domingo, 21 de janeiro de 2018

Mosteiro de S.Bento de Cástris


Está situado a c.ª de dois quilómetros da cidade, na banda ocidental. É uma das mais antigas fundações freiráticas do Sul do País, como rezam as crónicas religiosa, em concordância com a literatura tradicional. Deveu-se, na sua origem a modestíssima ermida de devoção, ao 1.° bispo da Diocese D. Soeiro que, no local viu, repetindo a lenda, pouco depois da temerária façanha de Giraldo Sempavor e perto da atalaia mourisca, uma luz de fosforescência sobrenatural. Este facto passou-se na noite de 31 de Março de 1169, data hagiográfica do glorioso S. Bento, motivo que originou a santa crismação. Anos depois, uma nobre dama cristã, de nome Urraca Ximenes, obteve licença para construir, anexo, um cenóbio do tipo eremítico onde se emparedou juntamente a suas filhas e irmã. O retiro continuou a subsistir longos anos, sempre habitado por donas honestas de renunciação da vida terrena arrostando o tempo e a fortuna, acolhido à sombra e vizinhança das ruínas enegrecidas pela vetustade de um castro fortificado das épocas pré-históricas, até romper o ano de 1274, data em que, sendo superiora Domingas Soeira, esta foi de longada a Roma impetrar do Sumo Pontífice Gregório X o breve que autorizou ao Abade de Alcobaça, D. Estevão, a integração da comunidade na regra e Ordem de Cister. A primeira igreja conventual foi consagrada em 1328; no mês de Janeiro de 1384 era abadessa da comunidade D. Joana Peres Ferreirim, nobre dama ligada a D. Leonor Teles por laços familiares, celebrizada tristemente pela cruel morte padecida diante do povo enraivecido e patriota, depois de ser surpreendida na Catedral e arrastada viva pelas ruas da cidade, durante os tumultos a favor do Mestre de Avis (Fernão Lopes, Crónica de D. João I, cap. XLVI). 

No reinado de D. Manuel o edifício sofreu importantes beneficiações sob protecção da Casa dos Almeidas, fidalgos intimamente unidos ao afamado coudel-mor dos espingardeiros de D. João II, Rui Gil Magro, família que deu inúmeras religiosas à clausura e algumas das mais operosas abadessas dos sécs. XVI-XVII. A mansão cisterciense extinguiu-se em 18 de Abril de 1890 por morte da última freira, soror Maria Joana Isabel Baptista e foi secularizada pouco tempo depois. Delegados do Governo e membros da Academia de Belas-Artes, de Lisboa, arrolaram os bens mobiliários de maior merecimento, que recolheram ao Museu das Janelas Verdes e Biblioteca Pública de Évora. Constituía, esse fundo primitivo, hoje impossível de classificar, algumas dezenas de pinturas a óleo sobre tábua e tela: a preciosa majórica de azulejos da Renascença italiana. Anunciação da Virgem, atribuída a Nicolau Pisano; tapeçaria de Arraiolos, porcelana do Oriente, faiança portuguesa seiscentista, objectos de metal, litúrgicos, mobiliário artístico e muitos livros impressos e códices manuscritos. Anos volvidos, a Fazenda Nacional instalou na propriedade, em regime rústico de certa amplitude, uma Estação Químico-Agricola do tipo ampelo filoxérico e, posteriormente, o Campo Experimental da Circunscrição Agrícola do Sul. No período das Comemorações Centenárias de Portugal, em 1940, o Estado entregou ao Governo Civil a grandiosa construção, na altura já gravemente atingida pelas devastações e ruínas acumuladas desde a profanação, para nela se instalar, com fins altruístas e sociais, um Asilo Agrícola Distrital e deu-se início, então, ao restauro do histórico imóvel pela Direcção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais. A mudança definitiva da Casa Pia Masculina verificou-se no ano de 1957. 

A massa exterior do edifício, no seu todo arquitectónico, de longos e pesados pavilhões com frestas gradeadas, algumas de puas, altos muros contrafortados, chaminés e campanários esguios rompendo a linha do céu e empenas desencontradas, imprimem interessante aspecto ao conjunto global de severíssimo barroquismo. A vista geral do lado Sul, observada do cômoro rochoso do Alto de S. Bento, estendida no berço de pequeno vale, pela variedade e assimetria das edificações, sua patine e tipos construtivos, oferece particular encanto, carácter e pitoresco. A entrada principal faz-se para amplo pátio, em portal de frontão triangular rematado por pináculos barrocos muito alongados, graníticos, de aparelho rústico, centrado pelas armas eclesiásticas de S. Bernardo de Claraval, marmóreas, com timbre de mitra e báculo, tendo, no arranque a data: FR.º 636 - ANOS Lateralmente, desadornados, dois nichos destinados aos padroeiros da comunidade: S. Bento e S. Bernardo. Neste pátio, chamado da carruagem, nasciam todas as comunicações freiráticas: ao pomar, com seu portão de arco abatido, almofadado, em cujo dintel se lê a data de 1617; à cerca, que era defendida antigamente por alto muro cortinado de ameias de andares, do tipo italiano, e no sopé pela comprida taça de Água da Prata, com suas várias bicas; ao convento, igreja a casa do capelão-feitor, esta absolutamente isolada da comunidade e que se encaixa no ângulo voltado à cidade, de escadaria e arcada de quatro arcos abatidos, sem curiosidade de maior. Foi muito melhorada no séc. XVIII, mas é, certamente obra anterior, pois apareceram durante o restauro alguns pilares graníticos do seiscentismo e uma escada exterior de comunicação directa com o pomar privativo da capelania. 

O templo, da reforma manuelina, era do padroado da Casa dos Almeidas. A entrada axial, a nascente, abre-se sobre alpendre de pujante arco torso e bases entrançadas, no estilo do pórtico da Igreja Real de S. Francisco; a abóbada, de artezões, chaves brasonadas (dos padroeiros) e mísulas de pedra ornamentadas com temas naturalistas, apoia-se em três tramos assimétricos reforçados por arcos góticos. Protege a nave da igreja um corpo de botaréus chanfrados, de andares, encaixados neste lugar e que defendiam a primitiva fachada do templo. Portal simples, da reforma setecentista. No adro repousam, em campas de mármore branco da região, singelas, uma abadessa de apelido Matos, cuja inscrição, em português, se consumiu pelos pés dos crentes e os seguintes confessores da comunidade: AQVI JAS O D.OR FR. GABR IEL DAVE MARIA FAL ESSEO AOS 13 DE JO. BRO DE 1677 S.A DO P.E F.R AN.TO CABR AL CONFEÇOR DESTE CONV.TO QVE FALECEO EM 26 DE AGOSTO DE I 704 E LHA MAODOV FAZER SEV IRMÃO O CO NIGO JOZEPH DE SOVSA MAS.CAS DEPOZITO DO P.E FR. ATHA NAZIO CABRAL RELIGIOZO DA ORDEM DE XP.TO QVE FALE CEO EM CAZA DE SEV IRMÃ O CONEGO JOZEPH DE SOVZA MAS.CAS EM 18 (?) DE MAIO DE 704 A igreja original da consagração de 1328, foi totalmente transformada no reinado de D. Manuel, como se disse: possui uma só nave de planta rectangular, com quatro tramos, incluindo o coro, coberta por formoso tecto de artezonado ogival e bocetes dourados, heráldicos uns, com a empresa do Rei Venturoso e brasão dos Almeidas, e os outros de temas vegetalistas. 

Ulteriormente, pujante inundação de anjos, serafins e estrelas recobriram os espaços das ogivas, em pinturas a fresco, policromas e de delicada confecção, que uma época de abastardamento estético condenou ao olvido, cobrindo-as de grosseiras camadas de cal. Pouco depois do templo ser desafectado do culto, sofreu bárbara delapidação e os altares colaterais, púlpito, mobiliário sacro da Sacristia, imaginária e os cadeirais de coro baixo e alto (este foi parar à igreja de S. Francisco de Estremoz, segundo oferta do Governador Civil dr. Tenreiro Sarzedas), levaram os mais díspares fins. A razia foi tão completa que, dos campanários se apearam os sinos de bronze, estando um datado de 1753 e o outro de 1429, com legenda gótica, monacal, certamente o mais curioso e antigo espécime do seu género do Sul do País e que foi transportado, inexplicavelmente, para a igreja da Misericórdia de Mora, onde se encontra. As duas espadanas, com sinos modernos, foram renovadas no séc. XVIII e estão revestidas de belos trabalhos de colher, relevados, em tons coloridos. A maior, de dois olhais e pináculos nos acrotérios, fortemente almofadada, conserva vestígios das primitivas decorações sagradas, como painéis emblemáticos de cruz beneditina, deprecações religiosas, báculo e mitra episcopal e abacial da Ordem. 

O campanário menor, mais antigo, de dois andares, frontões e volutas barrocos, ostenta retablitos cerâmicos, do setecentismo, com inscrições latinas e a representação da Virgem e Santa Bárbara. Do último quartel do séc. XVIII são os azulejos que revestem os socos da nave, os entalhados e telas pintadas e o retábulo da capela-mor, doirado, do estilo rocócó de D. Maria I, lançado com certa nobreza de linhas, em colunata compósita rematada, no frontão aberto, com trono e delicado baldaquino, por duas figuras alegóricas das Virgens Teologais ou Cardeais. O presbitério, que é de dois tramos, tem o tecto apainelado com grinaldas de estuques doirados. A série azulejada e polícroma, de fabrico lisbonense, talvez do Rato, representa temas da hagiografia e iconografia de S. Bernardo, tratados com certa liberdade artística mas canónica e estão envolvidos por molduras de exuberante composição naturalista. O sub-coro antigo, pequeno e sombrio, comunicante com o claustro, apoiado em toscos colunelos de alvenaria ornamentados por capitéis góticos, de folhagem estilizada, deve representar, julgamos, pelas suas características de arquitectura, os derradeiros vestígios da demolida igreja trecentista. Na parte superior, cujas grades de madeira apeadas em diminuição do imponente coro setecentista que abrigava uma comunidade de 80 professas, subsistem, nas paredes, em nichos ou em tabelas de pinturas a fresco, amalgamados em épocas várias, núcleos devocionais do culto católico, como: Santana e a Virgem, Morte de S. Bernardo, Padre Eterno, Adoração dos Pastores, Adoração dos Reis, S. Roque, Santa Rita de Cássia, S. João Nepomuceno e ainda outros painéis e agrupamentos sobrepostos, quase ilegíveis e de impossível interpretação. 

Algumas destas composições denunciam, pela sua manifesta ingenuidade, a origem íntima da concepção e a indesmentível factura de algumas sorores habilidosas. O coro de baixo, ligado à capela-mor por amplo arco defendido com grade de ferro forjado, de balaústres em cruzaria, do séc. XVIII, é cómoda, embora sombria dependência de planta rectangular, despida actualmente de cadeirado, coberta por tecto abatido de caixotões em alto-relevo, coloridos e de secção geométrica, de nítida inspiração barroca italiana. Tem armorial ao centro, de quatro bandas, envolvido por flores de liz, e tabelas floridas, ovóides, com atributos e legendas latinas, sagradas, na parte superior das destruídas espaldas do cadeiral. A interessante construção deveu-se aos préstimos da sacristã-mor, depois abadessa D. Ana Faria de Almeida (1644-47), que consagrou a obra em painel de cerâmica parietal, policromo, envolvido por anjos, frutos e flores, cronografado de 1640 (?), que fica sotoposta e semi-destruída composição a fresco do Calvário (1). A antiga portaria monástica, que deita, também, para o pátio, acompanhando a frente principal e um pouco acima da fachada da igreja, teve alpendre rústico (destruído recentemente) e a tradicional roda giratória em caixa de madeira chapeada. Interiormente, a sala, ampla e de planta quadrangular, com tecto de esteiras lisas, está composta no lambril por retábulos de azulejos do tipo de padrão vulgar, de verduras a cor azul, branco e amarelo. Anexo, mas profundamente reformado, demora um salão de duas naves com abóbadas de penetrações apoiadas em colunas toscanas, de granito, cuja porta de entrada tem, no lintel, a data de 1764. Notável pelas proporções, hibridismo de estilos e assimetria dos alçados, é o claustro gótico-mudejar que remonta, segundo as conclusões da sua arquitectura aos princípios do séc. XV, e foi aumentado durante a reforma manuelina. 

De planta trapezoidal, compõe-se de arcadas abatidas, de ferradura e de meio ponto (as mais modernas), em abóbadas de artezões chanfrados, fustes atarracados de capitéis fito-antropomórficos e armorejados com os seis besantes e emblemas reais. As duas quadras executadas em 1520 pelo mestre pedreiro Estevão Lourenço, dentro do espírito das anteriores e aproveitando, como diz o contrato da empreitada, materiais dos lanços apeados (certamente por ruína ou imperfeição construtiva), custou ao erário real 66 000 reais e ficaram concluídas pelo S. João de 1521. A mesma crasta sofreu, no ano de 1687, sendo abadessa D. Paula de Figueiredo, outra grande obra de consolidação. O recanto sul, de três pisos, oferece especial encanto justamente por marcar a forma evolutiva dos estilos e épocas da sua traça. O lanço ocidental com varanda, muito recente, por ter desmoronado o antigo e ainda para permitir uma melhor iluminação do dormitório novo, foi levantado ao gosto do tempo em 1825, durante o abadessado de D. Mariana Escolástica. Teve tabela escrita, que se perdeu modernamente. Três fontes adornam o magnífico recinto: a da quadra, com taça rectangular e obelisco lavrado do tipo clássico, em mármore branco de Estremoz; outra taça em forma de concha e opulento golfinho, contra a parede do ângulo sul, e finalmente o lavabo de volutas barrocas e pia de granito, contíguo ao Refeitório. No rodapé do claustro, nas galerias, nalguns oratórios e capelas existiram bons e variados padrões do azulejos polícromos, assim como altares de talhas douradas e telas pintadas, que a incúria, incompreensão e os restauros hodiernos nem sempre souberam preservar da ruína. No piso alto, escaparam de perda total, uma capela cronografada de 1687, revestida de azulejos coetâneos e decorações esgrafitadas e fresquistas; e vestígios da primitiva série dos Passos do Calvário, disposta em grandes quadros parietais nas mesmas alas; um altar gótico, contra a parede da igreja e ainda o pequenino santuário de N.ª S.ª do Rosário, do rés-do-chão (oriente), restaurado no séc. XVIII com altar de estuques coloridos e interessante guarnição de cerâmica com painéis baixos da Vida Mariana, da arte rocócó, a cor azul sobre esmalte branco. Velho portado gótico, chanfrado, do quatrocentismo, se pôs a descoberto, sem sacrificar, felizmente, os silhares de azulejos. 

No chão repousam os restos viscerais da abadessa D. Joana da Silva, sob pedra marmórea, com a seguinte inscrição: AQVI JAS DONA JOANA DA SILVA ABBA OVE FOI DESTE MVSTR.O DE S. B.TO FALESEO EM DEZASEIS DE NOVEMBRO DE 1634 Pequena lápida de mármore branco, rectangular, no pavimento do claustro e defronte da mesma capela, recorda outra religiosa estimável, com esta legenda: AQVI JAS A M.E LVIZA DE MIRA DA FON.CA QVE FALECEO A 13 DE AGO STO DE 1673 COM MOS TRAS DE GRANDES VIRTVDES Espalhados pelos dois pisos da claustra subsistem, após recolha piedosa do actual Director da Casa Pia, de escavações realizadas na cerca e pomar do extinto convento, fragmentos de arqueologia e arquitectura dos estilos gótico, manuelino, renascença e barroco, de mármore ou granito, sendo alguns lavrados com muita delicadeza. Ainda, vizinha do túmulo anterior, subsiste outra campa de calcário branco, de inscrição completamente ilegível. 

A primitiva SALA CAPITULAR, possui restos importantes de arquitectura gótica. A portada e as frestas, de duplos colunelos geminados, com capitéis de folhagem toscamente esculturados e arcos em lanceta, de granito, deve remontar ao séc. XIV; o tecto, abatido, coberto de nervuras de perfis semicirculares e adornado de chaves com as esferas armilares e os armoriais de besantes dos padroeiros, é da época manuelina. Nos espaços das ogivas subsistiram às caiações dos tempos modernos alguns anjos pintados a fresco, do género e período dos da nave da igreja. No sagrado chão desta sala, que esteve composta por interessantes altares de madeira dourada, do séc. XVII e do estilo barroco, jazem em campas epigrafadas, de mármore regional, com o simbólico báculo da governação, em alto-relevo, as memórias escritas das seguintes abadessas: AQVI JAZ DONA VIOL LÃTE DE SOVSA ABBA Q FOI DE SÃO BETO FALESEO AOS XXIII DE OITVBO NA ERA DE 1563 AQVI JAS D. IZABEL DORTA COTA FAL CÃO QVE FALESEV AOS 6 DE JANEIRO DE 1697 FOI TRÊS VEZES ABBA E GOVER NOV COM GRANDE ZELO E EXENPLO AQVI FOI SEPVLTADO O CORPO D. M.A D. AZEVEDO Q. DS. P.A SI LE VOV SEDO ABBA DESTE CÕVÊTO O QVAL ELA GOVERNOV CÕ OS PV D. HV SÃO BETO FOI GRÃDE EXZEPLO D. RELI- GIÃO E DEZAMÕ PA LAVRAS E OBRAS RECOLHA AQVI A TERRA SEV CORPO Q O SSEO SERA VERDADEIRO DESCÃSSO E ASËTO D SVA ST.A ALMA Q. DS. CHAMOV Ê 16 DIAS DO MES D. M. RSSO DA ERA D. 1622. Outra pedra tumbal, anepígrafa, ostenta o brasão de armas de abadessa da nobre casa dos Castros das nove arruelas. É de granito e parece ser dos princípios do séc. XVI. 

A sala fora melhorada em 1589, no abadessado de D. Maria Pacheco, conforme se lê em formosa tabela barroca de estuques relevados e policromos do amplo arco de acesso ao coro de baixo, onde existe o armorial da Ordem de Cister e se compõe de escudo em pala com banda e flores de lis. Atravessando sombrio e estreito saguão, que divide os dois grandiosos dormitórios do corpo superior, entra-se na moderna Sala do Capítulo, antigo Dormitório, bela e imponente dependência de duas naves e dez tramos com colunata toscana, de granito, suportando artezonado vulgar do quinhentismo, de aresta viva. O primeiro tramo esteve transformado, a partir do séc. XVII, em capela de penitência, segundo vontade de D. Ana de Souto Maior, que no solo foi sepultada em 1659 e havia fundado o altar no ano de 1622, que existe, embora desafectada. Tem frontão entrecortado, com deprecações religiosas, latinas, pilastras laterais, caneladas e no interior três painéis murais de certo merecimento artístico, coetâneos, representante o Calvário, Cristo da Coluna e a Oração no Horto. A leitura da sepultura, de pedra mármore, é esta: AQVI JAS DONA ANNA SOVTO MA IOR MOLHER QVE FOI DE NICVLAO DE BRITO SOVTO MAIOR MO RREO COMO VIVVEO NESTE S. CONVENTO AOS 11 DE DEZEMBRO DE 1659 ANNOS Na casa de passagem do coro de baixo para o saguão da Sala Capitular, existe uma pedra tumular de mármore, com esta inscrição, desdobrando as abreviaturas: VENIME CVN VT REQVIESCAS SECVRVS INCELESTEI ERVS ÃL SPOSSAME A. DONA ANTONIA LOBA 3. REG. 19. CHAMOVA OSPOZO E SICO. D. MAIO DA ERA D. SEISSÊTOS. E. DOZE Voltando à crasta e na mesma frente oriental, outra porta de granito emoldurado, de arco gótico e cobertura de ogivas com robusta chave representada por uma pinha, denuncia restos da primitiva fábrica quatrocentista do convento. O Refeitório, é uma cómoda e curiosa dependência dos fins do séc. XVI, contrafortada para o exterior, aberta em portado geminado, de volume atarracado, do renascimento tardio, com coluneis marmóreos, de planta rectangular coberta de abóbada de caixotões estucados e adornada de medalhões pintados a fresco, na interpretação alegórica de antigos elementos cósmicos, das estações do ano, dos meses e dos quatro elementos, além do grande painel quadrangular mostrando o melífluo S. Bernardo adorando Cristo vivo na Cruz. 

Estes deliciosos quadrinhos, onde a minudência e o pormenor dos temas, bucólicos e anedóticos, conferem rara importância, pela verdade da iconografia, indumentária e costumes coevos, aliados ao mérito como pintura, rescendem a profanidade pelo tratamento humano mas poético de algumas cenas amorosas. No topo da cabeceira, em composição a têmpera, vêem-se em quadros emoldurados mas infelizmente carcomidos pelo tempo e em franca ruína, as três cerimónias do Novo Testamento, Cristo em Casa de Marta, A Ceia e o Lava Pés. Na empena sobranceira, fica a pintura mural de grande volume, em cartela de inspiração clássico-barroca, elíptica e armorejada do escudo da abadessa D. Mécia de Melo, envolvido por aves, grinaldas floridas e outros atributos decorativos. A composição está datada de 1605 e mostra na parte inferior um monograma, certamente de autor: F. P. I. (?). Farta barra de azulejos policromos, do tipo de maçaroca, abraça a vasta sala, onde cabem, sentados, cerca de 160 pessoas em refeição; esta obra cerâmica deve-se à acção benemérita da abadessa D. Ana de Almeida e a Fr. Remígio de Sequeira, capelão monástico, segundo reza a inscrição cronografada de 1654, parcialmente oculta pela imponente cadeira de espaldar, de madeira pintada, de 1733, mandada fazer pela abadessa D. Catarina de Carvalho, que enche o fundo da sala (2). O remate do móvel conserva os registos antigos da Virgem, S. Bernardo e S. Bento. Contra a parede norte conserva-se o púlpito, de caixa de madeira entalhada. Os novos dormitórios do mosteiro, da época seiscentista, das professas e noviças, correndo paralelos em soberbo andar nobre, constituem enormes pavilhões rectangulares de imponente pé direito, com as fachadas voltadas ao campo (norte-oriente) e à varanda do claustro, a ocidente. Grades de ferro batido, de desenhos vários, algumas com puas e cruzes adossadas, defendem as inúmeras aberturas. Interiormente, as imensas naves acolhiam numerosas mas pequenas celas individuais recobertas de deliciosas pinturas sacras, populares ou eruditas, de devoção, nas paredes e tectos de masseira, em esteiras ou tecidos, de cúpulas das mais diversas formas e feitios. 

Os nichos, com assuntos piedosos e painéis de azulejos policromos ou monocromos, concediam profunda poesia e intimismo às alcovas das recoletas, as quais não estavam isentas da observação nocturna da irmã vigilante, pois estreita mas comprida varanda de madeira, com balcões e balaústres atravessava toda a sala ao nível da cimalha das mesmas celas, com clarabóias. O ciclone de Fevereiro de 1941 deitou por terra os telhados já bastante arruinados dos dormitórios, que as subsequentes derrocadas e invernias fizeram perder completamente. Os actuais, são coberturas utilitárias ao modo de armazém e as pequenas divisórias internas amostra lamentável da incompreensão e indiferença pelos volumes e sentido estético das gerações hodiernas. Na antecâmara destas dependências existiu opulento relógio de 1756, com o mostrador pintado a fresco, que as obras de restauro levadas a efeito pelos Monumentos Nacionais não souberam salvar. Contíguo, no patamar, conserva-se, afixado na parede, painel de azulejos encaixilhados, a azul, com representação da Virgem da Conceição, datável do 2.° terço do séc. XVIII, de fabricação lisbonense. O edifício da Enfermaria, contrafortado, de volumes, silhueta e alçados muito pitorescos, tem entradas pelos dormitórios comuns e por escada exterior, que deita para o pátio da Lavagem. O corpo alto, de janelas gradeadas, foi aumentado no ano de 1697. Os restos mais antigos do pavilhão são visíveis na curiosa sala quinhentista do rés-do-chão, austera mas de nobres linhas de arquitectura funcional, com duas naves e nove tramos rectangulares divididos por colunata dórico-toscana, de granito escuro e tectos de cruzaria com nervos de aresta viva. A dependência é sombria, porque lhe corre na ilharga o paredão forte, altaneiro e reforçado com botaréus da cerca exterior, que deita para o antigo caminho do Esborrondadouro e do Convento paulistano de Santa Margarida. Numa chaminé, curioso armorial de abadessado, aberto em estuque, com a data de 1567 e belo friso clássico, de modilhões gravados. Reentrando no pavilhão, comprido corredor com rodapé azulejado, em padronagem axadrezada de esmalte azul e branco, comunica a oito celas independentes, de portas com jambas e dintéis emoldurados do tipo setecentista, período que corresponde ao arranjo interior da Hospedaria. 

No fundo salvou-se altar de alvenaria, estucado e escaiolado, com pilastras caneladas, do classicismo decadente, abundante em pinturas de flores, serafins e temas religiosos muito arruinados, onde se identifica a cena do Calvário. Sobrepujante ao portado fundeiro e ao lado deste retábulo, também pintado a têmpera e bem executado, venera-se S. Sebastião, do séc. XVII, centúria das duas composições. No mencionado quintal da Lavagem subsistem, além deste tanque, com velha gárgula constituída por leão de mármore, quinhentista, mais dois poços, a saber: um muito interessante, da mesma época, sobranceiro à fachada exterior do Refeitório, protegido por alpendre de quatro colunas de granito, toscanas, suportando cúpula circular recoberta, na caixa interna, de estuques pintados; e outro de alvenaria, datado de 1824, da governação da Madre Abadessa D. Mariana Escolástica, que fica ao lado da Hospedaria. Deste recinto abre-se para a cerca geral um pomposo portado do estilo rocócó, de massas escaioladas, pilastras piramidais e opulentas volutas e fachos, frontão entrecortado e bestiários decorativos, tendo ao centro a alegoria, em alto relevo, de S. Bernardo amparado por serafins. Está cronografado de 1757. A cerca, bem explorada durante anos pela Circunscrição Agrícola do Sul, nada conserva de curioso arqueologicamente ou de arquitectura do tempo das monjas cistercienses. Uma capela, de telhados de linhas radiadas envolvidas no beiral por pináculos vulgares e de frontão de fantasia, foi transformada ainda em vida das últimas freiras (1824), e a fonte de depósito subterrâneo, com pórtico armorejado, revestido de pedrinhas coloridas, porcelanas orientais e taça com golfinhos barrocos e bancos laterais de alvenaria denunciam, igualmente, a época tardia de execução - c.ª de 1800. Recolhidos da antiga existência da Casa Pia subsistem, como património cultural, alguns painéis de pintura religiosa, que se expõem no gabinete do Director do Estabelecimento de Assistência Social. De entre vários, vulgares, merecem particular referência os seguintes: Visitação de Santa Isabel, atribuído ao pintor régio Gregório Lopes, c.ª de 1540, composto sobre tábuas de carvalho, nas dimensões: Alt. 1,16 x 88 cm. A Flagelação de Jesus, tábua da escola maneirista de c.ª 1590 e da arte popular. Santa Catarina de Sena, tela do séc. XVII, que mede: Alt. 1,33 x 97 cm. Matança dos Santos Inocentes, fragmento da grande tela da boca do altar-mor do profanado Colégio dos Meninos Órfãos (fins do séc. XVII), e No alto de S. Bento, local entretecido de lendas e tradições e no ponto limite da velha cerca monástica existiu, até 1739, muito arruinada, a atalaia mourisca ligada à escalada nocturna de Geraldo Sem Pavor e morte violenta dos vigias, no Outono de 1165. Comemorando a derrocada leu-se até época recente, embebida na cal no reboco do muro a seguinte inscrição: 1729 / AOS 12 / DE JANEIRO / CAHIO A TORE / DESTE CONVENTO.

BIBL. Fr. Bernardo de Brito. 7.ª Parte da Chronica de Cister, 1602, fls. 365-70; Pe. Manuel Fialho, Évora Ilustrada, ms. da Bib. Púb. de Évora; Pe. Francisco da Fonseca Évora Ilustrada, 1728, págs. 382-385; Gabriel Pereira, Estudos Eborenses, vol. 1.°, 2.ª edição, pág. 156 e segs.; José Queirós, Da Minha Terra - Figuras Gradas, 1909, págs. 113-117; Florentino Perez Embid, El Mudejarismo Português, Sevilha, 1944, págs. 104-107; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, 1957, págs. 35-42. ADENDA A comunidade de S. Bento de Cástris, por turbações internas de origens hoje desconhecidas, foi condenada pelo Conselho Geral de S. Bernardo de Alcobaça, no desterro de um ano e meio, de penitência, para o Real Mosteiro de Odivelas, pena que teve início no dia 26 de Maio de 1776 e conclusão em 24 de Novembro de 1777. Na extinção desta casa religiosa, também se perdeu, ou subsiste em lugar desconhecido, o órgão novo do coro de cima, estreado nas calendas do Espírito Santo, em 12 de Maio de 1742, devido aos esforços da abadessa D. Carlota Francisca, da cantora-mor D. Joana Micaela e do padre feitor fr. Francisco de S. Miguel. O instrumento havia custado 550 000 rs. ADENDA Como vestígio do coroamento de ameias manuelinas, subsiste na banda norte sobrepujante à galeria alta do claustro, embebido em novos alçados, um merlão do tipo chanfrado. (1) D. Ana de Almeida era deputada do conselho de regência conventual em 1637, durante o abadessado de D. Maria das Chagas. No ano de 1643 estava como abadessa D. Maria de Vilalobos e deputadas-prioresa D. Maria da Mesquita Pimentel e Ana de Santiago, escrivã. (2) O silhar cerâmico, neste ponto, está bastante atingido pela acção do tempo. Da inscrição apenas se pode ler o período truncado: ESTA OB .................. NNA ON / DE ALME .................. NONO DE/ 1654 E .................. RE REMI / 

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