Estava-se em pleno PREC (Processo Revolucionário
em Curso). No Alentejo, a Reforma Agrária era um autêntico
braseiro político e social, pois os proprietários
de um milhão e duzentos e mil hectares tinham sido
compulsivamente afastados das suas terras e substituídos
pelas Unidades Colectivas de Produção, constituídas por
grupos de trabalhadores organizados que as haviam ocupado
com a conivência do MFA (Movimento das Forças
Armadas) e o apoio do Partido Comunista Português. A
tensão entre lavradores e antigos assalariados atingira
o rubro, ameaçando transformar a região num enorme
campo de batalha em que o sangue correria a rodos, visto
que, se de um lado as forças militares e para militares
possuíam armas legais, os latifundiários e rendeiros também
as tinham, ainda que obtidas de forma clandestina.
O confronto por diversas vezes esteve iminente, tal era
o ódio entre ambas as partes em litígio.
Nessa altura Évora era vista como a capital da Reforma
Agrária.
Os movimentos ditos progressistas e os intelectuais apoiavam calorosamente a mudança ocorrida nos campos
alentejanos, emprestavam-lhe toda a sua solidariedade e criatividade e
reforçavam as consignas emanadas do poder revolucionário. Foi assim
que durante o chamado Verão Quente, mais concretamente nos dias
5 (sábado) e 6 de Julho (domingo), a instâncias da Comissão Dinamizadora
Central do MFA, uma brigada de artistas plásticos deslocou-se
à cidade para criar, num muro com 40 metros de comprimento, uma
grande composição pictórica que celebrasse os momentos históricos
de rutura com o antigo regime, nomeadamente a conquista da Reforma
Agrária.
O local escolhido havia sido uma extensa parede, adstrita ao Palácio
de Cadaval e situada junto à Porta do Moinho de Vento, à entrada
do Largo dos Colegiais. Durante aqueles dias trabalharam, num ritmo
frenético e pluralidade de estilos, os pintores e desenhadores Vespeira,
Gracinda Candeias, Rogério de Amaral, Rodrigo de Freitas, Sá Nogueira,
Júlio Pereira, Sérgio Pombeiro, Teresa Magalhães, Henrique Manuel,
David Evans, João Moniz Pereira, Silvia Chicó e Henrique Ruivo.
A obra consagrava de fato maioritariamente a Reforma Agrária, quer
através das imagens como por meio da inserção da máxima socialista
“A terra a quem a trabalha”, mas referia também de forma mais breve e
por vezes metafórica a chegada da liberdade ao Alentejo, as nacionalizações,
a aliança Povo-MFA e o nascimento da Guiné-Bissau.
Depois, com a realização das primeiras eleições e a instauração da
democracia parlamentar e o consequente afastamento do PCP, a que
sucedeu o paulatino regresso aos quartéis dos militares, a Reforma
Agrária foi-se esboroando progressivamente.
Em 1979 começa a devolução das
terras que haviam sido nacionalizadas aos
antigos proprietários. Os ocupantes resistirão,
mas a GNR virá a ter um papel
determinante na imposição das decisões
governamentais. Será Cavaco Silva que,
em 1995, com a publicação da Lei de Bases
do Desenvolvimento Rural, vibrará o
golpe de misericórdia na Reforma Agrária
ao decidir-se pela privatização das terras.
Na parede junto ao Palácio de Cadaval,
o painel continuou indiferente aos ventos
da história mas exposto à fúria dos elementos,
que foram contribuindo para a
sua acelerada deterioração, que já praticamente
o tornava pouco menos que impercetível.
Em 2004, aquando dos festejos do
30º. Aniversário do 25 de Abril, a Câmara
Municipal tentou recuperá-lo, mas os peritos
consultados para o efeito foram de
opinião que o seu restauro era impossível,
dada a degradação do reboco do muro.
Em face disto, a edilidade optou por
mandar executar uma placa interpretativa
do mural que reproduzia a pintura
como ela era em 1975, de acordo com
a fotografia acima inserta e única que
abrangia a totalidade da obra, e na qual
figuravam os nomes dos artistas que haviam
participado na sua feitura. Logo
nos tempos imediatos desconhecidos
roubaram a placa identificativa.
Hoje, da
existência do mural apenas restam alguns
vestígios praticamente indecifráveis, com
o muro carcomido pela usura do tempo
e pelas ervas e líquenes que o encobrem.
E foi pena que não lhe tivessem acudido
a tempo. Independentemente das
convicções políticas e ideológicas de cada
um, o mural era valioso do ponto de vista
artístico e cultural e marcava o testemunho
de uma época marcante na história
da cidade.
Autor: José Frota
Évora Mosaico
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