A Casa da Balança, interessante núcleo museológico da cidade inserido em plena zona da Mouraria, no ancestral Largo do Chão das Covas, merece a visita de quem se interessa pela cultura científica e pelo conhecimento de como se fez a história do sistema de medições e da calibração dos respectivos instrumentos, que garante a sua precisão, tão essencial hoje como outrora nos processos produtivos e nos circuitos comerciais.
Em Portugal foi decisiva a chamada Lei de Almeirim, criada por D. Sebastião em 26 de Janeiro de 1575, na sequência das Cortes do mesmo nome, e que veio a ser conhecida como «de igualamento das medidas dos sólidos e dos líquidos», necessária por haver sido informado «que em uns lugares as medidas são grandes e logo em outros, junto deles, são mais pequenas ou maiores». Com esta reforma fixavam-se as medidas de volume por rasoura, iguais entre si, e proibia-se o cogulo. Paralelamente, criou-se um sistema de medidas para os produtos secos e outro para os produtos líquidos. Podemos acrescentar que as principais unidades de referência para medição passaram a ser a vara, a polegada e o côvado para o comprimento; o arrátel e a onça para o peso; o almude e a canada para os líquidos; e o moio e o alqueire para os secos.
A lei definia também as tarefas dos Afiladores do Senado e distribuía as competências de fiscalização pelo Almotacé Mor, Corregedores e Ouvidores. Para melhor concretização destas medidas, D. Sebastião mandou que fosse efetuada entrega de cópias dos padrões reais por todos os concelhos. O documento inovador alcançou recetividade geral e perdurou, com ligeiras alterações, até meados do século XIX. Contudo, se a lei regularizava a situação no Reino, ela era praticamente desprovida de eficácia em termos internacionais, dado que, como é óbvio, cada Estado possuía unidades de medição diferentes e sem correspondência entre si, provocando sérios embaraços ao desenvolvimento do comércio mundial. Neste contexto, percebe-se que não foi fácil chegar à organização de um método de padronização de pesos e medidas que satisfizesse a todos.
A solução veio a ser encontrada no âmbito da Revolução Francesa, quando foi levada à aprovação da Assembleia Nacional uma proposta de renovação metrológica encontrada no estudo aturado da Natureza e dos seus fenómenos. Aprovado em 1799, o novo sistema tomou por base de comprimento o metro, definido como a décima-milionésima parte do quadrante do meridiano terrestre, calculado na medição do respetivo arco compreendido entre Dunquerque e Barcelona.
Coube à Academia das Ciências de França analisar e afinar o projeto que, em 1799, estabeleceu o Sistema Métrico Decimal. Dois padrões de platina representando o metro e o quilograma foram então depositados nos Arquivos da República para memória das definições encontradas, constituindo desta forma a certificação formal da primeira etapa que levou ao atual Sistema Internacional de Unidades de Medidas.
Depois de várias tentativas de integração de Portugal no Sistema Métrico Decimal, ele acabou por ser introduzido oficialmente no reino através de um decreto de D. Maria II de 13 de Dezembro de 1855. A adesão ao Sistema Internacional implicava a observância de um prazo de dez anos para sua consolidação, dispondo ainda Portugal de igual período de tempo para inserção do novo saber nas escolas públicas e particulares.
Os progressos e as alterações científicas que o desenvolvimento das ciência naturais e a explosão da industrialização vieram a conhecer provocaram atualizações, revisões e modificações das unidades básicas tomadas na padronização e conduziram ao conceito de metrologia, entendido genericamente como o estudo e descrição dos pesos e medidas de todos os povos e épocas. A instalação de um núcleo metrológico em Évora resultou da participação da Câmara Municipal no programa Stratcult, integrado na rede MECINE e criado em 1997.
Em Junho, a Divisão de Cultura e Desporto da autarquia empenhou-se num trabalho de recolha, estudo e inventariação de material diverso no âmbito da metrologia, o qual veio a constituir o fundo patrimonial do que viria a chamar-se a Casa da Balança, velho edifício que servira de armazém de apoio ao extinto mercado hortícola instalado no Largo do Chão das Covas em 1949.
As obras de recuperação do imóvel, executadas sob a orientação do arquiteto João Videira e coordenação de vários serviços municipais, decorreram durante todo o ano de 1998, tendo constado da criação de uma área de exposição, uma reserva de espólio e a instalação de uma estrutura sanitária de apoio ao núcleo, após o que o mesmo foi dado como apto para acolher o espólio reunido, cuja origem se encontra entre os séculos XV e XX e é essencialmente proveniente das coleções da própria Câmara Municipal e do Museu de Évora.
Desde a sua abertura ao público em 1999, com a exposição “ O Mundo do Trabalho e a Oficina de Aferição”, a Casa da Balança tem vindo a integrar outras coleções de entidades públicas, de comerciantes, de industriais, de colecionadores e de particulares. O mais destacado contributo é o de Joaquim Rita Pisco Martins, aferidor municipal em Estremoz e em Évora, o qual esteve na origem da construção da Casa da Balança, e detentor de uma espantosa coleção de equipamentos de metrologia. Mas também António José Carmelo Aires, Gonçalo de Sousa Cabral, Maria Manuel Ferreira Pessoa da Silva, Mário Ceia Alexandre, Nuno Castel-Branco Cordovil, José Maria da Silva, José António Raimundo, José Maria Palma e Rui Arimateia ali depositaram diversos instrumentos de medição para valorização do respetivo espólio.
A afluência de público a esta estrutura de inegável valia didática e pedagógica tem crescido ano a ano, sendo nomeadamente procurada por alunos e professores de escolas dos mais diversos graus de ensino. No ano passado as visitas à Casa da Balança ultrapassaram os cinco milhares e meio de pessoas. Nesta altura está a decorrer o “Cabinet 1799”, o novo projeto educativo do núcleo metrológico, que apresenta no seu animatógrafo «o inesperado e nunca visto livro das histórias do sistema métrico com as aventuras e desventuras dos ilustres sábios geodésicos Pierre Méchin e Jean Delambre no meridiano de Paris, no tempo da revolução francesa». Imperdível uma viagem ao mundo da metrologia, para ilustração de miúdos e graúdos.
Texto: José Frota
Évora Mosaico 11
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