terça-feira, 22 de maio de 2012

História do Convento de S. Bento de Cástris


O convento de S. Bento de Cástris é porventura o refúgio de freiras mais antigo do país e a fundação monástica mais antiga a sul do Tejo. Quase tão velho quanto a nacionalidade, só perdeu o estatuto religioso em 18 de Abril de 1890, quando da morte da última freira, Soror Maria Joana Isabel Baptista. Como todos os prédios da Igreja após o liberalismo, foi arrolado a favor do Estado, recebendo a classificação de Monumento Nacional em 1922. Durante alguns anos acolheu o Asilo Agrícola e Industrial, recebendo crianças abandonadas ou jovens sem eira nem beira que ali faziam a escola primária e complementar e aprendiam práticas agrícolas, noções gerais de escrituração mercantil, desenho e as artes e ofícios para que mostravam inclinação. De 1960 a 2005 serviu de pouso à secção masculina da Casa Pia de Évora.


Depois ficou devoluto, enquanto no Ministério da Cultura, a que passara a estar a afecto, se procurava encontrar uma solução para o seu futuro, tornada urgente pelo seu estado de abandono, propício ao vandalismo e ao saque indiscriminado. Chegou a ser dada como certa a sua venda a um grupo económico que o pretendia transformar num hotel de luxo. Estava-se, pois nesta expectativa da concretização de negócio quando, em Maio do ano passado, o Secretário de Estado da Cultura, Elísio Sumavielle, de visita a Beja, revelou que o Museu Nacional da Música iria ser transferido de Lisboa para o Convento de S. Bento de Cástris, em Évora, de forma faseada, num processo com a duração de 4 anos e dotado de financiamento comunitário.

E a razão aduzida foi simples: «Fundado em 1994, o Museu está a funcionar em instalações do Metropolitano de Lisboa, mais propriamente em dois pavilhões adaptados para o efeito, na ala poente da estação do Alto dos Moinhos, local onde, com um contrato precário até 2014, nunca teve oportunidade de mostrar todo o seu acervo». Ficou então a saber-se que essa instalação tinha sido uma solução de recurso, conseguida através de um protocolo de mecenato cultural mas que não interessava continuar a manter. Em extensa entrevista concedida ao quinzenário “JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias”, de 15 a 28 de Setembro de 2010, a anterior ministra da Cultura, Gabriela Canavilhas, acrescentou que «até hoje o Museu Nacional da Música aguarda por umas instalações que façam justiça quer ao seu valioso espólio, quer ao papel importante que a música teve na afirmação da nossa identidade cultural».

Gabriela Canavilhas, pianista e licenciada em Ciências Musicais, elucidou mesmo que em Évora iria ser criada «uma mega-estrutura para a música, um espaço de acolhimento para instituições musicais e da historiografia, tal como para o arquivo sonoro». Ora o Convento de S. Bento de Cástris oferece todas as condições para a receber dada a sua dimensão, arquitectura, história e recheio artístico. A cidade possui, também, grande tradição no campo da música portuguesa, merecendo particular destaque a Escola de Música da Sé de Évora, que funcionou em todo o seu esplendor entre os séculos XVI e XIX, na qual se ministrava o ensino da música em regime de internato no Colégio dos Meninos do Coro, construído para o efeito em 1552.

Teve uma das mais antigas Academias de Música do país e possui um Conservatório Regional. Ademais, a Universidade de Évora oferece actualmente através do seu Departamento de Música uma licenciatura nos ramos de Interpretação, Composição, Musicologia e Jazz, e mestrados nos três primeiros. Arquitectonicamente o Convento corresponde inteiramente ao pretendido, apresentando-se ainda como um espaço com grande potencial de crescimento, pelo que poderá acolher residências artísticas e ser sede de uma orquestra do Alentejo. Fundado em 1274 por D. Urraca Ximenes, da Ordem de Cister, só a partir do reinado de D. Manuel ganhou a feição que ostenta, mercê de diversas obras de remodelação e alargamento do seu espaço físico. A entrada faz-se por um pórtico rematado por um frontão triangular com as armas e as imagens dos padroeiros da Ordem: S.Bernardo de Claraval e S. Bento de Cástris.

Toda a construção se ergue em torno de um vasto claustro central de dois e três andares, sendo o inferior com arcos de ferradura e os outros com arcos de volta abatida e onde se conjugam, num “hibridismo radiante”, na feliz expressão de Túlio Espanca, elementos góticos, manuelinos, mudejares e da renascença. No tocante à igreja merecem realce a nave de abóbada nervurada de estilo manuelino, e o forramento dos alçados por azulejos azuis e brancos com cenas da vida de S. Bernardo, da Real Fábrica do Rato, já em estilo rococó. Mas outros corpos do cenóbio se impõem pela sua singular beleza, como o são as salas capitulares, separadas por colunas toscanas, e o refeitório, com cobertura pintada a fresco sobre temas dos Evangelhos ou de recriação das estações do ano e rodapé, ainda de azulejos, mas desta feita polícromos, do tipo maçaroca de milho.

Estes serão, entre outros, os elementos mais distintivos do interior do convento, que dão para um largo terreiro outrora ajardinado e a que a conjugação de telhados, pavilhões e duas torres sineiras confere particular graciosidade. Para culminar, a localização do Convento não podia ser melhor. Está situado fora das muralhas, a cerca de dois quilómetros da cidade, no sopé do Alto de S. Bento, em zona razoavelmente arborizada e visualmente desafogada. Trata-se de um «enquadramento geográfico deveras interessante», como salientou Gabriela Canavilhas. Por outro lado o acesso é fácil e nas imediações pode construir-se com facilidade um parque de estacionamento.

É neste cenário que vai ficar, a partir de 2014, a colecção ora depositada na estação do Alto dos Moinhos do Metro de Lisboa, que passa por ser uma das mais ricas da Europa, reunindo cerca de mil e trezentos instrumentos musicais dos séculos XVI a XX, principalmente europeus, mas também africanos e asiáticos, de tradição erudita e popular. Parte substancial é oriunda das antigas colecções particulares de Michel’Angelo Lambertini, Alfredo Keil (autor do Hino Nacional) e António Lamas. Dela fazem parte instrumentos muito raros e de inestimável valor histórico e organológico (ramo da musicologia que trata da classificação dos instrumentos), afigurando-se particularmente notável os de feitura portuguesa, pouco representados noutros museus do género.

Neste campo são dignos de apreço o cravo de Joaquim José Antunes (1758), os violinos e os violoncelos de Joaquim J. Galrão e as guitarras de D. J. Araújo. Realce entre os instrumentos estrangeiros para o cravo de Pascal Taskin (1782), o piano Boisselot & Fils que Franz Liszt trouxe em 1835, o oboé de Eicentopf e o violoncelo de António Stradivari que pertenceu ao Rei D. Luís. A concretizar-se o projecto (e tudo indica que sim), o Museu da Música será o primeiro museu nacional a situarse fora de Lisboa. Em Évora aguarda-se com expectativa o começo da obras no Convento de S. Bento de Cástris, neste momento demasiado exposto ao saque e à pilhagem. Até porque no dia 7 de Março foi inclusive roubado um sino da respectiva torre. E as condições do Museu na estação do Alto do Moinho começam também a degradar-se.

Texto: José Frota 


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