Compreendido no corpo melhor conservado do castelo velho, nas bandas do Ocidente, foi doado pelo rei D. João I ao leal servidor Martim Afonso de Melo, com menagem da alcaidaria-mor da cidade, em 15 de Janeiro de 1390, benesse que se perpetuou na família até o reinado de D. Manuel I. Seu filho e herdeiro, do mesmo nome, guarda-mor de D. Duarte e de D. Afonso V obteve, em 30 de Abril de 1446, a doação de novos chãos, torres e muros da mesma fortaleza medieval, muito maltratada pelos desmandos dos povos revoltados, que a haviam incendiado quando dos incidentes do Interregno do Reino, em benefício do Mestre de Avis, no mês de Janeiro de 1384.
Nestes recentes domínios instituiria em 1485, seu filho D. Rodrigo de Melo, 1.° capitão de Tânger, o Convento de S. João Evangelista para panteão familiar, como genearca dos condados de Olivença e Tentúgal, marquesado de Ferreira e ducado de Cadaval, este último titulo outorgado pelo rei D. João IV, em 1648, a D. Nuno Álvares Pereira de Melo, um dos mais ilustres Ministros da Coroa de Portugal de todos os tempos. Ao paço andam ligados episódios históricos de projecção nacional. Nele, onde pousava D. João II, esteve encarcerado o Duque de Bragança, D. Fernando II e se reuniu o Tribunal da Relação de Lisboa que o condenou à morte por decapitamento na Praça Maior, em Junho de 1483. D. João III, também habitou nas casas, em 1533, assim como D. João, 8.° Duque de Bragança, futuro monarca Restaurador, durante o matrimónio de D. Francisco de Melo, 3.° Marquês de Ferreira, com D. Joana Pimentel, prima da Rainha D. Luísa de Gusmão e filha do Conde de Tavara, Vice-Rei de Valência e da Sicília, em Agosto de 1635. D. João V visitou o paço em 1729, e ultimamente, o 6.° Duque de Cadaval, Governador Militar de Lisboa por D. Miguel I, em 1834, abandonou o país, como exilado político e os seus descendentes jamais o frequentaram, passando ao regime de enfiteuse particular despojado do recheio artístico e monumental. A sua maior parte é ocupada, ao presente, pela Direcção Geral das Estradas do Distrito de Évora. Em meados de 1965, o 10.° duque D. Jaime IV Álvares Pereira de Melo, patrocinou a instalação de incipiente GALERIA DE ARTE, no piso térreo do paço, composta de peças deslocadas da igreja dos Lóios ou provenientes das colecções da casa, prevendo-se, também, a transferência da Biblioteca de Muge para os corpos principais do edifício, em futuras obras de adaptação orientadas superiormente para o efeito. Conserva o vetusto palácio a silhueta fortificada que os avoengos lhe imprimiram e a tradição de arquitectura civil-militar na Idade-Média mantinha em Espanha e Portugal.
Assenta em vasto lanço da muralha romano-visigoda limitado a ocidente pela torre pentagonal, a nascente pela torre sineira da Igreja dos Lóios e a sul pela torre quadrada de Sertório, que demarcava perfeitamente os domínios entre as casas de Melo e de Castro, Condes de Basto, estes capitães de ginetes da Comarca e aqueles alcaides-mores. O corpo principal, ao sul, que deita para a Rua Dr. Augusto Filipe Simões, antigo Terreiro do Marquês, flanqueado por duas poderosas torres de cantaria e alvenaria, apesar dos inúmeros arranjos posteriores, conserva solene imponência na alvinitente fachada caiada de branco ao gosto habitual da região. Na frente nobre, corre uma série de janelas de sacada, de umbreiras e cornijas de granito defendidas por ferragens forjadas, com balaústres de secção quadrada e circular, do tipo corrente dos fins do séc. XVI, começos do XVII e inspirados na dureza da arte castelhana do barroco filipino. A empena, protegida entre o contraforte de andares com cunhais de pedra aparelhada e a torre das cinco quinas é arranjo do séc. XIX, para fins utilitários, pois até 1851, manteve a perspectiva quinhentista, de aberturas estreitas e chaminés alterosas de repisas trilobadas. Do mesmo modo, o friso de ameias chanfradas que cortina a platibanda do edifício, substituiu outro, apenas parcial, de merlões góticos, do quatrocentismo e coevos do primeiro Conde de Olivença. Aquela obra corresponde a trabalhos determinados por D. Rodrigo de Melo, 1.° Conde de Tentúgal e terminados c.ª de 1541. O grande portado da entrada, que comunica ao pátio, celeiros, adegas e escadaria do entre-solo, é feito de vergas e jambas chanfradas, de granito local.
A torre albarrã, de secção pentagonal, coberta com telhado de quatro águas, como cunha avançada do solar, desafia na vetustez e volumes o casario humilde que se acolhe a seus pés e do âmago de pedra lavrada, das altas e velhas janelas quinhentistas, domina-se paisagem admirável, embora severa, da monocromática terra alentejana. Parte da sólida construção, incontestavelmente do tempo dos visigodos, pertenceu à cinta muralhada da cidade e talvez como torre de Menagem do castelo medieval português; a partir de 1390 foi adaptada a residência dos alcaides e, da centúria imediata, parece conservar o coroamento de ameias de alvenaria. Ligeiramente posterior é a janela angular, mainelada e de arcos de ferradura, de calcário, que apresenta nos capitéis, ábacos e bases prismáticos determinadas características somente usadas pelos alvanéis moiriscos da época manuelina. Todavia, onde o histórico paço apresenta maior interesse arquitectural, grande pitoresco e monumentalidade é, sem dúvida, no extradorso do lado norte, que cai para o Largo dos Colegiais. Todo o edifício pousa neste sítio sobre antiquíssimos panos do muro romano-godo aproveitado no séc. XIV, pelos mestres arquitectos da cerca nova, e os alçados assimétricos do casario foram surgindo irregulares e expontâneos, sem planos, conforme as necessidades familiares dos nobres fidalgos, em casaria rompente na linha do céu, sem buscas de harmonia.
Assim, nasceu uma massa heterogénea de volumes desencontrados dum extraordinário encanto arqueológico, combinados com os da ousia poligonal e empenas laterais da Igreja dos Lóios, reforçadas por botaréus e arcobotantes de grande arcada. Essa mesma linha de defesa da cidade, patrimonial da alcaidaria-mor, constituía uma série de torreões protectores das vetustas portas da Traição e do Moinho de Vento (aquela obstruída quando da fundação da mesma casa religiosa de S. João Evangelista, e esta refeita na totalidade em 1517, pelo Conde D. Rodrigo de Melo, segundo licença real de D. Manuel). Neste período, presume-se, avançou o chão do pátio palaciano, na linha norte, que tapou um lanço de muralha entre esta última porta e a torre quinaria, e se construiu, no prolongamento desta, a casa da carruagem, vastíssima, sobrepujada por câmaras de criados, com seus cunhais de granito em andares. Daquelas torres uma foi aproveitada pelos padres lóios para sineira do convento; outra integrada no jardim do paço, como estufa, de formoso portado com arco de ajimez, mudejar, de tijolo vermelho, coluneis marmóreos e de remate cónico, muito agulhado; e a terceira, de secção quadrada, como atalaia da porta militar, ultimamente restaurada, com ameias embebidas no embasamento do terraço. A torre quadrangular da fachada principal, com dois andares e altivo revestimento de ameiado gótico de secção cúbica e remate piramidal constitui, também, vestígio assinalável do Castelo Velho.
Possui duas janelas notáveis, nas faces norte-sul, dos fins de quatrocentos, presumivelmente construídas no tempo do ilustre donatário D. Álvaro de Bragança, casado com D. Filipa de Melo, talentoso fidalgo considerado um dos introdutores do estilo mudejar no Alentejo, pelo seu conhecimento e interesse directo da arquitectura espanhola do sul da Andaluzia, pois foi, durante anos, como exilado político junto dos Reis Católicos, alcaide-mor dos alcáceres reais de Sevilha. São sacadas geminadas, de arcos ogivais, de lóbulos e revestimentos naturalistas nas chanfraduras das jambas e de capites puramente árabes, de calcário, em profusa ornamentação rendilhada. Outro tipo mais representativo do mudejarismo, da mesma origem e ligeiramente posterior, subsiste no pátio da casa, figurado por dois balcões de arcos de ferradura, de tijolo, ultrapassados e denticulados. Uma das janelas conserva a primitiva grade de ferro forjado com guarnição de bestiários estilizados, góticos. A frontaria do pavilhão principal para este pátio, sofreu graves descaracterizações na centúria passada, pois presume-se que a actual galeria do andar nobre, tapada com envidraçamento, seria primitivamente decorada por colunata manuelina ou da época do Renascimento.
Os oito tramos que defendem o corpo térreo, estão protegidos por gigantes de granito aparelhado e nele abre-se parte de um claustrim de abóbadas nervuradas, sob o qual se vêem, mutilados e embebidos nas paredes alguns portados antigos, de pedra. Do mesmo período quinhentista são as dependências ogivadas do piso inferior, certamente de função utilitária, onde se instalou o primeiro núcleo museográfico da Casa Cadaval, inaugurado em 27 de Nov. de 1965. Subindo-se ao entre solo, por discreta escadaria de dois lanços de pedra, atinge-se a galeria que comunicava com as salas solarengas. Ao fundo isolou-se um curioso tramo de dupla arcada de volta redonda, com colunas esbeltas e capitéis de mármore branco, de Estremoz, decorados por elementos naturalistas, do estilo híbrido manuelino-mudejar. No começo do corredor rasga-se a entrada nobre, singelo portado de calcário poroso, em arco de carena pouco acentuado, de emolduramento encordoado, liso e terminado em opulenta pinha. A ornamentação do tímpano, fitomórfica e de atributos exóticos lembra, pelo seu acentuado populismo os motivos artísticos usados por Diogo de Arruda no claustro do Convento de Cristo de Tomar. No eixo do frontão, envolvido por sanefas adosseladas, a pedra de armas dos Melos - De oiro, com seis bilhetas deitadas, de vermelho, cada uma carregada de um besante de prata. É obra de c.ª 1515, do tempo do 1.° Conde de Tentúgal.
Os antigos jardins da casa, transformados actualmente em quintalejo de verduras hortícolas e arvoredo frutífero, separa o corpo habitacional da igreja dos cónegos azuis, cujo prospecto, do lado ocidental, apoiado nos arcobotantes caiados de branco, oferece silhueta de impressionante gravidade e pitoresco. A fachada neste ponto é discreta de formas de arquitectura, com janelas rectangulares, de ombreiras graníticas, algumas chaminés salientes e coberturas de telhados de quatro águas pouco inclinados, correndo em grande extensão no piso rasteiro, uma alpendurada de três faces com eirado de acesso à escada da tribuna privativa dos Duques de Cadaval, primitivo oratório, integrado no corpo da nave da igreja de S. João, e ao mutilado parque, onde existe a interessante estufa da torre romana, com delicado portal de ajimez, de tijolo vermelho, dos começos do quinhentismo. Esta arcada, constituída por vários tramos assimétricos, em arcos de volta perfeita, quebrados e abatidos, suportados por abóbadas nervadas, de aresta viva, é obra popular da segunda metade do séc. XVI. No interior do edifício existem amplas salas e cómodos que assinalavam a nobreza e opulência da ilustre família, mas obras de artes decorativas, em pintura mural ou de arquitectura, se as houve, desapareceram por completo durante os vários arranjos práticos impostos pelos inúmeros contratos de enfiteuse, a partir de 1834, pois desta data em diante jamais um donatário o habitou.
BIBL. D. António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa: Pe. Carlos da Silva Tarouca e Mário Tavares Chicó, Igreja dos Lóios de Évora, in A Cidade de Évora, 9-10, 1945; Reinaldo dos Santos e Raul Proença, Guia de Portugal, II, 1926; Túlio Espanca, História da Casa de Cadaval, in A Cidade de Évora, 43-44, 1960. ADENDA A Galeria de Arte da Casa do Duque de Cadaval, foi inaugurada no dia 27 de Novembro de 1965, pelo X Duque D. Jaime IV Álvares Pereira de Melo e sua esposa D. Claudine Marguerite Marianne Tritz, com a presença de autoridades religiosas, civis e militares e do Director do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa, pintor Abel de Moura. Do seu recheio, nesta primeira fase de instalação, considerada provisória e essencialmente constituída por peças artísticas deslocadas da Igreja de S. João Evangelista, patrimonial dos mesmos titulares, apontam-se as seguintes, na sua maioria descriminadas em pormenor no texto próprio do Inventário: 1.ª sala: Campas de bronze, gótico-flamengas, de D. Rui de Sousa, Senhor de Sagres e Beringel, de sua esposa D. Branca de Vilhena e do cavaleiro Rui Paes. Escultura: Virgem com o Menino, de pedra de Anca, gótica, de inícios do séc. XV; N.ª S.ª dos Açougues, peça maneirista, de mármore, proto renascentista, da 2.ª metade do séc. XVI; S. Lourenço Justiniano, de madeira estofada, do séc. XVII, e N.ª S.ª da Vitória, de madeira policromada, de inícios do séc. XVIII (ambas muito arruinadas). Pintura: Virgem do Leite, fragmento de um retábulo do 1.° quartel do séc. XVI, de artista anónimo luso-flamengo, proveniente dos fundos antigos do Convento dos Lóios, ultimamente beneficiado em Lisboa e liberto de composições adventícias, setecentistas, de factura inferior (Alt. 1,44 x larg. 1,27 m); Três Santas (Alt. 0,66 x 0,37 m) e Casamento Místico de Santa Catarina (Alt. 0,67 x 0,37 m), tábuas de predela do 2.° quartel do séc. XVI, atribuídas com verosimilhança a fr. Carlos, do Espinheiro, também provenientes da extinta casa monástica de S. João Evangelista, mas actualmente de património do Estado e na sala expostos a título precário. Armas: Espada e capacete de guerra, de ferro laminado, de fins do séc. XV, que pertenceram ao 2.° capitão de Tânger D. Manuel de Melo. Mobiliário: Algumas bancadas de cadeiral do coro da igreja dos padres da Congregação de Santo Eloi. Muito notável é o núcleo de espécies documentais, manuscritas, pertencente ao conjunto da Biblioteca da Casa Cadaval, onde são destacáveis os forais da Leitura Nova, manuelinos, de Odemira (5-IX-1510), Cadaval (1-X-1513), Arega (26-XII-1513), Mortágua (8-1-1513) e Ferreira de Aves (10-II-1514); cartas de mercê, alvarás, régios, regimentos, instrumentos notariais relacionados com a ilustre família e o Livro das Menagens que prestaram os alcaides-mores dos castelos, fortalezas e cidades de Portugal e seus domínios aos reis D. Manuel e D. João III (1505-38). 2.ª Sala: Pintura - Retrato equestre de D. Jaime Álvares Pereira de Melo, 3.º Duque de Cadaval, de Pierre A. Quillard, e os retratos em busto de D. Rodrigo de Melo, 1.° Conde de Olivença, D. Maria I, D. João VI e D. Carlota Joaquina de Bourbon, telas de autores portugueses, anónimos, do último terço do séc. XVIII, sem merecimento artístico. Mobiliário: Dois pares de cadeiras portuguesas do período barroco, do tempo de D. Pedro II - D. João V, com braços e espaldar, ou singelas, de costas e fundos de couro repuxado, com ornatos flóricos e de figuras e animais; Par de tamboretes e um banco de espaldar de quatro assentos, pregueado e revestido de couro lavrado, recoberto de albarradas e festões; Contador português do séc. XVII e papeleira, estilo D. José, ambos de pau-santo e guarnições de metal amarelo. Este conjunto pertence, na totalidade, ao Museu Nacional de Arte Antiga e encontra-se no local em depósito. As colunas salomónicas, douradas, ornamentais, pertenceram aos altare
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