Inácia Angélica Ramalho Barahona foi porventura a mulher mais rica da cidade
e, simultaneamente, a mais generosa de quantos a habitaram. Nasceu
a 27/7/1844, no seio de uma família abastada, e o fato de ter enviuvado de
dois matrimónios, contraídos com dois poderosos proprietários eborenses, sem
que de ambos houvesse descendentes, levou a que concentrasse nas suas mãos
uma fortuna fabulosa, consubstanciada em inúmeros prédios rurais e urbanos
e um vultuoso número de ações disseminadas por diversos bancos. Mas nunca
deixou de ser uma pessoa atenta aos problemas dos mais carenciados, quer
através do financiamento de diversas associações filantrópicas, quer através da
construção do monumental Asilo Ramalho Barahona, para o qual contou com
o apoio sucessivo dos seus cônjuges, mas que só veio a ser concluído em 1908,
em tempos da sua dupla viuvez.
Neta do negociante Sousa Matos e do lavrador José Joaquim Fernandes (três
filhas do primeiro consorciaram-se com outros tantos filhos do segundo, dando
origem à mui abastada e poderosíssima família dos Matos Fernandes), Inácia
Angélica, menina prendada, casou-se ainda não havia feito 20 anos com José
Maria Dinis Ramalho Perdigão, nascido e residente no Monte
da Oliveirinha, na freguesia da Graça do Divor.
Ramalho Perdigão era 14 anos mais velho, pessoa discreta,
amante das artes e lavrador de elevado mérito, tendo revolucionado
a agricultura local com a introdução de novas práticas
e metodologias nas suas explorações. Inácia Angélica possuía
carácter sensível e bondoso, era senhora de maneiras requintadas,
aprendidas entre a elite da cidade, que frequentava, para
mais sendo a família a mais influente na administração concelhia,
e tinha espírito determinado, procurando levar a bom
termo tudo aquilo a que metia ombros. Para residência o casal
mandou construir, em espaço herdado, um grande palácio
que impressionou a cidade e os forasteiros pela sua dimensão,
grandiosidade e beleza arquitetónica.
Mas, para lá do levantamento de tão aparatosa mansão e da
ajuda prestada ao município na abertura do Passeio Público, o
par não ficou sossegado no afã de contribuir para o desenvolvimento
da cidade. O ano de 1881 será marcante para ambos.
Por alvará régio de 6 de Agosto, Inácia Angélica vê aprovados
os estatutos do Asilo da Infância Desvalida de Évora, especialmente
dedicado a acolher órfãos abandonados e no qual a filantropa
se empenhou pessoal e financeiramente. Por sua vez,
o marido fazia vingar um projecto muito caro à elite citadina
encabeçando uma lista de 280 notáveis, que constituíram o
grupo de acionistas da Companhia Eborense, a qual adquiriu,
em 8 de Agosto, «uma casa térrea situada à Praça de D. Pedro»
para aí instalar o Teatro Garcia de Resende.
A obra visava ainda contribuir para resolver
a grave crise de desemprego que grassava por
essa altura em toda a região.
Ramalho Perdigão viria a falecer a 29 de
Janeiro de 1884, sem ver o seu palácio nem
o teatro concluídos. Em testamento viria a
constituir um legado de 12 contos para construção
de um Asilo de Mendicidade para alojar
os trabalhadores rurais inválidos da sua
casa agrícola, uma grande aspiração de sua
mulher, a quem condoía o coração ver deixados
ao abandono aqueles que os tinham
servido.
José Celestino Rosado Formosinho,
homem de posses, consideração pública e tendência
republicana, viria a escrever, em tirada
de grande apreço e admiração: «E se, em vida
de seu marido a Srª. D. Inácia fizera o bem
que podia, continuou na sua viuvez com mão
larga e munificiente a derramar à flux os dons
da caridade».
Não ficaria muito tempo sozinha tão beneficente
mulher. Da sua distinção, do seu porte,
da sua personalidade assaz cativante e sedutora
e da sua grandeza de alma se veio a encantar
Francisco Eduardo de Barahona Fragoso,
nascido em Cuba e apenas um ano mais velho
que ela, filho do 1º. Visconde da Esperança,
bacharel em Direito e Par do Reino, senhor
de vastos domínios fundiários, opulentos rendimentos
e apaixonado pelas artes clássicas.
Depois das núpcias celebradas em 16/5/1887
e com a anuência da esposa, Francisco Barahona
incute nova dinâmica e requintes de
exceção, reforçados pela adição de novas verbas,
às obras do Palácio e do Teatro Garcia de
Resende.
O Teatro foi inaugurado em 1892 e ofertado
de imediato pelo casal à Câmara Municipal.
No grandioso e magnificente Palácio, a partir
daí conhecido pelo apelido de Barahona,
foram alojando frequentemente os monarcas
do tempo quando das suas visitas a Évora: D.
Luís e D. Maria Pia de Sabóia, D. Carlos e D.
Amélia. O primeiro destes soberanos, a instâncias
da mulher, patrona e benemérita de
imensas obras de caridade e ação, chegou em
1899 a oferecer o título de Marquesa a Inácia,
mas esta recusou perentoriamente.
As suas virtudes e a sua permanente ação esmoler
vieram a ser consagradas publicamente
num magnífico opúsculo em sua homenagem
editado pelo “Eborense” (semanário que se
publicou nos dois primeiros anos do século
passado) no dia do seu 57º. aniversário, ocorrido
em 1901.
Interpretando o sentimento do
povo, que já então a conhecia por “Mãe dos
Pobres” e por “Anjo da caridade”, produziram
textos de invulgares encómios a Inácia Angélica
o já citado José Celestino Formosinho;
o ex-governador civil Conselheiro José Carlos
Gouveia; José Fernando Pereira, antigo
Presidente da Câmara de Estremoz, distinto
professor do Liceu Nacional de Évora e seu
futuro Reitor; Henrique Freire, notabilíssimo
professor de instrução primária e excecional
pedagogo; António Francisco Barata, investigador,
escritor e historiador; e finalmente,
entre outros, Luís da Costa (Janota & Cª.), o
repórter social da época.
O segundo marido morrerá em 25 de Janeiro
de 1905, não ficando totalmente terminado
o Asilo de Mendicidade, sonho maior de
sua mulher. O magnífico edifício, e obra de
extraordinário alcance social, é inaugurado
em 17/6/1908.
A viúva dá-lhe o nome de Ramalho
Barahona que usava, juntando o nome
dos seus cônjuges. Assiste à chegada da República,
a qual não teme, pois sabe que embora
sendo monárquica está no coração de todos
eborenses. Deixa então o Palácio, que será vendido em 1915 à Companhia
de Seguros “A Pátria”, então em fase de constituição. Passa a residir no nº. 13
da Rua de Cicioso (João Mendes de Cicioso, judeu riquíssimo que ali viveu
na segunda metade do século XV e foi igualmente um grande benemérito da
cidade), onde continuará a corresponder com o generoso óbolo a quem a ela
recorre, sejam pessoas ou instituições de solidariedade.
Finar-se-á a 5 de Janeiro de 1918, e da sua colossal fortuna deixará em testamento,
publicado no “Notícias d’Évora”, dois contos de réis (2.000$00) a
dividir pelas quatro freguesias da cidade para serem distribuídos pelas pessoas
mais pobres de cada uma, consoante as respetivas necessidades; 9 contos
de réis em ações nominais à Santa Casa da Misericórdia; 1 conto e trezentos
mil réis em ações ao Asilo de Mendicidade; outro tanto ao Asilo de Infância
Desvalida; e igual montante à Casa Pia, ao Montepio Eborense e à Associação
Filantrópica Académica Eborense, num total de 17 contos e quinhentos mil
réis (17.500.$00). Uma quantia fabulosa há quase 100 anos. Mas todos os
que serviram a família, desde criados a feitores, passando por aias e pastores,
foram contemplados, chegando os mais antigos e fiéis a serem beneficiados
com o usufruto vitalício de alguns prédios, legados naturalmente a herdeiros
de Inácio Angélica.
Texto: José Frota
1 comentário:
De seu nome completo (solteira) Ignacia Angélica Mattos Fernandes,nascida 27/7/1844. Casou em 1ª nupcias com José Maria Ramalho Diniz Perdigão, em 9 de Maio de 1864, e, enviuvou, em 22 de Janeiro de 1884. Casou em 2ª núpcias na igreja de S. Francisco no dia 16 de Maio de 1887 com Francisco Eduardo de Barahona Fragoso Cordovil da Gama Lobo, bacharel formado em direito.Morreu a 5 de Janeiro de 1918, sem descendência. ( vide Francisco Barahona Benemérito da cidade de Évora opúsculo das comemorações do Centésimo aniversário da morte 25/01/2005 - edição Câmara Municipal de Évora 2005
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