quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Jardim das Casas Pintadas

O Jardim das Casas Pintadas é um espaço único do património citadino que, apesar de localizado na Acrópole eborense, passa completamente despercebido a quem por aquela zona deambula. Na verdade, a sua presença apenas é identificada por um discreto portão no início da estreita e sinuosa travessa que lhe dá o nome, a qual sai das traseiras do Palácio da Inquisição e onde, em placa não menos sóbria, se indica que para visitas e informações se devem os interessados dirigir ao Fórum Eugénio d’Almeida, na Rua Vasco da Gama. E é exactamente por um portão ao lado deste que se faz a entrada. 

Desta forma, a fraca visibilidade e a não acessibilidade directa e imediata ao público apresentam-se como obstáculos maiores ao seu conhecimento e fruição. Não poderia, contudo, ser de outra forma, apesar de ter funcionado como espaço aberto durante quatro séculos. Mas os tempos eram outros.

Desocultemos então à curiosidade geral o jardim, que, sendo um eloquente testemunho do urbanismo do século XVI, tem anexa uma galeria decorada por um conjunto de frescos que a tornam exemplar único em Portugal da pintura mural palaciana e da cultura da época. À data, desconhecida, da execução dos frescos, o edifício pertencia a D. Francisco da Silveira, coudel-mor (tratador de cavalos) do Reino e poeta palaciano com presença destacada no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende. Em 1635, Jardim e Casas Pintadas - assim passaram a ser designadas pelas gentes de Évora - foram vendidos ao Santo Ofício e vieram a ser anexados ao Palácio da Inquisição, a que desde sempre tinham estado arrimados.

 O antigo paço senhorial transformou-se, assim, em moradia dos inquisidores. Com a expulsão dos jesuítas, o edifício retornou à posse de privados, tendo alojado o Hotel Alentejano durante alguns anos da primeira metade do século passado. Depois do encerramento da unidade hoteleira, as Casas Pintadas vieram a ser classificadas como Imóvel de Interesse Público em 1950. Cerca de uma década volvida, foram compradas por Vasco Maria Eugénio d’Almeida (Conde de Vil’Alva) que as incluiu no seu vasto património arquitectónico. Com a criação da fundação homónima, as mesmas foram legadas a esta instituição, que tem procurado preservar todo o conjunto em favor da cidade, do concelho, da região e do país. 

Para levar a cabo este desiderato a Fundação procedeu, em 2008, à realização de um projecto de recuperação e valorização do Jardim, que se encontrava algo degradado em diversas zonas, o qual recebeu o correspondente co-financiamento cumulativo do Ministério da Cultura, através do POC/EU, e do FEDER. A partir daí a entrada para o conjunto passou a fazer-se pelo pátio, que, dobrado um breve lance de escadas, desemboca no jardim de geometria muito simples, definido por uma estrutura ortogonal adornada por um espelho de água, reflectindo o céu, no meio de um denso laranjal. Zona remansosa e de ócio, protegida por muros altos, garantia a tranquilidade e a privacidade dos residentes. Por uma porta quase secreta, aberta numa reentrância do muro que o limita a poente, entra-se na horta, usada como quintal de limpezas dos cárceres durante a sua sinistra utilização pelo Tribunal do Santo Ofício. 

Retornada à sua feição original, possui agora canteiros de espécies medicinais e hortícolas e uma taça de água situada numa das extremidades. Em baixo, no flanco esquerdo, existe ainda uma capela oratória onde sobressaem frontalmente a figuração da Sagrada Família, à direita uma representação da Descida da Cruz e à esquerda um quadro de S. Cristóvão e outro aludindo, ao que se supõe, à Missa de S.Gregório. Pelas escadas se ascende então à bela galeria de paredes pintadas, onde um friso composto por centauros femininos serve de base ao todo pictórico, que se divide por cinco painéis. Assim, o primeiro, na parede sul, é designado pelo das garças, enquanto o segundo é conhecido pelo pelas sereias, recordando os perigos que a alma humana enfrenta. 

O agrupamento central é o de mais difícil interpretação, nele se podendo observar uma briga de galos, rodeados por outros animais como o veado, a raposa, a lebre e a perdiz, desde sempre conotados com a luxúria. No flanco direito divisa-se uma hidra de sete cabeças que parece lembrar os sete pecados mortais, ladeada entre bichos por um pavão que parece simbolizar a ressurreição e a vitória do Bem contra o Mal. No último dos painéis, e à entrada do oratório que lhe é adjacente, representa-se um pelicano que derrama o seu próprio sangue restituindo-lhes a vida. Espaço único da cidade, ele reaviva o período da 2ª dinastia em que Évora foi a segunda cidade do Reino, morada de reis, nobres e cavaleiros e presença quase permanente da sua  imponente Corte.

Texto: José Frota

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