Centro Histórico de Évora - Enquadramento
Em termos históricos, conhecem-se vestígios da ocupação humana na cidade ou arredores desde o paleolítico superior, embora no neolítico tivesse sido palco de grandes movimentações humanas testemunhadas por centenas de monumentos megalíticos.
O Município latino foi formado no ano 59 A.C., pelo Imperador César Augusto, com o nome de Liberalitas Julia.
Após a colonização romana, foi ocupada pelos árabes durante cerca de 5 séculos, tendo sido conquistada definitivamente pelo guerrilheiro cristão Giraldo Sem Pavor em 1165, tendo sido integrada no Reino de Portugal.
Nos dois períodos de dominação de Portugal por Castela (1383/85 e 1580/1640), Évora distingue-se pelos movimentos de resistência e por acções decisivas para a reconquista da independência, assim como aquando das Invasões Francesas em 1808.
Os Séculos XV e XVI foram as épocas de maior crescimento e engrandecimento da cidade - o facto de ter sido sede da Corte durante longos períodos, teve como consequência a construção de Palácios, Igrejas, Conventos, edifícios militares e infra-estruturas importantes de engenharia civil como o Aqueduto e o abastecimento de água à cidade. Foi em Évora que o Rei D. Manuel I entregou a Vasco da Gama as instruções e o comando das naus que partiram à descoberta do caminho marítimo para a Índia. As maiores figuras renascentistas portuguesas por aqui passaram ou viveram, marcando para sempre a personalidade da cidade.
A cidade de Évora nasceu numa colina e estende-se suavemente pelas encostas. Qualquer ângulo de observação é marcado fortemente por um perfil característico, no qual se destacam a Catedral e outros monumentos históricos, dos quais o ex-libris é o Templo Romano.
A cidade conteve-se nas muralhas medievais até ao Século passado e só nas últimas décadas cresceu até perto de 50.000 habitantes.
É hoje uma cidade moderna com um Centro Histórico importante, polo da vasta região onde se insere. Os serviços são a principal fonte do emprego, embora disponha de um sector industrial em crescimento. O turismo cultural e a instalação em Évora de uma Universidade cada vez maior, mais dinâmica e mais prestigiada, deram à cidade novos motivos para a sua crescente força na rede urbana regional e nacional.
Evolução da População Residente - V.A.
Centro Histórico de Évora - Breve caracterização
O Centro Histórico de Évora, com 107 hectares, confina-se às muralhas medievais, com mais de 3 km de extensão.
Évora conserva, em grande parte no seu casco antigo, o pitoresco e o tipicismo das diversas civilizações, culturas e épocas históricas que por ela passaram. Celtas, Romanos, Árabes, Judeus e Cristãos, todos estes povos e todas estas culturas influenciaram a maneira de ser e de estar das gentes eborenses.
O Centro Histórico, enquanto conjunto arquitectónico e patrimonial de beleza ímpar, alia a monumentalidade ao cunho pitoresco das casas das ruas estreitas e travessas, pátios e largos. Tudo se conjuga para o equilíbrio e a harmonia entre o monumental e o simples, entre o erudito e o popular.
O Centro Histórico é constituído por um núcleo central correspondente à Muralha Romana, no qual se situam alguns dos mais importantes monumentos: o Templo Romano, a Sé Catedral, Conventos e Palácios.
No lado sul da antiga Cerca, nasceu a Praça do Giraldo, da qual divergem as vias principais em estrutura radial. Até às muralhas medievais, o tecido urbano é uma rede densa de ruas estreitas (como a Mouraria e a Judiaria), interrompida aqui e ali por Largos e Praças menores e ainda por conjuntos monumentais, como o da Universidade.
Muros altos escondem pátios, hortas e jardins insuspeitados, dando à cidade uma importante estrutura verde privada e um agradável sabor mourisco.
No princípio do Século, o Centro Histórico apresentava uma imagem de algum abandono e progressiva degradação.
Desde os anos 20 que grupos de cidadãos influentes na cidade iniciaram um processo de defesa do Centro Histórico, desde então irreversível. Homens ligados aos sectores intelectuais e culturais fundaram o Grupo Pró-Évora (1919) que influenciou decisivamente o futuro da cidade. Algumas intervenções de vulto, sobretudo em grandes quarteirões degradados correspondentes a antigos conventos, foram ocupados com novos edifícios de serviços cuja promoção dependeu quase exclusivamente da Administração Central. O Estado Novo cuidava também de reforçar a sua imagem de poder através de edifícios emblemáticos. Alguns exemplos:
Salão Central Eborense
Edifício dos Correios
Edifício do Tribunal
Banco de Portugal
Hospital Distrital
Além disso, promoveu-se também a recuperação de alguns grandes edifícios (sobretudo palácios e conventos) para a instalação de serviços públicos, nomeadamente, o Museu Regional, a Biblioteca Pública, o Governo Civil, a Direcção dos Monumentos Nacionais do Sul, a Escola Preparatória de Santa Clara, a Escola do Magistério Primário, a Pousada dos Lóios e o Tribunal da Relação.
Contudo, só após a eleição da primeira Câmara democrática (depois do regime totalitário de Salazar) a defesa, valorização e vivificação do Centro Histórico passaram a constituir objectivos permanentes de actuação.
As políticas municipais para o Centro Histórico
O período desde a revolução democrática até 1986
Nos anos 70 a cidade tinha 38.300 habitantes, dos quais 15.900 residiam na cidade intra-muros. Aqui, coexistiam zonas de palacetes e residências de classes com grande capacidade económica, correspondentes, na sua maioria, a abastados proprietários agrícolas, ao lado de áreas habitacionais muito densas, de habitações de pequenas dimensões e com fracas condições de salubridade. Por outro lado, concentrava-se também no Centro Histórico a grande maioria dos postos de trabalho da cidade (62%), sobretudo em actividades terciárias.
O primeiro grande instrumento de planeamento da cidade data da realização do Plano Director Municipal, elaborado em 1979, que definia objectivos urbanísticos para toda a cidade e enquadrava as necessidades de intervenção no Centro Histórico, cujos objectivos foram assim equacionados:
- Protecção e valorização do Centro Histórico
- Manutenção de actividades terciárias no centro
- Intensificação do uso do centro da cidade pela população.
Aquele Plano Director Municipal apontava também para a necessidade de elaboração de um plano específico para o Centro Histórico e ainda de outro para a Circulação e Transportes.
O Plano de Recuperação do Centro Histórico data de 1981. Nesse Plano de Salvaguarda foram estabelecidos os seguintes objectivos globais de intervenção:
- Recuperar o tecido urbano intramuros;
- Melhorar as condições de habitabilidade dos alojamentos
- Preservar o seu património histórico-cultural
- Evitar o desalojamento e substituição da população respectiva
- Criar, simultaneamente, condições de revitalização económica, social e cultural;
- Manter Évora - e nomeadamente o Centro Histórico - com as funções de polo regional.
O primeiro Plano de Circulação e Transportes de 1980, tinha como objectivos
- Favorecer o acesso ao centro, melhorando os transportes públicos e criando áreas de estacionamento periféricas;
- Eliminar e evitar conflitos de circulação (automóveis e peões), definindo áreas proibidas e condicionadas ao acesso automóvel, estabelecendo sentidos únicos de trânsito e zonas reservadas a peões;
- Impedir a circulação desordenada dos automóveis, condicionando os acessos à cidade intra-muros;
- Favorecer o funcionamento dos serviços básicos da cidade: recolha de lixos, bombeiros e ambulâncias, segurança pública e abastecimentos;
- Assegurar a ligação directa de transportes públicos ao centro e aos estabelecimentos escolares mais importantes.
Para o cumprimento destes objectivos, a Câmara Municipal de Évora instituiu em 1983 um Gabinete próprio - o Núcleo do Centro Histórico - que, na estrutura dos serviços municipais, tinha competências para tratar de maneira específica todos os problemas de planeamento e gestão urbanística.
Isso permitiu que fossem melhoradas as condições de habitação de muitos fogos, que aumentasse o investimento público e privado para a reabilitação de edifícios degradados (muitos de grandes dimensões). O Centro Histórico reforçou o seu papel como centro urbano, com a revitalização de muitas actividades - turismo, comércio e serviços. De facto, esta época correspondeu à inversão da tendência de degradação do património e tecido urbano.
Esta situação é tanto mais significativa quanto a envolvente jurídico-financeira era adversa. Existiam condicionalismos à actuação municipal que não permitiram o desenvolvimento de políticas mais actuantes, nomeadamente:
- o não cumprimento da Lei de Finanças locais que limitou a capacidade de investimento
- a ausência de colaboração do Poder Central com o Poder Local, que inviabilizou acordos de cooperação propostos pelo município
- a existência de uma Lei de Solos desadequada às necessidades de intervenção
- a falta de articulação das entidades que actuavam no terreno
- o reduzido número e dimensão dos programas públicos de reabilitação urbana.
Desde a classificação da UNESCO à actualidade
Com a valência Património da Humanidade, adquirida em 25 de Novembro de 1986, por classificação da UNESCO, iniciou-se uma nova etapa da história e da vida da cidade, das suas instituições e dos seus habitantes, caracterizada por uma maior responsabilização ao nível do património e por um acréscimo do turismo e de outros serviços ligados a este sector.
Entretanto produziram-se outras alterações significativas na cidade:
- O Centro Histórico perdeu mais de metade da população entre 1940 e 1991, por deslocação dos casais mais jovens para habitações nas novas zonas residenciais;
- A população que ficou é bastante envelhecida, e, na sua grande parte, com fracos recursos económicos;
- O crescimento exponencial da Universidade deu novas vivências à cidade intra-muros, dando lugar a fenómenos de recuperação de muitas habitações para aluguer a estudantes, assim como a transformações no comércio e restaurantes tradicionais, muitos dos quais se voltaram para a satisfação de hábitos de consumo da juventude;
- A própria Universidade, que definiu como "Campus" o Centro Histórico, contribuiu para a recuperação de grandes edifícios e palacetes, tanto para as Faculdades como para residências universitárias;
- A instalação em Évora de serviços desconcentrados da Administração Central, permitiu o arrendamento ou a aquisição de grandes imóveis, tendo contribuído para a sua recuperação;
- O mesmo processo aconteceu com Bancos e Seguradoras.
- O crescimento exponencial da taxa de motorização criou novos problemas de circulação e transportes;
De facto, factores diversos influenciaram positiva e negativamente a obra realizada pelo município. Como factor negativo mais importante, salienta-se a escassez de verbas destinadas ao Centro Histórico - o resto da cidade crescia em ritmo acelerado, as necessidades em infraestruturas e equipamentos eram gritantes e absorviam grande parte do orçamento municipal.
Os planos elaborados para o Centro Histórico, embora previstos para serem faseados, não tiveram um cumprimento integral, ficando alguns objectivos longe de serem cumpridos.
- Na área da circulação e transportes, cujo resultado foi globalmente positivo, a questão dos transportes públicos ficou muito aquém dos projectos, situação agravada pelo crescimento exponencial da taxa de motorização da população.
- A reabilitação do centro como polo de actividades terciárias foi bastante conseguida, tendo para isso contribuído o facto de alguns serviços da Administração (Estado e Banca) terem adquirido grandes imóveis e palácios em vias de degradação e terem-nos recuperado para a cidade.
- A melhoria das condições de habitabilidade dos fogos deu-se por duas vias: pela saída de moradores que viviam em casas sobreocupadas para as habitações que se construíram extra-muros e pela recuperação de muitos imóveis (melhorando sobretudo as condições de salubridade), com o recurso significativo a programas municipais.
- A revitalização económica e social teve um contributo importante decorrente do crescimento exponencial da Universidade, que definiu como "campus" todo o Centro Histórico de Évora.
- O crescimento do turismo, devido em grande parte à classificação da Centro Histórico como Património da Humanidade foi também um factor de vivificação da cidade em geral e do comércio e da hotelaria em especial.
A contínua e qualificada observação da evolução do Centro Histórico faz com que os novos desafios que hoje enfrenta estejam diagnosticados e as respectivas soluções encaradas com bastante antecipação.
Hoje é muito mais evidente a necessidade de conciliação das questões associadas ao crescimento com os imperativos da preservação do património.
Os conflitos que se estabelecem entre os interesses e motivações pessoais e os anseios e interesses da comunidade são mais agudos e permanentes.
Há sinais de especulação imobiliária que são preocupantes e pressões de promotores privados que, não sendo controladas, podem resultar em fracturas no tecido social intra-muros e em transformações não desejadas.
No plano social e cultural defrontam-se novos e antigos hábitos de vida e cultura.
Alguns projectos que estão a ser implementados já traduzem essas novas necessidades:
- O Sistema Integrado de Transportes e Estacionamentos (SITE), visa conciliar as características físicas e económicas do Centro Histórico com as necessidades de maior mobilidade, de diminuição de consumo de energia e de preservação do ambiente urbano;
- A instalação da TV por cabo, que abrange quase todo o Centro, vai de encontro à necessidade estética de remover as antenas, mas permitirá também novas formas de comunicação da autarquia com os cidadãos;
- A elaboração de um projecto conjunto autarquia/comerciantes de urbanismo comercial vai responder simultaneamente a objectivos de :
- modernização do comércio tradicional e requalificação do mesmo no Centro Histórico, de forma a responder aos desafios da liberalização e a novas necessidades de residentes e turistas
- requalificação dos espaços públicos nas zonas mais comerciais, tendo em conta a necessidade de melhorar os percursos de peões, de instalar mobiliário urbano, de melhorar a iluminação, de promover a animação dos espaços públicos.
As perspectivas
No novo Plano Geral de Urbanização para a cidade de Évora, foi elaborado um novo diagnóstico da situação que apontou para a existência ou persistência de problemas no Centro Histórico:
- Excessivo acentuamento das funções de centro cívico, administrativo, económico (terciarização), e cultural da cidade, apesar das restrições do anterior Plano;
- Deficiente articulação com o resto da cidade;
- Perda de população (quase 30% na última década);
- Envelhecimento da população (metade dos residentes com idade superior a 50 anos);
- Existência de problemas ao nível das habitações : 18,8% de alojamentos com carências relativas a condições de salubridade e ainda problemas de conservação resultantes de arrendamentos antigos, com rendas muito baixas.
Por isso, o novo Plano aponta para algumas soluções:
- A instalação de serviços públicos em espaços exteriores, mas contíguos às muralhas, o que vai, por um lado, diminuir a pressão para a continuação da terciarização e, por outro, estender a centralidade do Centro Histórico para o exterior proporcionando um melhor relacionamento entre a cidade intra e extra-muros, assim como de maior equilíbrio na repartição das diversas funções da cidade intra-muros (residencial, comercial, serviços ...);
- Maior investimento nas muralhas e áreas anexas, com o objectivo de facilitar a integração intra e extra-muros, encontrando soluções urbanísticas, de circulação automóvel e pedonal e de arranjos exteriores que permitam um novo relacionamento de Centro Histórico com a cidade nova.
Por sua vez, políticas municipais complementares do Plano de Urbanização, perfilam-se no horizonte de curto prazo, nomeadamente:
- A definição de uma estratégia para as Praças e Largos, atribuindo vocações específicas a cada um, de acordo com necessidades culturais, económicas, de convívio ou lazer. Só após esta definição, se elaborarão os projectos de pavimentos e mobiliário urbano adequados à respectiva função.
- A definição de uma estratégia para os equipamentos culturais municipais, numa lógica de funcionamento em rede e de complementaridade com equipamentos da responsabilidade de outras entidades. Da mesma forma, assume-se que a cada equipamento seja cometida uma função clara que permita uma gestão mais rentável de cada um e do conjunto dos equipamentos.
- A reivindicação de saída de legislação que permita um normal funcionamento do mercado de arrendamento, que, por sua vez, dê condições aos proprietários para a execução de obras de conservação e maior poder de intervenção do município nesta área tão sensível da preservação do património habitacional dos habitantes mais carenciados.
- Maior controlo da mudança de uso de edifícios anteriormente destinados a habitação - por exemplo, nos grandes edifícios, de cara aquisição e reabilitação, vai ser promovida a realização das obras através de particulares que promovam o fraccionamento em vários fogos destinados à habitação, em vez de serem adquiridos e restaurados pelos serviços da administração ou pelos bancos, como é mais frequente neste momento;
- Maior abertura ao nível das intervenções arquitectónicas no Centro Histórico, para permitir aqui, sem provocar roturas com o existente, o nascimento de património moderno, contrariando a tendência para a sua "mumificação", verificada após a classificação como Património da humanidade.
Por último, aparece o ÉVORACOM (Projecto Especial de Urbanismo Comercial "Revitalização do Centro Histórico de Évora") que é um programa de apoio aos comerciantes instalados em algumas zonas do Centro Histórico de Évora e está a ser promovido pela Associação Comercial do Distrito de Évora e pela Câmara Municipal de Évora.
Este programa resulta de um acordo de candidatura conjunta da Associação Comercial do Distrito de Évora e da Câmara Municipal de Évora ao programa PROCOM (Programa de Urbanismo Comercial) da responsabilidade da Secretaria de Estado do Comércio e Turismo e que foi homologado pelo despacho 929/97/sect de 26 de Maio do Senhor Secretário de Estado do Comércio e Turismo.
De acordo com os princípios definidos pela legislação que cria este programa, os seus objectivos dirigem-se fundamentalmente ao apoio a prestar às autarquias e aos comerciantes, no sentido de modernizarem os seus espaços comerciais mas, também, a sua envolvente urbanística ( praças, arruamentos, iluminação, estacionamento, etc.).
A filosofia actual de intervenção da Câmara Municipal de Évora baseia-se no facto de que as cidades se constituem em monumentos na exacta medida em que conferem aos seus cidadãos, em primeiro lugar, condições ideais de qualidade de vida.
Évora, Cidade Património Mundial, só sobreviverá enquanto tal se, no seu interior e fora dele, se sentir o pulsar das suas gentes e o respirar do seu tecido económico, social e cultural.
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