domingo, 11 de março de 2018

Palácio dos Morgados da Mesquita


Fundação do 1.° Conde do Prado D. Pedro de Sousa e de D. Joana de Melo, sua 3.ª mulher, no reinado de D. João III, esteve poucos anos em poder dos descendentes. Em fins da mesma centúria era seu proprietário D. Garcia de Castro, conselheiro de S. Sebastião e Governador da praça africana de Mazagão, casado com D. Isabel de Meneses, pais do Presidente do Senado de Lisboa D. João de Castro, 2.° Governador Geral do Algarve. Em 1638 habitava nele um descendente, de nome ignorado, que foi morto em duelo, na Praça Grande, pelo alcaide Luís Roiz Matoso. No ano de 1776 vivia na casa o capitão de cavalos João da Mesquita. Foi seu derradeiro possuidor deste ramo e último Morgado de Almeida, Vila Nova de Zambujal e Senhor de S. Manços, D. João da Mesquita, fidalgo da casa real, tenente-coronel das milícias de Évora e coronel-honorário dos Batalhões Nacionais, que morreu em 1867. 

Na década seguinte o imóvel passou, por alienação voluntária a Luís Valente Pereira Rosa, cujos herdeiros o venderam ao Estado para instalação do Comando da Brigada de Évora e a partir de 1911 como sede da 4.ª Divisão Militar, transformada na reforma de 1926 em 4.ª Região Militar e actualmente em 3.° Região. A construção mantém, exteriormente, a silhueta e volumes dos meados do seiscentismo, de planta oblonga, apenas de um só andar iluminado por 18 amplas janelas de sacada, com ombreiras e cornijas direitas, de granito, defendidas por balcões de ferro forjado, do estilo barroco. Os telhados são de quatro águas. Sensivelmente no eixo do edifício, que olha ao Oriente, com passagem pública, existe a Rua de S. Cristóvão, com seu passadiço em túnel assimétrico, de abóbadas de cruzaria fortemente contra-fortada. No corpo térreo subsistem algumas dependências de valor arqueológico compostas por tectos de artezões de aresta viva ornatados com obra de estuques trabalhados e coloridos a escaiola. A principal conserva formosa abóbada abatida, de tabelas clássicas, rompentes de mísulas engalanadas, prismáticas; as cartelas, redondas e ovóides, estão engrinaldadas por lambrequins farfalhudos, estando dois dos painéis armorejados com escudos partidos, dos Castros dos seis besantes. Eram as antigas casas da carruagem, cocheiras e dispensas. Numa câmara que deita para o varandim dos jardins, designada antigamente de Sala de Cupido, subsistem as únicas decorações de valor artístico do paço. Mantém as proporções primitivas, de planta rectangular, com tecto de estuques miudinhos, posteriores. Forrando as paredes, pinturas a óleo sobre tela dispostas no seu maior comprimento em triplico e nas menores, isoladas, quatro divindades ou Musas (Alt. 1,48 x Larg. 0,80 m). 

Os painéis maiores representam as Três Graças levando Cupido em triunfo numa quadriga e Castigo de Cupido pelas três Graças (Alt. 1,48 x Larg. 2,60): lateralmente, faixas pintadas com temas pastoris e marinhas, preanunciando as formas de J. Pillement; sotopostos, em medalhões elípticos e ovóides, querubins e alegorias mitológicas em grisaille. Trabalho de feição académica italianizante, foi pintado em 1774, segundo se admite, por Cirilo Wolcmar Machado, quando da sua demorada estadia no solar como hóspede do Morgado João Reboredo Da Mesquita, capitão de cavalos do Regimento de Dragões de Évora. As composições foram, ultimamente, restaurados pelo pintor alentejano João Barata. Da mesma época e do mesmo artista setecentista existiram na cobertura e nos alçados laterais do oratório palaciego, composições a fresco, que foram completamente destruídas nas grandes obras de adaptação do imóvel, realizadas na década de 1930. A fachada posterior do pavilhão Sul-Ocidente, que deita para os jardins, é do mesmo tipo construtivo do axial, igualmente guarnecido por janelas de sacada, graníticas e de bacias de ardósia. As grades, de barrinha, são vulgares e já dos alvores de novecentos. A escada exterior de comunicação ao piso nobre é terminada por alpendre de arcos geminados, com colunelos toscanos e capitéis coríntios, obra de pedraria que vem da reformação da casa (meados do séc. XVII). Num pátio militar, aproveitado como tanque de beberagem de cavalos, subsiste uma caixa tumular de calcário branco com a frente ornada de placas rectangulares, emolduradas, tendo a central, em tabela barroca, a data de 1691. É provável que o túmulo, de personagem desconhecido, tenha pertencido ao demolido e vizinho Convento de S. Domingos. 

BIBL. João Rosa, Pintores dos Séculos XVIII e XIX no Alentejo, in A Cidade de Évora, n.° 11, 1946. 

domingo, 4 de março de 2018

Palácio dos Duques do Cadaval


Compreendido no corpo melhor conservado do castelo velho, nas bandas do Ocidente, foi doado pelo rei D. João I ao leal servidor Martim Afonso de Melo, com menagem da alcaidaria-mor da cidade, em 15 de Janeiro de 1390, benesse que se perpetuou na família até o reinado de D. Manuel I. Seu filho e herdeiro, do mesmo nome, guarda-mor de D. Duarte e de D. Afonso V obteve, em 30 de Abril de 1446, a doação de novos chãos, torres e muros da mesma fortaleza medieval, muito maltratada pelos desmandos dos povos revoltados, que a haviam incendiado quando dos incidentes do Interregno do Reino, em benefício do Mestre de Avis, no mês de Janeiro de 1384. 

Nestes recentes domínios instituiria em 1485, seu filho D. Rodrigo de Melo, 1.° capitão de Tânger, o Convento de S. João Evangelista para panteão familiar, como genearca dos condados de Olivença e Tentúgal, marquesado de Ferreira e ducado de Cadaval, este último titulo outorgado pelo rei D. João IV, em 1648, a D. Nuno Álvares Pereira de Melo, um dos mais ilustres Ministros da Coroa de Portugal de todos os tempos. Ao paço andam ligados episódios históricos de projecção nacional. Nele, onde pousava D. João II, esteve encarcerado o Duque de Bragança, D. Fernando II e se reuniu o Tribunal da Relação de Lisboa que o condenou à morte por decapitamento na Praça Maior, em Junho de 1483. D. João III, também habitou nas casas, em 1533, assim como D. João, 8.° Duque de Bragança, futuro monarca Restaurador, durante o matrimónio de D. Francisco de Melo, 3.° Marquês de Ferreira, com D. Joana Pimentel, prima da Rainha D. Luísa de Gusmão e filha do Conde de Tavara, Vice-Rei de Valência e da Sicília, em Agosto de 1635. D. João V visitou o paço em 1729, e ultimamente, o 6.° Duque de Cadaval, Governador Militar de Lisboa por D. Miguel I, em 1834, abandonou o país, como exilado político e os seus descendentes jamais o frequentaram, passando ao regime de enfiteuse particular despojado do recheio artístico e monumental. A sua maior parte é ocupada, ao presente, pela Direcção Geral das Estradas do Distrito de Évora. Em meados de 1965, o 10.° duque D. Jaime IV Álvares Pereira de Melo, patrocinou a instalação de incipiente GALERIA DE ARTE, no piso térreo do paço, composta de peças deslocadas da igreja dos Lóios ou provenientes das colecções da casa, prevendo-se, também, a transferência da Biblioteca de Muge para os corpos principais do edifício, em futuras obras de adaptação orientadas superiormente para o efeito. Conserva o vetusto palácio a silhueta fortificada que os avoengos lhe imprimiram e a tradição de arquitectura civil-militar na Idade-Média mantinha em Espanha e Portugal. 

Assenta em vasto lanço da muralha romano-visigoda limitado a ocidente pela torre pentagonal, a nascente pela torre sineira da Igreja dos Lóios e a sul pela torre quadrada de Sertório, que demarcava perfeitamente os domínios entre as casas de Melo e de Castro, Condes de Basto, estes capitães de ginetes da Comarca e aqueles alcaides-mores. O corpo principal, ao sul, que deita para a Rua Dr. Augusto Filipe Simões, antigo Terreiro do Marquês, flanqueado por duas poderosas torres de cantaria e alvenaria, apesar dos inúmeros arranjos posteriores, conserva solene imponência na alvinitente fachada caiada de branco ao gosto habitual da região. Na frente nobre, corre uma série de janelas de sacada, de umbreiras e cornijas de granito defendidas por ferragens forjadas, com balaústres de secção quadrada e circular, do tipo corrente dos fins do séc. XVI, começos do XVII e inspirados na dureza da arte castelhana do barroco filipino. A empena, protegida entre o contraforte de andares com cunhais de pedra aparelhada e a torre das cinco quinas é arranjo do séc. XIX, para fins utilitários, pois até 1851, manteve a perspectiva quinhentista, de aberturas estreitas e chaminés alterosas de repisas trilobadas. Do mesmo modo, o friso de ameias chanfradas que cortina a platibanda do edifício, substituiu outro, apenas parcial, de merlões góticos, do quatrocentismo e coevos do primeiro Conde de Olivença. Aquela obra corresponde a trabalhos determinados por D. Rodrigo de Melo, 1.° Conde de Tentúgal e terminados c.ª de 1541. O grande portado da entrada, que comunica ao pátio, celeiros, adegas e escadaria do entre-solo, é feito de vergas e jambas chanfradas, de granito local. 

A torre albarrã, de secção pentagonal, coberta com telhado de quatro águas, como cunha avançada do solar, desafia na vetustez e volumes o casario humilde que se acolhe a seus pés e do âmago de pedra lavrada, das altas e velhas janelas quinhentistas, domina-se paisagem admirável, embora severa, da monocromática terra alentejana. Parte da sólida construção, incontestavelmente do tempo dos visigodos, pertenceu à cinta muralhada da cidade e talvez como torre de Menagem do castelo medieval português; a partir de 1390 foi adaptada a residência dos alcaides e, da centúria imediata, parece conservar o coroamento de ameias de alvenaria. Ligeiramente posterior é a janela angular, mainelada e de arcos de ferradura, de calcário, que apresenta nos capitéis, ábacos e bases prismáticos determinadas características somente usadas pelos alvanéis moiriscos da época manuelina. Todavia, onde o histórico paço apresenta maior interesse arquitectural, grande pitoresco e monumentalidade é, sem dúvida, no extradorso do lado norte, que cai para o Largo dos Colegiais. Todo o edifício pousa neste sítio sobre antiquíssimos panos do muro romano-godo aproveitado no séc. XIV, pelos mestres arquitectos da cerca nova, e os alçados assimétricos do casario foram surgindo irregulares e expontâneos, sem planos, conforme as necessidades familiares dos nobres fidalgos, em casaria rompente na linha do céu, sem buscas de harmonia. 

Assim, nasceu uma massa heterogénea de volumes desencontrados dum extraordinário encanto arqueológico, combinados com os da ousia poligonal e empenas laterais da Igreja dos Lóios, reforçadas por botaréus e arcobotantes de grande arcada. Essa mesma linha de defesa da cidade, patrimonial da alcaidaria-mor, constituía uma série de torreões protectores das vetustas portas da Traição e do Moinho de Vento (aquela obstruída quando da fundação da mesma casa religiosa de S. João Evangelista, e esta refeita na totalidade em 1517, pelo Conde D. Rodrigo de Melo, segundo licença real de D. Manuel). Neste período, presume-se, avançou o chão do pátio palaciano, na linha norte, que tapou um lanço de muralha entre esta última porta e a torre quinaria, e se construiu, no prolongamento desta, a casa da carruagem, vastíssima, sobrepujada por câmaras de criados, com seus cunhais de granito em andares. Daquelas torres uma foi aproveitada pelos padres lóios para sineira do convento; outra integrada no jardim do paço, como estufa, de formoso portado com arco de ajimez, mudejar, de tijolo vermelho, coluneis marmóreos e de remate cónico, muito agulhado; e a terceira, de secção quadrada, como atalaia da porta militar, ultimamente restaurada, com ameias embebidas no embasamento do terraço. A torre quadrangular da fachada principal, com dois andares e altivo revestimento de ameiado gótico de secção cúbica e remate piramidal constitui, também, vestígio assinalável do Castelo Velho. 

Possui duas janelas notáveis, nas faces norte-sul, dos fins de quatrocentos, presumivelmente construídas no tempo do ilustre donatário D. Álvaro de Bragança, casado com D. Filipa de Melo, talentoso fidalgo considerado um dos introdutores do estilo mudejar no Alentejo, pelo seu conhecimento e interesse directo da arquitectura espanhola do sul da Andaluzia, pois foi, durante anos, como exilado político junto dos Reis Católicos, alcaide-mor dos alcáceres reais de Sevilha. São sacadas geminadas, de arcos ogivais, de lóbulos e revestimentos naturalistas nas chanfraduras das jambas e de capites puramente árabes, de calcário, em profusa ornamentação rendilhada. Outro tipo mais representativo do mudejarismo, da mesma origem e ligeiramente posterior, subsiste no pátio da casa, figurado por dois balcões de arcos de ferradura, de tijolo, ultrapassados e denticulados. Uma das janelas conserva a primitiva grade de ferro forjado com guarnição de bestiários estilizados, góticos. A frontaria do pavilhão principal para este pátio, sofreu graves descaracterizações na centúria passada, pois presume-se que a actual galeria do andar nobre, tapada com envidraçamento, seria primitivamente decorada por colunata manuelina ou da época do Renascimento. 

Os oito tramos que defendem o corpo térreo, estão protegidos por gigantes de granito aparelhado e nele abre-se parte de um claustrim de abóbadas nervuradas, sob o qual se vêem, mutilados e embebidos nas paredes alguns portados antigos, de pedra. Do mesmo período quinhentista são as dependências ogivadas do piso inferior, certamente de função utilitária, onde se instalou o primeiro núcleo museográfico da Casa Cadaval, inaugurado em 27 de Nov. de 1965. Subindo-se ao entre solo, por discreta escadaria de dois lanços de pedra, atinge-se a galeria que comunicava com as salas solarengas. Ao fundo isolou-se um curioso tramo de dupla arcada de volta redonda, com colunas esbeltas e capitéis de mármore branco, de Estremoz, decorados por elementos naturalistas, do estilo híbrido manuelino-mudejar. No começo do corredor rasga-se a entrada nobre, singelo portado de calcário poroso, em arco de carena pouco acentuado, de emolduramento encordoado, liso e terminado em opulenta pinha. A ornamentação do tímpano, fitomórfica e de atributos exóticos lembra, pelo seu acentuado populismo os motivos artísticos usados por Diogo de Arruda no claustro do Convento de Cristo de Tomar. No eixo do frontão, envolvido por sanefas adosseladas, a pedra de armas dos Melos - De oiro, com seis bilhetas deitadas, de vermelho, cada uma carregada de um besante de prata. É obra de c.ª 1515, do tempo do 1.° Conde de Tentúgal. 

Os antigos jardins da casa, transformados actualmente em quintalejo de verduras hortícolas e arvoredo frutífero, separa o corpo habitacional da igreja dos cónegos azuis, cujo prospecto, do lado ocidental, apoiado nos arcobotantes caiados de branco, oferece silhueta de impressionante gravidade e pitoresco. A fachada neste ponto é discreta de formas de arquitectura, com janelas rectangulares, de ombreiras graníticas, algumas chaminés salientes e coberturas de telhados de quatro águas pouco inclinados, correndo em grande extensão no piso rasteiro, uma alpendurada de três faces com eirado de acesso à escada da tribuna privativa dos Duques de Cadaval, primitivo oratório, integrado no corpo da nave da igreja de S. João, e ao mutilado parque, onde existe a interessante estufa da torre romana, com delicado portal de ajimez, de tijolo vermelho, dos começos do quinhentismo. Esta arcada, constituída por vários tramos assimétricos, em arcos de volta perfeita, quebrados e abatidos, suportados por abóbadas nervadas, de aresta viva, é obra popular da segunda metade do séc. XVI. No interior do edifício existem amplas salas e cómodos que assinalavam a nobreza e opulência da ilustre família, mas obras de artes decorativas, em pintura mural ou de arquitectura, se as houve, desapareceram por completo durante os vários arranjos práticos impostos pelos inúmeros contratos de enfiteuse, a partir de 1834, pois desta data em diante jamais um donatário o habitou. 

BIBL. D. António Caetano de Sousa, História Genealógica da Casa Real Portuguesa: Pe. Carlos da Silva Tarouca e Mário Tavares Chicó, Igreja dos Lóios de Évora, in A Cidade de Évora, 9-10, 1945; Reinaldo dos Santos e Raul Proença, Guia de Portugal, II, 1926; Túlio Espanca, História da Casa de Cadaval, in A Cidade de Évora, 43-44, 1960. ADENDA A Galeria de Arte da Casa do Duque de Cadaval, foi inaugurada no dia 27 de Novembro de 1965, pelo X Duque D. Jaime IV Álvares Pereira de Melo e sua esposa D. Claudine Marguerite Marianne Tritz, com a presença de autoridades religiosas, civis e militares e do Director do Museu Nacional de Arte Antiga de Lisboa, pintor Abel de Moura. Do seu recheio, nesta primeira fase de instalação, considerada provisória e essencialmente constituída por peças artísticas deslocadas da Igreja de S. João Evangelista, patrimonial dos mesmos titulares, apontam-se as seguintes, na sua maioria descriminadas em pormenor no texto próprio do Inventário: 1.ª sala: Campas de bronze, gótico-flamengas, de D. Rui de Sousa, Senhor de Sagres e Beringel, de sua esposa D. Branca de Vilhena e do cavaleiro Rui Paes. Escultura: Virgem com o Menino, de pedra de Anca, gótica, de inícios do séc. XV; N.ª S.ª dos Açougues, peça maneirista, de mármore, proto renascentista, da 2.ª metade do séc. XVI; S. Lourenço Justiniano, de madeira estofada, do séc. XVII, e N.ª S.ª da Vitória, de madeira policromada, de inícios do séc. XVIII (ambas muito arruinadas). Pintura: Virgem do Leite, fragmento de um retábulo do 1.° quartel do séc. XVI, de artista anónimo luso-flamengo, proveniente dos fundos antigos do Convento dos Lóios, ultimamente beneficiado em Lisboa e liberto de composições adventícias, setecentistas, de factura inferior (Alt. 1,44 x larg. 1,27 m); Três Santas (Alt. 0,66 x 0,37 m) e Casamento Místico de Santa Catarina (Alt. 0,67 x 0,37 m), tábuas de predela do 2.° quartel do séc. XVI, atribuídas com verosimilhança a fr. Carlos, do Espinheiro, também provenientes da extinta casa monástica de S. João Evangelista, mas actualmente de património do Estado e na sala expostos a título precário. Armas: Espada e capacete de guerra, de ferro laminado, de fins do séc. XV, que pertenceram ao 2.° capitão de Tânger D. Manuel de Melo. Mobiliário: Algumas bancadas de cadeiral do coro da igreja dos padres da Congregação de Santo Eloi. Muito notável é o núcleo de espécies documentais, manuscritas, pertencente ao conjunto da Biblioteca da Casa Cadaval, onde são destacáveis os forais da Leitura Nova, manuelinos, de Odemira (5-IX-1510), Cadaval (1-X-1513), Arega (26-XII-1513), Mortágua (8-1-1513) e Ferreira de Aves (10-II-1514); cartas de mercê, alvarás, régios, regimentos, instrumentos notariais relacionados com a ilustre família e o Livro das Menagens que prestaram os alcaides-mores dos castelos, fortalezas e cidades de Portugal e seus domínios aos reis D. Manuel e D. João III (1505-38). 2.ª Sala: Pintura - Retrato equestre de D. Jaime Álvares Pereira de Melo, 3.º Duque de Cadaval, de Pierre A. Quillard, e os retratos em busto de D. Rodrigo de Melo, 1.° Conde de Olivença, D. Maria I, D. João VI e D. Carlota Joaquina de Bourbon, telas de autores portugueses, anónimos, do último terço do séc. XVIII, sem merecimento artístico. Mobiliário: Dois pares de cadeiras portuguesas do período barroco, do tempo de D. Pedro II - D. João V, com braços e espaldar, ou singelas, de costas e fundos de couro repuxado, com ornatos flóricos e de figuras e animais; Par de tamboretes e um banco de espaldar de quatro assentos, pregueado e revestido de couro lavrado, recoberto de albarradas e festões; Contador português do séc. XVII e papeleira, estilo D. José, ambos de pau-santo e guarnições de metal amarelo. Este conjunto pertence, na totalidade, ao Museu Nacional de Arte Antiga e encontra-se no local em depósito. As colunas salomónicas, douradas, ornamentais, pertenceram aos altare

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Palácio dos Conde de Murça


Foi fundado na antiga Rua de Alconchel, por D. Rui de Melo, conselheiro de D. João III e avô de D. António de Melo, que o terminou nos fins do séc. XVI. Deste cavaleiro e de sua mulher D. Francisca Henriques (descendente do caçador-mor do rei Piedoso), D. Jorge Henriques, nasceu o ilustre varão D. Jorge de Melo, grande patriota e um dos nobres aclamadores de D. João IV, em Évora, o qual, sendo casado com D. Margarida de Távora, filha de D. Pedro Guedes, senhor de Murça, foi progenitor de D. João de Melo, bispo-conde de Coimbra, instituidor do morgado da Figueira da Foz (1624-1704) e de D. Pedro de Melo, governador da Província do Maranhão, no Brasil. O1.° morgado da Figueira, D. António José de Melo, foi consorciado com D. Joana de Mendonça, primogénita de D. Pedro Guedes de Miranda, senhor de Murça, e tiveram a D. Pedro José de Melo, o qual se matrimoniou com D. Maria de Bourbon, filha de D. Jorge Henriques, senhor das Alcáçovas e descendente do rei de Castela, D. Henrique de Trastâmara. Deles descenderam D. José Maria Rita de Castelo Branco, 1.° Conde de Figueira da Foz, morto sem geração, e D. Miguel António de Melo, 3.° neto do fundador da casa de Évora, que morreu no ano de 1836 investido no título de 1.° Conde de Murça. 

A última donatária do solar, D. Antónia José de Melo, casada com o oficial de engenharia Bernardino Pinheiro Correia de Melo, vendeu o imóvel ao lavrador José Rosado de Carvalho, que o transformou, profundamente, a partir de 1894. Em 1948 foi adquirido pelo Estado a Alberto Leger Rosado de Carvalho, conhecido proprietário do Monte do Barrocal, e nele se instalou a Delegação Provincial da F. N. A. T. O edifício, que era primitivamente de pequeno porte e delimitado por habitações de Damião Fernandes, Belchior da Silva e do cavaleiro Duarte Afonso, veio a absorver, em 1542, por compra de D. Rui de Melo à Câmara, parte dos terrenos públicos, compreendendo um beco e o vão sobrepujante ao chafariz dos cavalos, onde se armou uma frontaria com balcões contíguos ao adro da ermida de Santo Antoninho para se verem os touros e demais cavalhadas na Praça Grande (Geraldo). A D. Jorge de Melo e sobretudo a seu filho D. António de Melo se deve, em conclusão, o remate da obra, a qual, segundo escritura lavrada em 1590, com o Senado, se delimitou entre a esquina da Rua dos Caldeireiros e o terreiro da nova Colegiada de Santo Antão, lugar onde se armavam as tribunas dos Inquisidores do Santo Ofício. Neste pavilhão do palácio, em passadiço sobre o chafariz público guardava-se interessante e original colecção de retratos dos condenados em Autos da Fé, que se perdeu por destruição intencional, depois de 1730. 

O vasto solar, que chegou aos fins do séc. XIX com as fachadas primitivas do quinhentismo, perdeu, em absoluto, a silhueta clássica, substituída pelo arranjo monótono e descaracterizado actual, de rasgadas janelas de sacada com guarnições de massa e balcões de ferro fundido. Nas obras respeitaram-se, todavia, no corpo térreo, algumas aberturas rectangulares, de duplas molduras paralelas, de granito e o alto portal, rematado em padieira rectilínea de volutas barrocas, sobre o qual existia, segundo parece, o brasão de armas dos donatários, que esteve muitos anos no Monte do Barrocal servindo de tampo de um poço. Este armorial, de mármore branco, de oiro, com seis bilhetas deitadas, de vermelho, cada urna carregada de um besante de prata, foi colocado conjecturalmente na fachada sobrepujante ao chafariz, a instâncias da Comissão Municipal de Turismo, no ano de 1946. O chafariz, que continua encravado no paço após as modificações introduzidas nos fins de novecentos, quase no topo superior da Rua de Serpa Pinto, foi construído pelo Município afim de aproveitar as águas correntes da Fonte da Praça do Geraldo, anos depois da fundação do Aqueduto da Água da Prata, na 2.ª metade do séc. XVI. Na feição actual nada de particular o recomenda no domínio arqueológico. Grande arco abatido com moldura de alvenaria, de ornamento central escaiolado, protege alta taça de placas de mármore e, no vão, duas carrancas do mesmo material, de representação antropomórfica, do quinhentismo, desfiguradas pela acção do tempo. Escapou, quase intacto, o famoso claustro da Renascença, dos meados do séc. XVI, em colunata dórica e pilastras de forte aparelho granítico, patinado, composto por três faces abertas, de quatro tramos e vãos de volta perfeita, sendo o do lado oriental fechado com dependências térreas, de amplos salões coevos, de planta assimétrica, de grossos pilares quadrados suportando abóbadas de aresta, arcos abatidos e de volta redonda. 

A galeria superior, de colunelos toscanos, de mármore branco, também da ordem dórica, com friso clássico ornamentado por triglifos na arquitrave, está obstruída por caixilharia envidraçada, moderna; foi, recentemente, beneficiada pela Direcção Geral dos Edifícios Nacionais, que lhe apeou uma falsa platibanda com reposição de algumas boas peças de cantaria. Esta quadra é a melhor construção do seu género de arquitectura civil existente em casas nobres de Évora: os tectos, são de aresta viva ou de nervuras de alvenaria, e o corpo de entrada, vasto como um grande salão, elegante obra de arte palaciana, está robustecido por colunas toscanas de granito, suportando o arranque da abóbada, com estrela polinervada, de aresta viva, tendo ao centro curioso boceto esculpido na figuração da Cruz de Cristo. A escadaria de acesso ao primeiro andar, aberta em sóbrio mas bem proporcionado portal granítico, concebido nas linhas sóbrias do classicismo final, conserva as linhas originais, que foram, todavia, estruturalmente refeitas no século passado e as paredes revestidas de estuques em relevo, ao gosto neo-clássico, por artistas de Afife. Numa das salas do corpo nascente subsiste interessante lavabo de mármores regionais, negros e brancos, do estilo barroco, com depósito de três almofadas e frontão interrompido, cronografado de 1690. O oratório antigo, que conservava baixo rodapé de azulejos seiscentistas, foi completamente transformado. 

BIBL. Túlio Espanca, A Cidade de Évora, n.º 25-26, 1951, pág. 498-500. 

domingo, 18 de fevereiro de 2018

Palácio dos Condes de Basto


Fazendo parte integrante da cidadela e do alcaçar mourisco, nos seus primórdios, foi cedido em 1176, pelo rei D. Afonso Henriques, à Ordem Militar de S. Bento de Calatrava, então cognomizada entre nós de Cavalaria de Évora e posteriormente ao ano de 1223, de Avis. Aos seus velhos muros, como residência real de D. Fernando, estão ligados alguns episódios notáveis da nossa História; encarceramento do Infante D. João, Mestre de Avis, salvo pela prudência do alcaide-mor Vasco Martins de Melo; amores adulterinos de D. Leonor Teles com o conde Andeiro e o assalto à fortaleza presidiada pelo alcaide Álvaro Mendes de Oliveira, em Janeiro de 1384, que tinha pendão levantado pela rainha D. Beatriz. Seguidamente, nele habitou, na qualidade de fronteiro-mor do Alentejo, o Condestável D. Nuno Álvares Pereira, que no local concentrou o reduzido exército de invasão de Castela, culminada com a Batalha dos Atoleiros (1385). 

A instalação dos futuros Condes de Basto no castelo é da época de D. Duarte e foi seu primeiro donatário D. Diogo de Castro, o Velho, fidalgo prestigioso que fez parte do séquito da Infanta D. Leonor, irmã de D. Afonso V matrimoniada em Sienna com o Imperador Frederico III, da Alemanha, no ano de 1451 e que figurou como capitão de ginetes nas campanhas do norte de África e na Batalha de Toro (1479), onde ficou gravemente ferido. Foram, sucessivamente proprietários do edifício D. Fernão de Castro o Magro, conselheiro de D. João II e 2.° capitão-mor da cidade por Alvará de 26 de Janeiro de 1485; D. Diogo de Castro que esteve encorporado no contingente da nobreza eborense na conquista de Tunis, em 1535, de auxílio ao Imperador Carlos V; D. Fernando de Castro, 1.° Conde de Basto por mercê de Filipe I, em 1572; D. Diogo de Castro, 2.° Conde de Basto, presidente do Dezembargo do Paço e Vice-Rei de Portugal, que sofreu os insultos da populaça durante as Alterações de 1637, e, finalmente, D. Lourenço Pires de Castro, 3.° e último Conde de Basto, morto na Catalunha ao serviço dos Reis Católicos em 1642. Nos seus magníficos salões viveram algum tempo D. João III (1533), D. Sebastião (1573-75), Filipe II e III (1582 e 1619), Vice-Rei Arquiduque Alberto (1593), Duquesa de Mântua (1634), D. João IV (1643), Príncipe D. Teodósio (1651) e o General Príncipe D. Juan de Áustria, filho de Filipe IV, no período de ocupação da cidade pelos exércitos espanhóis, durante a Guerra da Restauração (1663). A casa foi, ainda, habitada pelo arcebispo D. fr. Domingos de Gusmão, tio dos reis D. Afonso VI e D. Pedro II, que nela morreu (1678-89), pela Rainha de Inglaterra D. Catarina de Bragança (1699) e pela legítima sucessora do 3.° Conde de Basto e sua irmã, D. Joana de Castro, casada com Duarte de Albuquerque Coelho, senhor da capitania de Pernambuco, cuja filha e herdeira D. Maria de Castro e Albuquerque foi matrimoniada com o 7.° Conde de Vimioso. 

Ulteriormente, estes domínios foram integrados nos bens de D. José de Meneses e Castro, 13.° senhor da Patameira e da Caparica, pai do 1.° Marquês de Valada, titulares que os venderam no último quartel do século passado ao lavrador Vicente Rodrigues Ruivo, que neles habitou, assim como sua filha, D. Oliva Fernandes, até que os herdeiros desta, no ano de 1958 os alienaram em beneficio do eng. Vasco Eugênio Maria de Almeida, que nos paços promoveu, de acordo com a Direcção Geral dos Monumentos Nacionais, obras de restauro e reintegração arqueológica de altíssimo merecimento, as quais prosseguem em ritmo acelerado no tempo presente. O palácio, construído em planta sensivelmente rectangular e disposto em pavilhões de várias épocas, ocupa uma vasta área tanto coberta como de espaços livres e os chãos originais, doados pelo rei D. Duarte ao primeiro capitão-mor D. Diogo de Castro, que compreendiam o corpo oriental do alcaçar mourisco e residência-mãe da Ordem de Avis, incluindo a capelinha de S. Miguel, foram muito acrescentados no tempo de D. Fernando, futuro 1.° Conde de Basto, com a aquisição das casas do cónego Ambrósio Rodrigues e da rua pública que a delimitava. Datam deste período (c.ª de 1572), coincidindo com a permanência del-rei D. Sebastião nos paços, as grandes obras que o isolaram, definitivamente, das residências dos Marqueses de Ferreira, da comunidade de S. João Evangelista, a ocidente, e dos Condes de Portalegre e do Celeiro, do Cabido da Sé, a nascente-sul, culminadas com a construção dos dois portais externos, de granito almofadado, no tipo rústico, de arcos redondos e apilastrados. Nos frontões, triangulares, barrocos, conservam-se os armoriais marmóreos dos titulares: De ouro, com treze arruelas de azul, dispostas, em 3, 3, 3, 3 e 1, sem timbre. 

As frontarias do grande pátio, que olham ao nascente, sofreram transformações de monta e muito pouco subsistiu dos fundamentos do estilo gótico: dois portais lanceolados, de granito e uma fresta chanfrada. Todavia, da vultuosa empreitada concebida pelo capitão-mor D. Diogo de Castro em tempos do rei D. Manuel e parcialmente escondida no governo do seu sucessor na década de 1570, muito se descobriu no restauro actual, além do que já era visível e se não perdera através dos tempos. Belas janelas geminadas, de arcos de ferradura, de ajimez, fustes, capitéis e bases de fino mármore branco, alentejano; outros de arcos conopiais, de tijolo; uma portada de volta abatida e grupo de três meias canas nas jambas, de pedra, outrora encimada pelo escudo de família, de que existem vestígios, possivelmente da entrada principal. Alguns destes valores arqueológicos foram inexplicavelmente recobertos de argamassa e sumidos nos alçados. O corpo facial do edifício, para sul, é excrecência do tempo de D. Pedro II e foi mandado fazer pelo arcebispo D. Luís da Silva em 1699, para nele se alojar parte da comitiva da princesa D. Catarina de Bragança, rainha viúva de Inglaterra. Da 2a metade do séc. XVI e obra arquitectural de merecimento, é a galeria de dez tramos, encostada à torre protectora da PORTA DA TRAIÇÃO, sacrificada na mesma altura como obra militar, galeria suportada por dois anchos arcos de meio ponto, de granito, com gigantes de andares e ábacos emoldurados: tem abóbada com nervuras de aresta viva. Era o vestíbulo da casa da guarda do conde. O mais imponente pavilhão de todo o imóvel, é o das salas nobres do 1.° e 2.° andares, concebido em planta rectangular, angularmente cintado pôr grande aparelho granítico, com telhado de quatro águas, cuja fachada setentrional cai sobre a vetusta muralha da cerca velha, onde subsistem largos troços romanos e visigóticos de cantaria. 

Duas torres protegem estas empenas: a ulteriormente aproveitada para oratório palaciano e a da escada cocleada, aquela em forma cúbica e esta de secção cilíndrica. As janelas do primeiro pavimento são vulgares, de arcos abatidos e molduramento granítico, mas os três balcões superiores, geminados e de arcos conopiais de ferradura, de duas arquivoltas denticuladas de granito, capitéis, fustes e bases de mármore branco, são notáveis exemplares de arquitectura mudejar, onde as proporções, materiais e o desenho se combinam em rara harmonia de linhas. Decorando o beiral, em alto friso clássico, de ornatos naturalistas e geométricos, curioso esgrafito dos meados do séc. XVI, parcialmente reconstruído na década de 1950. INTERIOR Da vultuosa reforma de arquitectura da época sebástica, ordenada pelo futuro 1.° Conde de Basto, no piso térreo, são muito importantes alguns salões, principalmente os das Deusas da Mitologia, da história da Guerra Naval e o de Recepções, todos levantados com abóbadas de nervuras decoradas a fresco sob direcção do pintor Francisco de Campos, em 1578. O primeiro aposento é de planta elíptica, constituído por oito tramos de arcos abatidos, falsos, amparados por pilastras de perfis rectos e losângicos, actualmente escaiolados, mas sob os quais se vislumbram perdidas composições murais. O tecto, com doze ogivas de aresta viva, intervaladas por frisos de cordões, óvulos e pingentes polícromos, compõe-se de igual número de painéis em lisonja, sendo os quatro axiais iniciados por uma circunferência irregular de quatro diâmetros com raios engrinaldados de plantas e frutos silvestres, onde deliciosos amores brincam em variadíssimas posições, escalando árvores de frondosa verdura e colhendo pomos. Os quadros inferiores, na nascença das ogivas representam ninfas, sereias e deusas da mitologia clássica, com seus atributos e alegorias, paisagens e marinhas, onde dominam as velhas naus portuguesas quinhentistas. 

Estão todas as figuras vestidas ao gosto cortesão coetâneo, com as respectivas legendas latinas: Salmacis, Danae, Egina, Sione (Sinoe), Medea, Levcote (Leucotea), Grigone Pserqvina (Proserpina), em a qual, a seus pés, numa filactera retabular existe a data e assinatura do artista: F.O D.E. CÃ.P.V.S. 1578 Trabalho de intenção poética e literária, onde a voz da Fama se combina com as recordações da grandeza da sua época, está impregnado, estilisticamente, de um maneirismo mais neerlandês que italiano e que poucos exemplos deixou entre nós, podendo-se considerar, sem favor, dos mais preciosos murais da arte profana subsistentes em Portugal. Dimensões da sala: eixo maior, 8,05 x 6,70 m. A sala imediata, para ocidente, é outro curioso exemplar de arquitectura barroca disposto em cobertura nervurada, com 28 caixotões de aresta viva, completamente revestidos de frescos particularmente interessantes, onde se combinam, em exuberante exotismo os elementos ornamentais de fantasia, fito e antropomórficos e os temas de intenção histórica, seguramente comemorativos de um grande feito guerreiro dos anais da Cristandade - a conquista de Tunis e destruição das esquadras do pirata turco Barbaroxa, em Julho de 1535 - , onde se notabilizou o capitão-mor da cidade D. Diogo de Castro, senhor da casa, encorporado no exército de auxílio ao Imperador Carlos Quinto, dirigido pelo Infante D. Luís, filho do rei D. Manuel. Dois dos retábulos mostram episódios da concentração dos navios portugueses em Barcelona, sob direcção do almirante D. António de Saldanha e o ataque combinado das forças luso-castelhanas por mar e terra ao porto da Goleta. 

Nos restantes painéis dominam as crianças desnudas brincando com animais domésticos ou segurando cornucópias de abundância, mascarões, cariátides, guerreiros e ornatos naturalistas, metidos alguns, em tabelas e medalhões clássicos e barrocos. É obra pictórica do mesmo ciclo feita sob direcção do pintor Francisco de Campos. De mais antigas construções apareceram, nos alçados setentrional e leste da dependência, uma porta de arco lanceolado, gótico, dos fins do séc. XV e uma imponente colunata de dois amplos tramos arquitravados, que atinge as cornijas da sala, sendo os fustes ornados de capitéis de folhas de cardo e as bases de secção prismática, do estilo mudejar. Ligeiramente posterior é a elegante coluna axial, de fino alabastro, já da arte da Renascença, com capitel de palmetas torsas (c.ª de 1530). Dimensões da sala: comp. 8,50 x larg. 6,20. O salão de Recepções está intacto. De planta rectangular, com quatro tramos divididos por robustas colunas toscanas de granito e iluminado por três janelas de peito, de jambas chanfradas e vergas abatidas, tem cobertura de artezões completamente revestidos de pinturas a fresco, obra tanto de arquitectura como ornamental, dos primórdios da governação de D. Fernando de Castro (c.ª de 1570). Os caixotões losangulares, de grandes proporções conservam, com rara felicidade, o temático original, onde se entrelaçam, em profusão e larguesa de desenho, as composições zoomórficas, naturalistas e antropomórficas, além de outras, como trofeus bélicos próprios de uma residência de capitania militar, e míticos. O trabalho pictórico, onde se conjugam os estilos da Renascença e do Barroco, pertencem, também, à empreitada de Francisco de Campos, mas revela parceria e diversidade de técnica e inspiração. Dimensões: comp. 18,10xlarg. 7,50 m. 

Em comunicação directa com este salão, fica o secularizado oratório solarengo construído sobre o adarve de uma meia torre da antiga fortificação do castelo, nos meados do séc. XVI, e dedicado ao Cristo Rei, que no ano de 1591 estava muito bem decorado com cinco painéis de pintura a óleo sobre bordo, tinha altar de pedra e boas alfaias de prata e paramentaria. É de planta quadrangular e tecto hemisférico assente em trompas ornadas de tabelas geométricas. A porta de acesso, à escala humana, recentemente liberta, é de arco de ajimez, de tijolo, do estilo mudejar. No mesmo piso, para o lado meridional, ainda se conservam algumas dependências com vestígios de arquitectura apreciáveis: uma vasta sala dividida por arco gótico, de granito, de vultuoso lançamento (ulteriormente protegido por pilar de alvenaria), com abóbada nervurada, dos alvores do quinhentismo, e outra saleta imediata, com fresta ogival, chanfrada, e tecto de esteiras de secção losângica, de carvalho, levemente emoldurado. Este trabalho de marcenaria é da época renascentista e do último quartel do séc. XVI. Para ser reconstituída numa empena a determinar, existe em depósito no palácio, uma janela manuelino-mudejar, geminada e de arcos de ferradura de duas arquivoltas, com os respectivos toros anelados, laterais, de granito, fustes e capitéis esculpidos em mármore, que veio da fachada sul do destruído paço dos Morgados Pegas, em 1962, sito na Rua da República. No andar superior, as dependências do corpo gótico-manuelino-renascença, são as únicas, igualmente, de valor artístisco e arqueológico. O salão principal (que se atinge subindo cómoda escada helicoidal de torrinha cilíndrica e cobertura radiada), onde D. João IV e o príncipe herdeiro D. Teodósio se reuniram com o Conselho de Guerra para estudar planos de invasão de Espanha em 1643 e 1651, iluminado por três formosas janelas geminadas, dominando inesquecível panorama da várzea alentejana cortada no horizonte pela Serra de Ossa, tem proporções majestosas e é relíquia notabilíssima de arquitectura híbrida manuelino-mudejar datável de c.ª 1510. 

Disposta em planta levemente trapezoidal, tem as seguintes medidas: compr. 18,30 m, pela largura variável de 7,30 m até 7,50 m. Conservou, escondido sob outro posterior, até 1880, o tecto primitivo de castanho, obra inestimável de marcenaria árabe, colorida e de ornamentos geométricos, que o erudito Gabriel Pereira ainda viu em ruínas e, após apeamento, se cobriu de tecelagem servindo de céu do Teatro de S. Miguel. Do ladrilhamento pavimentar, antigo, subsistiu, apenas, no eixo da sala, um quadrado cerâmico de esmalte azul e amarelo. No alçado oriental, para o pátio, abrem-se mais dois balcões mainelados e de arcos de ferradura, estes de tijolo, em dimensões singulares, um deles transformado em porta de acesso ao varandim clássico erguido no tempo de 1.° Conde de Basto, que se apoia em dupla arcada redonda, de granito, com formosa colunata toscana arquitravada, de dez tramos de coluneis marmóreos, ornada de friso renascença de triglifos e métopas. As grades, de ferro batido, com balaústres de secção losangular, anelados e de ornatos insculpidos, são coetâneos, assim como o rodapé de azulejos enxadrezados, monocromos, de azul. Um dos pavilhões anexos, sobrepujante à sólida torre acastelada, reconstruída em 1648, também teve lambril cerâmico de idêntico fabrico, hoje desaparecido. A dependência contígua ao salão principal, manuelino, é antecedida por portal geminado e de arcos de ferradura, em ajimez, graníticos, coluneis marmóreos, lisos, capitéis e bases torsos. Em planta rectangular, com 8,25 x 6,80 m, de igual modo esteve recoberta por tecto de caixilharia árabe (perdida) e conserva as duas aberturas mudejares, ambas maineladas, uma para o exterior e outra de ligação à ante-sala do terraço dos jardins, parcialmente reconstituídas. Salvou-se, também, o alto friso da sanca, pintado a têmpera possivelmente por Francisco de Campos e seus colaboradores, em 1578, constituído por temas alegóricos e mitológicos de Diana a caçadora e de Andromeda ou outros de difícil interpretação: cenas de caça, combates singulares, infantis, animais e aves domésticos e ferozes, paisagens, símbolos do Amor e da Poesia, nereidas, Neptuno e Cepheu (?), rei da Etiópia e Perseu com o inseparável cavalo alado, Pégaso, salvando das garras do monstro a sua formosa Deusa. 

Angularmente, muito atingidos pela humidade, discos em grisaille com atributos da justiça (?). Dois painéis estão legendados em caracteres clássicos : DIANA E ANDROMEDA A galeria do jardim foi, também, edificada no estilo da Renascença pelo Conde D. Fernando de Castro, em tempos do rei D. Sebastião, absorvendo o recanto do pavilhão principal do edifício e ao nível do alçado do novo corpo habitacional, coetâneo. Por este motivo, as antigas janelas manuelino-mudejares passaram a servir de portais e subsistem embora refeitas nalguns pormenores, pois encontravam-se desde épocas indeterminadas escondidas nas paredes mestras. É constituído o terraço, por arcaria arquitravada, de dez tramos com coluneis toscanos de mármore branco de Estremoz, que repousam em quatro vãos de arcos redondos reforçados por botaréus de alvenaria e tecto nervurado, singelo. Na empena manuelina, ao nível térreo, vestígios de grande arco de volta inteira, frestas de molduras chanfradas e cunhal aparelhado, da mesma época. Nos desaparecidos jardins, de chãos terraplanados com o adarve da muralha medieval, vêem-se restos utilitários do período fidalgo: uma pequena fonte de repuxo, de mármore branco, barroca, traçada em pentágono irregular, dos primeiros anos do séc. XVII e a fonte e casa de fresco, construída em planta rectangular, de abertura redonda e do tipo de mergulho, possivelmente do mesmo tempo, porquanto conserva o forramento das paredes interiores, dos bancos e da taça quadrilobada, com azulejaria polícroma, do tipo de tapete, datável de c.ª 1650. Em época avançada do séc. XIX, a construção foi recoberta de elementos conchológicos, calcários e de cerâmica antiga, em caprichosa ornamentação, onde avultam as cruzes de Avis e de outras ordens militares portuguesas, albarradas, festões e no vão do arco, em embrechados, o armorial dos Condes de Basto. 

A actual entrada independente para os jardins, faz-se através de portado gótico, quatrocentista, de pedra, com chanfraduras e ábacos avançados, que foi deslocado da sua posição primitiva mas era do local e, no limite da propriedade, separando os quintais do extinto Convento dos Lóios, corre um pano de muralha do castelo velho, onde subsiste pequena casa de alvenaria, cujos alicerces são formados por blocos de cantaria trabalhada, seguramente restos da fortificação medieval. Numa reprega do mesmo muro existiu, também, no séc. XVI, uma porta que foi utilizada pelo rei D. João III e sua corte para assistência privada aos ofícios divinos celebrados na Igreja de S. João Evangelista. Igualmente quinhentista e do tempo do capitão-mor D. Diogo de Castro é o pavilhão das cavalariças e dependências da criadagem, erguido na face meridional do pátio, olhando ao ocidente. Foi bastante valorizado na década de 1940 para utilização como Albergue Distrital, mas o restauro, orientado pela Direcção dos Monumentos Nacionais não alterou, exteriormente, a traça original. Mantém as frontarias rijamente contrafortadas, os cunhais de granito, frestas e portal chanfrados, de verga abatida e a pitoresca escada setentrional, de arcos redondos, falsos, com varandim descoberto. As chaminés são do tipo tradicional do Alentejo, com caixas de ressalto. 

O grupo de casario da banda direita do observador, logo após o extradorso do antigo Celeiro do Cabido, confinante com quintais e outras dependências do velho paço dos Condes de Portalegre, foi integrado nos bens imobiliários da casa dos capitães-mores por D. Fernando de Castro, cerca de 1570, pouco depois da morte do seu proprietário, cónego da Sé Ambrósio Rodrigues. É constituído, essencialmente, por dois pavilhões de linhas rectangulares, mas assimétricas, o primeiro, a sul, dos fins do séc. XV ou começos do imediato, e o segundo, também de segundo andar, obra mais tardia e feita pela 2.° Conde de Basto D. Diogo de Castro, Presidente do Desembargo do Paço e Governador do Reino, com destino a aposento dos seus familiares e a hóspedes, nas vésperas da visita de Filipe II, em 1619. Aquele é um belo vestígio de arquitectura gótica e dos inícios da Renascença, com fachadas compostas por aberturas destes estilos, de molduras e jambas graníticas, de alvenaria e arcos redondos, lanceolados e abatidos. O pátio principal é antecedido por murete de porta arquitravada, sobrepujado por friso de merlões chanfrados, modernos. Curiosa e elegantíssima é a escada de acesso ao corpo superior, em caixa lateral suportada por pilar de base rectangular e patim cupuliforme, geminado, de agulha cónica, tecto de nervuras finas com chave redonda de ornatos exóticos e esbelto fuste marmóreo, de capitel mudejar. Na ilharga oriental e no piso principal, sobre terraço aberto com alpendre de dois tramos abatidos e de duplos arcos falsos, hoje, e antigamente abertos, de alvenaria, ergue-se o oratório do cónego donatário, construído no estilo clássico em planta rectangular e dimensões miniaturais: 2,07 x 1,27 m. A abóbada, polinervada, está enriquecida de chaves circulares, com ornatos naturalistas, estrelas e a central pela Cruz de Avis. 

Tem empena triangular composta nos acrotérios por esferas de alvenaria e portal apilastrado, de quartões rectos. Trabalho interessante da Renascença e dos últimos anos de D. João III, já se encontrava desafectado no ano de 1597. Os prospectos exteriores do casario, neste ponto, que deitam para pequeno quintalejo, têm muito carácter, pelo desencontro dos volumes de arquitectura popular, com chaminés de ressalto e cunhais de pedra aparelhada. Foi muito restaurado nos últimos lustros. No terreiro do Pátio de S. Miguel apareceram, nos nivelamentos pavimentares, algumas peças arqueológicas e um tambor cilíndrico, granítico, fragmento de coluna do Templo Romano. 

BIBL. Visitação dos oratórios de Évora em 1591, Cód. ms. n.° 61 da Livraria da Manisola (Biblioteca Pública e Arquivo Distrital de Évora), fls. 50-51; Gabriel Pereira, Estudos Diversos, compilados e publicados por João Rosa, 1934, págs. 143-46; Luís Reis Santos, Évora - Pinturas murais, in Diário de Notícias, 12-11-1933, em entrevista concedida a Celestino David; Túlio Espanca, Notas sobre pintores em Évora nos sécs. XVI-XVII, e Curiosidades de Évora, Cadernos de História e Arte Eborense, V e XXII, págs. 19-22, e 49-56, respectivamente. ADENDA O ramo familiar dos Castros de Évora - capitães-mores da cidade desde tempos do rei D. Duarte, futuros condes de Basto - descendia do fidalgo espanhol D. Álvaro Pires de Castro, Conde de Viana do Minho e de Arraiolos, alcaide de Lisboa e 1.° Condestável do Reino por D. Fernando I, irmão da celebrizada D. Inês de Castro. Os descendentes dos titulares - os marqueses de Valadas - fundaram e dotaram com rendas suficientes, na Rua do Hospital no Conde, 12, em Évora, um Asilo de Velhas Pobres de Santo António do Conde, que se extinguiu em data indeterminada no ocaso do século XIX. No edifício onde funcionou, constituído por altos e baixos, com balcões de ferro forjado, transformado em épocas recentes, realizava-se uma festa religiosa, pública, dedicada ao patrono - Santo António de Lisboa.