sábado, 21 de dezembro de 2019

A magia do megalitismo


O Lonely Planet, considerado o mais importante guia de viagens e de turismo cultural de todo o mundo e tido como de leitura obrigatória para todos os operadores dos respectivos sectores, afirma que, este ano, Portugal será um destino incontornável para os viajantes de toda a parte. E recomenda as experiências que o turista não pode perder ao visitar o nosso país: a prova dos vários vinhos do Porto, um passeio pelas remotas povoações graníticas da Peneda-Gerês, passar por Lisboa e provar o pastel de Belém e, finalmente, ver um pôr-do-sol nos monumentos megalíticos junto a Évora. Este alvitre vai, decerto, trazer à cidade  muitos viajantes estrangeiros com o objectivo explícito de visitar estes locais onde a aventura do homem, enquanto ser social, se começou a desenhar. Será então desolador ver muitos eborenses e homens de cultura do país exibirem  o seu desconhecimento em relação a esses lugares, vestígios de um tempo mítico fundador sacralizado pelos deuses, quando outros virão de tão longe para apreciar o espectáculo indizível que é contemplar o ocaso do astro-rei num cenário quase primordial. Neste contexto se entende que é necessário promover tão valioso património, espalhado pelas imediações da urbe e que tão esquecido tem sido na divulgação do melhor que Évora  tem, fornecendo informação susceptível de suprir tão grave lacuna. Asseveram os estudiosos do passado que as primeiras sociedades agro-pastoris, próprias do Neolítico, se sucederam aos primitivos grupos errantes de caçadores-recolectores que viviam do que a natureza lhes dava, característica da época mesolítica. 

A sedentarização, produto do domínio das técnicas agrícolas e da domesticação dos animais, veio criar uma nova forma de vida que implicava o trabalho em favor da comunidade. Esta profunda alteração na vivência humana ocorreu sobretudo na Europa Ocidental. Em Portugal, os historiadores apontam para que os primeiros pastores tenham vindo dos concheiros do Tejo e Sado, locais de exploração de moluscos marinhos e terrestres, onde  erguiam sazonalmente acampamentos que tinham a exacta durabilidade dos meios de subsistência procurados: água  em abundância e caça com fartura. Por essas alturas era a natureza da paisagem que  impunha a fixação, ainda que temporária ou  eventual. Ao posterior movimento de deslocação interna, gerador do mundo rural alentejano, veio a referir-se desta forma o arqueólogo Manuel Calado: «abandonar as margens dos estuários e mudar-se de armas e bagagens para os arredores de Évora foi, certamente, uma ruptura profunda no quotidiano das populações do VI milénio a.C.. De um dia para o outro houve (o homem) que adaptar-se a novos horizontes, novas actividades, novos valores». 

No Alentejo (zona de Évora, particularmente) e na Bretanha (Oeste francês), duas das áreas de maior concentração demográfica neolítica, foram pela primeira erguidos os grandes  monumentos megalíticos com base nos menires, cravados no solo e por vezes de alturas insuspeitas, relacionados com o culto da fecundidade (símbolos fálicos) ou indicando marcos territoriais. Isto pressupõe já a existência de povoados próximos de afloramentos graníticos com gente em larga  escala para construir, levantar e transportar monólitos de dimensão impressionante, empenhada também, por outro lado, no desbravamento de bosques e florestas. O uso de instrumentos de pedra polida, nomeadamente de machados, era-lhes, por certo, essencial. Passemos então à descoberta dos grandes megálitos do concelho. Num cabeço localizado a 12 quilómetros a poente de Évora, situado na freguesia de Nossa Senhora de Guadalupe, encontra-se  o maior monumento megalítico estruturado da Península Ibérica e um dos mais antigos da história da Humanidade. É o Cromeleque dos Almendres, constituído actualmente por 95 menires de granito (chegaram a ultrapassar  centena) e começado a construir há cerca de 7.000 anos, tendo passado 3 fases antes de atingir a feição última (forma oval) em finais do terceiro milénio a.C.. Uma dezena deles está decorada, exibindo relevos e gravuras de grau de visibilidade diferente. 

Em metade são todavia bem notórios. Na placa interpretativa que figura junto ao parque de estacionamento, clareira cavada entre o montado de sobro e azinho ali existente e rodeada de medronhos, se informa ser desconhecida a sua função. Adianta-se todavia que os dados arqueológicos recentes têm colocado em evidência a disposição e implantação  de alguns monólitos em coincidência com os movimentos elementares do Sol e da Lua, permitindo a marcação dos equinócios e solstícios, o que deixa antever a possibilidade de ter sido usado como posto de observação astronómica. E acrescenta-se que «alguns dos elementos decorativos e a aparente esquematização dos menires, poderão constituir, à escala monumental, a primeira representação escultórica de entidades tutelares ou mesmo das mais ancestrais linhagens do poder». Lá do alto avista-se Évora, que por esses tempos nem sequer existia. 

A partir de Guadalupe, alcançada a partir de um desvio na EN-114, o caminho para o Cromeleque, à distância de 4,3 Km, é de terra batida mas perfeitamente acessível a veículos ligeiros. Entra-se em caminhos particulares e deve seguir-se com cuidado, até mesmo para não deixar passar despercebida a estreita vereda que o proprietário abriu para aceder ao Menir dos Almendres, exemplar isolado de forma ovóide alongada, decorado com um báculo gravado em baixo relevo, indicativo da actividade agro-pastoril e idêntico a outras insculturas vistas em outros monumentos da altura. A sua localização está ligada ao Cromeleque, dado que, observada a partir deste, se aponta para a posição do nascer do Sol no dia do solstício de Verão. No regresso a Guadalupe, é tomar a estrada para Valverde. São quatro quilómetros de belíssima estrada até à povoação. Atravessa-se a ponte sobre a ribeira do mesmo nome e, antes de chegar ao Aqueduto da Mitra, curva-se à esquerda e entra-se em terrenos da Universidade. Ao fim de pouco mais de dois quilómetros em percurso revestido a gravilha chega-se a uma clareira, resgatada entre azinheiras velhíssimas, daquelas que  já não sabem a idade, deixando-se o carro, dado que só é possível prosseguir a pé. Duzentos metros percorridos é necessário passar por uma ponte rudimentar de madeira, mas oferecendo bastante segurança. 

Meio quilómetro à frente, a meio de uma encosta suave, aparece a Anta Grande do Zambujeiro, considerada a mais alta do mundo, sustentada em grandes pedras verticais graníticas  com cerca de 6 metros de altura. As antas ou dólmens eram  monumentos tumulares colectivos, relativos à fase derradeira do Neolítico, compreendida entre o fim do V milénio a.C. e o III milénio a.C.. Na sua essência, a anta do Zambujeiro é composta por uma câmara apoiada em 7 pilares aprumados, ou esteios, a que se segue um longo corredor cujo acesso está hoje vedado por uma porta protectora de madeira. A laje de cobertura encontra-se sob a mamoa, ou seja, um pequeno montículo artificial de terra, composto de várias pedras, que servia para encobrir o monumento. Devido a uma intervenção antiga, que afectou a estabilidade do monumento, foi necessário construir uma cobertura provisória do conjunto, esperando-se a realização de uma acção que faça a sua recuperação definitiva. Estes são os três principais monumentos megalíticos do concelho. Mas outros existem disseminados ainda pela zona de Valverde, entre os quais são de assinalar as Antas do Barrocal. Entrando-se ligeiramente na freguesia de Santiago do Escoural (termo de Montemor-oNovo) pode ver-se a Anta-Capela da Senhora do Livramento e a Necrópole de Vale Rodrigo. No caminho para a Azaruja, e cortando  para os Canaviais, chama a atenção a Anta do Paço das Vinhas. Retomando o caminho e seguindo para a Igrejinha, fica o Menir da Oliveirinha, caído e de grandes dimensões, o maior do concelho de Évora. Na zona de Torre de Coelheiros sobressaem as antas do Zambujalinho, da Bota, do Freixo de Cima e a de Cabacinhitos, com as suas notáveis placas de xisto gravadas, expressando promessas e pedidos. A não perder, principalmente ao entardecer, dizem os homens do “Lonely Planet”. E com razão, acrescente-se.


ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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