domingo, 25 de março de 2018

Passal e Convento do Bom Jesus de Valverde


Nos princípios do séc. XVI a Mitra de Évora instituiu, nas tranquilas terras da ribeira de Valverde, então provença municipal, dominada pelo morro do celebrizado Castelo de Giraldo, uma quinta e paço para descanso e retiro espiritual da câmara eclesiástica. Ignoramos se a ideia partiu de Afonso de Portugal (1485-1522), filho do marquês de Valença, se do último bispo da diocese, o ilustre infante-cardeal D. Afonso, irmão de D. João III, que se finou em Abril de 1540. É evidente que já em 1514 (?) o local era habitado porque, com esta data, existe na cerca da actual Escola de Regentes Agrícolas uma construção gótica, coetânea e do maior interesse arquitectural. 

Em 1538, o mestre de obras Álvaro Anes executava, no paço, certa empreitada que lhe fora atribuída pelo bispado. No ano de 1544, D. Henrique, primeiro arcebispo de Évora e irmão do prelado antecessor fundou, nos terrenos da quinta, com portas adentro, um convento da regra capucha, a que deu o nome de Bom Jesus. Em 1607, sendo a comunidade titular da guardiania em Portugal, grassou no sítio, que é banhado pela ribeira de Valverde, prolongada epidemia de carácter sesonático que originou a morte de vários religiosos e leigos, tendo o cenóbio que ser abandonado a consentimento do arcebispo D. Alexandre de Bragança e a instituição passou a viver no Convento de Santo António da Piedade, da mesma Ordem, que o infante D. Henrique havia fundado no ano de 1576 às Portas da Lagoa. Purificando-se o lugar, mais tarde, o capítulo geral da regra capucha autorizou o regresso da comunidade, facto que se verificou em 1614, sob beneplácito do antístite D. José de Melo. 

Extintas as ordens religiosas em Maio de 1834 o convento, paço e cerca, com os seus 268 hectares passaram ao domínio da Igreja Metropolitana e em 1911 ao poder do Estado, que neles instalou, no ano de 1913, um Posto Agrário, ampliado oito anos depois para Escola Prática de Agricultura e, finalmente, em 1931, a Escola de Regentes Agrícolas, que vigora ao presente. PAÇO EPISCOPAL Existem muitos vestígios da primitiva arquitectura civil e religiosa do edifício quinhentista, assim como de épocas posteriores: alguns portados de granito, góticos, no vasto pátio fechado (onde, no séc. XVI se recolheram algumas lápides e cipos romanos da Tourega, segundo determinação do bispo-infante D. Afonso), e outros interiores ou no corpo posterior do pavilhão principal; grades de ferro forjado, mísulas e janelas de molduras trabalhadas e curioso portal, de entrada, ao lado Sul, de cantaria apilastrada com chanfro lanceolado no eixo e de aparelho rústico sobrepujado por bandeira de grilhagem de óvulos e bolas, donde rompem quatro torrinhas cilíndricas agulhadas, com chapéus de secção cónica. É trabalho de alvenaria da época manuelina e da 1.ª fase das obras palacianas. Contra esta face, ao nascente que é a principal do paço, com pavilhão regular de telhado de quatro águas, nasce interessante alpendre de travejamento de madeira, com três arcos apoiados em colunelos decorados por capitéis de motivos naturalistas, de mármore e do séc. XVI, mas aparentemente adaptados no local em época recente. 

A Secretaria da Escola e seus anexos, antigamente designados de Casas Pintadas, são antecedidos por alta galilé de quatro arcos redondos, emoldurados, com pilares de granito, sendo o portal encimado por pintura a fresco das armas capitulares e as insígnias de Sede Vacante. É obra do setecentismo. O friso do beiral anexo, trilobado e de tijolo moldado, para o lado norte, é resto curioso dos princípios do quinhentismo. Numa dependência interior guarda-se o armorial coroado, marmóreo, do arcebispo D. Domingos de Gusmão (1678-1689), cunhado do rei D. João IV, peça biface que ornamentou, durante centúrias, em plinto artístico, uma fonte do pátio, sobranceira à portaria, deslocada e ultimamente reconstituída na cerca, junto das capelas das Penhas. Tem as dimensões: alt. 65 cm., larg. 36 cm. O aqueduto de alvenaria que abastece de água potável a residência, é obra da 2a metade do séc. XVII e ostenta, no corpo principal, outro belo exemplar de pedra de armas do mesmo prelado, que o mandou construir. A capela palatina, presentemente subdividida e desafectada conserva, no exterior, o aspecto original. Está voltada ao poente, e não tinha portado axial. A entrada pública, para o pátio, é constituída por interessante porta granítica, com lintel de arco toreado e trilobado e de ornatos florais rudemente esculpidos. As jambas são, igualmente, centradas pelo cordão manuelino que encaixa na verga. Pitoresca espadana, com sineta de bronze rompe do telhado do presbitério. Compunha-se, o interior, de uma só nave alongada e capela-mor sensivelmente quadrada, sendo esta de dois tramos com abóbada de cruzaria ogival polinervada, fechada por chaves e mísulas de pedra. Num dos bocetes esculpiu-se a cruz de Malta, elemento intencional que pode designar o orago do templete, S. João Baptista, padroeiro da Ordem de S. João de Jerusalém, nome aliás do monarca português e irmão do bispo fundador. 

O edifício religioso teve, originariamente, ligação directa com o paço, através de uma galeria, hoje obstruída, e estava composto com retábulo de talha dourada, à antiga e ornamentado pelas imagens estofadas de ouro e em glória de Santa Rosa de Lima e S. Jacinto, cujo paradeiro se desconhece. Anexo ao paço, para a banda oriental e encorporado no chamado Jardim de Jericó, fica o grande lago circular construído em placas de mármore, ardósia e alvenaria, adornado por bandeiras recortadas, de lunetas ovóides, intervalando plintos com os bustos dos profetas Abraão e Elias e ao centro, também de mármore branco, a estátua popular de Moisés, talhado em tamanho natural. A obra decorativa é do séc. XVIII, mas a construção teve seus fundamentos no governo do arcebispo D. Domingos de Gusmão, protector desvelado da quinta. Tem o lago, de circunferência, 120 passos e de fundo 14 palmos. Contíguo, vê-se pitoresco tanque ornamentado com elementos conchóides aplicados numa gruta artificial, além de pedrinhas policromas e faianças populares, tanto do gosto setecentista, centrado por uma pilastra marmórea, quadrangular, com figuras esculpidas de influencia azteca ou oriental sobrepujada pelo busto de Minerva. CONVENTO DE BOM JESUS. (Imóvel de Interesse Público) A instalação da comunidade, filiada na ordem capucha da Província da Piedade, que desde 1517 tinha assento em Vila Viçosa, foi levada a efeito pela religiosidade do Cardeal-infante D. Henrique, em 1544. 

A clausura, destinada inicialmente a doze monges, foi ampliada e melhorada no arcebispado de D. Simão da Gama; o seu exterior, de fachadas alvinitentes, voltadas aos lados do oriente e meridional, oferecem muito pitoresco e certo interesse arquitectural. A portaria é antecedida por corpo alpendrado de cinco arcos redondos em colunata dórico-toscana, de mármore, do séc. XVI, sendo as portas, vulgares, encimadas por dois frontões barrocos, de estuque, representando Bom Jesus Salvador do Mundo e o Sagrado Coração de Jesus. À banda esquerda, adossado e formando ângulo recto, levanta-se o pavilhão rectangular da Hospedaria, com piso alto, coberto de telhado de quatro águas, apoiado em galeria de dois arcos plenos com colunelos toscanos, capitéis e bases por desbastar, dos começos do setecentismo, em cujo vão fica outra arcada similar, mas cega. Na facial existe a lápide comemorativa das obras, marmórea e brasonada que diz: ESTA OBRA MANDO FAZ- ER O ILVSTRISMO S.OR D. SIMÃO DA GAMA ARCE- BISPO DE ÉVORA CONSEL- HEIRO DE ESTADO E GVERRA DE SVA MG.DO QVE DEOS G.de X ANNO DE 1706 X A igreja é um gracioso exemplar de 1.ª Renascença, concebido em cruz grega, nos moldes italianos preconizados por Sebastião Serlio e, ao que parece, traçado pelo arquitecto eborense Manuel Pires por volta de 1550. Filipe II de Espanha, em 1583, segundo a tradição, visitou o pequeno monumento e achou de tal forma curiosa a sua planta que ordenou, em debuxo, a reprodução destinada ao Arquivo do Mosteiro do Escorial. 

De estilo dórico, compõe-se de cinco capelas octogonais cobertas de cúpulas esféricas, das quais a central assenta num tambor, interligadas através de 32 colunas toscanas de mármore branco de Estremoz. Dos três altares, únicos preenchidos com retábulos saíram, nos primeiros anos do actual século, os painéis de pranchas de carvalho, com cabeças semicirculares, atribuídos ao pintor régio Gregório Lopes e pintados cerca de 1545 nos temáticos: Presépio, Calvário e Ressurreição de Cristo. As preciosas tábuas, que foram restauradas em 1940, em Lisboa, encontram-se expostas no Museu Regional de Évora. O templete possui duas sacristias (uma destinada ao culto dos peregrinos), as quais conservam as portas primitivas, de madeira esculturada e policroma, ornadas de medalhões elípticos e grandes rosetas ovais, figurando neles o venerável fundador da Ordem, S. Francisco de Assis e o Santo Taumaturgo António de Lisboa. Nas dependências guardam-se muitos objectos cultuais de pintura, metal e tecidos antigos, provenientes na sua maioria da sede de freguesia, N.ª S.ª da Assunção de Tourega, mas apenas mencionamos, pelas suas características ou relativa importância, os seguintes: - Retábulo, popular, de pintura sobre madeira, incompleto, do fim do séc. XVI, com as imagens de Santa Ana e S. Joaquim e dois anjos coroando uma provável Virgem Maria, que se perdeu; - Prato de comunhão, de metal amarelo, circular e liso, com o diâmetro de 40 cm; - Dois cálices, de prata dourada, lisos e vulgares; - Cruz processional, de latão, e - Naveta, de latão amarelo, miniatural, encimada pelo Espírito Santo (Séc. XVII). 

Do extinto convento são de referenciar, a antiga Portaria, onde subsiste comprido banco de alvenaria revestido nas espaldas por azulejos relevados, do tipo quinhentista de corda seca, sevilhanos, (deslocados, como se diz, da Tourega), e o Claustrim clássico, de planta quadrada, com dois tramos por banda, dividido, no piso térreo por colunas toscanas e arcos redondos, apilastrados, graníticos e de molduras de alvenaria; e no superior, em arcada arquitravada da mesma ordem de arquitectura da Renascença. Neste corpo existem as pequeninas celas e no inferior as salas do Capítulo e outras utilitárias da comunidade, sendo todas de abóbadas abatidas ou de barrete de clérigo reforçadas por arquetas formeiras. É trabalho de c.ª 1560, inspirado, certamente, na claustra dos padres gracianos da cidade e atribuível, com segurança, a Manuel Pires, mestre de obras do Cardeal-infante D. Henrique. Na cerca existem, embora profanadas, várias capelas e oratórios de grutas para meditação, que estiveram, até épocas modernas recheadas de imaginária popular, de oficinas estremocenses ou de outras partes da província transtagana, inclassificáveis, dos sécs. XVII-XVIII, cujo paradeiro se desconhece. 

Destacam-se, segundo elementos cronológicos recolhidos do exame arquitectural, as seguintes construções: 
1) Capelinha gótico-manuelina, de portal granítico, de volta redonda e de abóbada com dois tramos de nervuras ogivais, de alvenaria. Tem as dimensões interiores: comp. 2,75 m; larg. 1,87 m. Ao fundo da nave, nicho vazio, posterior, com bases revestida de azulejos azuis e brancos; no chão, intervaladamente, azulejos de relevo, pavimentares, policromos, de aresta e corda seca, do género andaluz e da 1.ª metade do séc. XVI. O pequeno edifício, cópia reduzida da capela tumular do poeta Garcia de Resende, sita na cerca do extinto convento do Espinheiro, foi designada de S. João Baptista e já no ano de 1736 se encontrava adulterado. 
2) Ermida de planta rectangular, sobrepujada por pináculos de alvenaria dos meados do séc. XVII, com portado de mármores azuis e brancos cortados em lisonja, enobrecido pela pedra de armas do arcebispo D. João Coutinho, vítima inglória da política de Filipe IV durante as alterações de 1637 contra Castela. Teve o onomástico de S. Teodósio e também estava profanada em 1736. 
3) Grupo de capelas e nichos ligados em labirinto, abertos na rocha e chamados das Penhas, sendo uma de planta circular coberta por tecto de curioso malmequer estilizado, de alvenaria, e outras, também cilíndricas, numa cabeceira de três altares, com lanternim suportado por colunas. Neste conjunto, que esteve revestido de pinturas murais com cenas bíblicas, pastoris e de penitência existem, dispersos, alguns silhares de azulejos e outros elementos decorativos do séc. XVIII, incluindo uma Via Sacra de azulejaria colorida, seiscentista. 
4) Capela, de planta circular rematada por lanternim do séc. XVII, servindo de pombal. Num destes santuários existiu, até fins da centúria de novecentos, observado por Gabriel Pereira, um conjunto, em tamanho natural, do Apostolado, de terracota cozida e policromada, de época indefinida, que o erudito autor dos Estudos Eborenses classificou, em 1881, de imponente trabalho do seu género, que levou descaminho ou foi completamente destruído. Todavia, a mais importante e antiga construção que existe na cerca é a casa da água ou casa de fresco, datada de 1514 (?), que oferece o maior interesse de arquitectura gótica. Edifício de planta rectangular, protegido por gigantes de cantaria dispostos em andares, com dois portados, um de granito e outro de tijolo, é terminado no ângulo oriental por uma torrinha circular fechada em capacete piramidal, de alvenaria. O interior, de dois tramos, está coberto por abóbada de cruzaria polinervada, de ogivas, ornamentada com bocetes e delicadas represas de pedra, do tipo manuelino. Conserva o banco de repouso. Tem as dimensões interiores: comp. 6,88 m; larg. 5,30 m. Contra a parede do lado este, fica a abertura por onde correm os engenhos e alcatruzes da nora, cujo remate é feito por ampla varanda donde se descobre vasto panorama; descendo alguns degraus de tijolo entra-se na cisterna que é apoiada por pilares coetâneos. Na facial do murete-balcão, aberta a colher de obra subsistem, em tabela rectangular, vestígios da data acima mencionada: 1514 ou 1524-34(7) Exteriormente, ligados à edificação, ficam o velho aqueduto, de restos quinhentistas e o tanque que recebia, directamente, as águas para distribuição geral das regas. Ao norte, para as bandas da cidade, ainda em terras da Herdade da Mitra, existe sobre abrupta rocha granítica de configuração elíptica, um obelisco de homenagem, de mármore branco, monolítico, cujo evento comemorativo é desconhecido dos presentes. Tem a forma clássica de um longo prisma quadrangular, insensivelmente adelgaçado da base ao cume e terminado, sobre a pirâmide, por uma pinha do mesmo mármore, elemento decorativo que imprimiu ao monumento a designação popular de PEDRA DA PINHA. Mede cinco metros de altura e a base, quadrada, tem 45 cm. Gravado, no soco, lê-se esta legenda: AGOSTO 6 1792 

BIBL. Pe. Francisco da Fonseca, Évora Gloriosa, 1728, págs. 359-360; Notícia da Freguesia de Tourega, termo de Évora, seu Distrito, e de tudo o mais que nele se contém, cód. 71, peça 3, da Livraria da Manisola (Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora); Mário Tavares Chicó, História da Arte em Portugal, Vol. II, pág. 324; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 133-137. 

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