Concebida e desenhada pelo próprio, como muitos
especialistas admitem, a capela tumular de Garcia de
Resende é um dos monumentos nacionais menos conhecidos
da população e dos mais ignorados pelos turistas
nacionais e estrangeiros, que não lhe encontram referência
nos guias habitualmente colocados à sua disposição.
O facto deste singular monumento funerário se
situar a quatro quilómetros da cidade, esquecido e isolado
na vasta cerca do Convento do Espinheiro – o qual
foi adquirido após a extinção das Ordens Religiosas por
particulares pouco sensíveis ao seu valor patrimonial e
cultural – muito terá contribuído para o seu olvido por
banda de todos, autoridades incluídas.
Por isso foi vandalizado
durante décadas até que uma oportuna intervenção
do então IPPAR o salvou da ruína e recuperou,
já nos alvores do novo século.
A capela tumular foi planeada em 1520 (dezasseis antes
da sua morte), tendo a obra arrancado no ano seguinte,
em terrenos que terão sido facilitados por D.
Manuel, em obediência à sua ideia de que as grandes
figuras do Reino deveriam ser enterradas em casas monacais
da Ordem dos Jerónimos. Ora Garcia de Resende
não era nobre, embora tivesse sido criado no Paço Real.
Nascera em Évora em 1470 e seus pais tinham morrido
cedo, mas recebera educação esmerada por parte de
seu tio, desembargador régio e figura de prestígio junto
da corte. Por volta dos 20 anos, Garcia de Resende foi
escolhido para moço de câmara de D. João II e pouco
tempo depois era nomeado moço de escrivaninha, uma
espécie de secretário particular, cargo que manteria até
à morte do monarca em 1495.
Continuou a exercer importantes funções na corte
com a ascensão de D. Manuel ao trono, e integrou, em
1514, como secretário-tesoureiro e o título de fidalgo
da casa do rei acumulado, a luxuosa embaixada ao Papa
Leão X. No ano seguinte vê ser-lhe atribuída uma tença
de 2000 réis, para em 1516 ser nomeado escrivão da
fazenda do príncipe herdeiro, o futuro D. João III. Ao
longo do tempo, este multifacetado talento de poeta,
trovador, cronista e desenhador reúne avultados bens
em Évora, traduzidos na posse de grandes e belas casas
na cidade (recorde-se a casa que a tradição lhe atribui na
Rua de S. Manços e cuja janela é monumento nacional)
e de extensas propriedades rurais nas zonas em redor.
É pois com 51 anos que manda edificar, sem quaisquer
problemas financeiros, a sua bela capela tumular,
exemplar típico do estilo manuelino-mudéjar, de planta
rectangular e miniatural e composta por três corpos
distintos: galilé, nave e capela-mor. No pavimento da
primeira figura a campa de Jorge de Resende, irmão de Garcia de Resende.
Na nave situa-se a sepultura do poeta e cronista, ali recolocada
já em fase adiantada do século XX, depois de recuperadas a pedra
tumular, que entretanto havia sido vendida, e as próprias ossadas, que
se encontravam desaparecidas.
O pavimento da nave e da ábside é forrado
com azulejos andaluzes da época, apresentando-se as abóbodas
nervuradas. Segue-se a capela-mor, cujo acesso é encimado por gracioso
arco triunfal.
Garcia de Resende viria a servir ainda durante mais alguns tempos,
embora em funções menos importantes, o rei D. João III. Os últimos
anos da sua vida passou-os tratando das suas terras em Évora, vindo
a falecer em 1536. Recolheu serenamente à bela capela que mandara
edificar sem nunca sequer suspeitado dos tratos de polé a que a mesma
iria estar sujeita. Hoje felizmente recuperada, até para recolha e abrigo
de gado chegou a ser utilizada.
Texto: José Frota
Fotografias. Francisco Bilou
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