O mobiliário pintado alentejano é um estilo de mobiliário de características populares e regionais, que se enquadra no artesanato tradicional e envolve três actividades profissionais: a carpintaria, o empalhamento e a pintura.
Este mobiliário é um produto da cultura alentejana, relacionado com as formas e as funções tradicionais (usos e costumes). Sofreu alterações ao longo dos anos, consoante a realidade cultural do tempo em que era produzido e nos nossos dias é um testemunho real de permanências e inovações culturais. Tem uma componente marcadamente pessoal (o gesto), e reflecte uma atitude de criação colectiva. É esta característica que, para além da natureza dos materiais e das técnicas utilizadas, lhe confere uma identidade própria e nos leva a considerá-lo como uma etnotecnologia.
O seu sistema técnico de produção é composto por três processos operativos: o tradicional, de origem antiga, complexo, com um tempo de realização longo e executado manualmente; o contemporâneo, que recorre a tecnologias mecanizadas, resultando numa redução de esforço e tempo necessários à execução de determinadas tarefas e no recurso a produtos industriais; o terceiro, é uma simbiose dos dois anteriores.
Não conhecemos elementos que comprovem a sua criação ou a menção do(s) seu(s) criador(es) e respectiva datação. No entanto, há uma correspondência entre os elementos formais e funcionais das peças, sobretudo, das mais antigas (Museu de Estremoz, finais do século XVIII, e Solar dos Condes de Portalegre, em Évora, princípio do século XIX) e as do mobiliário nacional. Esta comparação permitiu identificar que o corte ou talhe da madeira e a pintura decorativa no mobiliário pintado alentejano são uma reinterpretação popular de elementos de dois estilos portugueses – D. José e D. Maria. Esta reinterpretação não deve ter surgido repentinamente; é possível que tenha sido desenvolvida por algum pintor ou carpinteiro mais atrevido, inspirado nos modelos de móveis eruditos, que executou e difundiu os seus próprios modelos.
É a partir de meados do século XIX que encontramos menções escritas às cadeiras de Évora ou cadeiras alentejanas e muito raramente referências a outras peças deste estilo de mobiliário. Estas referências conduzem-nos a considerar que a sua criação deve ter ocorrido em Évora e terá sido, posteriormente, difundida para outras localidades alentejanas, através, por exemplo, das feiras tradicionais. Além da sua função utilitária e decorativa, estas peças tinham também uma função de prestígio social.
O segundo momento do seu processo evolutivo reporta-se à acção desenvolvida pelo Estado Novo, que definiu estilos regionais de mobiliário. Defendia a animação e a orientação da indústria decorativa regional, pela integração em regras de arte e promoveu a decoração e o mobilar de instituições do Estado, iniciando-se pelas Casas do Povo, com a utilização do estritamente tradicional em cada região.
Porém, como resultado do desenvolvimento industrial, verificou-se em Portugal, na década de sessenta do século XX, uma progressiva decadência do artesanato, com a substituição dos seus produtos pelos de origem industrial e a diminuição, adulteração, e até desaparecimento, de produtos e formas produtivas próprias. É na década de oitenta que se assiste ao ressurgimento da actividade artesanal e à redescoberta do seu valor sócio-económico e cultural, levando à criação de riqueza e à resolução de problemas de emprego, mediante a absorção e fixação de mão-de-obra, sobretudo, de jovens, mulheres e desempregados. As artes e os ofícios cresceram no quadro de programas de emprego e formação profissional.
Em Évora, um dos grandes divulgadores da pintura alentejana foi o Mestre Joaquim António dos Santos, “O Belizanda”. Nascido na freguesia de Santo Antão, em Évora, a 15 de Março de 1890, este artesão cedo aprendeu o ofício, com o Mestre João da Feira, tendo começado a trabalhar com apenas doze anos.
Numa entrevista que deu por volta de 1980, o Mestre Belizanda afirmava que os temas destas mobílias eram muito antigos, tendo sido “deixados pelos mouros”. Para decorar os móveis ou qualquer outro objecto dava um aparelho, com tinta de óleo, quando este secava, aplicava o esmalte de base: creme, azul, branco, encarnado, verde ou preto e depois de este secar é que começava a decoração. Fabricava as suas próprias tintas, misturando óleo de linhaça e secante, com pigmentos comprados em Lisboa. E dizia: “Pinto a tacto, a meu gosto. Olho para a peça e faço cá a meu modo. Dá bom dinheiro, há pouco quem faça e mais a mais perfeito.”
Gostava muito de pintar as cabeceiras das camas de capela, pois tinha espaço para fazer belos ramos de flores coloridas. A mão de mestre manejava dezenas de painéis e as tintas de variadas cores, sem régua ou compasso, desenhando simetricamente as suas florinhas e os belos ramos de rosas, numa combinação de cores.
Queremos com este pequeno texto relembrar o mobiliário pintado alentejano e prestar uma singela homenagem a todos os artesãos que ao longo de muitos anos a ele se dedicaram.
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