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sábado, 17 de fevereiro de 2024

José Filipe Mendeiros

Monsenhor José Filipe Mendeiros nasceu a 16 de Março de 1911, em Estremoz.

Foi aluno do Seminário Maior de Évora e da Universidade Gregoriana de Roma onde se doutorou em Teologia, em 1934.

Fixou-se em Évora em 1933, ano da sua ordenação sacerdotal. Aqui tem exercido o seu múnus sacerdotal e desenvolvido uma intensa atividade cívica e cultural.

Foi professor, em Évora, no Liceu Nacional, na Escola do Magistério Primário, nos Colégios de Nossa Senhora do Carmo e Nuno Álvares, no Seminário Maior, de que foi Reitor, no Instituto de Teologia e na Universidade Católica (Lisboa).

Foi professor e mestre brilhante, orador de discurso profundo e luminoso; tem sido um sacerdote empenhado, a quem foram sendo entregues missões de grande relevância na Igreja Eborense.

Foi vigário capitular, vigário geral, vigário judicial e, sucessivamente, cónego e monsenhor, tendo desempenhado importantes funções no Cabido da Catedral, de que foi Presidente.

Tem sido jornalista empenhado e atento, e durante 45 anos dirigiu “A Defesa”, órgão da Arquidiocese.

Participou e foi responsável por inúmeras atividades e organismos no seio da igreja e na sociedade civil.

Como historiador foi responsável pela organização do Museu de Arte Sacra da Catedral e presidiu à Comissão Diocesana de Arte Sacra e ao Secretariado para as Novas Igrejas.

Foi Vice-Presidente do Grupo Pró-Évora e integrou o Centro UNESCO de Évora.

É sócio emérito da Academia Portuguesa da História.

Cidadão empenhado, historiador e defensor do património de Évora, foi membro dinâmico e brilhante da Comissão Municipal de Arte, Arqueologia e Defesa do Património, onde o seu saber muito contribuiu para tomar esta Comissão uma referência incontornável da condução das políticas de defesa do património.

Tem uma vastíssima bibliografia que abarca os campos do jornalismo, da teologia e da evangelização, da história e da história da arte, da história institucional e da história biográfica, com muitas dezenas de títulos.

Da colaboração em jornais, enciclopédias, salienta-se a sua intensa, permanente e valiosa colaboração, desde o número inaugural, da revista de cultura da Câmara Municipal, “A Cidade de Évora”.

Como reconhecimento académico da sua obra recebeu, em 1994, o Doutoramento “Honoris Causa”, da Universidade de Évora.

No âmbito da Comemoração do “Dia da Cidade” – 29 de Junho de 1999 – a Câmara Municipal de Évora deliberou por unanimidade distinguir o Monsenhor José Filipe Mendeiros atribuindo-lhe a Medalha de Mérito Municipal, classe Ouro.

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quinta-feira, 15 de fevereiro de 2024

Manuel Carvalho Moniz

Natural de Cabeção, concelho de Mora, onde nasceu no dia 22 de Novembro de 1910 e viria a falecer em Évora em Fevereiro de 2000.

Veio para Évora, em Setembro de 1917. Aqui fez a instrução primária e concluiu o Curso do Liceu. Como aluno voluntário frequentou a Universidade de Lisboa, licenciando-se em Direito.

Foi chefe da secretaria da Câmara Municipal de Reguengos de Monsaraz, da Junta Distrital de Évora, da Junta de Província do Alto Alentejo, Delegado do Ministério Público – interino – na Comarca de Évora, exercendo a Advocacia nesta cidade à cerca de cinquenta anos.

Radicado em Évora, definitivamente desde 1940, exerceu intensa atividade cultural, de que se salienta:

Organizador dos Cursos de Cicerones do Grupo Pró-Évora, da Missão Internacional de Arte e dos dois Festivais de S. Lucas; montou e organizou a Exposição de Artesanato do Distrito de Évora, no antigo Celeiro Comum.

Foi sócio da Associação dos Arqueólogos Portugueses – Secção de História.

O Dr. Manuel Carvalho Moniz foi eleito ACADÉMICO CORRESPONDENTE NACIONAL da prestigiosa instituição Academia Nacional de Belas Artes, em sessão ordinária de 16 de Junho de 1998.

Colaborou em vários jornais de Lisboa, nomeadamente no “Diário de Notícias”, no “Novidades” e no “Diário de Lisboa”.

Escreveu em inúmeros jornais de Évora, onde publicou, além de inúmeros artigos, as secções de crónicas semanais – DOMINICAIS, CONVERSANDO e TERÇAS FEIRAS EBORENSES.

Ao longo da sua vida de investigador proferiu conferências em Lisboa, na Sociedade Histórica da Independência, Associação dos Arqueólogos Portugueses, Grupo dos Amigos de Lisboa, Casa do Alentejo, etc.

Colaborou ainda em importantes revistas culturais, entre as quais se nomeiam: “ARQUIVO DE BEJA”, “BRACARA AUGUSTA”, “OLISIPO”, “ALTO ALENTEJO”, “A CIDADE”, “INDEPENDÊNCIA”, “BOLETIM DA JUNTA DISTRITAL DE LISBOA”, “CALLIPOLE”, “TURISMO”, “BROTÉRIA”, “REVISTA DE GUIMARÃES”, “ETHNOS”, “A CIDADE DE ÉVORA”, etc.

Faleceu em Évora no dia 5 de Fevereiro de 2000. Tinha em preparação os seguintes trabalhos de carácter histórico e etnográfico: OS ALMOTACÉS NO CONCELHO DE ÉVORA, OS JUDEUS E AS JUDIARIAS DE ÉVORA, AS RUAS DE ÉVORA, O MONTE ALENTEJANO, A OLARIA ALENTEJANA.

O Autor fez publicar os seguintes livros, abordando a temática da História e da Etnografia:

O FORAL AFONSINO DE BEJA, 1954.

OS COSTUMES MEDIEVAIS PORTUGUESES, 1956.

O CONVENTO E A IGREJA DE S. FRANCISCO DE ÉVORA, 1959.

DA AUTORIA DOS PAINÉIS DE S. FRANCISCO DE ÉVORA, 1959.

O TRILHO, 1960.

HISTÓRIA VERDADEIRA DE SOROR HELENA DA CRUZ, 1961.

UMA QUEBRA DE ESCUDOS EM MONSARAZ, 1961.

O CRIME E O CASTIGO NOS FORAIS DO ALENTEJO, 1964.

O ABEGÃO, 1965.

OS EBORENSES NOS DESCOBRIMENTOS E CONQUISTAS, 1966.

DA ARTE POPULAR ALENTEJANA:

I – O CHIFRE DE BOI LAVRADO, 1960.

II – TABAQUEIRAS CACHIMBOS E APATUSCOS, 1963.

III – BONECOS DE CORTIÇA, 1964.

IV – PAPEIS RECORTADOS, 1966.

ÉVORA NO PASSADO, 1970.

A PRAÇA DO GIRALDO, 1984.

FREI MIGUEL, 1987.

AS OLARIAS DE S. PEDRO DO CORVAL, 1990.

O PORCO – NA HISTÓRIA BAIXO MEDIEVAL DE ÉVORA, 1995.

O BORREGO – NO HISTORIAL DE ÉVORA, 1996.

DA ARTE POPULAR ALENTEJANA, 1997.

AS FEIRAS DE ÉVORA, 1997.

O MÓVEL POPULAR NO ALENTEJO, 1998.

MOBÍLIAS PINTADAS DE ÉVORA, 1998.

DOMINICAIS EBORENSES, 1999.

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terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

José Augusto Alegria

Nasceu em Évora (freguesia de S. Mamede), no dia 27 de Dezembro de 1917. Iniciou os estudos na Escola Salesiana (tendo sido um dos dois primeiros alunos), continuando depois no Seminário de Évora. Ordenado sacerdote em 1940, partiu para Roma onde se licenciou em Musicologia no Pontifício Instituto de Música Sacra, como bolseiro do Instituto para a Alta Cultura. Regressado a Portugal foi professor do Seminário Maior de Évora onde, durante 40 anos, se responsabilizou pela música coral nas celebrações litúrgicas da Sé. Em 1958, centenário das aparições de Nossa Senhora em Lurdes (França), com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian, levou o Coro do Seminário Maior de Évora a participar no Encontro Internacional dos Coros “Pueri Cantores”. Lecionou Moral e Religião Católicas na Escola Industrial e Comercial e no Liceu de Évora sendo, ao mesmo tempo, capelão do Lar de Santa Helena (Calvário). Pertenceu a várias agremiações culturais: “Consortiatio Internacionalis Musicae Sacrae”, de Roma, Pontifícia Academia Mariana Internacional, Academia Portuguesa de História, Sociedade Brasileira de Musicologia e Doutor Honoris Causa pela Universidade de Évora. Durante muitos anos investigou a Escola de Música da Sé de Évora, publicando as obras de Frei Manuel Cardoso, Diogo Dias Melgaz e João Lourenço Rebelo, num total de 11 volumes de estante, com o patrocínio da Fundação Calouste Gulbenkian. Subsidiado pelo Instituto de Alta Cultura publicou as obras didáticas de Mateus de Aranda, datadas de 1533 e 1535.

É autor de vários estudos históricos, relacionados com a música, entre os quais:

Dicionário de Músicos Portugueses, manuscrito de José Mazza, dos Fundos da Biblioteca Pública de Évora, em separata da revista Ocidente, 1944-45.

Evora e a Cultura (História e a Vida), 1959.

Mateus de Aranda Mestre da Capela da Sé de Évora e Lente de Música.

História da Escola de Música da Sé de Évora, 1973.

Arquivo das Músicas da Sé de Évora, Catálogo, 1973.

Biblioteca Pública de Évora “Catálogo dos Fundos Musicais”, Lisboa, 1977.

História da Música da Capela e Colégio dos Santos Reis, de Vila Viçosa, 1984.

O ensino e prática da música na Sés de Portugal, 1985.

O Colégio dos Moços do Coro do Colégio dos Reis Magos de Vila Viçosa e respectiva Capela Ducal, 1987.

Catálogo dos Fundos Musicais da Biblioteca do Palácio de Vila Viçosa, 1989.

A Música Mariana Portuguesa dos séculos XIX e XX, separata das Actas do Congresso Mariano Internacional, celebrado no Santuário de Kevelar, Roma, 1989.

“La musique au Portugal à | époque de D. João V”, na edição monumental “Triomphe du Baroque”, Europália, 1991.

“Pontifícia Academia Mariana Internacionalis”, 1991.

O Colégio dos Moços do Coro da Sé de Évora, 1997.

As Cantigas d “Amigo e d “Amor dos Cancioneiros Galego-Portugueses Da origem poética à prática musical, patrocinada pela Universidade de Évora, 2000.

“Os frades de S. Francisco e a Música no convento de Mafra”, separata de ITINERARIUM ano XCVII n.º 169, 2001.

Em 1985 recebeu o Prémio de Ensaísmo Musical, instituído pelo Conselho Português de Música, tendo como referência o seu livro “Polifonistas Portugueses”. Sucedeu a Mário Sampaio Ribeiro na direção do Coro Polyphonia, com o qual se deslocou a França e Inglaterra, na execução polifónica de Música Litúrgica de autores portugueses. Foi colaborador da Enciclopédia VERBO e do Dicionário da História da Igreja em Portugal. De colaboração com o Cónego Dr. Sebastião Martins dos Reis, publicou: “Problemas Eborenses: O Reitor do Liceu de Évora e Deputado por Évora, Dr. A. B. Gromicho contra o Liceu de Évora”; “Recidivas do Deputado por Évora … contra o Liceu e contra a Universidade de Évora”, 1957. Fez o levantamento do Arquivo de Música da Catedral de Évora, do Paço Ducal, de Vila Viçosa e da Biblioteca Pública de Évora. Participou ativamente nas Semanas Gregorianas de Fátima, proferiu muitas conferências e escreveu inúmeros artigos em jornais e revistas sobre temas históricos e musicais.

Faleceu em Évora, no dia 23 de Janeiro de 2004.

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domingo, 11 de fevereiro de 2024

Joaquim Palminha Silva

Nasceu em Évora, na Freguesia de Santo Antão, em 1945. Licenciado em História pela Faculdade de Letras da Universidade Clássica de Lisboa, desenvolveu a sua atividade profissional na área da Sociologia da Cultura e da História. Funcionário do Ministério dos Negócios Estrangeiros/Secretaria de Estado dos Consulados e das Comunidades Portuguesas optou, após duas décadas, pela transferência para a Administração Local (Câmaras Municipais de Cuba e Beja).

Colaborou na imprensa regional e nacional desde muito jovem: “Democracia do Sul”, “Jornal de Évora”, “Notícias de Évora” e “A Defesa”; a “República” e o “Diário de Lisboa”.

A atividade cívica na terra natal, levou-o ao exílio (França, Bélgica, Holanda, Itália), face à perseguição da polícia política da ditadura, até Maio de 1974.

Após breve passagem por Angola (como militar recém ingressado nas fileiras do Exército) no período da então denominada descolonização, e a colaboração na extinta revista semanal ABC (Luanda), retomou a sua atividade literária.

Posteriormente colaborou na imprensa regional: “Diário do Alentejo” e na revista de cultura da Câmara Municipal de Beja, “Arquivo de Beja”. Manteve colaboração assídua no “Diário do Sul” (Évora) e no semanário “A Defesa”. Desde 1974, tem colaboração dispersa na imprensa nacional e em revistas da especialidade: “Diário de Lisboa”, “Diário Popular”, “Sempre Fixe”, “Portugal Hoje”, “Diário de Notícias”, “Expresso”, “Jornal de Letras, Artes e Ideias”, “Grande Reportagem”, revista “História” (1.a série), “O Mundo Português” (“O Emigrante”).

Publicou A Revolução da Maria da Fonte (subsídios para a sua interpretação), Porto, 1978; O Nosso Cônsul em Havana: Eça de Queirós, Lisboa, 1981; Jaime Batalha Reis na Rússia dos Sovietes, Porto, 1987; Comunidades Portuguesas e sua Imprensa / Subsídios para um inventário, Porto, 1987; Pequeno Dicionário do Movimento Socialista Português, Lisboa, 1989; Portugueses no Havai, Ponta Delgada (Açores), 1996; Poetas da Nossa Terra (recolha e organização da antologia dos poetas populares do Concelho de Cuba); Bibliografia Passiva de Fialho de Almeida, Beja, 2000; Alvito …há cem anos / Memórias e Retratos, Alvito, 2000; Manuel Severim de Faria (ensaio biográfico), Évora, 2003; Dicionário Biográfico de Notáveis Eborenses, Évora, 2004; Évora – cidade esotérica e misteriosa, Lisboa, 2005; Évora – das invasões napoleónicas à resistência patritótica (1807-1808), ed. CME, 2008; [Para publicação: Fotobiografia de Estrela Faria (artistaplástica eborense)]. Colaborou com várias centenas de “entradas” no Dicionário Cronológico de Autores Portugueses, organizado pelo Instituto Português do Livro e das Bibliotecas.

Joaquim Palminha Silva faleceu em Évora no dia 15 de Novembro de 2015.

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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2024

Filipe José Pássaro (Gil Do Monte)

Filho de Manuel da Silva Pássaro, jardineiro, e de Maria Custódia, cozinheira, Felício José Pássaro nasceu a 11 de Janeiro de 1903, na Rua da Mouraria n.º 16, freguesia de S. Mamede, em Évora. Feita a instrução primária, ingressa na Escola Comercial e Industrial Gabriel Pereira, ao mesmo tempo que se emprega no comércio local. Pouco depois, abandona os estudos, devido à incompatibilidade do seu horário profissional com a frequência escolar.

O seu inconformismo levou-o a percorrer outras profissões, como a de corticeiro, cerâmico, ferroviário, encadernador, e por último, profissional de seguros na Companhia Alentejana de Seguros «A Pátria», onde se viria a aposentar.

O desejo e a necessidade que sentia em ser útil à terra que lhe serviu de berço, levou-o a dedicar uma parte da sua vida a escrever sobre ela.

Sob o pseudónimo de Gil do Monte, começa a publicar pequenos artigos no semanário «O Arraiolense», em 1936. A partir de 1939, estende a sua colaboração a outros periódicos regionalistas. A saber: «Notícias d’Evora»; «Democracia do Sul»; «O Anunciante»; «Ebora, Agenda da Nossa Terra»; «Brados do Alentejo»; Revista Ilustrada «O Anunciante»; «Boletim da Associação de Socorros Mútuos — O Legado do Operário de Evora»; e o «Boletim do Juventude-Sport-Clube». Em 24 de Junho de 1956, fundou «O Informador», folha publicitária anual, que se publicava pela feira de S. João e S. Pedro, entre 24 a 29 de Junho de cada ano. Foi suspensa ao no 4, a 24 de Junho de 1959. Tinha como sede da sua redação e administração, a sua casa, na Rua Romão Ramalho n.º 94 em Évora.

Em 1940, tornou-se publicista, editando «Subsídios para a História de Vera-Cruz do Marmelar», tendo sido assim iniciada uma outra vertente dos seus trabalhos, a publicação de monografias, que se vai prolongar ao longo de 36 anos de investigação.

Em 1950 fez parte do Conselho Fiscal da Associação de Socorros Mútuos «O Legado do Operário de Évora». Desempenhou funções diretivas na referida Associação em 1951 e 1952 e foi redator do boletim editado para comemorar as suas bodas de prata (17-VILI-1927 a 17-VII1952).

Foi agraciado com o Grau de Cavaleiro da Ordem do Infante Dom Henrique, em 7 de Março de 1985. Homenagem de igual importância, é o facto do seu pseudónimo ter sido atribuído como nome a uma das ruas do Bairro das Corunheiras.

A 19 de Março de 1987, Felício José Pássaro, com 84 anos, faleceu.

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quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Celestino David

Nasceu na Covilhã em 1880. Formou-se em Direito pela Universidade de Coimbra. Veio a fixar-se na cidade de Évora, tendo esta exercido sobre o seu espírito atento uma alquimia inspiradora. Trabalhou em diversos cargos de administração pública, entre os quais o de secretário-geral do Governo Civil de Évora em 1942.

Desde sempre dedicado a esta Cidade, foi um dos principais fundadores do «Grupo Pró-Évora», no qual assumiu a presidência durante dezasseis anos. Sobre a Cidade investigou e publicou trabalhos de etnografia, arqueologia, arte e história.

Mas as preocupações literárias deste erudito autor estenderam-se também a outras partes do País, sobre as quais escreveu na sua qualidade de publicita e investigador. A sua obra, inclui as seguintes áreas literárias: poemas, prosa lírica, prosa de investigação, contos, peças de teatro e prosa para a infância. Esta produção poder-se-á considerar recortada de um certo romantismo, na medida em que cultiva um regionalismo erudito associado a uma linguagem libertada, simples, coloquial e rica.

Das suas obras destacamos: “O livro dum português” (versos), 1900; “Pela terra” (contos), 1901; “Évora Encantadora”, Évora, 1923; “Alentejo, terra de solidão” (poemas), Évora, 1926; “Évora: na história e na arte…”, Porto, 1930; “O Avião da felicidade”, Lisboa, 1932; “El-Rei dos mil palácios”, Lisboa, 1940; “A cidade encantadora no ano de 1867”. Évora, 1945; “Évora na História e na Arte”, Porto, 1952; “Dordio Gomes, pintor Alentejano”, Évora, 1958.

Exerceu ação notável como jornalista, escrevendo em mais de 80 jornais e revistas nacionais e estrangeiras.

Ao atingir os 70 anos de idade, em Janeiro de 1950, foi homenageado pelo Governo e pela cidade de Évora, tendo-lhe sido conferido o título de cidadão honorário de Évora. Em Janeiro de 1951, o Ministério da Educação Nacional confere-lhe as insígnias da ordem de S. Tiago. Faleceu em Setembro de 1952 vítima de ataque cardíaco.

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segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

Armando Antunes Da Silva

No dia 21 de Dezembro de 1997, com 76 anos de idade, faleceu o escritor Antunes da Silva, nascido em Évora, na freguesia de S. Mamede, e que foi acima de qualquer outra coisa, um Alentejano: um homem que, forçado a abandonar a sua terra natal pela defesa da justiça social, nunca esqueceu as suas origens e sempre lutou por defender os interesses da sua região.

A coragem com que, desde jovem, defendeu aquilo em que acreditava tornou-o um alvo fácil para as forças do obscurantismo político salazarista, obrigando-o, ainda muito novo, a fixar-se na área de Lisboa, onde viveu e trabalhou quase meio século. Distante, não esqueceu nunca os valores, as carências e o sofrimento do povo a que pertencia: toda a sua obra, parcialmente conotada com as preocupações de denúncia social subjacentes ao neo-realismo literário, foi um canto de amor ao Alentejo e aos alentejanos, o grito de revolta de quem via a sua terra esquecida e anulada.

Num conjunto significativo de jornais e revistas portuguesas, publicou, ao longo dos anos, textos de problemática literária, mas, sobretudo virados para a defesa dos interesses do Alentejo.

Paralelamente, desenvolveu uma obra literária que, em poesia e em prosa, lhe garante um lugar na literatura portuguesa contemporânea, sobretudo pelo testemunho que representa de uma época e de uma situação que só terminaria em 25 de Abril de 1974.

Mas, mesmo depois disso, manteve a sua capacidade de intervenção: a defesa da Reforma Agrária e a construção da Barragem do Alqueva constituíram objetivos de um combate em que se manteve sempre ativo.

Em 1991 a Câmara Municipal de Évora distinguiu-o com a Medalha de Mérito Municipal: Pela dedicação ao estudo de questões relacionadas com o desenvolvimento do Alentejo, pela intensa actividade literária nos campos da prosa e da poesia, onde Évora e o Alentejo são, por excelência, os temas abordados, assim como pelo empenhamento na vida democrática, antes e depois do 25 de Abril de 1974.

Em 1992, o Presidente da República Dr. Mário Soares condecorou-o com a Ordem da Liberdade; e, em 1995, a autarquia eborense celebrou os 50 anos da sua vida literária, prestando-lhe uma homenagem pública, em que foi salientada a sua “postura cívica e de intransigente defesa dos alentejanos”. Homenagem a que em boa hora se associaram a Universidade de Évora e a Casa do Alentejo.

A vasta obra literária de Antunes da Silva insere-se na corrente neo-realista, destacando-se entre os múltiplos títulos o livro de contos “Gaimirra” (1946) e o romance “Suão” (1960). Este último teve sete edições, a última das quais em 1985, e contém alguns dos mais belos textos escritos sobre o Alentejo. Conhecido internacionalmente, viu textos seus traduzidos e publicados na Checoslováquia, Bulgária, Itália, Alemanha, Canadá, URSS e França.

A sua Obra reparte-se por vários géneros:

Conto, Novela e Romance:

Gaimirra (2 Edições: 1946 e 1983 – revista);

Vila Adormecida (2 Edições: 1948 e 1984 – revista);

Sam Jacinto (2 Edições: 1950 e 1978);

O Aprendiz de Ladrão (2 Edições: 1954 e 1985 – revista);

O Amigo das Tempestades (3 Edições: 1958, 1962 e 1980 – revista e aumentada);

A Visita (1962, Col. ‘Imbondeiro’, Sá da Bandeira, Angola);

Alentejo é Sangue (3 Edições: 1966, 1975 e 1980 – revista e aumentada);

Uma Pinga de Chuva (2 Edições: 1972 e 1983 – ‘Círculo de Leitores’);

Exilado (1973, Editora Inova, Colecção ‘Duas Horas de Leitura’).

Romance:

Suão (7 Edições:1960, 1961 – Portugália Editora, 1970, 1974 – Publicações Dom Quixote, 1974 – Edição ‘Círculo de Leitores’, 1978 – Editora Bertrand, 1985 – Livros Horizonte);

Terra do Nosso Pão (2 Edições: 1964 – Ed. Portugália, 1975 – Editora Bertrand);

A Fábrica (1979 – Editorial Estampa).

Reportagem:

Terras Velhas Semeadas de Novo (2 Edições: 1976 – Editora Bertrand);

Alqueva – A Grande Barragem (1979 – Editorial Estampa).

Diário:

Jornal I (1987 – Livros Horizonte);

Jornal II (1990 – Livros Horizonte).

Poesia:

Esta Terra que é Nossa (1952 – Cancioneiro Geral);

Canções do Vento (1957 – Cancioneiro Geral);

Rio Degebe (1973 – Editora Prelo);

Senhor Vento (1982 – Livros Horizonte);

Breve Antologia Poética (1991 – Edição da Câmara Municipal de Évora).


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sábado, 3 de fevereiro de 2024

António da Silva Godinho

Faleceu no dia 7 de Julho de 1997 António da Silva Godinho, personalidade eborense que, ao longo da sua vida, se dedicou às mais diferentes formas de atividade cultural, nomeadamente ao jornalismo e ao teatro amador, de que era um profundo apaixonado.

Enquanto jornalista colaborou em quase toda a imprensa regional, nomeadamente em “O Arraiolense”, O Montemorense”, “Jornal de Évora”, “Democracia do Sul”, “Notícias de Évora”, “Diário do Sul”, “Brados do Alentejo”, “Notícias do Sul” (Semanário) e ainda na “Revista Alentejana” (da Casa do Alentejo).

Além de jornalista, a outra faceta importante da sua vida foi o Teatro, tendo-lhe dedicado grande parte do seu tempo disponível, podendo mesmo afirmar-se que a Sociedade Operária de Instrução e Recreio “Joaquim António de Aguiar” foi a sua segunda casa. Nesta Sociedade, para além da atividade cénica, fez igualmente parte de várias comissões organizadoras de conferências, exposições e concursos literários.

Grande apaixonado de Évora, muito contribuiu para a divulgação de alguns aspetos da história do seu quotidiano, tendo vários dos seus trabalhos de pesquisa sido publicados na Revista “A Cidade de Évora”, sob o título genérico de “Temas Oitocentistas” e divididos por quatro Séries:

I – “A Cidade de Évora”, N.º 63-64: O Teatro das Casas Pintadas; Panorâmica do Teatro Amador Eborense (Segunda metade do Séc. XIX); A Questão do Mercado; Arraial desfeito; Antes da técnica publicitária; A Política e os Músicos; A primeira festa no Teatro Garcia de Resende; Agitado fim de ano; Um Verão sem tédio; O despertar da cidade; A Feira de S. João; Figuras da Porta Nova; Nos primeiros tempos da bicicleta.

II – “A Cidade de Évora”, N.º 65-66: Figuras populares; A Questão dos Mercados; Iniciativas contra o Analfabetismo; Praça Joaquim António d’Aguiar; Festejos Populares; Amadores de Música Eborense; Tuna Académica Eborense; Bombeiros Voluntários de Évora; Praça do Geraldo; A Procissão dos Caldeirões.

III – “A Cidade de Évora”, N.º 67-68: Carolices de barbeiros; Tempos de crise; Évora e o Marquês de Pombal; O «Granito»; Carnaval; Transportes colectivos; Praça das Mercês; Queda de Governo; Filarmónicas Eborenses.

IV – “A Cidade de Évora”, N.º 69-70: Ronda jornalística; Escola Normal de Évora; Edifício dos Correios de Évora; Palácio de D. Manuel (Velho espaço de cultura eborense).

E ainda n’ “A Cidade de Évora”, N.º 71-76: À volta da Praça do Geraldo.

No “Diário do Sul”, teve a seu cargo as secções “Há 50 anos” e “Évora Antiga”, onde igualmente divulgou vários aspetos da história eborense dos finais do século passado.

Foi proprietário e colaborador assíduo do semanário eborense “Notícias do Sul”, de que o escritor Antunes da Silva foi Diretor, desde o n.º 1, saído a 5 de Outubro de 1976 até ao último, o nº 237, saído a 30 de Julho de 1981.

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quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Afonso de Carvalho

Afonso de Carvalho licenciou-se em História pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, tendo igualmente o curso de Ciências Pedagógicas da mesma Faculdade.

Lecionou no Liceu Passos Manuel em Lisboa e, em 1977, ingressou como professor efetivo na Escola Secundária André de Gouveia, em Évora.

Desenvolveu uma notável carreira de investigador com publicação sistemática de trabalhos no âmbito da História Local, especialmente nas áreas da Toponímia, Inquisição e Marginalidades. Foi orientador de estágio durante vários anos, tendo colaborado em vários seminários e colóquios sobre temas ligados à História de Évora, promovidos, quer pela Escola onde lecionou, quer por outras da região, como Beja e Estremoz.

Participou também nas 1.as Jornadas de História Moderna em 1986, organizadas pela Faculdade de Letras de Lisboa, com um estudo sobre “As Mancebias em EVORA no Antigo Regime”, estudo esse publicado em separata das Actas do referido Congresso e também numa publicação com o título: “ÉVORA: História e Imaginário”, editado pela Ataegina – Associação de Produções Culturais.

Foi-lhe atribuído o Grau de Mestre em História Moderna no ano de 1993, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. A sua dissertação de mestrado, orientada pelo Professor Doutor J. Veríssimo Serrão, versou sobre o tema “A Toponímia de Évora, da Idade Média ao século XVI”.

Este seu trabalho de estudos toponímicos, que só parte dele foi ainda publicado, trata das designações dos arruamentos e outros lugares públicos da Cidade de Évora, enquanto circunscritos ao espaço delimitado pela muralha medieval, ou seja, a Cerca Nova e, excecionalmente e a propósito das Portas da muralha dita fernandina, alguns topónimos extramuros.

Todo o estudo desenvolvido foi perspetivado no sentido de enquadrar uma vasta recolha de elementos da toponímia e outros dados da história de Évora, procurando compreender a evolução da toponímia eborense e o próprio crescimento da Cidade ao longo dos séculos XIV-XVI e articulando os pequenos acontecimentos da História Local com os factos da vida e da História nacionais.

Afonso de Carvalho faleceu em Évora no dia 2 de Julho de 2015.

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quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Túlio Espanca


Túlio Alberto da Rocha Espanca nasceu no dia 8 de Maio de 1913, pelas 22:00 horas, na antiga Rua do Angerino, freguesia de Nossa Senhora da Conceição (Matriz) em Vila Viçosa.

Filho de José de Jesus da Rocha Espanca, natural de Vila Viçosa, e de Maria Rosa Alberto, natural da freguesia de Nossa Senhora de Machede, concelho de Évora. Em Vila-Viçosa viveu até à idade de 7 anos, altura em que veio para Évora acompanhado de seus pais e irmãos.

Grande especialista da História da Arte eborense e alentejana, exerceu larga atividade no Grupo Pró-Évora e na Comissão Municipal de Turismo da Câmara Municipal de Évora, e deixou vasta obra de pesquisa ligada à História e à Cultura artística do Sul do País, em grande parte publicada na revista “A Cidade de Évora”, assim como nos “Cadernos de História e Arte Eborense”, regularmente editados desde 1944.

A sua obra principal, porém, foi a que deixou integrada no “Inventário Artístico de Portugal”, da Academia Nacional de Belas-Artes, no qual foi o organizador dos oito monumentais tomos dedicados ao Concelho de Évora [1966], ao Distrito de Évora [1975 e 1978] e ao Distrito de Beja (l.a parte) [1993].

Como reconhecimento da grande valia da sua obra, Túlio Espanca foi em 1959 nomeado membro da Academia Nacional de Belas-Artes, em 1979 eleito Vogal Efectivo e em 1982 Académico Honorário, tendo sido agraciado com a Medalha de Mérito, «por deliberação concordante desta Academia, reunida em sessão ordinária de 10 de Dezembro de 1982, onde foram realçados os merecimentos que levaram à respetiva concessão.»

Em 1976, entrou como sócio correspondente na Academia Portuguesa da História.

Em 29 de Maio de 1982 foi Túlio Espanca contemplado com o Prémio Europeu da Conservação dos Monumentos Históricos, da Fundação F.V.S. de Hamburgo, pela atividade desenvolvida durante quarenta anos em favor da preservação dos monumentos e cidades do Alentejo.

A 27 de Novembro de 1982 foi atribuída a Túlio Espanca a Medalha de Ouro da Cidade, pela Câmara Municipal de Évora presidida pelo Dr. Abílio Fernandes, homenageando o historiador, a sua obra e a sua vida de intenso labor em prol da Cultura e da História, de Évora e do Alentejo.

E logo a 29 de Novembro, o Presidente da República Portuguesa, General Ramalho Eanes, Grão-Mestre das Ordens Portuguesas, conferiu a Túlio Espanca o grau de Oficial da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, condecoração que distingue personalidades que se evidenciem nas Ciências, Letras e Artes.

A 1 de Novembro de 1990 foi atribuído a Túlio Espanca o grau académico de Doutor «Honoris Causa» pela Universidade de Évora. Foi o reconhecimento universitário do mérito cultural de Túlio Espanca, que dedicou toda a sua vida a ler nas bibliotecas e arquivos a história artística e cultural da cidade de Évora e do Alentejo. Doutoramento, esse, conferido pelo Senado da Universidade eborense na área científica de História da Cultura Portuguesa.

Nesta ocasião e a propósito da atribuição do Doutoramento Honoris Causa a Túlio Espanca pela Universidade de Évora, o Professor Doutor Joaquim Veríssimo Serrão, Presidente da Academia Portuguesa da História, declarou, tratar-se de «uma justa homenagem a quem pela sua valiosa obra e pela dedicação de uma vida, tanto tem prestigiado a Arte portuguesa e as tradições culturais da sua província natal…».

Túlio Espanca viria a falecer em Évora, a 2 de Maio de 1993.

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sábado, 11 de janeiro de 2020

Quem foi Diana de Liz


Diana de Liz é o nome de uma estirada rua da cidade, que começa nas antigas instalações da Manutenção Militar e vai até à Albergaria Vitória, de um lado, e à filial em Évora do BPP, do outro, depois de cruzar as Avenidas dos Combatentes e de Dr. Barahona e ladear a Ermida de S. Braz e o hotel D. Fernando. As placas toponímicas identificam-na como uma escritora eborense do século XX. Na cidade, porém, ela é praticamente desconhecida, tal como a obra que produziu. Oitenta anos passados sobre o seu desaparecimento, ainda não tinha 40 anos, é tempo de a revelar aos seus actuais conterrâneos. Por trás deste pseudónimo literário abrigou-se Maria Eugénia Haas da Costa Ramos, eborense de gema, nascida a 29 de Março de 1892 na freguesia de S. Pedro, sendo filha do capitão do Regimento de Cavalaria nº 5, Zacarias da Costa Ramos, e de Margarida Amélia Haas da Costa Ramos. 

Apesar de ser um abastado proprietário rural eborense, a errância da vida militar levou o capitão Zacarias Ramos a fixar-se com a família em Lisboa, tinha a pequena Maria Eugénia oito anos de idade. Na capital, a menina recebeu esmerada educação, tendo aprendido com extrema facilidade as línguas francesa, inglesa e italiana. Aprimorou entretanto o estudo da língua pátria e dedicou-se à música. Aos 20 anos tinha cumprido a formação intelectual e tornara-se uma mulher moderna, desempoeirada e desejada nos meios mais elegantes da sociedade lisboeta. 

Ademais era bonita, muito feminina e sensual. Continuava a vir a Évora, acompanhando os pais que amiúde se deslocavam para se inteirarem do estado das suas lavouras; outras vezes, corria a visitar a madrinha, que a adorava. E, com espírito diletante, cultivava a escrita em prosa (pequenas novelas) ou em verso, material que ia colocando em vários periódicos sob o nome por que era conhecida entre as amigas: Mimi Haas. Assim aconteceu no “Correio da Manhã”, no “Diário de Notícias”, no “Diário de Lisboa”, no “Magazine Bertrand”, na “Vida Feminina” e outros. Foi no primeiro destes periódicos que, em 1923, utilizou pela primeira vez o pseudónimo Diana de Liz, o qual não viria a abandonar até final da sua curta existência. Por este se tornou igualmente conhecida no estrangeiro, escrevendo para o “ABC” de Madrid e para o “El Suplemento” de Buenos Aires. 

Nestas andanças veio a conhecer, em 1926, o jornalista e escritor Ferreira de Castro, nessa altura vivendo tempos difíceis de fome e privação. Ambos se envolvem numa paixão tórrida. Diana tinha já 34 anos e Ferreira de Castro menos seis. Pretendem casar-se, mas os pais dela opõem-se à sua união com um homem sem futuro nem profissão e deserdam-na. Juntam-se em 1927 e vão viver para uma casa térrea, sem água nem luz eléctrica, na Rua Tenente Espanca, frente à actual sede da Fundação Calouste Gulbenkian. No ano seguinte Ferreira de Castro publica “Emigrantes”, o seu primeiro grande romance. A vida do casal melhora um pouco. Em 1929, depois de uma visita a Paris e a Andorra, Maria Eugénia adoece de tuberculose e o escritor leva-a para a sua casa natal de Osselas (Oliveira de Azeméis), tentando uma mudança de ares que lhe seja favorável. Em vão. Aí morre a 27 de Maio de 1930, ano em que é lançada “A Selva”, a imortal obra prima de Ferreira de Castro, que conhece um sucesso estrondoso em Portugal e além-fronteiras. 

O escritor vai então dedicar-se à tarefa de coligir, organizar e procurar editor para a publicação dos escritos da mulher. Tarefa difícil, porque, como o próprio Ferreira de Castro viria a referir, ela «escrevia pelo puro prazer de escrever e quando isso lhe era voluptuoso. Depois, abandonava os seus trabalhos, quase os esquecia». Assim, aparece em 1931 “Pedras Falsas”, uma colectânea de pequenas novelas, crónicas e cartas, quase todas publicadas no “Correio da Manhã”, prefaciada pelo seu companheiro, o qual, logo de início, confessa: «Devo, talvez, a este livro o estar ainda vivo. Se não fora o desejo de o publicar, eu teria seguido, possivelmente, a sua autora, quando a morte ma roubou. (…) Disse-lhe eu, que os seus livros, quaisquer que fossem os esforços a fazer seriam publicados ». Dando cumprimento ao prometido, surge, passado um ano, “Memórias de uma Mulher da Época”, uma novela de maior fôlego e mais vasta ambição. 

Foi a sua última obra póstuma. Entretanto o próprio escritor, consumido pelo desgosto, tinha adoecido gravemente com uma septicemia e tentara o suicídio. Conseguiu sobreviver e foi convalescer para a Madeira, onde escreveu “Eternidade”, que lhe dedicou e se revelou como um grito de revolta contra o fatalismo biológico do homem. No dia em que fez quatro anos de falecida, a cidade, por intermédio do Grupo Pró-Évora, prestou-lhe sentida homenagem, organizando uma sessão solene evocativa da sua obra. O seu nome foi então dado à citada artéria e uma lápide toponímica colocada numa das esquinas da Ermida de S. Braz, de cujo descerramento se encarregou o próprio Ferreira de Castro. Diana de Liz está sepultada em Ossela, em jazigo que Ferreira de Castro mandou erguer. Na campa ao lado, figuram os restos mortais dos pais do escritor e da mãe de Diana, segundo o seu próprio desejo, depois de arrependida de a ter repudiado.


ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
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sábado, 4 de janeiro de 2020

A. Bartolomeu Gromicho - O Senhor Reitor


De 1841, ano em que abriu as suas portas, até 1974, o Liceu Nacional de Évora conheceu 22 reitores. Durante a monarquia o cargo foi entregue quase exclusivamente a altos funcionários políticos da cor do partido no poder, normalmente governadores civis, pelo que os seus mandatos foram, regra geral, de curta duração. A República não trouxe quaisquer alterações neste campo. A função continuou a ser cometida a comissários políticos, embora os tempos de permanência na administração da instituição tivessem aumentado. Em 1929, já em plena Ditadura Militar que conduziria à instauração do Estado Novo, o novo poder nomeou para reitor António Bartolomeu Gromicho, professor da academia desde 1916, cujo consulado terminou exactamente três décadas depois, por via da sua aposentação. Ao serviço do Liceu de Évora, que recuperou, desenvolveu e defendeu, esteve 43 anos. Para além disso foi também um apaixonado pela urbe e um dos primeiros a aperceber-se do seu valor turístico enquanto cidade de cultura. Bartolomeu Gromicho nasceu na vila de Alandroal em 24 de Agosto de 1891, sendo filho de pai incógnito. Veio a frequentar o Seminário de Évora mas não seguiu o destino que lhe parecia destinado. 

Bacharelou-se em Letras e obteve o diploma de professor da Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra. Com 23 anos ingressa no Liceu Nacional de Évora. Encantado com a cidade, percorre-a demoradamente e interessa-se pelo estudo do seu passado, tão rico em pormenores revelados e outros que se deixam adivinhar mas permanecem ocultos do conhecimento geral. Mal é nomeado Reitor do Liceu, dedica-se à tarefa de recuperar a propriedade do antigo Colégio do Espírito Santo da extinta Universidade de Évora, que em 1913 o governo republicano havia entregue à Casa Pia de Évora. O Liceu havia passado à mera condição de arrendatário, vendo-se ainda obrigado a desafectar a ala do primeiro andar para que nela se instalasse a Escola Comercial e Industrial, criada no mesmo ano. Aproveitando o facto do ministro da Instrução ser Gustavo Cordeiro Ramos, eborense, antigo aluno e professor da instituição, consegue que a posse do edifício e terrenos anexos transite para o Estado. Nestes, o Liceu vai construir os campo de jogos e o ginásio (actual auditório da Universidade), na sua época considerado como um dos melhores do país. 

Paulatinamente, foi restaurando as salas do antigo Colégio e realizando diversos melhoramentos no edifício, cuja área se estendeu com a saída dos antigos parceiros de ocupação: a Escola Comercial vai para o antigo convento de Santa Clara, em 1951, e a Casa Pia passa para o Convento de S. Bento de Cástris, em 1957. Com mais espaço à disposição, são criados a biblioteca, os gabinetes de biologia e ciências naturais, de física e de química. O Liceu de Évora, sob a sua tutela, torna-se um dos mais bem apetrechados a nível nacional, enquanto vê reforçado o seu quadro de professores, sempre de elevada qualidade. No plano político a sua adesão ao salazarismo tinha-o conduzido à Câmara, onde ficou como vereador da cultura. Assumiu a presidência da Comissão Municipal de Turismo, criou o Posto de Turismo da Praça do Giraldo e, em 1938, elaborou e viu ser aprovado o “Regulamento Geral da Construção Urbana para a Cidade de Évora”, documento fundamental para desincentivar todos quantos, a pretexto de modernizar a sua arquitectura, lhe pretendiam alterar a face. Tornara-se entretanto presidente do Grupo Pró-Évora, associação de defesa do património criada em 1919, que viria a organizar, duas décadas depois, sob a sua égide, um curso de cicerones que teve como vencedor Túlio Espanca.

Tendo este como editor, fundou em 1942 e dirigiu, no âmbito municipal, o Boletim de Cultura “A Cidade de Évora”, que ainda hoje se encontra em publicação. Entre este ano e 1959 exerceu a função de deputado da União Nacional. Os afazeres políticos foram-lhe, entretanto, retirando tempo para uma intervenção mais activa no quotidiano cultural. Apesar disso, foi reunindo papéis, documentos e diplomas sobre a existência do Liceu e tornou-se no próprio historiador da instituição. A sua boa estrela empalideceu já perto de atingir o limite de idade, na sequência da intenção governamental de restaurar os estudos superiores na cidade. 

Estes seriam instalados no Colégio do Espírito Santo, seu antigo poiso, pelo que se procederia à construção de um novo liceu. Em intervenção no Parlamento, no dia 24 de Outubro de 1958, Gromicho, embora aceitando a restauração da Universidade em Évora, critica asperamente o propósito de ser o Liceu a transferir-se de lugar, já que este ali criara raízes, pergaminhos, tradição e carisma, deixando sinais indeléveis na vida cultural da região e do país em cerca de 120 anos de existência. Esta tomada de posição valeu-lhe a animosidade das chamadas forças vivas citadinas, que o maltrataram verbalmente na imprensa e oralmente nos cafés, nas tertúlias e outros lugares públicos. Elementos do Grupo Pró-Évora demitiram-se para o deixarem isolado. Aposentou-se a 24 de Fevereiro de 1959, amargurado e desiludido. O Governo ainda lhe conferiu a Comenda da Instrução Pública. Na hora da retirada recebeu porém o carinho e o agradecimento de muitos antigos alunos. Faleceu em 17 de Agosto de 1964.  

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segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Recordar Paulino Ramos

Fez, no dia 6 de Setembro, duas décadas sobre o desaparecimento do pintor Manuel Paulino Ramos, o último dos artistas boémios da cidade. Prazenteiro e folgazão, sempre atarefado no seu passo miúdo e saltitante, optimista perante tudo e todos, de piada fácil e espontânea, palavroso e bem falante, quem não se recorda do mestre Paulino, de chapéu mole e nariz à Cyrano de Bergerac, atravessando as ruas do burgo em direcção ao seu local de trabalho ou, em alternativa, encaminhando-se para o “Fialho”, que o estômago de um bon vivant também tem razões que a razão desconhece, como diria Pascal em relação ao coração? Esta é por certo a imagem mais intensa que permanece na memória de quem o conheceu ou de quem, com ele, alguma vez se cruzou nas andanças do quotidiano da cidade que ele tanto amou. E no entanto Paulino Ramos não era natural de Évora, nem sequer da região, o que muito o desagradava. Se o queriam ver destemperado, era alguém falar-lhe no assunto, a ele, que a fala arrastada denunciava como um puro alentejão. A verdade, porém, é que vira a luz do dia a 26 de Julho de 1923 na transmontana cidade de Vila Real. Seu pai, eborense de gema e sargento músico de profissão, ali fora parar na sequência de uma das muitas convulsões político-militares em que a I República foi fértil. Nas Terras Frias do Nordeste conheceu uma senhora, órfã, mas de alguns haveres e cabedais, com quem veio a consorciar-se. Mas os mesmos ventos políticos que o levaram para Vila Real acabaram por determinar o regresso a Évora. Foi apenas com dez dias de existência que o pequeno 

Manuel bebeu o ar da planície e não mais daqui arredou. Na escola primária aconteceu o episódio que o havia de levar a uma fecunda carreira de pintor autodidacta. O Ministério da Instrução havia decidido promover um concurso a nível nacional para seleccionar trabalhos destinados a representar Portugal num certame internacional, a realizar em Bruxelas, para estudantes daquele grau de ensino. Um quadro seu foi seleccionado para a exposição final e mereceu uma menção honrosa, o que lhe serviu de estímulo para o futuro. Acabado o curso primário, Paulino ingressou na Escola Comercial e Industrial de Évora. Concluídos os primeiros dois anos, passou à condição de trabalhador-estudante, tendo arranjado emprego na firma João Lopes Branco, onde se manteve durante largos anos. O adolescente medrou e tornou-se homem feito, mantendo o firme propósito de ser artista plástico. Comprou tintas, pincéis e cavaletes e instalou-se nas ruas e praças de Évora para melhor as sentir e enquadrar em traço próprio. Segundo a filha, Ivone, a técnica foi-a aprendendo com muitos artistas, nomeadamente aguarelistas franceses que por esse tempo invadiam a cidade. 

A partir daí trabalhou imenso e produziu com afinco, num constante aprimoramento da técnica da pintura em “folha de ouro”, através da qual retratou, no seu estilo peculiar, a monumentalidade de Évora. Mas outras formas de expressão pictórica e artística, expressas em materiais bem diferentes, como os relevos em estanho, ou sobre cobre, não lhe foram alheias, ainda na exploração da temática eborense. Noutro campo ganharam realce os seus conhecidos “Pássaros de Poeta”, que estiveram em exposição permanente durante cinco anos consecutivos nas Casas de Portugal espalhadas por diversos países da Europa e da América. O seu trabalho em artes gráficas levou-o entretanto a mudar de emprego, ingressando no Fomento Eborense, Lda., na fase áurea desta empresa no sector da publicidade. Criou o logotipo das célebres pastilhas elásticas “Pirata” e foi o coordenador da revista infantil do mesmo nome. Mas não ficou por aqui e esbanjou a sua versatilidade criativa na execução de painéis de azulejo, vitrais e na construção de cenários. 

Paulino Ramos produziu muito e muito vendeu. Com os proventos adquiridos, este excêntrico garimpeiro da arte eborense abriu na Rua das Lousadas “A Trave”, um misto de atelier e bar, lugar de encontro, reunião e convivência de artistas, cantadores, poetas e conversadores de tudo e de nada. Ali se casaram, durante mais de três décadas, a boémia e arte em noites de Outono e Inverno, ao acolhedor fogo de lenha alentejano. Depois teve ainda tempo para a instalação de um novo atelier no nº. 15 da Rua do Alfeirão, mais espaçoso, mais formal mas menos carismático. Só um imparável acidente vascular cerebral quebrou a energia deste homem que sorvia a vida a goles de inusitado prazer. Deixou-nos pouco depois, mas é de crer que o Paulino, da arte e da boémia, do riso solto e colorido, ainda nos espreite sorrateiramente, de quando em vez, no inesperado recanto duma qualquer travessa eborense.

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sexta-feira, 19 de julho de 2013

Inácia Angélica Ramalho Barahona - a mãe dos pobres


Inácia Angélica Ramalho Barahona foi porventura a mulher mais rica da cidade e, simultaneamente, a mais generosa de quantos a habitaram. Nasceu a 27/7/1844, no seio de uma família abastada, e o fato de ter enviuvado de dois matrimónios, contraídos com dois poderosos proprietários eborenses, sem que de ambos houvesse descendentes, levou a que concentrasse nas suas mãos uma fortuna fabulosa, consubstanciada em inúmeros prédios rurais e urbanos e um vultuoso número de ações disseminadas por diversos bancos. Mas nunca deixou de ser uma pessoa atenta aos problemas dos mais carenciados, quer através do financiamento de diversas associações filantrópicas, quer através da construção do monumental Asilo Ramalho Barahona, para o qual contou com o apoio sucessivo dos seus cônjuges, mas que só veio a ser concluído em 1908, em tempos da sua dupla viuvez. 

Neta do negociante Sousa Matos e do lavrador José Joaquim Fernandes (três filhas do primeiro consorciaram-se com outros tantos filhos do segundo, dando origem à mui abastada e poderosíssima família dos Matos Fernandes), Inácia Angélica, menina prendada, casou-se ainda não havia feito 20 anos com José Maria Dinis Ramalho Perdigão, nascido e residente no Monte da Oliveirinha, na freguesia da Graça do Divor. Ramalho Perdigão era 14 anos mais velho, pessoa discreta, amante das artes e lavrador de elevado mérito, tendo revolucionado a agricultura local com a introdução de novas práticas e metodologias nas suas explorações. Inácia Angélica possuía carácter sensível e bondoso, era senhora de maneiras requintadas, aprendidas entre a elite da cidade, que frequentava, para mais sendo a família a mais influente na administração concelhia, e tinha espírito determinado, procurando levar a bom termo tudo aquilo a que metia ombros. Para residência o casal mandou construir, em espaço herdado, um grande palácio que impressionou a cidade e os forasteiros pela sua dimensão, grandiosidade e beleza arquitetónica. 

Mas, para lá do levantamento de tão aparatosa mansão e da ajuda prestada ao município na abertura do Passeio Público, o par não ficou sossegado no afã de contribuir para o desenvolvimento da cidade. O ano de 1881 será marcante para ambos. Por alvará régio de 6 de Agosto, Inácia Angélica vê aprovados os estatutos do Asilo da Infância Desvalida de Évora, especialmente dedicado a acolher órfãos abandonados e no qual a filantropa se empenhou pessoal e financeiramente. Por sua vez, o marido fazia vingar um projecto muito caro à elite citadina encabeçando uma lista de 280 notáveis, que constituíram o grupo de acionistas da Companhia Eborense, a qual adquiriu, em 8 de Agosto, «uma casa térrea situada à Praça de D. Pedro» para aí instalar o Teatro Garcia de Resende. 

A obra visava ainda contribuir para resolver a grave crise de desemprego que grassava por essa altura em toda a região. Ramalho Perdigão viria a falecer a 29 de Janeiro de 1884, sem ver o seu palácio nem o teatro concluídos. Em testamento viria a constituir um legado de 12 contos para construção de um Asilo de Mendicidade para alojar os trabalhadores rurais inválidos da sua casa agrícola, uma grande aspiração de sua mulher, a quem condoía o coração ver deixados ao abandono aqueles que os tinham servido. 

José Celestino Rosado Formosinho, homem de posses, consideração pública e tendência republicana, viria a escrever, em tirada de grande apreço e admiração: «E se, em vida de seu marido a Srª. D. Inácia fizera o bem que podia, continuou na sua viuvez com mão larga e munificiente a derramar à flux os dons da caridade». Não ficaria muito tempo sozinha tão beneficente mulher. Da sua distinção, do seu porte, da sua personalidade assaz cativante e sedutora e da sua grandeza de alma se veio a encantar Francisco Eduardo de Barahona Fragoso, nascido em Cuba e apenas um ano mais velho que ela, filho do 1º. Visconde da Esperança, bacharel em Direito e Par do Reino, senhor de vastos domínios fundiários, opulentos rendimentos e apaixonado pelas artes clássicas. Depois das núpcias celebradas em 16/5/1887 e com a anuência da esposa, Francisco Barahona incute nova dinâmica e requintes de exceção, reforçados pela adição de novas verbas, às obras do Palácio e do Teatro Garcia de Resende. 

O Teatro foi inaugurado em 1892 e ofertado de imediato pelo casal à Câmara Municipal. No grandioso e magnificente Palácio, a partir daí conhecido pelo apelido de Barahona, foram alojando frequentemente os monarcas do tempo quando das suas visitas a Évora: D. Luís e D. Maria Pia de Sabóia, D. Carlos e D. Amélia. O primeiro destes soberanos, a instâncias da mulher, patrona e benemérita de imensas obras de caridade e ação, chegou em 1899 a oferecer o título de Marquesa a Inácia, mas esta recusou perentoriamente. As suas virtudes e a sua permanente ação esmoler vieram a ser consagradas publicamente num magnífico opúsculo em sua homenagem editado pelo “Eborense” (semanário que se publicou nos dois primeiros anos do século passado) no dia do seu 57º. aniversário, ocorrido em 1901. 

Interpretando o sentimento do povo, que já então a conhecia por “Mãe dos Pobres” e por “Anjo da caridade”, produziram textos de invulgares encómios a Inácia Angélica o já citado José Celestino Formosinho; o ex-governador civil Conselheiro José Carlos Gouveia; José Fernando Pereira, antigo Presidente da Câmara de Estremoz, distinto professor do Liceu Nacional de Évora e seu futuro Reitor; Henrique Freire, notabilíssimo professor de instrução primária e excecional pedagogo; António Francisco Barata, investigador, escritor e historiador; e finalmente, entre outros, Luís da Costa (Janota & Cª.), o repórter social da época. O segundo marido morrerá em 25 de Janeiro de 1905, não ficando totalmente terminado o Asilo de Mendicidade, sonho maior de sua mulher. O magnífico edifício, e obra de extraordinário alcance social, é inaugurado em 17/6/1908. 

A viúva dá-lhe o nome de Ramalho Barahona que usava, juntando o nome dos seus cônjuges. Assiste à chegada da República, a qual não teme, pois sabe que embora sendo monárquica está no coração de todos eborenses. Deixa então o Palácio, que será vendido em 1915 à Companhia de Seguros “A Pátria”, então em fase de constituição. Passa a residir no nº. 13 da Rua de Cicioso (João Mendes de Cicioso, judeu riquíssimo que ali viveu na segunda metade do século XV e foi igualmente um grande benemérito da cidade), onde continuará a corresponder com o generoso óbolo a quem a ela recorre, sejam pessoas ou instituições de solidariedade. 

Finar-se-á a 5 de Janeiro de 1918, e da sua colossal fortuna deixará em testamento, publicado no “Notícias d’Évora”, dois contos de réis (2.000$00) a dividir pelas quatro freguesias da cidade para serem distribuídos pelas pessoas mais pobres de cada uma, consoante as respetivas necessidades; 9 contos de réis em ações nominais à Santa Casa da Misericórdia; 1 conto e trezentos mil réis em ações ao Asilo de Mendicidade; outro tanto ao Asilo de Infância Desvalida; e igual montante à Casa Pia, ao Montepio Eborense e à Associação Filantrópica Académica Eborense, num total de 17 contos e quinhentos mil réis (17.500.$00). Uma quantia fabulosa há quase 100 anos. Mas todos os que serviram a família, desde criados a feitores, passando por aias e pastores, foram contemplados, chegando os mais antigos e fiéis a serem beneficiados com o usufruto vitalício de alguns prédios, legados naturalmente a herdeiros de Inácio Angélica.

Texto: José Frota

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Vida e obra de Antunes da Silva ou o orgulho de ser alentejano


A vida de Armando Antunes da Silva foi essencialmente marcada por três grandes paixões: a escrita, o Alentejo e a prática democrática. Na literatura foi o que se pode chamar um escritor regionalista, dado que toda a temática da sua obra se centra naquilo a que chamou de “Pátria Alentejana”, socorrendo-se de uma linguagem linear, fácil e atraente. Pertenceu à segunda geração do neorrealismo, cujos mecanismos de representação narrativa se fundavam nos conflitos sociais que colocavam predominantemente em cena camponeses, operários, patrões e senhores da terra. Em termos políticos, lutou através da ação e da palavra contra a ditadura. Num outro plano, nutria uma especial afeição pelo Juventude Sport Clube, coletividade de que chegou a ser dirigente. 

Antunes da Silva nasceu em Évora em 1921, na Rua do Muro, sendo filho de um carpinteiro e neto de um casal de beirões que baixaram ao Alentejo para ganhar a vida no campo. Criado com a avó, cedo aprendeu a conhecer a natureza, os desmandos dos elementos (as chuvas, as secas, os ventos, as tempestades), os animais e os seus ciclos de vida e também as agruras, as carências, as dificuldades, a miséria e as injustiças que compunham a triste vida dos assalariados rurais. Depois de feita a instrução primária matriculou-se na Escola Comercial e Industrial de Évora, que passará a frequentar à noite, quando por volta dos treze anos consegue que o solicitador António Manuel Pascoal lhe arranje trabalho no seu escritório. 

Revertendo mais tarde ao horizonte da sua infância e adolescência, escreverá um livro de crónicas denominado “Alentejo é Sangue”, que dedicará emocionadamente ao «José Godinho Bastos, Álvaro Velez, António Rodrigues, Joaquim Maria Carrageta, Eduardo Teófilo Braga, João Cabeça Ramos, Manuel Peres, Joaquim Franjoso Murteira, Domingos Martelo, Joaquim Brás Godinho, António Cavaco e Manuel Chaveiro – gente do povo e da mesma raça, que deram à minha juventude a alegria de viver e o orgulho de ser Alentejano». 

Nessas páginas rememorará como uma dádiva de saudade as imagens da vida de todos: na escola primária, na escola industrial, no jogo da bola no Buraco dos Colegiais, no velho Convento do Salvador; ou confecionando uma gazeta pícara, datilografada, onde havia aprendizes de prosador, com saibo pelos pactos do amor e da amizade, e jornalistas sensíveis; brincando aos detetives e aos poetas, vagabundos noturnos dentro das ruas da nossa cidade, povoada de lendas, dos nichos, arcos, alcárcovas, poiais e catacumbas; no Jardim Público, ouvindo a música no coreto e namorando as moças – «tribunos de uma adolescência exaltante, pachorrenta e livre». 

Do escritório do solicitador Pascoal sairia Antunes da Silva para a Seguradora Ultramarina, organismo de Estado. As suas preocupações sociais levam-no a ingressar nas fileiras do MUD (Movimento de Unidade Democrática)/ Juvenil, integrando a secção de Évora. Detido em 1945, ano de eleições, pouco tempo permanece preso. É readmitido ao serviço e vê publicado no ano seguinte pela editora Inquérito “ Gaimirra”, um livro de contos que há tempo lhe bailava na mente. Todavia a vida em Évora tornara-se-lhe insuportável. Não tinha a mínima tranquilidade, perseguido que era constantemente pela PIDE, que destinara para a sua vigilância um indivíduo sem quaisquer escrúpulos, vigarista consumado e pederasta conhecido. Atendendo às circunstâncias, Antunes da Silva rumaria a Lisboa em 1948, apenas com 27 anos, onde um amigo lhe irá arranjar colocação na secção de publicidade e relações públicas da Celcat, fábrica de cabos eléctricos, emprego que ficará para o resto da vida. 

Garantida a subsistência e atingido o equilíbrio de vida, recomeçará então a sua produção literária, sempre na área do conto. A uma cadência bem ritmada publica ainda nesse ano “Vila Adormecida”, dois anos mais tarde “Sam Jacinto” (1950), “O Aprendiz de Ladrão” (1954) e “O Amigo das Tempestades” (1958). E em 1960 estreia-se no romance com “Suão”, título que o consagrará ao obter o “Prémio dos Leitores” do “Diário de Lisboa” e despertar a curiosidade dos críticos além- -fronteiras. Tiragens de muitos milhares de exemplares, traduções em várias línguas e a sua adaptação a peça radiofónica por parte do Rádio Clube Português, que a transmitiu em vários episódios, fizeram saltar o seu nome para a galeria dos notáveis da literatura portuguesa do seu tempo. 

Quatro anos depois dará à estampa «Terra do Nosso Pão», a que a censura não achou qualquer graça, tendo mandado apreender os últimos exemplares da primeira edição. A temática agora abordada era a cisma do regresso dos que nos anos 40 e 50 haviam deixado os campos e abalado para a cintura industrial para fugirem a um destino de fome e miséria. Os coronéis da censura recomendaram «que não deveria permitir-se o reclame do livro ou quaisquer críticas, nem ser permitida nova reedição». Em 1969, durante a chamada “primavera marcelista”, fará nova incursão na vida política ativa ao integrar as listas do MDP/CDE pelo círculo de Évora às eleições legislativas, as quais eram compostas por uma mescla de católicos progressistas e elementos de esquerda. 

Só voltará ao romance depois do 25 de Abril com «A Fábrica», uma obra menor, pouco conseguida e até confusa, longe da grande qualidade de trabalhos anteriores. Claro que a Reforma Agrária não o deixou indiferente. Em 1976 reuniu, em livro que denominou de “Terras Velhas Semeadas de Novo”, uma série de reportagens feitas por si ao serviço de diversos jornais. Nesse mesmo ano assumiu o cargo de diretor do “Notícias do Sul”, um semanário regionalista, literário e publicista, «apartidário, defensor das classes mais desfavorecidas», o qual teve sede em Évora no Largo Severim de Faria e se extinguiu três anos depois. Gostava imenso do jornalismo e colaborou em diversos periódicos, entre os quais “O Comércio do Porto”, “Diário Popular”, “Diário de Lisboa” e “República”, entre os de expansão nacional. 

No Alentejo abrilhantou as páginas da “Democracia do Sul” (Évora) e do “Diário do Alentejo” (Beja). Teorizou sobre o neorrealismo nas revistas “Vértice” e na “Colóquio”. Em 1987 foi-lhe atribuído o Prémio de Jornalismo do II Congresso sobre o Alentejo, realizado na capital do Baixo Alentejo. Mas, à semelhança de Manuel da Fonseca, Antunes da Silva também foi poeta. Em 1952 lançou “Esta Terra Que é Nossa”, que começou por ser proibido pela censura mas que, submetido a uma segunda apreciação, recebeu autorização para ser publicado, «apesar de não ser isento de reparos e o autor ser considerado suspeito». Reincidiria em 1957 com “Canções do Vento”, sempre, sempre o vento... (Vá-se embora senhor vento/não são horas de aqui estar/não há trevo nem há água/para o gado apascentar...). 

O grosso da sua produção poética está porém disperso pelas publicações citadas e também pelos dois Diários que escreveu: “O Jornal I – Diário”, escrito ainda em companhia da sua esposa, Arlete, que viria a falecer de doença súbita, e abrangendo relatos de fatos e acontecimentos ocorridos nos anos de 1984 e 85 e publicado em 1887; e o “Jornal II - Diário”, começado em 1986, ano do seu regresso, durante o qual casará em segundas núpcias com Maria Gisela, passando o casal a viver na Alcárcova de Baixo. Nessas páginas discorrerá sobre a velhice, sobre a paisagem alentejana e as suas cambiantes e reflete sobre o passado e a sua própria velhice, tudo isto entrecortado por poemas, numa linguagem simples e despretenciosa. 

Com este livro dá por concluída a aventura diarística em 1990. A sua publicação acontece ainda nesse ano. Em 1991 será o mandatário distrital do PS em Évora às legislativas, na condição de independente. Em 29 de Junho desse ano a Câmara distingue-o com a Medalha de Mérito Municipal e, em 1992, Mário Soares, enquanto Presidente da República, atribui-lhe o grau de Comendador da Ordem do Infante D. Henrique. Em 1996 a edilidade homenageou- o, comemorando os seus 50 anos de vida literária editando um pequeno livro preenchido com uma seleção dos mais belos textos. 

Passará os últimos anos da sua vida a ler e a conversar com os amigos nas arcadas da Praça, nunca desperdiçando uma oportunidade para um bom petisco, acompanhado de um copo de tinto alentejano. De quando em vez ia até Sines, terra de que gostava bastante e onde possuía casa também. Foi um homem bom, afável mas discreto, que não gostava de se colocar em bicos dos pés e por isso mesmo recusava sempre com elegância convites para colóquios e debates. Faleceu em 21 de Dezembro de 1997. A charneca e o mundo rural perdiam um dos seus lídimos defensores. Muito justamente, a autarquia viria a conceder o seu nome a uma das ruas da cidade.

Texto: José Frota

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

D. Manuel da Conceição Santos - o Arcebispo de Évora traído por Salazar


Figura de grande relevo na história da Igreja portuguesa, D. Manuel Mendes da Conceição Santos foi o mais conhecido de todos os prelados eborenses, permanecendo à frente dos destinos da Arquidiocese durante 35 anos, entre 1920 e 1955. Homem de fina inteligência e verbo escorreito, sócio da Academia das Ciências, é hoje tido como o pai do jornalismo católico regional. Os que o conheceram sempre falaram dele como pessoa de grande tolerância, bondade e modéstia. Em 1929 era o favorito dos seus pares para chegar ao Patriarcado, mas, numa manobra traiçoeira de Oliveira Salazar junto do Vaticano, viu-se preterido no cargo pelo grande amigo deste, Manuel Gonçalves Cerejeira. 

Faz agora exactamente 80 anos. Nascido em 1876 no lugar de Pé de Cão, freguesia de Olaias, concelho de Torres Novas, chegou a Évora oriundo da diocese de Portalegre, que comandara durante quatro anos (1916-1920) e onde ganhara fama e notoriedade nos conturbados tempos da implantação da República. Havia estudado nos Seminários de Santarém e da Guarda. A este último regressara enquanto pároco, chegando posteriormente a vice-reitor. Na cidade egitaniense fundara o semanário “ A Guarda”, que veio a servir de modelo a todas as publicações católicas regionais que se lhe seguiram, e em Portalegre, já como bispo, conseguiu reunir fundos para a diocese adquirir o “Distrito de Portalegre” - ainda hoje o título mais antigo do Alentejo em publicação - que considerou indispensável para exercer em plenitude o seu intenso e fecundo labor espiritual. 

Em 1919 o Patriarca D. António Mendes Belo convida-o para fazer o discurso oficial da Igreja nas exéquias de Sidónio Pais, e no início do ano seguinte nomeiao para idêntica função, nas cerimónias de transladação dos restos mortais de D. Pedro II e da Imperatriz, sua mulher, para o Brasil. Entretanto o Vaticano chama-o cultura e artes D. Manuel da Conceição Santos D. Manuel da Conceição Santos o Arcebispo de Évora traído por Salazar para a mitra episcopal de Évora, que vagara por morte de D. Augusto Eduardo Nunes, velho, cansado e desgastado pelos tempos árduos da oposição ao anti-clericalismo republicano que o chegaram a conduzir ao exílio em Elvas. Conceição Santos lançou-se ao trabalho para reconstruir uma diocese praticamente destruída, sem sede, com o Seminário encerrado por falta de candidatos e muitas paróquias sem padres. 

Com a ajuda de alguns católicos endinheirados funda “A Defesa”, para difusão das ideias católicas no contexto do novo regime político, consolida o acordo com a Condessa de Margiocchi para cedência do Convento do Carmo para funcionar como sede do episcopado e imprime uma dinâmica inovadora no recrutamento de vocações e no regresso dos fiéis aos templos. O acerto do seu múnus espiritual não podia ser posto em dúvida. Em 1928, o Cardeal Belo, já bastante enfermo, encarregou-o de benzer, a 13 de Maio, a primeira pedra da futura Basílica de Fátima. O lugar de Patriarca parecia-lhe destinado. Assim não sucederia. Na sombra, Oliveira Salazar, ainda só ministro das Finanças, já maquinava junto do Vaticano em favor do seu amigo de Coimbra, Gonçalves Cerejeira, recém - nomeado Arcebispo de Mitilene. E foi este que surpreendentemente veio a ser nomeado para o lugar, sucedendo a D. António Mendes Belo, falecido a 5 de Agosto de 1929. No seio da Igreja a tramóia de Salazar foi conhecida. 

Mas, para os leigos, a certeza de que D. Manuel Mendes tinha sido vítima de uma conjura política forjada pelo futuro ditador só chegou no dia do seu funeral, em 1955. Na oração fúnebre, o seu amigo D. José da Cruz Moreira Pinto, bispo de Viseu, declarou para quem quis ouvir,que nessa altura « um ministro de Estado fez saber superiormente que ele não era persona grata ao governo (Ministério Ivens Ferraz) para o Patriarcado». A hipocrisia de Salazar, porém, não tinha limites. Em 1932, o governo de Domingos de Oliveira, do qual fazia parte ainda como ministro da Finanças, concedeu a Conceição Santos, a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. O prelado continuou exercendo o seu magistério pastoral com a humildade, a bondade e a solidariedade de sempre. Em 1949 o governo do homem de Santa Comba Dão outorgou-lhe a Grã–Cruz da Ordem da Benemerência, destinada a distinguir actos ou serviços meritórios que revelem desinteresse ou abnegação em favor da colectividade no exercício de funções públicas ou privadas.

Texto: José Frota

quinta-feira, 28 de junho de 2012

O incrível republicano Florival Sanches de Miranda



Nasceu em Beja, no primeiro dia do ano de 1872, este homem que foi figura importante em Évora durante as três primeiras décadas do século passado e que nos seus últimos anos de vida dizia que «só lhe tinha faltado ser Arcebispo e Comandante da Região Militar para aqui ter sido tudo». Cerca de 75 anos transcorridos sobre o seu desaparecimento, os eborenses não sabem exactamente quem foi Florival Sanches de Miranda e apenas o associam ao parque de jogos do Juventude Sport Clube, que tem o seu nome, e a um pequeno bairro que lhe é contíguo.

Florival era o filho mais novo do casamento celebrado a 25 de Janeiro de 1864, em Beja, entre o militar de carreira Eduardo Augusto de Sanches de Sousa Miranda e Mariana Lúcia Guerreiro Montes, naturais daquela cidade alentejana. Coube a Aníbal Augusto, primeiro rebento do casal, seguir as pisadas do pai, começando por frequentar a Escola Militar. Com a patente de tenente de Cavalaria viria a ilustrar-se nas campanhas de África, em 1885, quando ajudou Mouzinho de Albuquerque a aprisionar o célebre régulo moçambicano Gungunhana na região de Chaimite.

Entre 1912 e 1914 foi Governador de Macau e no regresso comandou em Évora o Regimento de Cavalaria 5. Ao invés de seu irmão, a Florival sempre interessaram mais os negócios e a política que o ofício das armas. A sua presença em Évora só é detectada no derradeiro lustro da centúria de oitocentos, como solicitador encartado, profissão em que se requeria como habilitações a instrução pública obtida em estabelecimento público e a aprovação em exames perante o Juiz da Comarca, os quais recaíam sobre os conhecimentos da teoria do processo e da prática forense, com respeito às diferentes espécies de prazos e dilações.

Republicano assumido, depressa ganhou fama de grande habilidade nas questões de que tratava. Perspicaz e com sentido de futuro, meteu-se no ramo dos transportes urbanos, que passou a dominar. Em 1911 associou-se ao comerciante Brás Simões e ambos criaram a primeira empresa deste ramo, a “Aluguer de Automóveis a Sul do Tejo”. No ano seguinte tomou de trespasse a “Empresa de Transporte de Trens d’Aluguer”, tendo cedido a sua exploração a outros mediante o pagamento de uma renda bem alta. É em 1915 que se estreia em lugar de proa na política, sendo eleito Presidente da Direcção do Centro Republicano Democrático. Daí para diante será Administrador do concelho, Comissário da Polícia e vereador até à eclosão do golpe de direita (5 de Dezembro de 1917) que levará ao poder o major Sidónio Pais.

A participação na I Guerra Mundial e a incapacidade de entendimento dos principais partidos de matriz republicana tinham lançado o descrédito sobre as novas instituições democráticas. Assumido o poder, Sidónio Pais enceta uma política ancorada no poder pessoal, repressão e perseguição pessoal, alterações na ordem administrativa e outras medidas avulsas, em suma, emitindo sinais inequívocos de preparar o regresso da monarquia. Acaba por cair igualmente no desagrado popular. Para 12 e 13 de Outubro de 1918 são marcados pronunciamentos militares em Lisboa, Porto, Lamego, Penafiel, Vila Real, Coimbra e Évora, para apear Sidónio Pais do poder.

Mas apenas nos dois últimos locais o movimento foi desencadeado. E mesmo assim o de Coimbra durou escassas horas. O de Évora levou três dias a ser sufocado. De Lisboa foi enviado um forte contigente militar, que fez com que o comité revolucionário e os civis que o apoiavam não oferecessem resistência, tendo mesmo alguns fugido. Implicado nos acontecimentos, Florival Sanches Miranda foi preso e enviado, em companhia de mais de uma centena de militares e civis, para o Forte da Graça, em Elvas, onde ficaram a aguardar julgamento.

Dois meses após, mais exactamente na noite de 14 de Dezembro de 1918, Sidónio era baleado mortalmente na estação do Rossio, tendo-se caído numa situação de impasse quanto à detenção do poder, uma vez que no Norte os fiéis à Monarquia se haviam reorganizado como força de resistência. Recolocado o Partido Republicano no poder, Florival Sanches de Miranda é nomeado Governador Civil de Évora, cargo que exerceu entre 8 de Julho de 1919 e 30 de Maio de 1921. Em 1920 pagado seu próprio bolso, e em nome de Grupo Pró-Évora, a quantia de 50 contos pela aquisição do Palácio do Amaral (hoje Governo Civil), para aí se poder instalar o Museu Regional de Évora. Anos mais tarde ambas as instituições permutaram de lugares, num processo que não cabe aqui desenvolver.

A partir de 1923 Florival Sanches de Miranda começa a afastar-se paulatinamente da política e cessa mesmo qualquer actividade nesse campo a partir do golpe militar do 28 de Maio. Em 1928 negocia com a rica terratenente D. Maria Antónia Vieira de Barahona a compra de terrenos junto ao Asilo, pelos quais desembolsa faseadamente 45 contos (5 contos de sinal e o restante de uma só assentada), e que oferece ao Juventude Sport Clube, colectividade desportiva de sua afeição, para que este instale ali o seu parque de jogos.

Tinha entretanto acumulado uma razoável fortuna que, além de outras coisas lhe permitiu ser o segundo maior accionista (sócio-gerente) da Tipografia Minerva Comercial, Lda., onde investiu seis contos de réis, só superados pelos onze contos do Banco do Alentejo; pertencer ao grupo dos maiores accionistas da Companhia de Seguros “A Pátria”; e ser sócio-gerente do Salão Central Eborense. Vítima de grave doença, veio a falecer em Évora a 29 de Setembro de 1935.


Texto: José Frota 

quarta-feira, 20 de junho de 2012

A exemplar probidade de Mariana Perdigão

Primeira Governadora Civil em Portugal e mulher com um percurso de vida notável nas suas mais diversas facetas, Mariana Santos Calhau Perdigão foi seguramente uma das mais ilustres cidadãs eborenses de todo o sempre. Senhora de grande cultura, porte irrepreensível, distinta mas discreta, determinada e firme nas suas convicções, impôs-se à consideração de todos pela nobreza de carácter, pela firmeza das convicções e pelo sentido de solidariedade, responsabilidade, liberdade e democracia que em todas as ocasiões patenteou. Por isso deixou uma marca indelével em todos com quem privou.

Mariana Santos Calhau nasceu a 20 de Março de 1930 no conhecido Monte da Comenda Grande. Pertencente à abastada família dos Calhaus, abastados lavradores republicanos do concelho, fez a escola primária em casa com uma professora da escola pública contratada para o efeito. Mas isto era pouco para a sua ânsia de saber e de conhecimento e acabou por se matricular no Colégio de Nossa Senhora da Conceição (Doroteias) de Évora, que frequentou como aluna externa, e de seguida ingressou na antiga Escola do Magistério Primário, onde tirou o curso de professora do ensino primário.

Educada nos princípios da Igreja Católica e dotada de uma fé inabalável, a jovem Mariana sentiu-se tocada pelo espírito de renovação saído do Concílio Vaticano II e quis que ele se instalasse na sua própria vida. Libertou-se dos preconceitos de classe, abraçou em definitivo os ideais de liberdade que já bebera dos seus próprios pais e aderiu ao associativismo católico. No início da década de 50 tornou-se presidente diocesana da Juventude Escolar Católica. Nessas andanças fez amizade com António Augusto Ramos e Joaquim Lourenço Ventura Trindade, jovens dirigentes operários católicos que mais tarde vieram a formar com ela o núcleo dos católicos progressistas, sob a influência dessa figura ímpar de padre que foi José Alves Gomes.

Casara-se entretanto no dia 1 de Outubro de 1955, em Fátima, com o engenheiro agrónomo José Gregório Perdigão, de quem veio a ter sete filhos. Mas esse facto não a impediu de cumprir com muito zelo e dedicação o seu papel de mulher, mãe e pedagoga no seio da família. Antes já chegara à presidência da Juventude Internacional Católica. Atenta, a PIDE estabeleceu com ela os primeiros contactos, organizou-lhe a ficha de delinquente política e passou a seguir-lhe todos os movimentos.

Nas eleições de 1969, já com Marcelo Caetano no poder, estará ao lado da CDE, sendo candidatos oposicionistas por Évora às legislativas os católicos Manuel Tierno Bagulho (arquitecto) e o já referido Joaquim Ventura Trindade, em companhia dos escritores Mário Ventura Henriques e Armando Antunes da Silva, ambos da área comunista. Apesar da derrota os católicos de Évora, entre os quais Mariana Perdigão, não desarmaram e tentaram abrir na cidade um núcleo da SEDES - pólo de reflexão oposicionista consentido pelo consulado marcelista, chegando a convidar João Salgueiro para a inauguração. A PIDE/DGS faz abortar o projecto ao colocar um posto em Évora por iniciativa do Ministro do Interior, o temível Gonçalves Rapazote, advogado, deputado, juiz, presidente da Comissão Concelhia de Évora da União Nacional e grande latifundiário local, sob cuja dependência directa se encontrava a polícia política.

Não mais houve descanso para os oposicionistas eborenses. Mariana Perdigão correu ainda sérios riscos, o menor dos quais foi o de ser afastada da docência do ensino primário. Com os da sua classe sabia não poder
contar, o mesmo acontecendo com o Arcebispo D. David de Sousa, um prelado pusilânime e timorato, autêntico serventuário dos homens do regime. Ainda assim Mariana Perdigão e o seu grupo de amigos conseguiram, em 1973, levar por diante a ideia de fundar a Associação de Pais e Amigos dos alunos do Liceu.

Chega enfim o golpe militar libertador de 25 de Abril e, ainda antes do 1º. de Maio, Mariana e mais quatro dos seus dilectos companheiros de luta, António Augusto Ramos, Carlos Cruz, Rui Trindade e Armando Barbosa, criam o embrião do que será o núcleo do PPD (Partido Popular Democrático), posteriormente redesignado de PSD (Partido Social Democrata) em Évora. Em 21 de Fevereiro de 1980 é nomeada Governadora Civil de Évora no 1º. Governo da Aliança Democrática, liderado por Francisco de Sá Carneiro, lugar que manteve com Francisco Pinto Balsemão e donde saiu em 11 de Julho de 1983.

Ainda nesse ano foi eleita deputada à Assembleia da República. Não foi, nem estava no seu feitio, ser mais uma voz silenciosa e acomodada. Pelo contrário, participou na Comissão Parlamentar de Educação e Cultura, no âmbito da qual colaborou na elaboração das Leis de Base do Ensino e do Património Cultural. Em 1985, tendo cumprido o mandato, afastou-se da actividade partidária. Anos antes, mais concretamente a partir de finais de Dezembro de 1981, com a nomeação de D. Maurílio de Gouveia como prelado, reaproximou-se da hierarquia católica que a abandonara havia tempo. Tornou-se pessoa da máxima confiança do Arcebispo e fez parte da Comissão Diocesana Justiça e Paz, da qual aliás chegou a presidente. 

A sua sólida cultura levou-a ao Conselho Geral da Fundação Luís de Molina, à condição de fundadora do Clube Unesco em Évora e ao exercício do cargo de Secretária da Direcção do Instituto de Cultura Vasco Vilalva. A pouco e pouco foi aparecendo cada vez menos esta mulher de grande dignidade e fé indestrutível, que na vida atravessou dolorosas provações familiares, as quais passaram pela morte precoce do marido, da irmã e do único filho varão, falecido aos 23 anos num acidente de viação.

Faleceu em casa, ao cair da tarde do dia 11 de Novembro de 2008, junto das filhas. Pela sua obra cívica, política e humana, a Câmara Municipal de Évora prestou-lhe homenagem póstuma, no dia de S. Pedro do ano seguinte, concedendo-lhe a Medalha de Mérito Municipal - Classe Ouro. 

Texto: José Frota