urnas, foram encontradas taças, contas de colar em vidro e osso, moedas, algumas com cara do imperador, ganchos de cabelo trabalhados em marfim e lucernas (luzes alimentadas a azeite)”, revelou Conceição Maia. Quanto à necrópole, a coordenadora das escavações indicou que “foi feita uma destruição controlada para recolher todos os objectos encontrados, incluindo os tijolos das sepulturas”. Afirmando que se trata de “um conjunto de espólio muito interessante”, Conceição Maia disse esperar que os vários objectos encontrados “sejam tratados, marcados e colados para que possam ser conservados e mais tarde musealizados”. “O grande feito desta escavação era podermos mostrar aos alunos desta escola que o sítio que eles estão a usar foi há quase dois mil anos atrás um cemitério romano”, sustentou. Também em declarações Lusa, o presidente do conselho pedagógico da escola Gabriel Pereira, Ananias Quintano, garantiu que o estabelecimento de ensino já mostrou interesse em ficar com os vestígios encontrados. “O futuro dos objectos encontrados é ficarem na escola. Vamos ter um local próprio para os acolher”, disse.

Diana FM