Guilherme de Bivar Branco Parreira Páscoa é suspeito de assassinar a irmã, Ana Bivar, subdirectora do Igespar, por problemas de partilhas numa família de “gente rica do antigamente”. Já se entregou e vai ficar em prisão preventiva.
Amílcar preparava-se para jantar, em casa. Pouco passava das nove da noite. Laura fumava um cigarro, na esquina. O homem estava parado dentro de um Volvo cinzento, à espera. Ana e Marta saíram de casa desta última, dirigiram-se ao carro dela, um Peugeot 307 azul. Tinham estado ali reunidas com um advogado, várias horas. Desceram as escadas que ligam a rua Dr. César Baptista (historiador) à Mercedes Blasco (escritora, actriz), no Bairro do Granito, em Évora. O prédio onde vive Marta Maria de Bivar Branco Parreira Páscoa, de 44 anos, é um bloco de apartamentos populares que pertenceu a uma cooperativa. As habitações são de qualidade aparentemente inferior à das pequenas vivendas brancas alinhadas do outro lado da rua. Amílcar Oliveira, 55 anos, mecânico, habita uma destas vivendas, mas arrenda duas garagens no prédio de Marta.
Ana Bivar, 51 anos, irmã de Marta, vivia em Lisboa, onde desempenhava as funções de subdirectora do IGESPAR, após ter trabalhado no Ministério da Cultura, como adjunta da ministra Gabriela Canavilhas. Fora a Évora para discutir com a irmã assuntos relacionados com as propriedades da família.
Amílcar ouviu um estrondo. Laura viu o carro aproximar-se a toda a velocidade das duas mulheres. O Volvo acelerou e embateu violentamente contra elas e o Peugeot. O homem saiu do Volvo com uma faca na mão, em direcção às mulheres caídas. Amílcar correu para a rua. “Deixa as mulheres!”, gritou para o outro. Aproximou-se a uns 5 metros. As irmãs estavam deitadas uma por cima da outra. Gritavam. Amílcar viu que o homem procurava criteriosamente o pescoço de uma das mulheres, para a esfaquear ali. E viu-o fazê-lo, sem o conseguir impedir. Levou a mão ao bolso traseiro, quando o outro avançou para ele, levando-o a pensar que teria uma arma. O homicida desistiu. Correu para o carro, que fez recuar até à rua perpendicular logo ali atrás, pela qual enveredou a grande velocidade. Ter-se-á dirigido a Alcácer do Sal, onde reside uma outra irmã, Alexandra Maria. O que é certo é que um homem se entregou no dia seguinte às autoridades, afirmando ser o autor do crime que provocou a morte de Ana Bivar. Chama-se Guilherme de Bivar Branco Parreira Páscoa, tem 42 anos e é irmão de Ana e Marta.
Segundo Amílcar, Ana já estava morta quando chegou a ambulância do INEM, meia hora depois de ter sido chamada, por um outro vizinho. Durante todo esse tempo, Marta esteve sobre ela, tentando reanimá-la, até ela própria ter perdido os sentidos. Ainda pediu a Laura, que presenciou tudo, que fosse a casa dela avisar o companheiro. Laura foi. O Bairro do Granito é um enorme conjunto de vivendas todas brancas, nos arredores de Évora. É uma zona de classe média alta e, até esta quarta-feira, nenhum dos vizinhos se lembra de testemunhar algum acontecimento fora do comum. Amílcar costumava ver Marta na rua, ao fim da tarde, na companhia do filho, a passear o cão.
Nesta sexta-feira, na esplanada frente ao rio em Alcácer do Sal, um grupo de homens acima dos 60 anos discutia o crime. O assunto monopolizava as conversas de cafés, restaurantes e umbrais do Alto Alentejo. “Isso é gente rica do antigamente”, dizia um dos homens da esplanada de Alcácer, referindo-se à família Lynce e aos Parreira Páscoa. Atravessando o rio, para o lado esquerdo, depois daquele povoado, tudo aquilo era deles, dizem os homens.
Passando a ponte, para a outra margem do Sado, tanto faz que se siga a estrada em direcção à Marateca, como se enverede pelo caminho ao longo da margem direita: tudo à volta, de um lado e do outro, é a Herdade da Lezíria. Na sua última versão, já depois de dividida, a propriedade tem mais de 400 hectares, segundo habitantes da zona. A outra parcela, onde se faz exploração de arroz e que pertence ao ramo Lynce da família, tem mais 200 hectares.
Passar a cancela da Herdade da Lezíria é como entrar noutro país. Quilómetros de pinheiros e sobreiros, por estrada de terra, uma calma imperturbável, acompanhada de brisas quentes e chilreios de pássaros. Virando na direcção do rio, chega-se à povoação do Forno de Cal e, logo a seguir, à fábrica de arroz Lynce. Depois, cruzando um riacho, chega-se ao Monte da Herdade da Lezíria, que pertence a Guilhermina, outra das filhas de Francisco Serra de Sousa Lynce, o avô de Ana, Marta, Alexandra e Guilherme Parreira Páscoa. E um pouco abaixo situa-se outro Monte, que até há pouco era propriedade da família Bivar Parreira Páscoa. Ainda há dois anos Guilherme lá tinha uma dúzia de éguas, diz o caseiro de um dos Montes. Depois vendeu a um investidor baseado na África do Sul. Um pedreiro ucraniano está agora a dirigir a obra, do que será um empreendimento de turismo rural.Pouco a pouco, Guilherme, que possuía uma procuração da mãe, Maria Guilhermina Lynce de Bivar Branco para movimentar as propriedades familiares, foi vendendo a herdade em parcelas. Neste momento, segundo os vizinhos, a família já não tem nada ali. É proprietária, sim, de um outro Monte, quase da mesma dimensão, situado na outra margem, perto da povoação da Barrosinha, na estrada que segue até ao Torrão: o Monte de Vale Ferreira.
É um imenso paraíso de verde e água, ainda intacto, mas que Guilherme tinha, ainda segundo vários habitantes da zona, a intenção de vender. O Monte de Vale Ferreira e Alfebre do Mar ainda não objecto de partilhas, pertencendo a Guilhermina, à sua irmã e à viúva de um outro irmão. Com a procuração que detinha, Guilherme pensava poder vendê-lo, mas consta que as irmãs não concordavam. Era esse, entre outros, o principal pomo de discórdia entre eles.
Através de uma acção judicial, as três irmãs tinham recentemente conseguido anular a procuração que favorecia Guilherme, o que o terá deixado furioso. Uma amiga da família em Alcácer, que pediu anonimato, disse que as irmãs se queixavam há algum tempo das ameaças de Guilherme. “Ele tornou-se paranóico, perigoso, nos últimos tempos. Em conversas mais exaltadas, terá ameaçado as irmãs de morte”.
O problema de Guilherme, segundo esta amiga da família, não era apenas o dinheiro e as propriedades, mas a “mania das grandezas”. A família já não tem dinheiro como teve “antigamente”, mas Guilherme, que gostava de se apresentar como negociante de cavalos, não conseguia abdicar de um estilo de vida de aristocrata alentejano. “Tinha uma exploração ilegal de areia”, disse outro conhecido. E “vários negócios estranhos e ilícitos”, segundo outros. Guilherme viveu aqui, em Alcácer (de onde é originária toda a família), mas nos últimos anos mudou-se para Alenquer, e quando vem cá não fala a ninguém. Foi ontem interrogado toda a tarde no TIC de Évora, de onde saiu as 10h30 da noite com a medida de coacção de prisão preventiva.
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