Évora sempre foi uma cidade procurada pelos turistas, um termo que passou a designar, a partir do terceiro quartel do século XIX, todos os que, tendo possibilidades de o fazer, gostavam de viajar e conhecer mais mundo que aquele que ficava à sua beira. Este rasgar de novos horizontes, por razões culturais, lúdicas ou por vezes para mudar de ambiente gozando outros ares, foi indubitavelmente favorecido pela difusão do caminho-de-ferro e mais tarde do automóvel, meios de transporte que encurtaram o tempo da viagem e levaram à paulatina construção de infra-estruturas de suporte e apoio à actividade.
Curiosamente, em Portugal as viagens e estadias desta natureza faziam-se por razões de veraneio balnear (existência de praias, frutuoso contacto com o mar) ou por exigências de ordem terapêutica (frequência de estâncias termais). Em torno destes locais se foram erguendo hotéis, casinos e campos de jogos. Em 1906 era criada a Sociedade de Propaganda de Portugal, uma sociedade de iniciativa privada, que visava a promoção do turismo a nível interno e externo, sendo que o primeiro deveria estar assente nas estâncias termais e o internacional basear-se na Madeira e em Lisboa.
Em Évora, contudo, pensava-se e bem que os seus monumentos constituíam uma atracção que deveria ser valorizada. As ligações ferroviárias com Lisboa, Barreiro, Setúbal e Faro tinham-se intensificado e até o serviço de diligências funcionava muito razoavelmente sem atrasos de maior. A propaganda da cidade ia-se fazendo com assinalável sucesso. Em 1871 o Governo Civil fizera editar um “Roteiro da Cidade de Évora e breves notícias dos seus principais monumentos” e em 1900 Caetano da Câmara Manoel publicara em edição de autor, um opúsculo designado “A Cidade de Évora”, com apontamentos similares sobre o burgo e seus monumentos.
Entrementes, no lapso decorrido entre 1880 e 1909 foram calcetadas diversas praças e ruas. Destes melhoramentos e benefícios usufruíram a Praça de Giraldo, Largo de D. Manuel (de S. Francisco), Rua do Raimundo, Rua Ancha, Rua de Machede, Rua do Paço, Rua dos Infantes, Rua dos Mercadores e Rua de Avis. No ano de 1904 fez-se igualmente o calcetamento da estrada que vinha da estação de caminho-de-ferro até ao Rossio, que viria a ser baptizada como Avenida de Barahona. Melhoravam-se desta forma a acessibilidade às zonas mais importantes da cidade e a circulação e mobilidade interiores e acabava-se com o ambiente poeirento dos dias de Verão ou os lamaçais provocados pelos longos dias de chuva.
No tocante a alojamentos Évora estava bem servida. Existiam três hotéis: “Hotel Eborense” de José Augusto Anes, situado no Largo da Misericórdia, actual Solar do Monfalim, que se apresentava – e era sem pinga de dúvida – «como o melhor da província do Alentejo, com estabelecimento de banhos, sala de visitas e bons aposentos para famílias»; o “Hotel Chiado”, no Largo de S. Domingos ou Praça de D. Pedro, que começara por pertencer a Antónia Tomásia Correia e passara em 1909 para a propriedade de Manuel Duarte d’Almeida, dispondo de «quartos muito elegantes, bons aposentos para famílias, sala de jantar, sala de Banho e serviço de cicerones para os senhores forasteiros»; e o “Hotel Central”, localizado na Praça de Sertório, 42, perto dos Paços do Concelho.
Uma dúzia de estalagens completava o leque dos serviços de oferta no ramo da hospedaria. As melhores e as mais demandadas ficavam estrategicamente situadas na Avenida de Barahona, junto à estação ferroviária e pertenciam a Alexandre Matias (que a venderia em meados dos anos 20 à Guarda Nacional Republicana para aí instalar definitivamente o seu quartel) e a Francisco José Cutileiro. No Largo de S.Francisco, onde funcionava o Mercado, estavam registadas três, e na Rua de Avis outras tantas, estando as restantes domiciliadas na Rua do Paço, Rua do Muro, Rua de Machede e Rua do Landim.
Em termos de serviço de transportes internos a situação era bastante boa, dado que existiam quatro empresas detentoras de diligências. No início de 1911 era no entanto o solicitador Florival Sanches de Miranda quem dominava esta área, tendo estabelecido em Évora, em sociedade com Brás Simões, a primeira empresa de Aluguer de Automóveis e mais tarde tomado de trespasse a Empresa de Transporte de Trens d’ Aluguer. Podia dizerse que Évora estava bem apetrechada para bem acolher quem a quisesse visitar.
Aconteceu que entre 12 e 19 de Maio desse ano decorreu na Sociedade de Geografia de Lisboa o IV Congresso Internacional de Turismo. Organizado pelo Ministério do Fomento, tutelado pelo alentejano Brito Camacho, esse evento marcou a institucionalização do Turismo em Portugal com a criação da Repartição do Turismo que ficou sob a dependência da Secretaria Geral do referido Ministério. Para o terceiro dia da reunião, a 14 de Maio, ficou agendada uma visita a Évora, para mostrar as potencialidades da cidade enquanto local de muito interesse do ponto de vista histórico-monumental e fora do tradicional binómio praia/termas.
Na data aprazada, logo pela manhã, cerca de 120 congressistas, entre portugueses, espanhóis, franceses e ingleses, chegaram à estação de caminho-de-ferro onde foram festivamente recebidos pelas autoridades citadinas. Foi em cortejo que toda a gente caminhou para a sede da Sociedade Operária Joaquim António de Aguiar, ainda situada na Rua João de Deus, em cujo salão nobre se realizou a sessão oficial de recepção e boas vindas à comitiva. Ainda na parte matutina os forasteiros apreciaram uma exposição de objectos de arte ornamental na Biblioteca Pública e visitaram com algum detalhe os principais monumentos da cidade.
O almoço para 200 talheres, como escreveu um repórter da cidade, teve lugar no Teatro Garcia de Resende, encontrando-se as frisas e os camarotes de 1ª. ordem apinhados de senhoras, tendo muitas delas participado no arranjo e decoração do cenário. Os homens ficaram numa grande mesa armada na plateia em forma de U. Para a posteridade e curiosidade geral aqui se reproduz fielmente a ementa apresentada
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Sopa de purée – Pasteis de vitella
Mayoneze de pescada com alcaparras
Frangãos aux Champignons
Ervilhas com paio - Escalopes de vitella
Salada de alface – Neve de laranja
Pudding Flandres – Doces variados
Fructas variadas - Vinhos Madeira
Collares e Bucellas – Champagne
Porto – Café e Licores
Depois do repasto, que se prolongou por algumas horas, os congressistas deslocaram-se ao Armazém Geral Agrícola para observar uma exposição de cortiças manufacturadas. A jornada terminou com uma Grandiosa Parada Agrícola no Rossio de S. Brás a que assistiram milhares de pessoas. A esmagadora maioria dos congressistas regressou a Lisboa ainda nesse dia pois os trabalhos prosseguiam no dia seguinte. Outros que tendo estado em Évora acompanhados por familiares, decidiram demorar mais 24 horas, pernoitando na cidade.
Para estes e para os habitantes houve iluminação pública geral e música interpretada pelas diversas filarmónicas da urbe. Na hora da abalada congratularam-se com as excelentes condições da cidade para apostar no seu desenvolvimento turístico. Com a instauração da República e por via da sensibilidade de Brito Camacho, um ministro alentejano de boa ascendência, Évora pôde assim marcar presença no IV Congresso Internacional de Turismo e participar no acto fundador da primeira organização oficial de Turismo em Portugal.
Texto: José Frota
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