sábado, 28 de dezembro de 2019

O neo-clássico palácio dos Condes da Azarujinha


Em toda a área concelhia de Évora há muito obra arquitectónica digna de ser admirada, conquanto não usufrua de qualquer classificação especial. Poucos são os que conhecem essas jóias culturais, carregadas de história e em risco de desaparecer se os proprietários lhes não acudirem em tempo oportuno. Uma conservação mínima pode retardar o processo de deterioração dos edifícios, mas a verdade é que a sua falta de habitabilidade ou de utilização, perante a indiferença geral, condena-os na mesma ao abandono e à ruína. É o que acontece, a cerca de quatro léguas da cidade, com o Palácio dos Condes da Azarujinha e a respectiva igreja, separados por um lanço da estrada municipal que liga a sede da freguesia da Azaruja ao vizinho concelho de Redondo. O primeiro está desabitado há muitas décadas, são muitos os vidros de janelas escaqueirados, mas o jardim que o rodeia e onde avultam majestosas palmeiras, entre arbustos diversos, está limpo e bem cuidado, tal como um pequeno pomar que lhe está associado. O mesmo sucede com a cerca que rodeia a Igreja, embora esta se apresente em pior estado de conservação. 

Um caseiro assegura a limpeza e a segurança das propriedades. Mas é pena que os herdeiros não vão mais longe, porque, para além da beleza dos imóveis, desprende-se de ambos um irresistível sopro a romantismo decadente em queiroziano ambiente de fin de siècle, que apetece desfrutar com tempo e noutras condições. A construção do Palácio remonta ao século XIX, sem que se conheça a data exacta do seu levantamento. Trata-se de um edifício simples de piso térreo e andar superior, concebido segundo os cânones neo-clássicos e cujo portão de acesso à propriedade é ladeado por dois pequenos torreões, nos quais figura o brasão dos Azarujinhas. Os torreões marcam presença, aliás, em todo o corpo do edifício, projectado segundo o modelo dos templos greco-latinos, com grande profusão de colunas de linhas direitas e simetricamente dispostas. Na fachada, antecedendo a porta do imóvel, sobressai graciosa colunata - no centro da qual veio a ser colocado, posteriormente, um busto do 1º. Conde - que serve de apoio ao entablamento, encimado por sugestivo frontão decorativo. O piso cimeiro já apresenta elementos de características medievais. 

No parapeito da divisão, um número significativo de ameias, cortadas a intervalos regulares, conferelhe um jeito amuralhado de castelo. À retaguarda do Palácio fica um outro edifício de piso único mas de concepção muito idêntica, supondo-se que serviria de instalação a serviços de apoio e alojamento da criadagem. A propriedade era utilizada como quinta de lazer, onde os condes passavam largas temporadas, como convinha à frágil saúde do ilustre par do reino. Na região possuíam várias herdades onde davam trabalho a muita gente, sendo benquistos pela população. De fortes convicções religiosas, o conde veio a adquirir os terrenos fronteiros e mandou erguer ali uma Igreja em 1901, a qual se encontra encerrada e em mau estado de conservação. 

Mas na respectiva cerca podem encontrar-se os restos do que terá sido um espectacular caramanchão, pequena casa de estrutura muito leve, normalmente coberta de vegetação e usada para descanso e recreação. No limite desta pequena horta existe um belo fontanário e, acoplada ao templo, pode observar-se uma cozinha de outros tempos. Tudo ainda recuperável se houver nisso interesse. Mas perguntar-se-á: quem foram esses Azarujinhas? O título de Conde de Azarujinha foi criado em 1890 por D. Carlos I, rei de Portugal, a favor de António Augusto Dias de Freitas, natural, ao que se presume, da Marinha Grande, onde terá nascido em 1830. Homem empreendedor e político regenerador, depressa se tornou uma das pessoas mais poderosas do país, enriquecendo no negócio dos vidros. Nesse âmbito criou a Companhia Industrial Portuguesa, uma das principais fábricas de cristal do país, e foi arrendatário e depois director da Real Fábrica de Vidros da Marinha Grande, entre 1864 e 1894. Igualmente foi director da Companhia do Mercado da Praça da Figueira e membro do conselho fiscal de várias outras companhias. Interessou-se também pelo negócio da cortiça e comprou várias herdades numa área compreendida entre a Azaruja (S.Bento do Mato) e S. Miguel de Machede. 

Em finais do século XIX, como forma de ajuda à fixação da população, aforou uma delas em 200 courelas, das quais 90 ficaram em zona azarujense (Courelas da Azaruja) e as restantes em área machedense (Courelas da Toura). António Freitas faleceu em 1904 e seguiram-se-lhe quatro descendentes, o último dos quais morreu em 2007 sem deixar sucessores. São elementos da família que asseguram hoje o pagamento ao caseiro.

ÉVORA MOSAICO nº 3 – Outubro, Novembro, Dezembro 09 | EDIÇÃO: CME/ Divisão de Assuntos Culturais/ Departamento de Comunicação e Relações Externas | DIRECTOR: 
José Ernesto d’Oliveira | PROJECTO GRÁFICO: Milideias, Évora | COLABORADORES: José Frota, Luís Ferreira, Teresa Molar e Maria Ludovina Grilo | FOTOGRAFIAS: Carlos Neves, 
Rosário Fernandes | IMPRESSÃO: Soctip – Sociedade Tipográfica S.A., Samora Correia | TIRAGEM: 5.000 exemplares | PERIODICIDADE: Trimestral | ISSN 1647-273X | Depósito Legal 
nº292450/09 | DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

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