quarta-feira, 21 de setembro de 2011

A história da imprensa escrita na cidade de Évora



A implantação da República veio a implicar uma grande remodelação do projecto do “Notícias d’Évora”, diário fundado em 8 de Setembro por iniciativa do cónego Alfredo César de Oliveira e do notável filantropo Francisco Eduardo Barahona. Este morreu em 1908 e os seus herdeiros, tal como o cónego, renunciaram à sua propriedade, que passou para o padre João Germano da Rosa, vindo a partir desse momento a assumir-se como diário regenerador-liberal.

Em 8 Agosto de 1909 o advogado Armando Cordeiro Ramos entrega em Maio do ano seguinte a administração do jornal a Carlos Pedrosa que nele começara a trabalhar como tipógrafo.


A 5 de Outubro de 1910 a publicação suspende a sua saída para regressar como propriedade da empresa Carlos Pedrosa e Cª no dia 8 do mesmo mês, assumindo este as funções de administrador e editor enquanto
Joaquim da Motta Capitão, boticário da Farmácia Motta, aparecia como redactor- chefe. As mudanças ocorridas são explicadas, desta forma, nesse número de reaparecimento, pelo próprio Carlos Pedrosa: «A antiga empresa “Notícias d’ Évora”, constituída por elementos do antigo partido regenerador - liberal de Évora, fez constar, sábado à noite, quando mandou pagar integralmente a todo o seu pessoal que – considerando-se para todos os efeitos, dissolvido o Partido Regenerador – Liberal de Évora – não lhe era possível nem convinha a essa empresa manter por mais um dia que fosse este jornal»

Ia assim para o despedimento todo o pessoal das oficinas do diário, cujo trabalho quotidiano era a única fonte de rendimento do agregado familiar. Para evitar esta situação, Carlos Pedrosa e os tipógrafos reuniram esforços e resolveram parte do problema com os seus próprios recursos. «Careciam, porém, de uma pena, de um cérebro que os acompanhasse nos vai-vens da sorte» – prossegue Pedrosa, que revela terem encontrado essa pessoa na figura de Motta Capitão. E a concluir deixa bem vincada a opção tomada quanto à orientação futura do periódico: «(...) Por nossa parte, sem que com isso queiramos dizer – e não queremos – que aderimos à República, cumpre-nos aqui declarar que reconhecemos a nova forma de governo instituída em Portugal. (...) A política deste diário será pois a de pugnar em comum, pelo bem da pátria e muito especialmente pelos interesses da região alentejana, podendo o povo honesto, o povo trabalhador contar com o nosso apoio sempre que dele careça».


Duas semanas mais tarde, com a entrada do redactor agrícola Santos Garcia, o jornal apresenta-se como diário independente, agrícola e de informação. Mas a vida do jornal vai transformar-se num inferno nos tempos seguintes, devido ao pendor fortemente anti-republicano de Motta Capitão, que se revela não só nos textos como na sua vida de cidadão, envolvendo-se em conspirações com o novo regime. O farmacêutico viu-se condenado a três meses por abuso de liberdade de imprensa com o fundamento de ter ofendido na sua qualidade de redactor – chefe do “Notícias d’Évora” a Comissão Concelhia de Administração de Bens do Estado. Foi debaixo de escolta que saiu da prisão do Limoeiro para vir responder ao Tribunal de Évora. Cumpria então uma pena de prisão por ter participado na conjura monárquica de 1912.

Amnistiado por um decreto de Fevereiro de 1914 de Bernardino Machado, o qual abrangeu 1.200 monárquicos, Capitão é libertado e depois de um breve passagem por Espanha regressa a Évora, à política e ao “Notícias d’Évora”. A 10 de Julho depois de negociar com Carlos Pedrosa fica com a exploração do jornal assumindo os cargos de director e editor. Nesse mesmo dia, Santos Garcia, que havia aguentado a redacção durante o seu impedimento, sai por desconfiar das suas edições. Os acontecimentos posteriores haveriam de lhe dar razão.

Em pouco mais de três meses, na prosseguimento das suas ideias, entra em quezílias várias com as autoridades e escaramuças várias com a população. É assim que a 22 de Outubro, na sequência de uma manifestação de apoio ao regime, as instalações do “Notícias d’ Évora” são atacadas, destruídas e incendiadas. Só regressará ao convívio com os seus leitores a 21 de Fevereiro de 1915 sob o comando único de Carlos Pedrosa, com este a este pedir desculpas e a verberar duramente todo o comportamento de Joaquim da Motta Capitão, que quase lhe arruinou a vida. Manteve porém o seu cariz conservador e de distanciamento em relação ao regime.

Dos jornais existentes em 1910 também a “Voz Pública”, que como aqui vimos foi o órgão oficial do Partido Republicano, sobreviveria nos anos posteriores ainda que sem a anterior importância, consequência da sua adesão ao Partido Evolucionista que depois de inicialmente ter contado com o apoio dos mais destacados republicanos sofreu enorme derrota nas eleições de Outubro de 1913. A cisão obrigara entretanto o jornal a voltar à sua primeira sede na Rua de Serpa Pinto, 63.

O seu declínio acentuou-se com a saída de Estevam Pimentel e Júlio Patrocínio Martins. Em 1915 registou a entrada para editor do muito respeitado João José de Oliveira numa tentativa derradeira de recuperação, não bem sucedida. Este abandonou em Outubro de 1919 e “A Voz Pública” desapareceu da circulação seis meses depois.

O primeiro dos novos títulos lançados em Évora após a Revolução de 5 de Outubro foi “O Carbonário”, semanário Republicano Radical, como se intitulava. Tinha por director o ajudante de finanças e antigo correspondente do jornal “O Mundo” Leonel Augusto Rosado de Sousa . Logo no número inicial advertia para o facto de «não ter qualquer relação com a Carbonária Portuguesa, associação secreta que tão relevantes serviços prestou à obra da República». Mas uma análise à sua lista de colaboradores revela não ser ter sido bem assim; para além de nela figurarem os nomes bem conhecidos de José Augusto do Rosário, Agripino de Oliveira e José do Vale, também na mesma se encontram uma série de pseudónimos com que muitos encobrem a sua identidade. Atente-se nalguns a título de exemplo: Zig-Zag, Vagabundo, Mesmer, Mágico, Ego, Marius, Newton, El Leon, Alpha, Coxo, Ximenes, Z., Ragi, Sila, Zero, Repinto, Remígio ou Zigomar.

A partir de 24 de Março de 1912 passa a identificar-se com o Partido Republicano Democrático de Afonso
Costa e muda de director, dado que Leonel de Sousa é colocado em Lisboa. Sucede-lhe Pedro de Aguilar, funcionário da Agência de Portugal, que exactamente um ano mais tarde é transferido em missão de serviço para Leiria para chefiar a respectiva Agência. Pouco dias decorridos a administração informa que «passando este jornal para uma nova empresa, por meio de acções, resolveu a redacção suspender a sua publicação até quedefinitivamente esteja constituída a respectiva empresa, o que será dentro de pouco tempo». “O Carbonário” não voltará a ver a luz do dia. A nova empresa denominada de “Sul Democrático”, assume a sua continuidade garantindo que será um órgão de apoio ao Centro Republicano Democrático Liberdade mas muda-lhe o título para o nome da empresa. 

Assim começa a publicar-se a 13 de Abril de 1913, o “Sul Democrático”, sob a direcção de Francisco Alberto da Costa Cabral, professor liceal e governador civil, sendo Jaime Pinto Bastos o administrador e Francisco Gomes Calado o secretário. A mudança não feliz até porque Costa Cabral pouco tempo
após é nomeado para o governo civil da Guarda. O esperado encerramento do jornal verificou-se a 21 de Junho de 1914. Vida mais curta teve “A Rotunda” que surgiu a 15 de Fevereiro de 1911 e acabou a 30 de Dezembro do mesmo ano. Declarando-se semanário republicano intransigente, fiel ao ideário de Machado dos Santos, tirou 47 números. Começou por ser dirigido por Manuel António Braz – mais conhecido por Braz Alfaiate dado ser essa a sua profissão – que devido a questões de natureza pessoal aceita ser substituído pelo sargento Silvério David Agria. 

Este abandonará o cargo ao nº. 37 de 2 de Agosto, voltando o alfaiate à sua direcção quando a administração informa que “A Rotunda” «que até aqui se tem conservado no posto de combate para que foi fundada, adere desde já , como não podia deixar de ser à obra da União Nacional Republicana». A mudança de orientação na bússola de “A Rotunda” poderá ter-lhe abreviado a existência pois só se aguentaria mais quatro meses. Agastado com o rumo pelo qual “A Rotunda” enveredara, Silvério Agria lança a 6 de Agosto o “Avalanche”, uma semanário que diz não aceitar «a traição» e se declara fiel à linha intransigente que se propõe seguir. Ao princípio da tarde desse mesmo dia o acaso faz com que Braz e Agria se encontrem em plena Praça de Giraldo. O confronto tornou-se inevitável.

O alfaiate agrediu o sargento «à vergalhada» e foi detido por um polícia a quem o agredido reclamou a sua captura. Tanto quanto se sabe o “Avalanche só fez publicar mais um número. Falhada a experiência de “A Rotunda”, a União Republicana reincidiu em Évora com um novo órgão: “O Alentejo” (segundo de série). Exibindo artístico e vistoso cabeçalho, a saída do número inaugural é desde logo marcada pelo falecimento do seu director, Raul W. Baptista de Carvalho, médico veterinário, vitimado pelo agravamento súbito de febres palustres. O infausto acontecimento obrigou a mexidas inesperadas na estrutura do jornal. Sócio da empresa proprietária, o lavrador José Calhau viu-se na contingência de acumular os cargos de director e de editor (que já era) mantendo-se Higino Barrão como administrador. 

Daqui resultou um produto híbrido, incaracterístico e pouco atractivo, que a nomeação ao nº. 27 para director, do médico Agostinho Felício Caeiro, tentou solver mas em vão. “O Alentejo” esteve activo entre 7 de Maio de 1914 e 13 de Maio de 1915. Não teve também existência muito prolongada ainda que surgido a 23 de Agosto de 1911, o semanário republicano “O Cidadão” de que era proprietário, administrador e editor Pedro Antunes Paiva. O redactor principal era Evaristo Cutileiro a quem deviam ser dirigidos todos os assuntos referente à redacção. Após o falecimento deste teve um percurso acidentado, sincopado, terminando a 26 de Abril de 1915. 

A posse efectiva de um órgão devotado ao registo do discurso oficial do Partido Republicano Democrático só seria conseguido com a transferência para Évora do diário “Democracia do Sul”, que se publicava em Montemor-o-Novo desde 1900. Tal só veio contudo a concretizar-se a partir de Agosto de 1917.

Texto: José Frota 

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