O fim de Dezembro é desde eras remotas, e para muitos povos e culturas, época de celebrações religiosas, quase todas associadas ao Solstício de Inverno e ao nascimento de um Deus Sol, renovador e salvador. Druidas, persas, egípcios, gregos e fenícios celebravam, também a 25 de Dezembro, tal como o fazem ainda hoje os hindus, o nascimento de um ser divino, criador e eterno, sinónimo de luz e esperança.
A Igreja de Roma sacraliza depois essa data, já há muito assinalada por gentes pagãs, e o dia do nascimento de Jesus adquire uma importância ímpar, desde os primórdios da história cristã, sendo canonicamente instituído como festivo no século IV, pelo Papa Júlio I.
Mas, se a nascença de um Menino-Rei de uma Virgem não é exclusiva dos cristãos, a representação da Natividade de Jesus adquire, ao longo dos tempos e por toda a geografia cristã, contornos únicos.
E de entre as várias manifestações e símbolos do espírito do Natal uma delas sobressai, como sendo talvez a mais universal, popular e significativa: o presépio.
Palavra de origem latina, que significa “local onde se recolhe o gado”, o presépio é uma representação de cariz espiritual da cena do nascimento de Jesus, que assume contornos poéticos e bucólicos, em que não faltam animais de estábulo, pastores, anjos e reis magos.
Atribui-se a S. Francisco de Assis, no século XIII, a ideia de encenar o nascimento de Jesus, tal qual este se deu numa gruta em Belém. Existem registos de que o terá então feito, em 1223, numa gruta da cidade italiana de Greccio, para a qual, se diz, levou uma vaca e um burro e onde mandou instalar uma manjedoura, cheia de feno, para festejar a vinda do Filho de Deus à terra com as mesmas condições que rodearam o seu nascimento: pobreza, simplicidade, humildade, encanto e fraternidade de Deus com os homens. A sua intenção era dar um sentido de actualidade à Natividade e reviver a Eucaristia, trazer de novo o Evangelho para o espaço natural de vida dos homens. O presépio de S. Francisco não tinha, por isso, figuras, Jesus era representado pela hóstia.
Depois desta pioneira representação da descida de Deus à humanidade, outros presépios, já com figuras, começam a surgir. A tendência começa noutros conventos franciscanos em Itália, a que se seguem igrejas e casas particulares, das mais nobres às mais humildes, e estende-se depois a toda a Europa.
Em Portugal, o culto do presépio terá surgido ainda no fim do século XV, sendo do início do século XVI os primeiros documentos que o referenciam. O grande desenvolvimento desta tradição, porém, dá-se sobretudo com as contratações de artistas para a construção de presépios pelos reis D. João II, D. Manuel I, D. João III e, mais tarde, D. João V, o que terá contribuído largamente para a sua generalização no país. Surgem presépios muito famosos como o da Basílica da Estrela e de S. Vicente, em Lisboa, da autoria do escultor Machado de Castro, o do Convento de Mafra, o dos Marqueses de Borba e vários presépios eborenses, entre os quais os dos Conventos do Paraíso, de Santa Clara e de S. Bento de Cástris.
O presépio entranha-se assim definitivamente na cultura portuguesa, entre os séculos XVII e XVIII, e vários são os barristas e escultores famosos que, desde então, e até ao século XX, alimentam a procura de figuras para a encenação da Natividade, quer em conventos, quer em casas particulares. Oriundos de olarias e escolas de Alcobaça, Barcelos, Coimbra, Évora, Estremoz, Lisboa, Mafra e Tomar, entre os principais nomes responsáveis pelas figuras características do presépio popular português encontram-se Francisco de Holanda (residente em Évora), José de Almeida, Joaquim Machado de Castro, Francisco Xavier (eborense) e António Ferreira.
Em Évora, cidade que, como afirma João Rosa, em “Presépios de Évora”, sempre foi “ao longo da sua história, um grande centro de cultura estética e de desenvolvimento de todas as artes (...)”, os presépios “tesouros disseminados por igrejas, mosteiros, capelas, oratórios, dão-lhe o nome de relicário de arte, paraíso de arqueólogos e de aguarelistas” .
Nessa mesma obra, este autor refere o que considera serem os principais presépios do distrito de Évora, começando pelo do Convento de São Paulo, na Serra D’Ossa, no concelho de Redondo; e pelo do Convento de Capuchos, edificado em 1544, nos Passos de Valverde, junto à Serra do Monfurado e ao Castelo de Geraldo, e depois aproveitado pela escola agrícola, onde diz terem existido figuras de barro em tamanho natural, anteriores às influências da primeira metade do século XVIII, dos escultores Alessandro Giusti, italiano, e Machado de Castro, português, natural de Coimbra.
Prossegue mencionando o antigo Convento do Paraíso (antes erguido onde é hoje o Jardim do Paraíso, em Évora), como um verdadeiro “alfobre de arte sacra” e deixando as seguintes referências ao seu presépio: “(...) era o enlêvo de Évora, e arrumava-se no claustro em todas as vésperas de Natal. As figuras são todas de barro, maiores que humanas, mas expressivas (...) tanto parecem estar vivas e respirando como qualquer criatura de Nos’Senhor” . João Rosa lembra ainda como ficou célebre o Menino Jesus do Paraíso, que “apareceu em fôfo leito dourado”, no presépio do Natal de 1826 , e o tríptico de marfim gótico que representa a Vida da Virgem, o Nascimento do Menino e a Adoração.
Seguem-se alusões aos presépios, também em Évora, do Convento do Salvador “(...) em peça inteira, primoroso espécime em torrão, atribuído ao grande mestre Machado de Castro”; o de São Bento de Castris, “possivelmente o maior de Évora”, e que diz ser armado na Sala do Capítulo e incluir figuras de barristas de Estremoz; e o do Convento do Calvário.
João Rosa aponta ainda o presépio do escritor Cunha Rivara, que além de figuras de Estremoz do século XVIII, teria em marfim, e adquiridas na Índia, as três imagens principais, S. José, a Virgem e o Menino, o qual aparecia a chuchar no dedo, numa cama de prata, com um travesseiro ornamentado com pedras preciosas.
E, finalmente, os últimos presépios artísticos em destaque nesta obra são: o da Capela Mor da Sé de Évora, da autoria de João António Pádua, cujas imagens vieram do extinto Convento das Maltesas, em Estremoz; e o do Museu da Misericórdia de Estremoz, antes pertencente ao Recolhimento das Servas, em Borba, considerado dos maiores e melhores em barro do Alentejo.
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