
Lamentavelmente, poucos são os eborenses
que se apercebem da beleza calma
e tranquila do Jardim Público da sua cidade.
Quase só o procuram turistas, estudantes
e velhos à espera do passaporte
para o outro mundo. É verdade que
muitos outros, a maioria, naturais ou habitantes
do burgo, o cruzam em passada
acelerada para encurtar distâncias entre
oblíquos destinos já definidos. Atravessam-
no absortos, alheados e indiferentes
à presença do grande pulmão verde da
urbe, herdeiro do Passeio Público que,
como raros outros no país, marcou arquitectónica
e paisagisticamente o romantismo
do fim do século XIX. O Passeio
Público foi um elemento caracterizador
da sociedade portuguesa do tempo, altura
em que a burguesia urbana, principalmente
a feminina, se atreveu a sair do
enclausuramento medieval para conviver
e saber novidades, enquanto ouvia tocar
música, tomava o seu sorvete, assistia a
representações teatrais e, em datas festivas,
ao lançamento de fogo de artifício.
O Passeio ou Jardim Público surgiu em
Portugal a partir do conhecimento do
denominado Jardim à Inglesa, que começara
a ser implantado em Londres quase
uma centúria antes. Obedecia à ideia romântica
de valorização da paisagem associada
ao pitoresco (jardins com falsas
ruínas, pavilhões, pontes, lagos, coretos
e quiosques) e à utilização do ferro fundido
como novo material de construção.
Foi sob estes pressupostos estéticos que
foram concebidos estes espaços de devaneio
e diversão.
O planeamento do Passeio Público de
Évora coube ao arquitecto e cenógrafo
italiano José Cinatti (1808-1879), que,
tendo estudado em Milão, fugiu para
Portugal em 1839 devido a razões de natureza
política. Acolhido e protegido em Lisboa, onde
existia um importante colónia de conterrâneos seus, que
o apresentaram aos influentes pares do reino e burgueses
endinheirados, depressa ganhou notoriedade pública
graças à qualidade dos seus trabalhos, passando a ser o
arquitecto e cenógrafo da moda.
Foi na capital que o abastado lavrador José Maria Ramalho
Perdigão (1830-1884) o descobriu e contratou
para projectar, em espaço que lhe pertencia, e se situava
numa das modernas portas da cidade, um palácio sumptuoso
digno da sua opulência e fortuna que viria a ser
conhecido pelo nome de Palácio Barahona. Entretanto,
Ramalho Perdigão tinha doado ao município os terrenos
que haviam constituído a antiga horta real do palácio
de D. Manuel (apenas restou a Galeria das Damas) e do
Convento de S. Francisco e outros, à época afectos ao
exército, numa extensão de 3,3 hectares. E foi a expensas
suas que José Cinatti dirigiu, entre 1863 e 1867, os
trabalhos de arqueologia e jardinagem do Passeio Público.
Curiosamente, foi por alturas da Feira de S. João de
1867 que o escritor Eça de Queiroz abandonou Évora.
Pouco antes, escrevera nas páginas do “Distrito de Évora”,
pouco entusiasmado com o que vira: «uns minguapasseio
dos tapetinhos de verdura, as árvores raras e despidas
das galas da folhagem, as placas nuas, sem elegância».
A verdade é que só meses depois vieram a ser colocados
os lagos com cisnes e terminada a instalação das Ruínas
Fingidas, de estilo gótico, compostas por ameias de inspiração
árabe, janelas geminadas com arcos em ferradura,
pórticos e torre, retiradas de vários monumentos civis
e religiosos da cidade, nomeadamente do Palácio do
Vimioso. Enquanto isto as árvores exóticas, de crescimento
rápido, rompiam em todo o seu esplendor. Magnólias,
cedros, plátanos, begónias, castanheiros da Índia
e outras espalhavam não apenas o seu perfume pela vasta
área como igualmente projectavam a sombra refrigerante
que os calmosos dias de Verão reclamavam.
Cinatti morreu em 1879, e uma comissão de eborenses
ilustres decidiu homenageá-lo, perpetuando-lhe a memória
no espaço que tão habilmente pensara e gizara.
Um busto seu, da autoria do escultor Simões de Almeida,
ali veio a ser colocado em 4 de Maio de 1884. Mas
o embelezamento do Passeio Público prosseguiria com
a inauguração do coreto, em 20 de Maio de 1888. À
beleza naturalista do espaço acrescentava-se agora uma
nova funcionalidade de ordem cultural. Criava-se desta
forma um local especialmente destinado à realização de
Fotografias de Carlos Neves
passeio Jardim Público o “pulmão verde” da cidade
concertos e outros espectáculos de matriz similar, muito apetecidos entre
as elites e classes em ascensão, onde era fino ser melómano. Por seu
turno, actuar no coreto «diante de gente tão selecta e distinta» constituía
uma honra para as bandas filarmónicas. A sua frequência não era
acessível a todos, dado que a entrada no recinto era paga.
O Passeio Público de Évora ganhou então fama em todo o país. As ditas
melhores famílias da cidade, ou de fora mas cumprindo vilegiaturas
em casa de parentes e amigos, acorriam à sua fruição com assiduidade
inesperada, deleitando-se com a beleza e a civilidade do local. Até que,
em 1910, o movimento republicano democratizou o espaço e mudoulhe
o nome para Jardim Público. O escol social citadino passou a desprezá-
lo gradualmente e “o charme discreto da burguesia” deixou de
se sentir por ali. Mas continuou a ser frequentado, especialmente aos
domingos e dias de festas, agora por pessoal menos snobe e afectado.
No dia 14 de Julho de 1919 recebeu uma Oliveira da Paz, comemorando
o final da I Guerra Mundial.
A instalação, nas imediações, das estações rodoviárias, a partir dos
anos 40, fez do Jardim Público um bom lugar de espera para os forasteiros
que tinham de aguardar pelo transporte de regresso. Com a
oposição da Igreja, acolheu em 1949 o busto de Florbela Espanca, que
tanto o frequentou e por ali namorou e poetou. Entre os anos 50 e
meados dos anos 60 foi literalmente invadido, três a quatro vezes por
temporada, por milhares e milhares de adeptos de futebol, nos domingos
em que milhares e milhares de adeptos de futebol se deslocavam a
Évora para aplaudirem os clubes da sua predilecção, em compita com
o Lusitano, nos tempos áureos da permanência deste na I Divisão Nacional.
Noutro âmbito, a presença dos pavões, aliada à dos cisnes nos
lagos, ou a cantoria desenfreada de pássaros faziam dele o encanto da
criançada que pais e avós ali levavam a passear.
Depois, com a Revolução de Abril, muita coisa se alterou. Perante
a passividade das autoridades, o Jardim passou a dar guarida a toda
a casta de marginais, que conspurcavam o ambiente e cujo comportamento
atemorizava os mais afoitos. A permissão da montagem de um
quiosque, servido por uma esplanada, a maior utilização da Galeria
das Damas como cenário de eventos culturais e a aquisição do antigo
Regimento de Artilharia 3 pela Universidade de Évora, que ali instalou
o seu Departamento de Ciências Exactas, acabaram por banir dali os
indesejáveis.
Hoje transita-se no Jardim como a mesma tranquilidade de outrora.
Voltou a ser um excelente espaço para passear, correr, descansar, ler,
estudar, reflectir ou apenas oxigenar os pulmões, ainda que necessite,
como é óbvio, de passar por um urgente programa de recuperação e
requalificação.
Textos: José Frota