domingo, 20 de maio de 2018

Solar da Oliveira


Nas antigas terras realengas da Valeira, obtidas por escambo com a vila da Vidigueira, instituiu o arcebispo de Braga D. Martinho de Oliveira, eborense muito ilustre e antigo cónego da sua Sé, segundo cédula testamentária lavrada no convento dos frades menores de S. Francisco de Lisboa, em 13 de Agosto de 1286, o Morgadio da Oliveira. Foi seu primeiro administrador Pedro Pires de Oliveira, irmão do prelado, o qual fora mestre do príncipe D. Afonso, futuro rei D. Afonso IV, distinto erudito e embaixador nas cortes de Roma e de Espanha. No ano de 1397 o vínculo personificado no ex-alcaide de Évora Álvaro Mendes de Oliveira, exilado e ao serviço de Castela, foi confiscado por D. João I e entregue a Rodrigo Álvares Pimentel, cavaleiro dedicado à causa nacional. 

A propriedade (anexa, ulteriormente, com mais terras à herdade de Sobrados, outro morgado fundado pelo Bispo de Lamego D. Rodrigo de Oliveira, irmão do instituidor da Oliveira), nos últimos anos do reinado de D. Manuel pertencia ao fidalgo Martim Afonso de Melo de Miranda e era gerido por Henrique da Mota, que nela recebeu, muitas vezes, os infantes D. Henrique e D. Duarte, na sua juventude, como se sabe através da obra biográfica deste último príncipe feita por Mestre André de Resende. Nos meados do séc. XVII era governado pelo morgado Luís Francisco de Oliveira e Miranda, casado com D. Luísa de Távora, fundadora do Convento de Cardais, de Lisboa, em 1681. Presentemente, é património dos Saldanhas Zuzarte Figueira e Sousa, Condes de Rio-Maior. Do primitivo solar pouco subsiste de interesse arqueológico, porque nos meados do século passado, em hora infeliz, um herdeiro determinou o alindamento e modernização do palácio (obra que ficou incompleta por motivos desconhecidos), mascarando completamente o edifício com alienação da veneranda construção rústica de antanho. 

Do pouco que não foi destruído, destacam-se alguns portados de granito: um de ogiva chanfrada, que deita para o pátio do corpo principal (lado norte), de desenho e características quatrocentistas, sobrepujado pela pedra de armas dos actuais donatários, de mármore; outras portas dos tipo românico e gótico no rés-do-chão, aquela arquitravada e de impostas do período decadente, obstruídas; alguns cunhais de cantaria lavrada, restos de escadas exteriores e várias salas do piso térreo cobertas por tectos nervurados, de aresta viva, apoiados em mísulas grosseiramente esculpidas. A escada, que comunica com os pisos altos é antiga e do sistema mediévico, correndo no endossamento da parede, com caixa de aberturas chanfradas mas modificada nas obras recentes. Antecede o pátio solarengo, para a banda do ocidente, robusto e alto muro de alvenaria recoberto no cornijamento por friso de merlões do estilo manuelino, no qual se abre amplo e rústico portado de pedra facetada, de configuração rectangular, sotoposto a pequeno nicho desornado do padroeiro, quiçá S. Martinho ou Santo António, este último, orago da capela. Abre-se esta no topo sul da mesma frontaria, no prolongamento do lamentável pavilhão moderno, com dupla faceira de janelas de arcos lanceolados, e conserva o antigo portado exterior, de vergas e lintel graníticos entre possantes contrafortes de alvenaria. Sobranceiro, vetusto e poético cruzeiro marmóreo. Curioso capitel românico, octogonal, de granito, com 50 cm. de alto, ornamentado por pinhas estilizadas e folhas de parra, servindo de assento, subsiste na entrada do templete, denunciando quão imponente seria a primitiva construção de tal fragmento decorativo. 

A capela, de uma nave de planta rectangular, está ligada ao paço através da tribuna dos donatários, aberta com três arcos de lanceta, de colunas dóricas. Tem tecto de penetrações e todo o interior foi completamente renovado nos fins do séc. XIX. Na parede fundeira do coro, em tela de factura medíocre, expõe-se o retraio pintado a óleo do fundador, D. Martinho de Oliveira, segundo cópia de 1783 da galeria da Catedral de Braga, com a particularidade documental de mostrar a personagem segurando uma planta panorâmica do solar da Oliveira, interessante, sobretudo, pelo debuxo que deu origem à desastrosa modificação da centúria passada. Muito pobres são os dois altares colaterais, dedicados a S. Luís e a Santo António, abertos em nichos nas paredes, sendo a imagem deste boa peça de madeira estofada e dourada, do séc. XVII. 

Ao lado subsiste modesta caixa de esmolas, figurada pela pintura popular de S. Martinho. Bom exemplar de arquitectura clássica, embora de traça provincial, é o presbitério, cronografado de 1567, de pórtico rectangular aberto por arco de volta redonda, com aduelas almofadadas e armorejadas de símbolos da casa e apoiado sobre colunas dórico-toscanas, de granito, A cúpula, de secção ovóide, está igualmente decorada por tabelas brasonadas, de estuque. O retábulo do altar compõe-se de preciosa tábua pintada a óleo, de c.ª 1560, de temático da Assunção da Virgem, muito carregado de vernizes por restauro hodierno do pintor Carlos Reis, mas do maior interesse pictural, com intenso movimento de personagens e delicioso rancho de anjos músicos e cantores. O painel, que mede de altura 2 m x larg. 1,20 m., manifestamente peça barroca do maneirismo flamengo, pertence ao núcleo oficinal eborense dessa época. 

O Padre Eterno, predela sobrepujante, também pintado sobre madeira e emoldurado com pilastras estriadas, do estilo jónico, completa o conjunto do altar, além das imagens correntes do Calvário e Santo António, de lenho policromo e N.ª S.ª do Rosário, antiga, mas de roca. Dos estimados jardins do solar, perdidos actualmente, existem restos de alegretes, fontes e cascatas, uma grande taça gomeada, de granito, pináculos e vasto tanque lajeado, ornamentado com leão de pedra no rebordo, servindo de gárgula, e outros vestígios artísticos de uma opulência que a história largamente assinalou e os homens deixaram perder. 

BIBL. Cónego Abel M. Ferreira, Archivo Eborense - Secção Extraías, pág. 55; António Francisco Barata, Évora e seus Arredores, págs. 29-31; Túlio Espanca, Património Artístico do Concelho de Évora, págs. 96-99. 

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