O actual património militar de Évora começou a tomar forma quando, em 1518, D. Manuel I mandou dar início à construção do Castelo Novo, provocando uma autêntica revolução nas estruturas defensivas da cidade, provenientes da Idade Média e contidas na chamada Cerca Velha. Essa rígida cintura amuralhada, apenas quebrada pela existência de diversas portas abrindo para o exterior era, até então, suficiente para conter a força dos assaltantes, já que, por esse tempo, os combates se desenrolavam em lutas corpo a corpo, com a utilização de espadas, de lanças, arcos, bestas e fundas.
O progressivo abandono desta concepção defensiva ficou a dever-se ao aparecimento da pólvora e logo depois dos canhões, produtores de fogos potentes, profundos e de grande poder destrutivo. Com o Castelo Novo, erguido segundo um projecto de Diogo de Arruda e concluído em 1523, Évora viu-se provida de uma verdadeira cidadela militar, reforçada no século seguinte pelos baluartes do Assa e do Picadeiro e destinada à protecção pirobalística. No reinado de D. Sebastião, parte da fortificação veio, no entanto, a ser objecto de alterações diversas para poder passar a funcionar como depósito do Real Celeiro Comum.
Coube a D. João V a tarefa de voltar a alocar o prédio a funções estritamente militares. Por alvará de 8 de Janeiro de 1736 o monarca instituiu o Regimento de Dragões de Évora, que sob o comando do Conde de Soure nele se veio a sediar. Embora tivesse sido possível proceder ao aproveitamento de significativa fracção da estrutura manuelina, houve sectores em que se impôs a necessidade de recorrer a vultuosas obras de adaptação às novas exigências. Dificuldades financeiras e as guerras contra Espanha estiveram na origem de atrasos sucessivos e posteriores interrupções dos trabalhos, que foram dados por terminados em 1803, mas cujos acabamentos interiores se prolongaram por mais quatro anos.
O edifício de dois andares e planta quadrada, com quatro imponentes torres de alvenaria, adornadas nos ângulos de pilastras de granito, ganhou a partir daí a estrutura actual. A parada, de idêntico desenho, assumiu igualmente proporções impressionantes.
Do pátio vieram a romper quatro escadas que vieram a conduzir à labiríntica mescla de corredores e casernas, a maioria deles enfeitados de rodapés azuis e brancos ao modo regional. Conservadas foram, porém, algumas dependências interiores de grande valor artístico, situadas no 2º. piso, como as salas do Conselho Regimental e das Armas, decoradas com variados motivos de triunfalismo e alegorias bélicas.
Com a reforma do Exército levada a cabo pelo marechal William Beresford (oficial britânico que o chefiou entre as Invasões e a Revolução Liberal de 1820), o Regimento de Dragões foi extinto e substituído pelo Regimento de Cavalaria 5, que naquelas instalações se manteve até 1940. Por essa altura a arma de Cavalaria passou para Estremoz e o Castelo Novo ou Manuelino passou a alojar em seu lugar o Regimento
de Infantaria 16, que ali permaneceu até 1975.
Com o fim da guerra colonial nele foram instalados os Serviços de Apoio ao Quartel General da Região Militar Sul. Com o desaparecimento deste, o edifício foi afectado, a partir de 2006, a Quartel- General do Comando de Instrução e Doutrina, transferido da Amadora. Bem perto, e paredes meias com o Castelo Manuelino e a cerca nova amuralhada, fica a Igreja do Senhor Jesus da Pobreza, também pertencente ao património castrense e cuja missão actual se confina a servir de espaço de velório a militares falecidos, antes de baixarem à terra. Erigido em 1729, o templo integrou uma capela dedicada à Senhora do Amparo, existente na porta da Rua da Mesquita, e destinou-se a servir de local de culto aos fiéis do antigo Bairro de Vila Nova, situado nas imediações.
Trata-se de uma obra tardia do estilo barroco, de cujo aspecto exterior ressaltam duas torres cupuladas e frontaria com colunata de empena triangular que anunciam a chegada do neo-classicismo. Destaque especial ganham o harmonioso zimbório, de secção hexagonal e inspiração italiana, e o arrebicado presbitério, com altar de talha dourada, ao qual se sobrepõe a Virgem do Amparo, formando conjunto de rara beleza.
A jóia do património militar eborense é contudo o Convento de Nossa Senhora da Graça, não muito afastado do Castelo Manuelino mas em direcção oposta à Igreja do Senhor Jesus da Pobreza. O imóvel remonta ao tempo de D. Sancho I e serviu para acolher a Ordem dos Eremitas Descalços de Santo Agostinho, mas foi D. João III que, com o auxílio dos 1ºs. Condes de Vimioso, lhe conferiu grandiosidade arquitectónica por alvará de 1540, o qual já previa a anexação da Ermida que lhe era adjacente. As obras que transformaram o conjunto num exemplar raro da arquitectura portuguesa, em estilo barroco de inspiração italiana, decorreram sob a orientação do arquitecto Miguel de Arruda e do escultor francês Nicolau Chanterene, que se admite ter sido o autor dos quatro atlantes do pórtico da Igreja, que segundo a tradição local representam os primeiros mártires da Inquisição queimados em Évora no ano de 1543.
A ocupação do mosteiro veio a estender-se posteriormente aos descendentes dos Condes de Vimioso, que decidiram abraçar a vida religiosa em comunhão espiritual com os frades residentes. Na comunidade viveram
então grandes vultos da cultura portuguesa como Públia Hortênsia de Castro, poetisa, oradora e grande humanista, que ali se finou em 1595 e houve sepultura no claustro, e o famoso polemista frade José Agostinho de Macedo (1761-1831). Templo e convento sofreram diversas derrocadas por via de intempéries e dos intensos bombardeamentos a que foram que sujeitos durante a Guerra da Restauração. A partir da secularização dos bens religiosos em 1834, a igreja funcionou durante largo período como escola do ensino primário. A outra parte do imóvel foi adaptada em 1858 para instalação de uma fábrica de rolhas de cortiça. A partir de 1885 passou a abrigar uma força de infantaria e, em 1955, decidiu-se que o edifício passaria a instalar a Messe de Oficiais da Região Militar do Sul. Novo desabamento ocorrido dois anos mais tarde acentuou o seu aspecto de ruína e a necessidade de um profundo trabalho de recuperação de todo o conjunto.
A realização da empreitada decorreu nos anos de 1972 e 1973 e foi da responsabilidade da Direcção Geral dos Monumentos do Sul, tendo importado na avultada quantia, para a época, de quatro mil contos. O Convento viu-se assim transformado naquilo que ainda hoje é - uma mui luxuosa pousada para a oficialidade residente, temporária ou em mero trânsito. Túlio Espanca descreveu-o como «um edifício contrafortado, com varandas e urnas clássicas, que mantém no interior, de valimento artístico, o notável claustro de dois pisos, o primitivo refeitório quinhentista e as escadarias, revestidas de alizares de azulejos monócromos, com arabescos de azul e branco, de fins do séc. XVII».
Dos quatro principais prédios do património castrense em Évora falta referir o Palácio dos Morgados de Mesquita, cuja construção foi devida a Pedro de Sousa, 1º. Conde de Prado, reinava então D. João III. A propriedade do edifício em mão dos herdeiros foi efémera. Viria a ser comprado por D. Garcia de Castro, conselheiro de D. Sebastião e governador da praça africana de Mazagão, que, por sua vez, em breve dele se desfaria. Em 1867 era pertença do capitão de cavalos D. João de Mesquita, que o legou aos descendentes, os quais o mantiveram em seu poder durante duas gerações. Adquirido por Luís Valente Rosa, os seus herdeiros venderam-no ao Estado para instalação da 4ª Divisão Militar. Ao longo dos tempos foi sempre sede desta estrutura do Exército até que, a partir de 1926, passou à condição de seu Quartel-General, ainda
que tenha mudado de designação por diversas vezes. Actualmente é a sede admnistrativa do já referido Comando de Doutrina.
Na década de 50 do século passado o imóvel foi sujeito a profundas alterações, com prejuízo para a antiga capela, ornada de pinturas murais, que desapareceu. Mantiveram-se contudo a silhueta barroca exterior, o curioso passadiço da Rua de S. Cristóvão e as abóbadas brasonadas dos Castros. Interiormente ganha vulto a Sala de Cupido, por pinturas a óleo sobre tela representando deuses da Mitologia, as três Graças e temas pastoris, marinhas e galanterias neo-clássicas. Datáveis de 1777, a sua autoria é atribuída a Cirilo Volkmar Machado, pintor, escultor e arquitecto que viveu entre 1748 e 1848.
Texto: José Frota
Fotos: Carlos Neves
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