Se é certo que a prática desportiva já se tinha iniciado em Évora desde o último quartel do século XIX, não restam dúvidas de que a mesma só se desenvolveu e democratizou com o advento da República, período durante o qual se processou a introdução dos jogos com bola, (nomeadamente o futebol) e o atletismo, a modalidade olímpica por excelência. Antes, o exercício da actividade física estava praticamente reservado à burguesia endinheirada, chamando-se aos seus cultores «distintos “sportmen”» por gastarem os seus ócios em prazeirosas e galantes contendas. Corridas e provas hípicas faziamse desde 1868 no Jockey Club Alentejano; o ciclismo estava implantado na cidade desde 1895 e o tiro a partir de 1904.
De acordo com o relato de Mário da Gama Freixo, um dos pioneiros do futebol eborense, efectuado no número comemorativo de “O Corvo”, alusivo aos festejos do Centésimo Aniversário do Liceu Nacional de Évora, celebrado em 1941, a primeira bola de futebol terá chegado à cidade nos primeiros anos do século passado, trazida por Raul Queimado Franco de Sousa, seu antigo condiscípulo e na altura a frequentar a Escola da Marinha, o qual andou durante alguns dias a dar-lhe pontapés com outros estudantes, tais como seu irmão Leovigildo, Lopes Marçal, Dias da Fonseca, Armando de Azevedo e «outros que não consegui apurar o nome».
E acrescentava que «em breve desistiam, e pouco a pouco foram deixando de jogar, acabando por fracassar a tentativa». Mário da Gama Freixo, fotógrafo a quem se deve o registo em imagens das primeiras manifestações desportivas e respectivos grupos que nelas participaram, considera ainda decisiva para a dinamização do «Foot-ball e dos Sports Atléticos» em Évora a vinda para o Liceu, em 1908, do estudante Abílio Pais Ramos, que havia passado pelo Colégio Militar e também pelo Liceu da Lapa, em Lisboa. «Praticante que era de diferentes desportos que ao tempo se cultivavam, não podia admitir que em Évora nada se fizesse em prol da Educação Física». O seu espírito de iniciativa depressa encontrou eco na pessoa de Manuel António do Monte, professor de ginástica do Liceu, disciplina que fora integrada no ensino secundário no ano de 1906. A modalidade de arranque tinha sido a do atletismo mas, como era natural, os seus praticantes «também iam dando pontapés na bola secundados por outros que pouco a pouco a eles se foram juntando».
Os estudantes liceais começaram a participar em festivais e provas desportivas sob a designação de “Os Académicos” mas dentro em pouco o reitor desse tempo, o republicano Manuel Gomes Fradinho, entendeu que deveria ser criada uma estrutura própria com sede no Liceu. Assim nasceu em 1912 o Sport Vitória Académico, autêntico alfobre de desportistas, dos quais o mais brilhante foi sem dúvida Augusto Cabeça Ramos. Este estudante liceal tinha participado a 25 de Maio de 1911 numa jornada de atletismo realizada no Rossio de Brás entre os académicos eborenses e os do Liceu da Lapa, tendo vencido com extrema facilidade as provas de salto à vara, comprimento e altura e corrida de obstáculos. Um dos professores lisboetas ficou estupefacto com a sua “perfomance” no salto à vara e, sendo técnico da modalidade, convidou-o a participar nos Campeonatos Olímpicos de Portugal do ano seguinte, em representação do Sport Lisboa e Benfica. Cabeça Ramos aceitou e cerca de um ano depois, mais propriamente a 5 de Maio, deslocou-se à capital para vencer a prova de salto à vara, estabelecendo um novo recorde nacional com pulo de 3,05 metros, proeza que viria a repetir a 12 de Junho de 1914, elevando a marca para 3,27 metros, a qual permaneceu imbatível até 1927.
Entretanto o futebol penetrara também entre os estudantes da Casa Pia. Segundo o “ Notícias d´ Évora” relatava « foi ontem inaugurado o jogo de foot-ball na cerca d’este estabelecimento por um grupo de sympathicos rapazes, composto dos srs. Ricardo de Mattos Vilardebó, Anselmo de Mattos Villardebó, Joaquim de Mattos Fernandes, Ângelo Moreno, Raul de Sousa. Manuel Villas Boas e Jacintho Rosado Lopes, que da melhor vontade se prestaram a ensinar os allunos d’ este estabelecimento. Completou-se o grupo com 15 allunos da casa que jogaram várias partidas tornando-se o jogo muito interessante pelo enthusiasmo que em todos se notava».
Outros grupos sociais estavam porém atentos e rendidos ao novo jogo. A partir de 1909 a Associação de Classe dos Empregados do Comércio passou a disponibilizar algumas bolas para os seus empregados se familiarizarem com as técnicas, regras e princípios elementares do futebol. Por essa altura fundava-se a primeira colectividade desportiva da cidade, que recebeu o nome de Grupo Évora Sport, composto por operários gráficos de várias oficinas. Em 1910 tinha-se formado o Grupo Foot-ball Eborense e foram estas duas equipas que disputaram o primeiro jogo a sério na urbe, pelas quatro horas da tarde no dia 2 de Abril de 1911, no Rossio de S. Brás, sendo árbitro o polivalente “sportman” Augusto Cabeça Ramos.
A 11 de Novembro desse ano um grupo de estudantes e marçanos fundava o Luzitano Foot-ball Clube, que em 1925, devido ao número de outras modalidades praticadas em recinto fechado substituiu a designação de Football por Ginásio, sendo o mais antigo clube do Alentejo e em 1912 surgia finalmente o Sport Clube Empregados do Comércio. Em meados de 1913, o abandono do Liceu por parte de muitos dos fundadores do Sport Vitória Académico (onde a partir daí o Basket-ball passou a ser o jogo favorito) levou a que estes, com outros mais, desavindos com os seus originais, se reunissem no Ateneu Desportivo Eborense. Até então os pleitos futebolísticos jogavam-se no Campo do Liceu, no Rossio de S. Brás, na cerca da Casa Pia e na eira da Quinta da Malagueira.
Mas em 1914 os elementos do Ateneu conseguiram convencer as irmãs D. Maria Inácia Fernandes Homem e D. Maria Luísa Mattos Fernandes, abastadas terratenentes, a alugar-lhes, por 15 anos, o ferragial da Estrela, onde estabeleceram de forma permanente o primeiro campo de futebol em Évora. Assim nascia o actual Campo Estrela, do Lusitano Ginásio, já condenado ao desaparecimento mas que é o segundo mais antigo do país, logo a seguir ao Campo da Constituição no Porto. Já fora do arco temporal aqui definido assinale-se, no entanto por dever de inteira justiça, a fundação, a 5 de Dezembro de 1918, do Juventude Sport Clube, formado maioritariamente por operários da construção civil e serviços de limpezas, numa cabal demonstração de que a implantação da República generalizou práticas e comportamentos e acabou com privilégios injustificados.
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