sábado, 4 de janeiro de 2020

A. Bartolomeu Gromicho - O Senhor Reitor


De 1841, ano em que abriu as suas portas, até 1974, o Liceu Nacional de Évora conheceu 22 reitores. Durante a monarquia o cargo foi entregue quase exclusivamente a altos funcionários políticos da cor do partido no poder, normalmente governadores civis, pelo que os seus mandatos foram, regra geral, de curta duração. A República não trouxe quaisquer alterações neste campo. A função continuou a ser cometida a comissários políticos, embora os tempos de permanência na administração da instituição tivessem aumentado. Em 1929, já em plena Ditadura Militar que conduziria à instauração do Estado Novo, o novo poder nomeou para reitor António Bartolomeu Gromicho, professor da academia desde 1916, cujo consulado terminou exactamente três décadas depois, por via da sua aposentação. Ao serviço do Liceu de Évora, que recuperou, desenvolveu e defendeu, esteve 43 anos. Para além disso foi também um apaixonado pela urbe e um dos primeiros a aperceber-se do seu valor turístico enquanto cidade de cultura. Bartolomeu Gromicho nasceu na vila de Alandroal em 24 de Agosto de 1891, sendo filho de pai incógnito. Veio a frequentar o Seminário de Évora mas não seguiu o destino que lhe parecia destinado. 

Bacharelou-se em Letras e obteve o diploma de professor da Escola Normal Superior da Universidade de Coimbra. Com 23 anos ingressa no Liceu Nacional de Évora. Encantado com a cidade, percorre-a demoradamente e interessa-se pelo estudo do seu passado, tão rico em pormenores revelados e outros que se deixam adivinhar mas permanecem ocultos do conhecimento geral. Mal é nomeado Reitor do Liceu, dedica-se à tarefa de recuperar a propriedade do antigo Colégio do Espírito Santo da extinta Universidade de Évora, que em 1913 o governo republicano havia entregue à Casa Pia de Évora. O Liceu havia passado à mera condição de arrendatário, vendo-se ainda obrigado a desafectar a ala do primeiro andar para que nela se instalasse a Escola Comercial e Industrial, criada no mesmo ano. Aproveitando o facto do ministro da Instrução ser Gustavo Cordeiro Ramos, eborense, antigo aluno e professor da instituição, consegue que a posse do edifício e terrenos anexos transite para o Estado. Nestes, o Liceu vai construir os campo de jogos e o ginásio (actual auditório da Universidade), na sua época considerado como um dos melhores do país. 

Paulatinamente, foi restaurando as salas do antigo Colégio e realizando diversos melhoramentos no edifício, cuja área se estendeu com a saída dos antigos parceiros de ocupação: a Escola Comercial vai para o antigo convento de Santa Clara, em 1951, e a Casa Pia passa para o Convento de S. Bento de Cástris, em 1957. Com mais espaço à disposição, são criados a biblioteca, os gabinetes de biologia e ciências naturais, de física e de química. O Liceu de Évora, sob a sua tutela, torna-se um dos mais bem apetrechados a nível nacional, enquanto vê reforçado o seu quadro de professores, sempre de elevada qualidade. No plano político a sua adesão ao salazarismo tinha-o conduzido à Câmara, onde ficou como vereador da cultura. Assumiu a presidência da Comissão Municipal de Turismo, criou o Posto de Turismo da Praça do Giraldo e, em 1938, elaborou e viu ser aprovado o “Regulamento Geral da Construção Urbana para a Cidade de Évora”, documento fundamental para desincentivar todos quantos, a pretexto de modernizar a sua arquitectura, lhe pretendiam alterar a face. Tornara-se entretanto presidente do Grupo Pró-Évora, associação de defesa do património criada em 1919, que viria a organizar, duas décadas depois, sob a sua égide, um curso de cicerones que teve como vencedor Túlio Espanca.

Tendo este como editor, fundou em 1942 e dirigiu, no âmbito municipal, o Boletim de Cultura “A Cidade de Évora”, que ainda hoje se encontra em publicação. Entre este ano e 1959 exerceu a função de deputado da União Nacional. Os afazeres políticos foram-lhe, entretanto, retirando tempo para uma intervenção mais activa no quotidiano cultural. Apesar disso, foi reunindo papéis, documentos e diplomas sobre a existência do Liceu e tornou-se no próprio historiador da instituição. A sua boa estrela empalideceu já perto de atingir o limite de idade, na sequência da intenção governamental de restaurar os estudos superiores na cidade. 

Estes seriam instalados no Colégio do Espírito Santo, seu antigo poiso, pelo que se procederia à construção de um novo liceu. Em intervenção no Parlamento, no dia 24 de Outubro de 1958, Gromicho, embora aceitando a restauração da Universidade em Évora, critica asperamente o propósito de ser o Liceu a transferir-se de lugar, já que este ali criara raízes, pergaminhos, tradição e carisma, deixando sinais indeléveis na vida cultural da região e do país em cerca de 120 anos de existência. Esta tomada de posição valeu-lhe a animosidade das chamadas forças vivas citadinas, que o maltrataram verbalmente na imprensa e oralmente nos cafés, nas tertúlias e outros lugares públicos. Elementos do Grupo Pró-Évora demitiram-se para o deixarem isolado. Aposentou-se a 24 de Fevereiro de 1959, amargurado e desiludido. O Governo ainda lhe conferiu a Comenda da Instrução Pública. Na hora da retirada recebeu porém o carinho e o agradecimento de muitos antigos alunos. Faleceu em 17 de Agosto de 1964.  

ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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