Quando se falou da génese e desenvolvimento do Partido Republicano em Évora deixou-se perceber que estávamos em presença de uma formação que não possuía uma ideologia política consolidada nem assentava em estratos sociais muito bem definidos, que internamente lhe conferissem coesão e consistência. No seu seio coube uma amálgama de grandes proprietários, médicos, farmacêuticos, professores, comerciantes, industriais, artesãos, assalariados de origem diversa, rurais e soldados, à mistura com outros grupos aliados, entre os quais sociedades secretas, socialistas e anarco–sindicalistas que apoiavam temporariamente o republicanismo como meio de se obter uma mudança e derrubar a Monarquia, observou o professor americano Douglas L. Wheeler na sua “História Política de Portugal 1920-1926”.
As divergências e as clivagens começaram com as eleições para a Assembleia Nacional Constituinte (ANC), encarregada de proceder à elaboração da nova lei fundamental do país e eleger o primeiro presidente da nova república. Entretanto o Governo Provisório, presidido por Teófilo Braga e tendo como ministros António José de Almeida, no Interior; Afonso Costa, na Justiça; Basílio Telles, na Fazenda; Brito Camacho, no Fomento; António Luís Gomes, nas Obras Públicas; Bernardino Machado, nos Estrangeiros; Correia Barreto, na Guerra; e Azevedo Gomes, na Marinha, havia produzido abundante mas desconexa legislação oscilando entre a dureza de Afonso Costa e a moderação de António José de Almeida e Brito Camacho. Os mais radicais queriam a República só para os republicanos e o partido fechado sobre si mesmo, sendo intransigentes nesse desiderato. Os mais moderados entendiam que se deveria conceder preponderância à classe média, interessada na real modernização do país e por isso capaz de mobilizar novos apoiantes que partilhassem idêntico objectivo. Segundo o historiador Rui Ramos esta ideia inquietou os mais radicais, devido ao risco de pôr em causa o monopólio do Estado pelo PRP e de obstar à continuação da guerra religiosa.
Os dois campos extremaram-se na Assembleia Nacional Constituinte quando chegou a altura da eleição do Presidente da República. Os primeiros contactos entre os dois lados resultaram na impossibilidade de apresentação deum candidato único. Afonso Costa propusera Bernardino Machado enquanto Almeida e Camacho, momentaneamente aliados avançaram primeiro com o nome de Anselmo Braamcamp Freire, presidente da ANC, que recusou, e depois o de Manuel de Arriaga. A maioria de parlamentares afecta a ambos ditou a vitória de Arriaga.
Mas ainda no final desse mês de Outubro Afonso Costa, que preparara o Congresso Republicano e conseguira assegurar um número de delegados fiéis aos radicais, faz triunfar as suas teses, que ficarão a determinar a orientação no partido no futuro. A consequência imediata foi a já aguardada cisão, com António José de Almeida e Brito Camacho a abandonarem as fileiras do partido, e a separarem-se depois, sem no entanto renunciarem à causa, e a fundarem cada um o seu partido.
O espectro partidário ficou, então, assim definido: à esquerda, o Partido Republicano Português, radical, (conhecido também por Partido Democrático) de Afonso Costa; e à direita, os moderados e conservadores Partido Evolucionista Português, de António José de Almeida, e Partido da União Republicana, de Brito Camacho. Perguntar-se-á: e em Évora como se alinharam os republicanos locais? Bem, os chamados históricos, com algumas poucas excepções, aderiram quase todos ao Partido Evolucionista, que abriu o seu próprio espaço de reunião, debate e convívio (Centro Republicano Evolucionista) na Rua João de Deus, 61, antiga sede da Sociedade Operária Joaquim António d’Aguiar. As melhores cabeças republicanas, dizia-se, tinham ido engrossar as suas fileiras, entre as quais o primeiro presidente do município, o médico Júlio do Patrocínio Martins, que deixara estas funções ao também clínico Máximo Homem Rodrigues, por ter sido eleito deputado por Évora à Assembleia Nacional Constituinte.
Um dos que não se transferiu de imediato para o partido de Almeida embora a ele tenha aderido mais tarde já em Lisboa foi Estevão da Cunha Pimentel, o primeiro governador civil, que desgostoso, com a situação criada, largou a actividade política e foi viver para Paris durante uns tempos. Militante fiel continuou a ser o refundador do Partido Republicano no concelho, Evaristo Cutileiro, cujas crises de diabetes se tornavam cada vez mais graves e ameaçadoras. Contudo, se os evolucionistas eram uma força de grande expressão já o mesmo não se podia dizer da União Republicana que ainda assim conseguiu eleger como deputado pelo círculo até 1915 o irmão de Brito Camacho, Inocêncio Camacho Rodrigues, já então Governador do Banco de Portugal.
Para fazer face à sangria sofrida nas suas hostes pelas deserções evolucionistas, o Partido Democrático viu-se obrigado a praticar em Évora o que rejeitara a nível nacional – abrir as suas portas a novos aderentes. Alguns deles eram provenientes de antigos partidos monárquicos. Em 1912 a Comissão Municipal Republicana era presidida pelo grande proprietário de Portel, residente em Évora e republicano de longa data António Joaquim Potes do Amaral, mas Manuel Antunes Marques, o secretário; António Tibério Tojo de Sousa Franco, o tesoureiro; e os vogais Joaquim Leandro de S. João e António Joaquim Pires eram nomes que pouco diziam aos republicanos da urbe.
O PRP ou Partido Democrático encarava com grande receio as eleições de Dezembro de 1913 para a Câmara Municipal. Contudo, o infausto acontecimento que constituiu no dia 9 de Setembro o falecimento de Evaristo Cutileiro, em tratamento no Sanatório da Covilhã, poderá ter contribuído para a inversão da situação. O grande médico, que se notabilizou no combate à tuberculose e à asma criando um método próprio, era uma referência incontornável do republicanismo, ao qual sacrificou bens, saúde e vida pessoal, na cidade, no concelho e no distrito. No dia do seu funeral, que veio para Évora, mais de cinco mil pessoas, sem discriminação político-partidária, simples cidadãos ou meros doentes reconhecidos, todos aguardaram a chegada do féretro para lhe prestarem a última homenagem.
Três meses após e contra as expectativas gerais, o Partido Democrático ganhava as eleições com 500 votos em 843 entrados nas urnas. Em jornal que lhe era afecto escrevia-se: «desfez-se a lenda do invencível poderio do partido evolucionista em Évora». Este esboroar-se-ia rapidamente nos anos seguintes. No concelho os novos protagonistas concelhios passariam a ser o médico João Camarate Campos, o advogado Alberto Jordão Marques da Costa, o engenheiro José Eduardo de Calça e Pina da Câmara Manoel, o solicitador Florival Sanches de Miranda, o farmacêutico José Dordio Rebocho Pais e o funcionário público e administrador do concelho de Évora em 1913, Cláudio José Percheiro.
Texto: José Frota
Texto: José Frota
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