A actividade comercial em Évora revelava já alguma dinâmica na primeira década do século XX, que se veio a alargar na que lhe sucedeu.
Este sector e o de serviços, tinha constituído até então a imagem de marca da cidade feudal na qual proliferavam mercadores, mascates, bufarinheiros, algibebes, correeiros, sapateiros, ferradores, almocreves, escudeiros, a par de boticários, escreventes, bacharéis e tabeliães. A Regeneração modernizara entretanto o país, introduzira novos hábitos de vida e as pessoas haviam rompido com o isolamento de antanho procurando o contacto com a vida e a rua, dando-lhes cor, bulício e animação.
Essa nova relação com o exterior implicou, como é óbvio, uma mudança apreciável no atavio pessoal (quer masculino quer feminino) requerida pela frequência do espaço público, isto é, da loja, do escritório, do café, do clube, do baile, do sarau, do teatro, do concerto, da festa, do piquenique, do passeio pelas arcadas ou pelo Passeio Público, que a implantação da República mais viria a acentuar. Quase como hoje, era no trajecto entre a Rua do Paço, a Rua Ancha e a Rua da Porta Nova, passando pela Praça de Giraldo, que se concentravam as lojas de maior fama e procura nos mais diversos domínios.
Ora, a 10 de Janeiro de 1910 constituiu festa de arromba e acontecimento social de relevância a abertura ao público da nova agência dos “Grandes Armazéns do Chiado” (o estabelecimento provisório tinha-se efectuado no ano anterior) situado em plena Praça de Giraldo, no prédio que faz cotovelo com a Rua da Selaria, o qual segundo a publicidade da altura «fica sendo o mais formoso e importante estabelecimento da cidade». Apresentava «um sortido colossal, com as mais deslumbrantes novidades da Estação de Inverno, distribuída pelas secções de fanqueiro, retrosaria, lãs, malhas, sedas, rouparia, camisaria, gravataria, lanifícios, luvaria, chapelaria e sapataria.
Este acontecimento provocou a antecipação dos saldos nos “Armazéns do Antigo Barateiro de Lisboa”, apregoando-se a si próprio como o arauto da moda, com portas na Rua João de Deus (antiga Rua Ancha), 82 e 86, que tendo as mesmas secções, acrescida da de fato para criança, havia dominado até aí o sector da roupa. No início de 1911 era inaugurado, com o sugestivo nome de “Novo Mundo”, um novo estabelecimento do género. Quase paredes meias com o anterior, estava localizado ao fundo das arcadas, ocupando os números de 78 a 80 A e era propriedade da firma Tavares e Mesquita. Menos ambiciosos e de preços mais acessíveis salientavam-se o estabelecimento de Manuel José Vicente, «fornecedor da Santa Casa da Misericórdia», sito na Praça de Giraldo, 24 e 25, os “Armazéns do Chico”, domiciliados na Rua da Porta Nova, 42 a 46. E também a graciosa “Casa dos Arcos Cor de Rosa”, de Rodrigo B. Roque, na Rua João de Deus, de 18 a 28.
Inaugurada ainda antes da implantação da dita, tinha fama a “Alfaiataria República” de José Pereira de Sande, localizada na Rua João de Deus, a qual tinha a concorrência da “Alfaiataria Confiança”, de Sousa e Valente, na Praça de Giraldo (vendas a prestações com fiador de confiança) ; do estabelecimento de António da Silva Topa, ainda na Rua João de Deus; da “Alfaiataria Moderna”, na Rua d’Alconchel, 27; da loja de Luís Sebastião de Sousa, «de fato feito e por medida» e da oficina dos próprios “Armazéns do Barateiro de Lisboa”.
Para as senhoras havia o «atelier» de Aurélia dos Prazeres, «modista lisbonense», como se intitulava, instalado na Carreira do Menino Jesus, 1, mudando depois para a Rua do Paço, 95, onde executava todas
as confecções para senhoras e crianças, para o que dispunha sempre dos melhores figurinos e pessoal bem habilitado. À compita com esta radicara-se na Rua João de Deus, 85 e 87, Madame Gameiro, antiga directora de secção de modas e confecções de uma loja da capital, e modista especializada em vestidos, combinações, anáguas e espartilhos. De Lisboa recebia chapéus e principalmente sombrinhas de Verão, na
altura “le dernier cri de la mode parisienne”.
A “A Nova Chapelaria” de A.Vieira e C ª., na Praça do Giraldo, 29 (junto à “Brasserie”) era também especialista na confecção de chapéus, quer masculinos, quer femininos, e também de bonés. Mas também importava de Paris e Londres. No domínio dos perfumes a casa Tristão e Barradas era a preferida com grande sortido de sabonetes e essências francesas e pastas dentífricas inglesas de cereja. Por esses dias começava economia em mudança a explosão do comércio e serviços a ter elevada procura a nóvel “Kermese de France” quase ao início da Rua João de Deus e que subsistiria até ao final do século passado.
Mas nem só de vestuário e perfumes se fazia a actividade mercantil da cidade. No ramo alimentar distinguia-se o magnífico Centro Comercial e Industrial de António Anselmo Dias, de portas abertas desde 1867 na Rua João de Deus, com armazéns de mercearia, miudezas, fábrica de chocolate, confeitaria, torrefacção e moagem de café, a par de artigos de drogaria. Ao mesmo tipo de loja pertencia a de A.Gomes Namorado, no Largo da Porta Nova, 42 a 46, igualmente dotada de fábrica a vapor de chocolate, fabrico de confeitaria e torrefação e moagem de café. Funcionava ainda como pastelaria e depósito de fósforos, vinagres e de cerveja. Em armazéns diversos possuía sabão, bacalhau, sal e petróleo.
No capítulo das mercearias finas distinguiam-se também na Praça de Giraldo, o Centro Comercial Eborense, de Brás Simões, em primeiro lugar e trespassado depois à firma Sousa & Valente; na rua d’ Alconchel, 35 a 37, a de Manuel Alves Leal; a “Aliança d’Évora” de Alfredo de Carvalho, na Rua João de Deus, 24 a 26, e a “Lealdade” de Albino José da Silva, na Rua da Porta Nova, 7 a 13. Entretanto na Rua Miguel Bombarda (antiga Rua dos Infantes) Manuel dos Santos Índias governava a melhor padaria da cidade e na Rua da Moeda, 57 a 59, ficava o excelente armazém de vinhos, vinagres e aguardentes de José Joaquim d’ Almeida.
Para alimentar o espírito – nem só de pão vive o homem, Jesus Cristo o disse – as Livrarias “Académica”, na Rua do Paço 8 (depois Rua da República) e a “Nazareth”, no lugar de sempre, vendiam as novidades literárias, funcionando em simultâneo como papelarias e tabacarias, enquanto José Augusto Correia (o Zé do Casarão) era o agente de jornais credenciados. Neste âmbito a coqueluche era a “Tabacaria Mónaco”, uma iniciativa do republicano Francisco Maria Nunes cujas portas abriram em 1909 na ainda Rua do Paço. Construída à imagem e semelhança da célebre “ Tabacaria Mónaco”, no Rossio de Lisboa (ainda hoje existente), ali se podiam, de acordo com o texto laudatório publicado em “A Voz Pública”, «fumar os belos tabacos estrangeiros e nacionais e lerem os principais jornais, portugueses e estrangeiros, políticos, de modas e ilustrados, e irem as nossas mulheres e filhas comprar os seus figurinos e encomendar os moldes cortados para os seus vestidos». À moda da época, também na “Mónaco” se vendiam «a melhor manteiga, os melhores vinhos verdes de Colares e do Porto, etc., as melhores águas minerais e cervejas».
Em termos de cuidados de saúde, Évora possuía uma quantidade assinalável de farmácias, destacando-se a “Farmácia Motta,” de Cândido Ferreira da Motta, membro da direcção do Banco Eborense; a “Farmácia Ferro” de António Fernandes Marques, a “Farmácia da Misericórdia”; a “Farmácia Rebocho Pais”, de José Dordio Rebocho Pais, a “Farmácia Central”, na Rua de Avis, e para os mais carenciados a “Farmácia dos Pobres”, situada na Rua d’Alconchel e que funcionava também como depósito das Águas de Vidago. Entre os clínicos pontificavam Evaristo Cutileiro (tuberculose e doenças do foro respiratório), na Rua da Porta Nova; Ludolphe Bravo, médico-parteiro como ao tempo se dizia, com consultório na Rua do Paço; Felício Caeiro, cirurgião, na Rua dos Mercadores; Morais Sarmento, igualmente cirurgião, na Rua da Selaria e ainda Alves Branco, no Largo da Alameda. Mas quem fazia furor pela novidade e qualidade do seu trabalho era o cirurgião dentista António José Nogueira, com consultório montado em 1905 na Rua da Porta Nova, 5, onde efectuava a obturação de dentes com cimento, amálgama, oiro e esmalte e implantava dentes artificiais sobre placa de vulcante ou de esmalte e colocava dentes à “pivot” e em “bridge-work”, coroas de ouro e porcelana.
Noutros domínios, a Relojoaria e Ourivesaria Simões, fundada por Joaquim Simões ao cimo da Rua do Paço em 1876 levava a palma a todas os do seu género. Deixou de existir há cerca de duas décadas o mesmo não tendo acontecido todavia com a Casa Bacharel, agora Drogaria Azul, aberta na Rua da Porta Nova em 1896, que anunciava ser a grande referência do comércio misto de ferragens, drogas, tintas, produtos químicos e farmacêuticos, óculos, lunetas e binóculos, artigos eléctricos e fotográficos e uma quantidade inesgotável de instrumentos para o lar.
Para pleitear e querelar na justiça os mais famosos advogados eram Armando Cordeiro Ramos, Gabriel Vitor Bugalho, com escritório na Rua do Raimundo, e Martinho Pedro Pinto Basto. Jacinto António de Brito, Florival Sanches de Miranda, José Bento Rosado, António Jacinto Villalva eram os mais conhecidos entre os solicitadores. Na Fotografia Lisbonense de Ricardo Santos e Filho, na Rua d’Avis, 23, os eborenses tinham quem com arte e bom gosto lhes tirasse o retrato, como na altura soía dizer-se. Pode afirmar-se com absoluta certeza que era neste sector do comércio e serviços que o Partido Republicano em Évora tinha o núcleo principal dos seus apoiantes.
Texto: José Frota
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