domingo, 10 de junho de 2018

Templo Romano


Edificado no ponto dominante da Acrópole eborense, de que seria o principal elemento decorativo, possivelmente nas primeiras décadas do século III da Era Cristã, quando as influências dos Imperadores Trajano e Adriano se estendiam pela Península Ibérica em obras importantes de carácter público ou cultural, desconhece-se, todavia, a que divindade esteve dedicado e qual o período exacto da sua destruição, que tudo parece indicar ter sido intencional, talvez nos fins do IV séc. ou 1.ª metade do V séc., época mais intensa das perseguições religiosas contra o paganismo. Em tempo do Imperador Honório (a. 395 d.C.), verificou-se em todo o antigo mundo latino reacção violenta que provocou o arrasamento de inúmeros monumentos e obras de Arte. 

Semidestruído, o templo de Évora parece que, pela vizinhança das fortificações castelejas foi nelas integrado nos períodos visigodo, muçulmano e primeiras centúrias da dinastia de Avis até ser transformado em Açougues públicos da carniçaria por Alvará da Rainha D. Beatriz de Castela, mulher de D. Afonso IV, confirmado por sentença dada em Coimbra pelo rei D. João I (22-3-1403). Em Janeiro de 1384, do seu eirado recoberto de cortina de merlões piramidais, do tipo árabe, lançaram os patriotas do Mestre de Avis contra o alcaide-mor Álvaro Mendes de Oliveira e outros juizes da cidade, bandeados com D. Leonor Teles, inúmeros virotes incendiados e outros apetrechos de guerra, que forçaram a rendição do castelo e seu consequente arrasamento parcial. Transformado em sólida torre de planta rectangular (com campanil manuelino de 1500, do sino de correr, na face Norte), em dois corpos de alçados dissemelhantes, onde eram visíveis alguns fustes e capitéis, além de frestas românicas e três portais góticos de ogivas lanceoladas, trecentistas, dois na banda meridional, construídos na correspondência do pronaus e um ao norte, que sacrificou parte de duas colunas médias que sofreram corte no entalhamento granítico, o monumento não foi totalmente desconhecido dos escritores antigos, nomeadamente de Mestre André de Resende, Diogo Mendes de Vasconcelos e Manuel Severim de Faria, que o classificaram do pórtico romano ou fábricas coríntias de Sertório. 

Ao padre jesuíta Manuel Fialho, nos fins do seiscentismo se deve, porém, a denominação do Templo de Diana, convenção erudita que atravessou centúrias mas carece de aceitação crítica da arqueologia moderna, porquanto em respeito ao sistema normal da classe destes templos do estilo greco-romano - hexastilos ou pseudo-perípteros - os mesmos eram, habitualmente, dedicados a Deuses ou a Imperadores. Dentro deste critério, recentemente, em As grandes vias da Lusitânia (IV, 1963), Mário Saa sugeriu a dedicação do templo a Júpiter, o deus por antonomásia Liberalis. Quando se calçaram as ruas Oriental e Ocidental de Diana, em 1862, o próprio achado, nas imediações do edifício, de um fragmento agigantado de dedo de estátua, aparentemente masculina, parece corroborar o ponto de vista científico e anular o tradicional. No ano de 1836, por sentença do Administrador do Concelho António José de Ávila, Marquês de Ávila e Bolama, nele deixou de funcionar o Açougue: um lustro decorrido, a parte Oeste, exterior, amalgamada com pardieiros arruinados da designada Inquisição velha, da época de Cardeal D. Henrique, desapareceu por cedência da Duquesa de Palmeta, sua donatária, feita a instâncias do erudito Dr. Joaquim Heliodoro da Cunha Rivara. Algumas décadas após, no seu interior se recolheu, com feição provisória, a colecção arqueológica do sábio arcebispo D. Fr. Manuel do Cenáculo, parcialmente trazida de Lisboa e em maior quantidade de Beja, em 1802 e 1862, este último núcleo em iminente risco de destruição. 

Finalmente, no ano de 1870, sendo Presidente da Câmara o Dr. Manuel da Rocha Viana e a conselho fundamental do rei artista D. Fernando e do Dr. Augusto Filipe Simões, director da Biblioteca Pública de Évora, o monumento foi desobstruído e reintegrado tanto quanto possível nas suas linhas originais, sob assistência técnica do cenógrafo italiano Guiseppe Cinatti, que deu início às demolições adventícias no dia 17 de Junho, com derrube simbólico de uma ameia gótica. Entre outros críticos e historiadores portugueses que se pronunciaram favoravelmente no sentido desta limpeza, destacaram-se Alexandre Herculano, Viscondes de Castilho e de Juromenha, Abade de Castro, Inácio Vilhena Barbosa, Francisco de Assis Rodrigues, Vítor Bastos, Caetano da Câmara Manuel e António Francisco Barata. O templo, de planta rectangular, representa um paralelogramo perfeito com o eixo maior apontado de norte a sul. Sobre um sólido envasamento de opus incertum, com moldura de grossos silhares formando soco e cornija, ergue-se a colunata completa na face norte, incompleta nas de oriente e poente; na oriental há quatro colunas completas além da angular; na ocidental restam duas completas, duas perderam os capitéis, da quinta existe a base apenas. Sobre todas as completas assenta ainda parte da arquitrave; os fustes são de granito, estriados de doze meias canas cada um; bases e capitéis de mármore branco, de Estremoz, sendo os capitéis corintios e bem lavrados; para efeito de perspectiva, para mais elevada e esbelta parecer a colunata, os fustes são ligeiramente curvos ou boleados, isto é, não são perfeitos e regulares troncos de pirâmide cónica. É hexastilo - tem seis colunas na face menor. É picnóstilo, quer dizer, o intercolúnio tem diâmetro e meio de coluna; é o mínimo intercolúnio consentido na grande arte romana (G. Pereira, Estudos Eborenses). O podium, desmoronado na parte meridional, no presumível assento da escadaria que comunicava com o corpo do pedestal e interna do templo, revela pelos restos subsistentes que sofreu mutilação violenta, no alambor, no vestíbulo e na cela, dos quais nem vestígios se encontram. Da cela demarca-se perfeitamente, no embasamento, os alicerces, dimensões e as meias colunas intermediárias, talvez de alvenaria. Foi, todavia, conforme o atestam fragmentos exteriores, revestido completamente de formigão hidráulico. Do entablamento resta a arquitrave de granito e sobrepujante, pouquíssimos elementos do friso, inteiramente lisos. 

As bases, de mármore, não tem ornatos. Do frontão existe, apenas, um elemento marmóreo, truncado. Nas escavações dos terrenos envolventes e nas paredes medievais apareceram fragmentos mutiladíssimos de capitéis e cipos, base de uma estátua, um dedo de figura colossal, fragmento de mão segurando uma patera, e pedaço de altar, de calcário, com resto de inscrição latina. Dimensões do monumento (verificadas por A. Filipe Simões): Altura do embasamento - 3,45 m Altura da moldura - 0,45 m Altura do nato ou dado - 2,10 m Altura da base - 0,35 m Altura do soco - 0,55 m Largura do soco - 7,68 m Comprimento do soco - 1,01 m Altura da coluna compreendendo capitel e base - 6,19 m Altura do capitel - 15,25 m Altura do fuste - 25,18 m Altura da base - 0,48 m Diâmetro da base e da parte interior do fuste em contacto com este - 1,00 m Os intercolúnios no lado maior medem - 1,35 m e no lado menor - 1,68 m Altura da arquitrave existente, incluindo os restos do friso - 1,71 m A altura total do edifício, ao vértice ou fastigium, seria próximo dos - 15,00 m O Templo Romano de Évora, relíquia monumental sem paralelo no país e seguramente dos mais preciosos do seu género da Península, é do tipo dos templos de Antonino e Faustina, de Roma, transformado na Igreja de S. Lourenço in Miranda, da Maison Carrée, de Nimes, do de Augusto e Lívia, em Vienne sur le Rhône e do de Júpiter ou Diana (?), incluído nas fachadas do palácio quinhentista dos Condes dos Corvos, em Mérida. 

BIBLIOGRAFIA: Fernão Lopes, Chronica del-rey D. João I, parte 1.ª pág. 80, D. Rodrigo da Cunha, Crónicas, 1643; Pe. Manuel Fialho, Évora Ilustrada, Ms. dos sécs. XVII-XVIII (Bib. Púb. e Arq. Dist. de Évora); J. Murphy, Voyage en Portugal, tomo 2, 1797; Arquivo Pitoresco, tomo VIII; Augusto Filipe Simões, Relatório acerca da renovação do Museu Cenáculo, 1869, e Artes e Letras, 1873; António F. Barata, Miscelânea histórico-romântica, 1878; Gabriel Pereira, Estudos Eborenses, Vol. I - Évora Romana ( 1.ª parte) - O Templo Romano - As inscrições lapidares, 1885. 

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