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quarta-feira, 7 de março de 2012

Passear à volta das muralhas



Évora foi sempre uma cidade monumental. Os habitantes, que na sua grande maioria permaneceram dentro das muralhas até meados dos anos 50, cuidavam dela com esmero e devoção. A cidade era o espaço intramuros.

Mesmo quem vivia nos arrabaldes e nos bairros assim o reconhecia. Sempre que alguém precisava de se deslocar ao actual centro histórico dizia com alguma reverência: «vou à cidade» ou, mais prosaicamente, «vou lá acima», com isto querendo significar que tinha de ultrapassar as muralhas e ascender para se dirigir à Praça de Giraldo, ou mesmo ao topo da colina onde a Catedral se eleva de entre todos os edifícios.

Os eborenses sempre manifestaram imenso orgulho no património herdado de seus antepassados. E as alterações e benefícios introduzidos naquela área visaram apenas recuperações ou demolições para a construção de novos prédios, adequados a novas funções mas que em nada desvirtuaram ou feriram o essencial das estruturas classificadas. Os governantes salazaristas ou marcelistas não ousaram tocar nas jóias arquitectónicas citadinas.

Esteticamente a cidade distingia-se pelo casario branco decorado com janelas e varandas de ferro forjado, pelas suas ruas estreitas e travessas, pátios e largos, pelas artísticas fontes e chafarizes, que lhe dava uma harmonia e um equilíbrio arquitectónicos invulgares.

Foi neste contexto que se processou a sua candidatura, junto da UNESCO (United Nations Educacional Scientific and Cultural Organization), a cidade Património Mundial. A organização depressa se apercebeu de que Évora tinha sabido, através dos tempos, preservar e catalogar locais de excepcional importância cultural, pelo que a 25 de Novembro de 1986 lhe atribuiu o almejado estatuto. Mas se no Centro Histórico tudo se apresentava de forma quase invejável, já extra-muros as coisas não se afiguravam de igual modo. Os acessos à cidade datavam do início do século, sendo demasiado antiquados para facilitar e canalizar o trânsito vindo de fora, nomeadamente o proveniente de Lisboa. Por outro lado os espaços exteriores contíguos às muralhas, para além de escuros à noite, serviam de parque de estacionamento e mictórios de ocasião, ficando à mercê da acção deteriorante dos escapes das viaturas e do efeito corrosivo dos ácidos urinários.

Em 1992 o executivo municipal, de maioria comunista, anunciou que tendo em vista o crescimento demográfico, turístico e universitário, iria remodelar os acessos à cidade, a começar pela construção de uma nova estrada, a rasgar a partir da Porta do Raimundo. Era o início da 1ª. fase do Programa Polis, que incluía igualmente o arranjo de todo o espaço adjacente às muralhas. Baptizada com o nome de Túlio Espanca, a nova via veio a estender-se por dois quilómetros, dispondo de quatro faixas de rodagem com um separador de 7 metros, que foi ajardinado e pontuado por palmeiras. A meio percurso foi erigido um moderno terminal rodoviário. Através do derrube de duas bombas gasolineiras, ali existentes, obteve-se o espaço necessário à construção de uma grande rotunda na Porta do Raimundo.

Mas o tempo de execução foi longo. Quando o PCP, no final de 1991, se viu derrotado pelo PS nas eleições locais, a ornamentação da zona da rotunda estava por fazer. Só em Outubro de 2003 o novo executivo anunciou finalmente o começo dos trabalhos. A 25 de Novembro de 2005 era finalmente inaugurado, ainda que de forma parcelar, o grande projecto que integrava a criação de uma zona de lazer na zona contígua às muralhas, integrando um percurso pedonal. No centro da rotunda emergia uma moderna fonte cibernética, da autoria do arquitecto paisagista Caldeira Cabral, coordenador geral da intervenção no local, em vez da prometida réplica modernista do Arco do Triunfo quinhentista que outrora havia existido frente à Igreja de Santo Antão e cuja encomenda fora antecipadamente apalavrada com o escultor João Cutileiro.

O artista aceitou, com a condição da obra não ficar no espaço central, para não tirar visibilidade nem desconcentrar os condutores. Assentouse na sua transferência para uma zona lateral, tendo sido implantada nesse local em 2006. Ainda em Maio desse ano deu-se início à 2ª. fase das obras, abrangendo agora o espaço entre a Porta de Alconchel e a Porta de Avis. Manteve-se a filosofia da primeira fase, de forma a que permanecessem a continuidade e a coerência paisagísticas. Assegurava-se o reforço da ligação da cidade e do exterior pela destruição do fosso urbanístico, tornando-o muito mais atraente e apelativo. Para este efeito foram preenchidas as normas constantes do mobiliário urbano adequado às exigências de um parque de lazer. O percurso pedonal foi acompanhado, em toda a sua extensão, de bancos de desenho simples, em madeira. Junto a estes colocaram-se oportunas papeleiras, gizadas com o objectivo de provocarem o menor incómodo visual.

Mas outros aspectos foram também acautelados. A vedação metálica foi prolongada, com o fito de resguardar a vegetação (sobreiros, oliveiras e medronheiros, entre a de grande porte, e a alfazema, o alecrim, a murta e o rosmaninho no grupo da de menor dimensão, sobrando ainda gramíneas várias a atapetar grande parte do percurso) e proporcionar a efectiva segurança das crianças sem afectar, contudo, a visibilidade dos que transitam de automóvel na estrada. O cheiro do mundo rural chegou à cidade já quase esquecida dos idos de outrora, quando as quintas se sucediam de imediato ao velho burgo.

Também a iluminação nocturna das muralhas, mormente nos seus recantos mais escondidos, foi assegurada por holofotes de chão. A 25 de Abril de 2007 inaugurava-se finalmente o segundo troço da requalificação urbana junto às muralhas. O embelezamento de toda a área abrangida pela intervenção recolheu os elogios gerais. Os eborenses e, posteriormente, os visitantes nacionais e estrangeiros, passaram a fruí-lo como espaço de ligação à cidade, enquanto provenientes da periferia. Mas não só: o andar a pé e o “jogging” ganharam adeptos, jovens e menos jovens aproveitaram-no para passear e namorar, outros para repousar e uns quantos para ler, enquanto, paradoxalmente, frenéticos automobilistas, as mais das vezes em velocidade excessiva, vão rolando pela Avenida.

E se a afluência durante o dia, no Outono e no Inverno, é razoável, cessando a partir das 20 horas, na Primavera e no Verão a sua procura cresce a partir exactamente dessa hora, alargando-se até por volta das 2 da madrugada. Depois do jantar é quase insuportável estar em casa. O calor acumulado durante dias e dias impele à circulação no exterior em busca duma brisa nocturna refrigeradora. Todo o espaço circular às muralhas se enche então de passeantes e turistas. Eis pois um percurso de notável encanto à descoberta de quem ainda o desconhece. 


Texto: José Frota

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Antiga Rua da Selaria (actual 5 de Outubro)

Não há na cidade artéria mais comercial e concorrida que a antiga Rua da Selaria, hoje com a denominação de 5 de Outubro. Esta proeminência advém – lhe do facto de funcionar há, pelos menos, sete séculos como o mais rectilíneo trajecto de ligação da cidade antiga com a cidade medieval, tomando como pontos de referência, respectivamente, a Acrópole e a Praça do Giraldo.
Segundo o padre Júlio César Baptista, historiador de âmbito local que viveu na centúria passada, a primeira menção à sua existência reporta-se ao ano de 1376 e foi encontrada entre “Os pergaminhos dos bacharéis da Sé de Évora”. Em 1384 também Fernão Lopes, na “Crónica del Rei Dom João I da boa memória”, lhe faz alusão ao relatar a morte da Abadessa de S. Bento, que o povo destemperado tomou por favorável a Castela e contra o Mestre da Avis.
Que, ainda antes disso, a rua já tinha vocação mercantil, assevera-o o notável historiador Afonso de Carvalho, grande estudioso “da toponímia eborense”, no primeiro volume da obra homónima em que escalpelizou minuciosamente a temática, atribuindo-lhe as primitivas designações de Rua dos Mercadores e Rua da Sapataria, em curso no século XII. Contudo, mesmo enquanto Rua da Selaria, ela nunca foi ocupada totalmente por gente do ofício, ou seja, por fabricantes de selas e arreios.
Certo é – de acordo com o referido especialista – que ali terão habitado e comerciado diversos manufactureiros de couros. Igualmente confirmada é a presença, naquela via, de ourives de origem judaica cujo labor principal consistia na lavragem da prata. A crescente actividade comercial que a animava fez mesmo com que viesse a ser a primeira rua calcetada da cidade, em meados do século XV.
De então para cá correram mais de cinco séculos, mas a rua não perdeu a sua feição originária, ainda que a evolução dos tempos haja determinado que, em diferentes momentos e em função das necessidades económicas, outros tipos de actividades e de serviços ali se fossem instalando. Muitas delas, porém, não perduraram porque esse não era o seu espaço natural. Por outro lado, é preciso não esquecer que também as antigas oficinas de produção pré-industrial foram sendo, naturalmente, afastadas dos centros das cidades e transferidas para outras zonas, nelas ficando apenas as lojas de venda e transacção de artigos.
Foi o que aconteceu na Rua da Selaria, que os republicanos rebaptizaram com a data da implantação do novo regime, mas cujo nome oficial não colou entre as gentes da cidade, exactamente as mesmas que não deixaram que o arruamento se descaracterizasse. Entretanto o turismo e a procura crescente de Évora fizeram-no ganhar um novo fôlego e trouxeram-lhe uma dinâmica insuspeita com a atribuição do estatuto de Património Mundial pela Unesco ao Centro Histórico da cidade em 1986.
Hoje, mais do que nunca, a Rua da Selaria é a via mais emblemática do comércio tradicional da região. Nesse caminho estreito, relativamente longo e de declive suave, que vai da Praça do Giraldo à Catedral e é calcorreado diariamente por centenas de visitantes nacionais e estrangeiros, existem 9 lojas onde se podem encontrar os mais diversos produtos artesanais, desde a olaria de S.Pedro do Corval, Redondo e Nisa aos bonecos de Estremoz, passando pela Tapeçaria de Arraiolos. A oferta estende-se ainda a muitos produtos regionais: objectos de cobre, estanho, ferro forjado; latoaria e cestaria em verga e vime; adornos e miniaturas em cortiça; peles (vestuário) e feltro; cerâmica, rendas, trapagem e bordados e outros diversos, às vezes feitos dos materiais mais inusitados.
No conjunto deste tipo de comércio três estabelecimentos merecem contudo particular destaque. Mencione-se em primeiro lugar a Galeria Teoartis, onde a artista Teodolinda Pascoal recria com grande mestria a azulejaria tradicional alentejana; depois, sublinhe-se a loja de Santos & Santana, na qual o tradicional mobiliário alentejano, pintado à mão, enche o olho a qualquer transeunte, sendo que a derradeira referência vai para “O Alforje”, onde alguns doces regionais de fabrico caseiro têm preparo de excepção.
Nesta rua de mercancia turística onde se cruzam idiomas, acotovelam dialectos e atropelam sotaques, três ourivesarias fazem lembrar tempos de antanho. No domínio dos trabalhos de couro, destinados ao adorno e equipagem de cavalgaduras e cavaleiros, ou à prática da montaria, só já a “Arte Equestre”, excelente loja situada na Rua Diogo Cão (transversal à Rua da Selaria) os pode fornecer.
Mas na Rua de Selaria, que deve ser percorrida com vagar, o visitante pode ainda admirar o insólito Beco do Espinosa, no qual se localiza o poço quatrocentista ou o nicho do Senhor Jesus dos Terramotos, rodeado por um caixilho de azulejos de estilo rococó e fabricação lisbonense, assim chamado por estar datado de 1 de Novembro de 1755. Quatro restaurantes, uma cafeteria e duas residenciais completam a oferta desta rua, que conta ainda com a presença de uma agência de viagens.

Texto: José Frota