Vitoriosos a 5 de Outubro, os republicanos pretenderam desde logo romper com o passado monárquico do país. Isso tornou-se evidente com a imediata e radical substituição dos anteriores símbolos nacionais, ou seja, da bandeira e do hino. O historiador Rui Ramos sublinha mesmo que «os republicanos poderiam ter optado pela bandeira azul e branca, sem a coroa e pelo hino da Maria da Fonte, associado à esquerda liberal mas preferiram uma bandeira com as cores do partido, verde e vermelho, e escolheram para hino a marcha anti inglesa de 1890, a Portuguesa».
Dez dias após a proclamação da República foi formada uma comissão composta pelo escritor Abel Botelho, Columbano Bordalo Pinheiro, João Chagas e Ladislau Pereira para tratar da escolha do novo estandarte português com carácter de celeridade. Surgiram diversas sugestões e propostas, entre as quais uma do poeta Guerra Junqueiro, mas acabaram por prevalecer as cores verde (do lado da tralha) e vermelha, em proporção de 2 para 3, constantes da flâmula do Partido Republicano Português, sob a alegação de a mesma já ter sido usada na Revolta de 31 de Janeiro de 1891, empunhada por Machado Santos nos acontecimentos da Rotunda, bem como hasteada pelo navio Adamastor que no Tejo os acompanhou, preparado para intervir na contenda se para tal fosse necessário.
Tomada a decisão, o governo deu ordem à Cordoaria Nacional para as fabricar em grande escala, pois era seu desejo que fossem hasteadas em todas as repartições públicas do território no dia 1 de Dezembro, feriado a criar nesse dia como Dia da Bandeira. Mas porque a data estava muito próxima, a empreitada era de vulto e os meios de distribuição não eram fiáveis quanto ao cumprimento dos prazos de entrega, um grupo de mulheres republicanas eborenses entenderam tomar a seu cargo a confecção da bandeira e oferecê-la ao município.
Em 21 de Novembro é recebida no município, dirigida aos «cidadãos Presidente e vereadores», uma carta em que um grupo de senhoras, constituídas em comissão, informa ter determinado «fazer oferta à Exma Câmara de Évora, em sinal do seu regozijo pela implantação da Republica, que desde muito crianças ainda, suas famílias lhes ensinaram a desejar e respeitar, e atendendo a que é a mulher que simboliza a Republica, duma bandeira nacional comemorativa, saudando na mesma o povo Eborense pelo advento da Republica, e do seu reconhecimento pelas principais potências com o que se congratulam e fazem votos ardentes pela consolidação e prosperidade da República.
Esperando que a Exma. Câmara lhes permitirá a realização desse seu desejo confessam-se antecipadamente muito gratas e protestam a sua mui alta consideração». Segue-se a aposição das assinaturas de doze senhoras. Claro que o executivo camarário aceita «muito penhoradamente» a oferta e marca para o dia 30 de Novembro, pelas 19 horas, o acto a que confere grande solenidade.
A entrega da bandeira ao presidente Dr. Júlio do Patrocínio Martins, que agradece muito sensibilizado, é feita por Judith Andrade, directora da Associação Filantrópica Academia Eborense. Em seguida, Ana Laura Chaveiro Calhau, militante desde a primeira hora da Liga das Mulheres Republicanas, lê, com grande fervor nacionalista, a seguinte mensagem:
«Em todos os povos civilizados – e até entre bárbaros, ainda que menos sublimados – em volta dos quais as multidões se aglomeram, como um único ser, ligados por sentimento unânime de ideal, correspondente à sua evolução moral e intelectual.
A bandeira dum povo livre é o símbolo que melhor sintetiza as aspirações de uma raça subjugando até os espíritos mais cépticos à concepção sublime quase religiosa, desse símbolo! A Bandeira Portuguesa, testemunha das evoluções da nossa história, ora nos mostra as gloriosas épocas de uma raça nobre e heróica, ora a decadência de carácter, abastardado pelo espírito fradesco, inoculado na alma nacional, por dinastia de imbecis e imorais, sacudidos no glorioso 5 de Outubro pela metralha da Rotunda.
É esta bandeira que passeou pelo inteiro, altiva nos mastros de frágeis caravelas, mostrando às gentes remotas o valor das suas quinas; é este símbolo da Pátria reabilitada e sagrada pelo sangue dos heróis de 5 de Outubro à face de todo o mundo, que nós abaixo assinadas vimos entregar à vossa guarda, confiadamente, como a jóia que mais apreciamos – a liberdade de Portugal pela República».
Seguem-se as assinaturas de Judith Augusto de Andrade, Eugénia Carvalho Marquez, Maria José Febreiro da Silva Antunes, Clotide Ortis Carreira, Ana Laura Chaveiro Calhau, Maria Calhau Júnior, Cristina Eulália Chaveiro Calhau, Adelina da Conceição Nobre, Teresa Campos Piteira, Olímpia Carvalho Marquez e Encarnação Carvalho Marquez, que no dia seguinte se fizeram fotografar para a posteridade. A Festa do Dia da Bandeira, destinada à consagração do novo estandarte nacional, e o cortejo cívico que se seguiu tiveram grande brilhantismo.
Toda a cidade se engalanou para acolher os festejos, ainda que o tempo tivesse estado incerto e caído inclusive alguns chuviscos. Eram onze horas da manhã e o Rossio já regurgitava de gente que pretendia assistir às cerimónias do erguer oficial da bandeira e para as quais tinham sido convidadas e convocadas as associações, instituições, escolas e toda a guarnição militar citadinas. Exactamente ao meio dia, marcado pelo deflagrar de dezenas de foguetes, foi içada a Bandeira Nacional ofertada pela comissão de senhoras do município. Enquanto o novo pendão das quinas ascendia, as bandas da Casa Pia e dos Amadores Eborenses tocaram a “Portuguesa” e uma bateria do Grupo de Artilharia de Montada fez um salva de 21 de tiros e toda
a guarnição fazia a saudação militar de apresentação de arma, devida aos símbolos da Nação. Presentes estiveram o presidente da Câmara, Dr. Júlio do Patrocínio Martins, o governador civil e o tenente coronel Alves Roçadas, do Estado Maior da 4ª. Divisão Militar.
Recolhida a Bandeira por alunos da Casa Pia, iniciou-se o extenso cortejo, acompanhado ao som das bandas, o qual passou pelas principais ruas da cidade até chegar aos Paços do Concelho, onde a citada Bandeira foi definitivamente arvorada, no meio de muitos e entusiásticos aplausos e vivas, dispersando depois a população a partir do Largo Alexandre Herculano. Mas ela só se tornou oficialmente o símbolo do Estado Português quando, a 19 de Junho de 1911, a Assembleia Nacional Constituinte, ratificou a decisão governamental e colocou no meio da esfera armilar o escudo ou brasão de armas de Portugal. Seguiu-se, a 30 de Junho, a publicação do respectivo decreto (150) em “Diário do Governo”.
Texto: José Frota
Texto: José Frota
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