terça-feira, 13 de setembro de 2011

A conjura monárquica de 1912 em Évora



A violência anticlerical, a Lei da Separação da Igreja do Estado, o monopólio do poder por banda do PRD e as ameaças, depois concretizadas, de desinteligências sérias no seio deste, convenceram alguns monárquicos que estavam criadas as condições para que o novo regime, ao mínimo abanão, se desmoronasse por completo. Entre estes encontrava-se o capitão Henrique Mitchell Paiva Couceiro, herói das Campanhas de África (1989-1896) e governador colonial de Angola, que fora um dos poucos militares que na Rotunda de Lisboa, em Outubro de 1910, tudo tentara para impedir o triunfo dos republicanos. Refugiado na Galiza, por duas vezes ultrapassou a fronteira à frente de um grupo de homens armados tentando espevitar a apatia dos monárquicos e provocar uma insurreição geral, mesmo uma guerra civil se o desenrolar dos acontecimentos o viesse a exigir, de acordo com as suas próprias palavras. A primeira tentativa ocorreu a 3 de Outubro de 1911 e, por mal organizada, foi repelida com facilidade. A segunda, em 6 de Julho de 1912, para além de envolver cerca de mil homens que tentaram tomar Chaves, sendo rechaçados com alguma dificuldade, seria acompanhada em caso de sucesso, conforme o planeado, de levantamentos militares noutros pontos, praticamente todos na zona norte com a excepção de Évora na parte sul do território. A inclusão de Évora no rol dos locais onde a sedição deveria ter lugar causou estranheza, mas o motivo veio a ser apurado quando dias depois alguém recordou que Paiva Couceiro havido sido transferido de Lisboa para o cargo de Adjunto da Inspecção do Serviço de Artilharia, instalado na cidade, onde travou conhecimento com muitos militares aqui em serviço, e civilmente se aproximou do Partido Regenerador Liberal, ele que sempre se mantivera fiel à Casa de Bragança, como continuava a ser sem que lhe fossem contudo atribuídas conotações partidárias.
A população da cidade só teve conhecimento daquilo a que chamou o “complot monárquico” quando se viu confrontada com as primeiras prisões, acontecidas a 10 de Julho. O major António Rodrigues Monteiro Montez, chefe do movimento na região sul (haveria de conseguir evadir-se sendo depois recapturado em Elvas), o capitão Francelino Pimentel, dois sargentos, três cabos e um soldado compuseram o grupo dos detidos desse dia. No dia seguinte viram-se acompanhados pelos civis Joaquim da Motta Capitão, boticário e redactor do “Notícias d’Évora”, António Maria Vidal Veloso, o mais famoso barbeiro da cidade, o escrevente Américo Augusto Baptista e o ex-seminarista Eurico Maia.
A onda de prisões prosseguiu quotidianamente durante cerca de uma semana e abrangeu perto de 30 pessoas, entre civis e militares, acabando um recruta por se suicidar. Dos elementos castrenses encarcerados destacavam-se o capitão Toscano e os tenentes António Domingos Ferreira e Vasconcelos e Sá (muito conhecido pelos dotes musicais e compositor da célebre canção do início do século, “Margarida vai à fonte” enquanto por banda dos civis se contavam figuras como os poderosos lavradores Luís Perdigão de Sousa Carvalho (Conde da Ericeira) e António Carlos Coelho de Villas Boas e os advogados Gabriel Pinto e Armando Cordeiro Ramos. Dos restantes era bastante conhecido José Francisco Correia, apodado de “O Zé da Sé”, por passar o tempo na Catedral entre padres e freiras, peça fundamental da conjura por ter sido o encarregado de distribuir pelos civis as armas e as munições desviadas de algumas unidades militares e habilmente escondidas no Largo da Porta de Avis. Detida igualmente foi uma mulher, Pulquéria Ferreira Pinto de seu nome.
O processo de inquérito realizado em Évora determinou a ilibação do Conde da Ervideira e de António Villas Boas por não terem sido detectados quaisquer indícios da participação no acto conspirativo. Os outros detidos foram remetidos para Lisboa a fim de serem submetidos a julgamento em tribunal marcial. A maioria foi condenada e alguns enviados para o degredo. Por seu turno, o processo de inquirição civil teve como relator o republicano local Hermenegildo Higino Barrão e veio a ter divulgação pública. As averiguações levadas a cabo permitiram reconstituir o que havia acontecido e o papel desempenhado pela Carbonária local na sua descoberta e consequente neutralização. Conversas enigmáticas e movimentos suspeitos de alguns oficiais subalternos tinham sido percebidos no regimento de Cavalaria 5 pelo cabo ferrador Tiago Augusto Calado, que os comentou com os também cabos Inglês e Bólrão, igualmente pertencentes ao movimento carbonário. Os três comunicaram a situação outros soldados que passaram a vigiar os oficiais referenciados, tendo alertado as chefias militares. No exterior o trabalho de vigilância aos suspeitos civis ficou entregue ao núcleo operário da Carbonária enquadrado por Estevão de Oliveira Fernandes, auxiliado pelo temido revolucionário corticeiro Artur Nogueira. Foi assim possível a identificação desta ramificação eborense do grupo de monárquicos afectos a Paiva Couceiro.
A 25 de Julho, com toda a situação já aclarada, a direcção do Centro Democrático composta por José Augusto do Rosário, Leonel de Sousa, Isidro Pires Candeias, Francisco Gomes Calado e Agripino de Oliveira resolveu convocar todos os republicanos para, em sessão especial a realizar daí a dois dias, ser prestada homenagem ao Exército Português e à Carbonária, cujos elementos «sempre vigilantes, sempre prontos ao sacrifício, puderam impedir tão monstruosa tragédia». Refira-se que o presidente do Centro Republicano Democrático, José Augusto do Rosário, era ele próprio um activo e denodado carbonário. Natural das Alcáçovas, veio muito jovem para Évora a fim de trabalhar na estação local dos Correios e Telégrafo. Era então anarco-sindicalista. Foi iniciado na Carbonária e passou para os republicanos. Em 1908 estava em Lisboa a frequentar um curso de aperfeiçoamento profissional quando participou no movimento falhado de 28 de Janeiro, o qual ficou conhecido na história por Janeirada. Foi preso e somente liberto com a implantação da República, tendo voltado ao seu posto de trabalho em Évora.
A ele próprio, carbonário convicto, coube fazer, nessa sessão, o elogio da organização a que pertencia. E disse: «Aos civis, na sua maioria operários, deve em grande parte, a República a sua segurança pelo que, apesar do extenuante trabalho a que durante o dia eram obrigados, nunca trepidaram na vigilância, chegando a oferecer-se para os maiores sacrifícios». Para concluir da seguinte forma: «(...) Mais uma vez se demonstrou a sem razão e falta de patriotismo, daqueles que servindo-se da calúnia, têm tentado sem o conseguir, a dissolução da Carbonária, não querendo ver nesta instituição o cunho de patriotismo e abnegação que tão bem tem evidenciado antes e depois de República proclamada».

Texto: José Frota 

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