segunda-feira, 14 de outubro de 2019

Óptica Havaneza - o sucesso sob designação obsoleta


O “Prémio Mercúrio – o melhor do comércio” foi criado em 2007 pela Escola do Comércio de Lisboa com o propósito de reconhecer e galardoar as entidades e personalidades que, em cada ano, mais se tenham distinguido pela contribuição e valorização do sector do comércio e serviços e outras profissões a ele ligadas. A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal veio a associar-se ao projecto como sua promotora. No ano passado foram atribuídos os primeiros troféus em várias categorias e diferentes ramos de actividade, mas nenhuma das empresas eborenses que se candidatou logrou a obtenção de qualquer distinção. No entanto, a Óptica Havaneza esteve entre as cinco nomeadas para a categoria de “Lojas com História”, tendo o triunfo sido arrebatado pela Livraria Lello do Porto. A selecção para o pequeno núcleo de empresas que chegou ao escrutínio derradeiro foi prestigiante para a firma, criada em 7 de Outubro de 1944 com um objectivo bem diferente do actual. 

Foram seus fundadores Sebastião Mendes Bolas, à data funcionário dos Correios, e sua mulher, Maria das Neves, que se estabeleceram na Rua Miguel Bombarda, nº 23, com um pequeno estabelecimento a que deram o nome de Havanesa (nessa altura a palavra foi assim grafada) Eborense. Destinava-se então à venda de tabacos nacionais e estrangeiros, lotaria, papelaria e artigos escolares. No anúncio publicado no “Notícias d’ Évora” se esclarecia que «as instalações da nova casa, não são muito espaçosas mas são largamente compensadas pelo variadíssimo sortido de artigos que apresenta». E porquê o nome estranho de Havaneza? Provavelmente porque este era o termo pelo qual se passaram a designar, desde a primeira casa em Portugal com esse nome – fundada em pleno Chiado lisboeta no ano de 1864 pelo Conde de Burnay – todas as lojas cujo objectivo principal era a venda de charutos e tabacos importados de Havana, sinónimo de grande qualidade e sujeição a um serviço cuidado e profissional no seu acondicionamento local. 

A primitiva Casa Havaneza, cuja existência ainda perdura, foi imortalizada na literatura portuguesa ao longo dos tempos, em obras de Eça de Queiroz (“Os Maias”), Guerra Junqueiro (“No Chiado”) e, mais recentemente, de José Cardoso Pires (em “Lisboa – Livro de Bordo”). Com o passar do tempo, as havanezas foram-se, pois, estendendo um pouco por todo o país como indicativo de estabelecimento de comercialização de tabaco estrangeiro e de qualidade. Não foi assim motivo para admiração que também o casal tivesse conferido esta designação à sua loja, acrescendo-lhe apenas o qualificativo de eborense. Sete anos mais tarde, em 1951, a firma cria uma filial na Praça do Giraldo com o intuito de se dedicar ao ramo da fotografia. Em 1960 Sebastião Mendes Bolas encerra o primitivo estabelecimento na Miguel Bombarda (hoje faz parte da Xavier Modas – Confecções Femininas) e aproxima-se da filial para aí fundar a Tabacaria Paris. Maria das Neves mantém-se no comando da loja até à sua reforma, após o que a mesma será trespassada. 

É neste contexto que em 1968 Sebastião Bolas renuncia ao comércio dos tabacos, lotarias e papelaria para passar a dedicar-se à actividade óptica, sendo que o estabelecimento da Praça do Giraldo muda para o contraditório e já obsoleto nome de Óptica Havaneza (agora já com a ortografia corrigida) Eborense. Entretanto, já se envolvera no comércio e importação de máquinas e ferramentas, criando em 1965 a Sebastião Mendes Bolas & Filhos, Lda. (hoje Bolas – Máquinas e Ferramentas de Qualidade, SA) e depois a Mafeuropa- Máquinas e Ferramentas de Qualidade, já extinta. Politicamente era um homem de oposição ao regime salazarista, tendo sido um dos 36 eborenses que participaram no 3º. Congresso Nacional da Oposição Democrática, realizado em 1973 na cidade de Aveiro. Em 1987 a agora Óptica Havaneza Eborense volta a mudar de poiso, recuando um pouco nas arcadas. 

A empresa transfere-se para a Rua da República nº 27, em prédio próprio, o qual será objecto de grandes obras de ampliação e modernização. Reabre dividido por cinco secções: recepção, óculos de sol, óculos de receituário, contactologia, optometria e oficina, das quais nalguns casos foi pioneira. Numa visão de futuro toma definitivamente a dianteira no comércio óptico local, que entretanto floresce porque os óculos deixaram de ser as cangalhas que eram usadas por necessidade, a contragosto e muitas vezes às escondidas, para se tornarem em objectos de moda, em adereços e adornos desejados, com atraentes desenhos que valorizam o visual de mulheres e homens. As lentes de contacto foram-se impondo e com elas foi possível até mudar a cor dos olhos à vontade do freguês, como outrora se diria. O antigo anátema do ou da “caixa de óculos” perdeu-se por deixar de ter sentido. Foi tendo em conta esta evolução da empresa que a Associação Comercial de Évora decidiu propor a sua candidatura ao Prémio Mercúrio, na categoria de Lojas com História, a qual visa distinguir «lojas que, com mais de 50 anos, conseguiram ir adequando o seu conceito e adaptando a sua estratégia, de forma a continuarem a ser, ainda hoje, negócios de sucesso e factores de diferenciação do comércio de rua e, assim, pólos de dinamização das cidades bem como motivos de interesse cultural e turístico». 

O casal Mendes Bolas já há muito deixou o mundo dos vivos. O grande crescimento da firma enquanto óptica deve-se contudo a seu filho Francisco Mendes Bolas, o especialista na matéria e principal accionista da empresa, que continua a manter uma designação desfasada no tempo. De resto a Óptica Havaneza é hoje um êxito comercial, possuindo mais uma loja em Évora e filiais em Montemor-o-Novo e Reguengos de Monsaraz.

ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

D. Manuel da Conceição Santos o Arcebispo de Évora traído por Salazar


Figura de grande relevo na história da Igreja portuguesa, D. Manuel Mendes da Conceição Santos foi o mais conhecido de todos os prelados eborenses, permanecendo à frente dos destinos da Arquidiocese durante 35 anos, entre 1920 e 1955. Homem de fina inteligência e verbo escorreito, sócio da Academia das Ciências, é hoje tido como o pai do jornalismo católico regional. 

Os que o conheceram sempre falaram dele como pessoa de grande tolerância, bondade e modéstia. Em 1929 era o favorito dos seus pares para chegar ao Patriarcado, mas, numa manobra traiçoeira de Oliveira Salazar junto do Vaticano, viu-se preterido no cargo pelo grande amigo deste, Manuel Gonçalves Cerejeira. Faz agora exactamente 80 anos. Nascido em 1876 no lugar de Pé de Cão, freguesia de Olaias, concelho de Torres Novas, chegou a Évora oriundo da diocese de Portalegre, que comandara durante quatro anos (1916-1920) e onde ganhara fama e notoriedade nos conturbados tempos da implantação da República. Havia estudado nos Seminários de Santarém e da Guarda. A este último regressara enquanto pároco, chegando posteriormente a vice-reitor. 

Na cidade egitaniense fundara o semanário “ A Guarda”, que veio a servir de modelo a todas as publicações católicas regionais que se lhe seguiram, e em Portalegre, já como bispo, conseguiu reunir fundos para a diocese adquirir o “Distrito de Portalegre” - ainda hoje o título mais antigo do Alentejo em publicação - que considerou indispensável para exercer em plenitude o seu intenso e fecundo labor espiritual. 

Em 1919 o Patriarca D. António Mendes Belo convida-o para fazer o discurso oficial da Igreja nas exéquias de Sidónio Pais, e no início do ano seguinte nomeia-o para idêntica função, nas cerimónias de transladação dos restos mortais de D. Pedro II e da Imperatriz, sua mulher, para o Brasil. Entretanto o Vaticano chama-o para a mitra episcopal de Évora, que vagara por morte de D. Augusto Eduardo Nunes, velho, cansado e desgastado pelos tempos árduos da oposição ao anti-clericalismo republicano que o chegaram a conduzir ao exílio em Elvas. Conceição Santos lançou-se ao trabalho para reconstruir uma diocese praticamente destruída, sem sede, com o Seminário encerrado por falta de candidatos e muitas paróquias sem padres. Com a ajuda de alguns católicos endinheirados funda “A Defesa”, para difusão das ideias católicas no contexto do novo regime político, consolida o acordo com a Condessa de Margiocchi para cedência do Convento do Carmo para funcionar como sede do episcopado e imprime uma dinâmica inovadora no recrutamento de vocações e no regresso dos fiéis aos templos. 

O acerto do seu múnus espiritual não podia ser posto em dúvida. Em 1928, o Cardeal Belo, já bastante enfermo, encarregou-o de benzer, a 13 de Maio, a primeira pedra da futura Basílica de Fátima. O lugar de Patriarca parecia-lhe destinado. Assim não sucederia. Na sombra, Oliveira Salazar, ainda só ministro das Finanças, já maquinava junto do Vaticano em favor do seu amigo de Coimbra, Gonçalves Cerejeira, recém - nomeado Arcebispo de Mitilene. E foi este que surpreendentemente veio a ser nomeado para o lugar, sucedendo a D. António Mendes Belo, falecido a 5 de Agosto de 1929. No seio da Igreja a tramóia de Salazar foi conhecida. Mas, para os leigos, a certeza de que D. Manuel Mendes tinha sido vítima de uma conjura política forjada pelo futuro ditador só chegou no dia do seu funeral, em 1955. Na oração fúnebre, o seu amigo D. José da Cruz Moreira Pinto, bispo de Viseu, declarou para quem quis ouvir,que nessa altura « um ministro de Estado fez saber superiormente que ele não era persona grata ao governo (Ministério Ivens Ferraz) para o Patriarcado». 

A hipocrisia de Salazar, porém, não tinha limites. Em 1932, o governo de Domingos de Oliveira, do qual fazia parte ainda como ministro da Finanças, concedeu a Conceição Santos, a Grã-Cruz da Ordem de Cristo. O prelado continuou exercendo o seu magistério pastoral com a humildade, a bondade e a solidariedade de sempre. Em 1949 o governo do homem de Santa Comba Dão outorgou-lhe a Grã–Cruz da Ordem da Benemerência, destinada a distinguir actos ou serviços meritórios que revelem desinteresse ou abnegação em favor da colectividade no exercício de funções públicas ou privadas.

ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
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