A vida de Armando Antunes da Silva foi essencialmente
marcada por três grandes paixões: a escrita, o Alentejo
e a prática democrática. Na literatura foi o que se
pode chamar um escritor regionalista, dado que toda a
temática da sua obra se centra naquilo a que chamou de
“Pátria Alentejana”, socorrendo-se de uma linguagem
linear, fácil e atraente. Pertenceu à segunda geração do
neorrealismo, cujos mecanismos de representação narrativa
se fundavam nos conflitos sociais que colocavam
predominantemente em cena camponeses, operários,
patrões e senhores da terra. Em termos políticos, lutou
através da ação e da palavra contra a ditadura. Num
outro plano, nutria uma especial afeição pelo Juventude
Sport Clube, coletividade de que chegou a ser dirigente.
Antunes da Silva nasceu em Évora em 1921, na Rua do
Muro, sendo filho de um carpinteiro e neto de um casal
de beirões que baixaram ao Alentejo para ganhar a vida
no campo. Criado com a avó, cedo aprendeu a conhecer
a natureza, os desmandos dos elementos (as chuvas, as
secas, os ventos, as tempestades), os animais e os seus ciclos
de vida e também as agruras, as carências, as dificuldades,
a miséria e as injustiças que compunham a triste
vida dos assalariados rurais. Depois de feita a instrução
primária matriculou-se na Escola Comercial e Industrial
de Évora, que passará a frequentar à noite, quando por
volta dos treze anos consegue que o solicitador António
Manuel Pascoal lhe arranje trabalho no seu escritório.
Revertendo mais tarde ao horizonte da sua infância e
adolescência, escreverá um livro de crónicas denominado
“Alentejo é Sangue”, que dedicará emocionadamente
ao «José Godinho Bastos, Álvaro Velez, António Rodrigues,
Joaquim Maria Carrageta, Eduardo Teófilo Braga,
João Cabeça Ramos, Manuel Peres, Joaquim Franjoso
Murteira, Domingos Martelo, Joaquim Brás Godinho,
António Cavaco e Manuel Chaveiro – gente do povo e
da mesma raça, que deram à minha juventude a alegria
de viver e o orgulho de ser Alentejano».
Nessas páginas rememorará como uma dádiva de
saudade as imagens da vida de todos: na escola primária,
na escola industrial, no jogo da bola no Buraco dos
Colegiais, no velho Convento do Salvador; ou confecionando
uma gazeta pícara, datilografada, onde havia
aprendizes de prosador, com saibo pelos pactos do amor
e da amizade, e jornalistas sensíveis; brincando aos detetives
e aos poetas, vagabundos noturnos dentro das
ruas da nossa cidade, povoada de lendas, dos nichos,
arcos, alcárcovas, poiais e catacumbas; no Jardim Público,
ouvindo a música no coreto e namorando as moças
– «tribunos de uma adolescência exaltante, pachorrenta
e livre».
Do escritório do solicitador Pascoal sairia Antunes da
Silva para a Seguradora Ultramarina, organismo de Estado.
As suas preocupações sociais levam-no a ingressar
nas fileiras do MUD (Movimento de Unidade Democrática)/
Juvenil, integrando a secção de Évora. Detido em
1945, ano de eleições, pouco tempo permanece preso.
É readmitido ao serviço e vê publicado no ano seguinte
pela editora Inquérito “ Gaimirra”, um livro de contos
que há tempo lhe bailava na mente.
Todavia a vida em Évora tornara-se-lhe insuportável.
Não tinha a mínima tranquilidade, perseguido que era
constantemente pela PIDE, que destinara para a sua
vigilância um indivíduo sem quaisquer escrúpulos, vigarista
consumado e pederasta conhecido. Atendendo
às circunstâncias, Antunes da Silva rumaria a Lisboa
em 1948, apenas com 27 anos, onde um amigo lhe irá
arranjar colocação na secção de publicidade e relações
públicas da Celcat, fábrica de cabos eléctricos, emprego
que ficará para o resto da vida.
Garantida a subsistência e atingido o equilíbrio de
vida, recomeçará então a sua produção literária, sempre
na área do conto. A uma cadência bem ritmada publica
ainda nesse ano “Vila Adormecida”, dois anos mais
tarde “Sam Jacinto” (1950), “O Aprendiz de Ladrão”
(1954) e “O Amigo das Tempestades” (1958). E em
1960 estreia-se no romance com “Suão”, título que o
consagrará ao obter o “Prémio dos Leitores” do “Diário
de Lisboa” e despertar a curiosidade dos críticos além-
-fronteiras. Tiragens de muitos milhares de exemplares,
traduções em várias línguas e a sua adaptação a peça
radiofónica por parte do Rádio Clube Português, que
a transmitiu em vários episódios, fizeram saltar o seu
nome para a galeria dos notáveis da literatura portuguesa
do seu tempo.
Quatro anos depois dará à estampa «Terra do Nosso
Pão», a que a censura não achou qualquer graça, tendo
mandado apreender os últimos exemplares
da primeira edição. A temática agora
abordada era a cisma do regresso dos
que nos anos 40 e 50 haviam deixado os
campos e abalado para a cintura industrial
para fugirem a um destino de fome
e miséria. Os coronéis da censura recomendaram
«que não deveria permitir-se
o reclame do livro ou quaisquer críticas,
nem ser permitida nova reedição».
Em 1969, durante a chamada “primavera
marcelista”, fará nova incursão na
vida política ativa ao integrar as listas do
MDP/CDE pelo círculo de Évora às eleições
legislativas, as quais eram compostas
por uma mescla de católicos progressistas
e elementos de esquerda.
Só voltará ao
romance depois do 25 de Abril com «A
Fábrica», uma obra menor, pouco conseguida
e até confusa, longe da grande
qualidade de trabalhos anteriores. Claro
que a Reforma Agrária não o deixou indiferente.
Em 1976 reuniu, em livro que
denominou de “Terras Velhas Semeadas
de Novo”, uma série de reportagens feitas
por si ao serviço de diversos jornais.
Nesse mesmo ano assumiu o cargo de
diretor do “Notícias do Sul”, um semanário
regionalista, literário e publicista,
«apartidário, defensor das classes mais desfavorecidas»,
o qual teve sede em Évora no Largo Severim de Faria e
se extinguiu três anos depois.
Gostava imenso do jornalismo e colaborou em diversos
periódicos, entre os quais “O Comércio do Porto”,
“Diário Popular”, “Diário de Lisboa” e “República”, entre
os de expansão nacional.
No Alentejo abrilhantou
as páginas da “Democracia do Sul” (Évora) e do “Diário
do Alentejo” (Beja). Teorizou sobre o neorrealismo
nas revistas “Vértice” e na “Colóquio”. Em 1987 foi-lhe
atribuído o Prémio de Jornalismo do II Congresso sobre
o Alentejo, realizado na capital do Baixo Alentejo.
Mas, à semelhança de Manuel da Fonseca, Antunes da
Silva também foi poeta. Em 1952 lançou “Esta Terra
Que é Nossa”, que começou por ser proibido pela censura
mas que, submetido a uma segunda apreciação, recebeu
autorização para ser publicado, «apesar de não ser
isento de reparos e o autor ser considerado suspeito».
Reincidiria em 1957 com “Canções do Vento”, sempre,
sempre o vento... (Vá-se embora senhor vento/não são
horas de aqui estar/não há trevo nem há água/para o
gado apascentar...).
O grosso da sua produção poética
está porém disperso pelas publicações citadas e também
pelos dois Diários que escreveu: “O Jornal I – Diário”,
escrito ainda em companhia da sua esposa, Arlete, que
viria a falecer de doença súbita, e abrangendo relatos de
fatos e acontecimentos ocorridos nos anos de 1984 e 85 e publicado
em 1887; e o “Jornal II - Diário”, começado em 1986, ano do seu regresso,
durante o qual casará em segundas núpcias com Maria Gisela,
passando o casal a viver na Alcárcova de Baixo. Nessas páginas discorrerá
sobre a velhice, sobre a paisagem alentejana e as suas cambiantes e
reflete sobre o passado e a sua própria velhice, tudo isto entrecortado
por poemas, numa linguagem simples e despretenciosa.
Com este livro
dá por concluída a aventura diarística em 1990. A sua publicação acontece
ainda nesse ano.
Em 1991 será o mandatário distrital do PS em Évora às legislativas,
na condição de independente. Em 29 de Junho desse ano a Câmara
distingue-o com a Medalha de Mérito Municipal e, em 1992, Mário
Soares, enquanto Presidente da República, atribui-lhe o grau de Comendador
da Ordem do Infante D. Henrique. Em 1996 a edilidade homenageou-
o, comemorando os seus 50 anos de vida literária editando
um pequeno livro preenchido com uma seleção dos mais belos textos.
Passará os últimos anos da sua vida a ler e a conversar com os amigos
nas arcadas da Praça, nunca desperdiçando uma oportunidade para um
bom petisco, acompanhado de um copo de tinto alentejano. De quando
em vez ia até Sines, terra de que gostava bastante e onde possuía
casa também. Foi um homem bom, afável mas discreto, que não gostava
de se colocar em bicos dos pés e por isso mesmo recusava sempre
com elegância convites para colóquios e debates.
Faleceu em 21 de Dezembro de 1997. A charneca e o mundo rural
perdiam um dos seus lídimos defensores. Muito justamente, a autarquia
viria a conceder o seu nome a uma das ruas da cidade.
Texto: José Frota
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