José Maria Ramalho Dinis Perdigão deixou em testamento o legado de 12.000.000 réis para a fundação de um asilo de mendicidade, em Évora.
Em meados do mês de Setembro de 1903, a Srª. Dª. Inácia Angélica Fernandes Ramalho Barahona, sua viúva, e o Dr. Francisco Eduardo de Barahona Fragoso, seu segundo esposo na altura, tinham já em construção uma obra considerada então como colossal, cujo valor foi superior ao legado referido, atingindo 25.000.000 réis. Destinava-se a asilo para cerca de 100 trabalhadores rurais inválidos, pois Hoje a maioria daquelles que trabalham – os funcionários públicos de todas as classes, teem socorros garantidos para a velhice, já pela aposentação, pela reforma, ou pelos monte-pios; só o trabalhador rural não os tem, pois que d’ elle, salvo caso excepcional, pessoa alguma se tinha importado.
Esta construção localizava-se num ferragial então adquirido pelo referido casal, num terreno elevado, fronteiro à Horta do Bispo, na freguesia da Sé e que tinha uma grande área de terreno, destinada a horta, vinha e pomar, para uso e distracção dos abrigados.
O seu desenho e risco aparecem associados ao nome de Casanova, autor que lhe imprimiu um quid expressivo da arquitectura de S. Brás, ou seja um harmónico e severo estylo gothico normando, cópia fiel de monumentos d’ autentica origem. De forma quandrangular, destaca uma belleza grave e imponente dispertando as ideias de solidez e duração que nos asseguram no monumento a sua passagem atravez dos séculos, desafiando os elementos devastadores da natureza.
Em princípio de Agosto de 1904 ficou concluído o frontão deste novo edifício, pelo que os seus proprietários se deslocaram ao local para verificarem o adiantado da obra. Mandaram então que todos os operários fossem abonados com um dia de trabalho, pelo que estes, como agradecimento, constituíram uma comissão (Joaquim José - pedreiro, Alfredo José dos Reis - carpinteiro, José da Costa Pereira - brochante e João Caeiro- trabalhador) e foram à redacção do Jornal “Notícias de Évora” para registar publicamente a sua gratidão.
O Dr. Francisco Barahona faleceu em Janeiro de 1905, mas a sua esposa prosseguiu com a obra.
As suas características, de acordo com a notícia da época, são as seguintes: O edifício do Asylo tem 44” de comprimento, por 32” de largo e 12,3” de alto; e de estylo da Ermida de S. Braz (que lhe fica fronteira), é composto d’ uma parte baixa e um andar alto, e interiormente, tem a forma de claustro, com uma arcaria, cercando um vasto pateo com 27,5” por 4,5” de largo sob o qual há uma grande cisterna, onde são recolhidas as águas pluviaes; a superfície ocupada é de 14,8.
No piso inferior, seguindo a linha da galeria, encontrava-se, em primeiro lugar, à esquerda, a capela que, segundo a vontade da Srª. Dª. Inácia, teria a invocação de S. Francisco de Assis; o seu portal, puro gótico, obedecia ao mesmo desenho da entrada principal e as portas eram de nogueira preta; a escultura da imagem de Nossa Senhora da Esperança foi encomendada a um notável artista residente no Porto. O revestimento das paredes a azulejo foi confiado a Jorge Colaço, que representou vários actos da vida de S. Francisco de Assis , esteve exposto no seu atelier em Lisboa e mereceu a visita da Rainha D. Amélia, que lhe teceu os maiores elogios. O estuque do tecto foi obra do conceituado estucador e fingidor Sr. Meira.
Encontrava-se depois a casa de cavaco, com lareira, e o quarto para serviço de lavagens e ocupações de barbeiro, com o chão em betonilha, o que dava um aspecto de conforto e asseio. Ao lado havia dois refeitórios contíguos, um para os empregados e outro para os albergados, com muita luz e apropriadas dimensões. Seguiam-se as dispensas e casas de arrecadação. Todas as dependências tinham portas para as arcadas e frestas rectangulares para o exterior.
A parte central do edifício apresenta-se num pátio quadrado com uma vasta cisterna no centro e ladeado por um pórtico desafogado com elegantes colunas em cantaria, em cuja base havia assentos para descanso.
O acesso ao primeiro andar era feito através de duas escadas, uma de aspecto nobre, que termina com dois lanços paralelos e degraus de mármore, e outra de serviço.
No piso superior ficavam as casas destinadas à secretaria da direcção, ao gabinete do director, enfermarias, casas de roupa e alguns dormitórios, com uma cubagem de ar que lhes garantia as melhores condições higiénicas, tendo janelas para o exterior e portas para uma varanda sobre o claustro. Num dos extremos havia o recipiente de águas para distribuição, e o chão do corredor e dos quartos para lavatórios era em mosaico e o dos outros compartimentos era assoalhado.
A entrada principal localizava-se do lado da cidade, com um grande portal ogival, por cima do qual se destacava o brasão da família Barahona. O edifício era rodeado por um largo passeio e circundado por uma cerca, onde existia olival, pomar, horta, etc., e uma nora, montada segundo processos aperfeiçoados, que fornecia abundante água.
A reparação da estrada, compreendida entre a Fonte Nova e a estrada principal do novo asilo de mendicidade, e daqui para o lado norte, até onde terminava o gradeamento do referido asilo, foi feita a expensas da Srª. Dª. Inácia Barahona.
A denominação “Asylo de Mendicidade Ramalho-Barahona” foi proposta da grande benemérita eborense e os seus estatutos foram aprovados pelo Governador Civil do distrito de Évora em exercício, José da Silveira Moreno, em 3 de Agosto de 1907.
Esta acção filantrópica mereceu o louvor do rei D. Carlos, em Setembro de 1907.
A 17 de Junho de 1908, ao meio-dia, foi inaugurado o Asylo Ramalho-Barahona, havendo missa, rezada pelo reverendo padre António Augusto da Natividade, seguindo-se às 16H00, o acto de posse, dada pelo presidente da comissão, o Sr. Miguel Fernandes, que usou da palavra e nomeou como presidente honorária a Srª. Dª. Inácia Barahona.
Existem dois sinos de bronze fundido, recolhidos de campanários de capelas de herdades da opulenta casa de lavoura Ramalho-Barahona. O mais antigo e curioso é uma campainha de tocar a santos, ornamentada e esculpida de serafins e cartelas de quatro caríatides, sustentando festões de grinaldas de flores, acolhendo cenas mitológicas, miniaturais; é uma peça de arte gótico-renascentista, que tem uma legenda, com a data de 1544, e esteve no campanil da ermida da Fiúza em Deus, nos arredores de Évora. O sino de correr, de tamanho regular, que foi colocado no pátio aclaustrado do edifício, também tem legenda, datada de 1774, e veio da ermida de Nossa Senhora do Carmo, na herdade do Penedo do Ouro, ao Louredo.
M. L. Grilo
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