Numa edição cujo tema de capa é o megalitismo, a proposta de passeio é naturalmente uma visita ao Alto de S. Bento, notável geo-sítio situado a cerca de três quilómetros do Centro Histórico e conhecido entre a população como o miradouro da cidade, que vista lá de cima parece estender-se a seus pés. Foi esta característica, aliada ao microclima existente, que concorreu para que o lugar se tornasse procurado e fruído por grande número dos habitantes. Nomeadamente quando, a partir de finais do século XIX, se alargou a estrada que lhe dava acesso e posteriormente se construiu a ligação rodoviária a Arraiolos. Desde tempos bem antigos que toda a vasta zona que se sucedia à Porta da Lagoa, constituída por terrenos de grande fertilidade e frescura, foi alvo do interesse das comunidades monásticas. Em séculos diferentes neles se vieram a instalar os Conventos de S. Bento de Cástris, da Cartuxa e do Espinheiro.
A implantação religiosa estendeu-se posteriormente a outros eclesiásticos e prelados, conforme o denotam eloquentemente os nomes que alguns desses espaços ainda mantêm: Quinta do Chantre, Quinta dos Freires da Graça, Quinta de S. Caetano, Quinta de Santo António. Aos monges e padres que se instalaram para viverem em afastamento o seu retiro mundano, tendo a sua sobrevivência garantida pela exploração intensiva dos produtos hortícolas e de algum gado miúdo, juntaram-se posteriormente alguns nobres e magistrados que edificaram belas residências com o objectivo de ali passarem o inclemente verão eborense. O isolamento monástico, e a circunstância das poucas residências particulares estarem desocupadas durante um parte do ano, tornavam os caminhos entre quin tas bem perigosos.
Nas zonas intermédias acoitavamse grupos de bandoleiros que assaltavam quem por ali por vezes circulava, para encurtar distâncias. Tudo viria a alterar-se com a revolução liberal. Os bens da Igreja foram secularizados, os nobres deixaram de viver das tenças reais e foram obrigados a vender os bens para sobreviver, enquanto muitos magistrados se viram afastados dos seus lugares e remetidos para outras paragens. A nova ordem política e social provocou bastas alterações fundiárias, tendo contribuído para o desmoronamento e fragmentação de muitas casas senhoriais, que vieram a conhecer outros donos. Rasgados novos caminhos vicinais de comunicação, foi possível melhorar e intensificar o trânsito entre as propriedades e franquear por completo o caminho que conduzia ao topo daquela colina granítica de cerca de 360 metros de altitude e em cujas imediações vivia uma série de pequenos hortelãos. A pé ou a cavalo, o Alto de S. Bento passou a ser demandado por todos quantos queriam conhecer a paisagem que dali se desfrutava, gozar a benignidade dos seus ares ou para ali fazerem os seus piqueniques, moda burguesa dos finais do século XIX. Este novo modo de vida ganhou outra dimensão por volta de 1885.
Reinava em Évora um grande entusiasmo em torno das recém-aparecidas bicicletas, que os jovens ditos bem nascidos começavam a preferir aos trens e às caleches dos seus pais e avós. A novidade dos primeiros passeios velocipédicos deu origem às lúdicas voltas domingueiras, que os levavam às quintas dos arredores mostrando às moças o seu ar distinto de “ sportmen”. O Alto de São Bento era um dos percursos preferidos dos que gostavam de procurar a ruralidade dos subúrbios citadinos. A sua demanda aumentou a partir da segunda década da centúria passada, com a crescente utilização do automóvel. O Alto passou a ser, particularmente de noite, local de amores clandestinos. Pouco ou nada policiado, o local permitia por outro lado ver à distância quem se aproximava. Nem isto fez, porém, com que o local deixasse de ser procurado pelos anteriores motivos.
Ele continuou e continua a ser frequentado pelos amantes da natureza e das caminhadas pedestres, a servir de refrigério nos calmosos dias de Verão ou a acolher os que se mantêm fiéis à tradição de ir comer o borrego pascal ao campo na tarde de segunda-feira. A esmagadora maioria dos que ali se deslocam desconhece, no entanto, que o Alto de S. Bento foi um povoado pré-histórico ocupado na transição do Mesolítico para o Neolítico, ou seja, quando o homem iniciou o seu processo de sedentarização. O estudo de vestígios dessa época ali encontrados - artefactos de sílex (lamelas e micrólitos geométricos) - levou o arqueólogo Manuel Calado a concluir ter sido o local «um dos povoados dos construtores de menires e recintos megalíticos».
Esta ocupação ter-se-á verificado, com grande grau de plausibilidade, entre os finais do sexto milénio antes de Cristo e inícios do quinto. Junto à grande e compacta massa granítica que constitui o cabeço foram erguidos há muitas décadas seis moinhos de vento que, com o decorrer do tempo, foram perdendo a sua função original. Seguiu-se a entrada num processo de degradação que parecia imparável quando a Câmara, em finais do século passado, decidiu recuperar dois deles e o espaço envolvente com o propósito de ali criar um projecto educativo designado por Núcleo Museológico do Alto de S. Bento. Este comporta dois núcleos: o do Granito, onde estão recolhidos muitos dos vestígios pré-históricos encontrados, e o da Florística, sendo a criação deste justificada pela existência de um ecossistema muito diversificado e complexo onde abundam os matos mediterrânicos subtropicais, alguns pinheiros mansos, sobreiros e azinheiras.
O Núcleo foi aberto à comunidade escolar e à população em 2001. Três anos depois começaram as obras de reconversão da chamada “Casa do Guarda”, que passou à designação de Núcleo de Expressão Artística. A intervenção no local alargou-se aos terrenos circundantes aos moinhos, o que permitiu a criação de dois percursos de passeio (A e B), com acesso limitado a peões e a veículos de duas rodas, a par de um parque de merendas. Foi igualmente colocada sinalética geral, da qual sobressai um magnífico painel de azulejos que indica todos os pontos da cidade que dali se divisam. E, como seria de aguardar, toda a zona foi vedada. A afluência ao Alto aumentou sobremaneira com a sua utilização por parte da população escolar, cativada desta forma para a aprendizagem das Ciências Naturais. Também a população se veio a interessar pelo sítio de uma forma bem diferente. Caminheiros e ciclistas voltaram a incluí-lo nas suas rotas lúdicas. Para sua melhor fruição, o Município vem promovendo nos sábados estivais o programa “Tardes Soalheiras, Noites ao Relento”, com o objectivo de conseguir que as famílias do concelho saiam de casa e partam à procura do muito que há para conhecer em seu redor. Visitar o Alto de S. Bento, na sua tríplice vertente (histórica, geofísica e ambiental), é pois um acto de cultura que tem como aliciante adicional a possibilidade de participação em actividades científicas, de investigação ou de descoberta da paisagem e riquezas ambientais.
ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR:
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves,
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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