A Sé de Évora é, paralelamente com o Templo Romano, um dos mais emblemáticos monumentos da Cidade de Évora. Localizados praticamente lado a lado, marcam duas épocas da história separadas no tempo, mas que seguramente ilustram a importância do local em cada um desses períodos (Costa e Rodrigues, 2000).
A data da sua construção é bastante discutida entre os historiadores; segundo a versão tradicional, o lançamento da primeira pedra foi no Séc. XII em 1186, aquando da nomeação de D. Paio como Bispo de Évora. Esta tese é baseada em registos existentes no Livro dos Aniversários do Arquivo Capitular da Sé de Évora, de 1470. No entanto, a historiadora Ana Rita Trindade (Trindade, 2003), que investigou os arquivos da Sé, coloca algumas dúvidas quanto à veracidade desta teoria, uma vez que o livro se encontra datado de 1470, duzentos anos após a suposta edificação da Sé. Ainda nesse documento, diz que D. Paio foi o primeiro Bispo de Évora, e segundo Trindade sabe-se que o primeiro Bispo eborense foi D. Sueiro.
Outros historiadores afirmam que a actual Sé foi apenas construída no Séc. XIII, no reinado de D. Afonso III, pelo então Bispo de Évora D. Durando, época em que a diocese de Évora estaria com condições económicas e políticas para a construção da Catedral. Esta hipótese é reforçada com a descoberta de uma lápide na Capela do Santíssimo alusiva à consagração do presbitério pelo Bispo D. Durando e de uma inscrição no túmulo deste. Trindade, completa a fundamentação desta hipótese com a descoberta de um documento, no Arquivo do Cabido da Sé de Évora, datado de 1288, onde o Bispo D. Jardo e o Cabido cedem rendimentos das propriedades para sustento financeiro das obras de edificação da Sé, não deixando dúvidas, assim, que em 1288 a Sé estava em construção. Desta forma, Trindade afirma que a Sé de Évora “começou a ser construída cerca de 1280, tendo anteriormente existido um outro edifício sede de diocese”.
A historiadora Trindade e o engenheiro Leo Wevers (Wevers, 2004) basearam-se na tese de doutoramento do Prof. Virgolino Jorge, onde este autor estabelece as fases de construção das várias partes do templo através de uma análise métrica, estabelecendo assim a construção da Sé no período de 1280-1340 (Trindade, 2003; Tavares et al, 2005).
Do ponto de vista arquitectónico, a Catedral de Évora é uma das mais importantes manifestações da arquitectura gótica no Sul de Portugal. Nenhuma outra catedral portuguesa a iguala na elegância da combinação dos volumes, é perfeita e harmónica apesar do acabamento das três torres não datar da mesma época e, em nenhuma outra também incluindo as que foram construídas posteriormente, se conjugam com tanta originalidade elementos estruturais e decorativos românicos e góticos, de tão diferentes proveniências (Chicó, 1946).
A Sé de Évora é considerada um edifício de estilo Românico-Gótico, ou ainda de estilo Gótico Nacional com influência cistercense e mendicante. A sua construção foi inspirada no modelo da Sé de Lisboa e em Catedrais estrangeiras, nomeadamente espanholas e francesas, revelando-se de grande importância, não apenas como ponto terminal de Românico e inicial do Gótico, mas sobretudo pela variedade de soluções de transição empregues. Teve como principais arquitectos ou mestres-de-obras Domingos Pires, entre 1280 e 1303, e Martim Domingues, responsável pelo término da construção, entre 1304 e 1334, época da construção do claustro e do pórtico da entrada principal. Este último é considerado um dos mais impressionantes portais góticos portugueses, com seis arquivoltas e um apostulado em escultura talhada em mármore de autoria desconhecida. É levantada a hipótese de se tratar de Telo Garcia, suposto autor do apostulado da arca tumular de D. Gonçalo Pereira, Bispo de Braga, obra com a qual estabelece afinidades (Trindade, 2003).
A discussão das datas do início dos trabalhos pode ser um elemento importante para a compreensão da evolução artística na transição entre os estilos românico e gótico, e das soluções e influências encontradas nessa transição. Este é um dos aspectos que confere singularidade à Sé de Évora, pelo significado no tempo em que foi construída e no conjunto de monumento que representou um investimento de um país então em fase de organização.
Do conjunto arquitectónico denominado como “Sé de Évora” fazem parte a igreja propriamente dita e o claustro que a ladeia. Na vista de sul do conjunto do monumento pode observar-se a “torre-zimbório”, as duas torres sobre a fachada principal – “torre dos azulejos” e “torre lanterna ou do relógio” -, a rosácea do braço sul do transepto ou, ainda, a parte mais recente da velha construção, construída em materiais distintos – a “capela-mor”.
Excluindo a capela-mor, todo o conjunto monumental foi construído com materiais de composição granítica, ainda que apresentem diversas litologias. No interior da igreja é difícil avaliar a natureza litológica dos materiais utilizados, uma vez que a revesti-los existem rebocos espessos (Costa e Rodrigues, 2000).
O corpo da igreja desenvolve-se em forma de cruz latina; o interior é, assim, composto por três naves (uma central e duas laterais), com comprimento de 41 m. A nave central tem 6 m de largura com sete tramos rectangulares, de dois andares, sendo cada tramo dividido por pilares, de onde levantam os arcos torais sobre os quais repousa a abóbada de berço, com 19 m de altura (Guerreiro, 1975).
A nave central é separada das laterais por pilares cruciformes com oito colunas, com bases semelhantes às bases do gótico primitivo (Chicó, 1946). As naves laterais são mais estreitas, com cerca de 4 m de largura, com sete tramos e são cobertas por uma abóbada de aresta com 9,40 m de altura no topo e arcos torais descarregando nos pilares centrais e em colunelos embebidos nas empenas laterais; estas são rasgadas por amplas e profundas frestas de arco redondo.
As três naves são cortadas pelo transepto de cerca de 32 m de comprimento e 6,70 m de largura. No andar superior, ao longo dos dois lados da nave central e pelo transepto, corre o trifório (galeria estreita aberta sobre o andar das arcadas ou sobre o andar das tribunas nas igrejas medievais), composto por cinco arcos em cada tramo, assentes em pequenas colunas com capitéis de decoração toscana. Todo este espaço é coberto por um reboco fingindo pedra (Guerreiro, 1975).
A Sé de Évora sofreu grandes transformações ao longo dos anos, umas por motivos de gosto, outras por razões de conservação. Nos Séc. XIX e XX várias construções monumentais, nomeadamente igrejas e castelos, na Europa foram alvo de um certo número de restauros. Muitas vezes procurou-se restaurar uma construção trazendo-a de volta à “situação original”. Por este motivo ficou a autenticidade do edifício muitas vezes fortemente reduzida. Apenas as partes não restauradas possuem ainda grande valor como fonte de informação e estas deveriam ser tanto quanto possível identificadas. No período de 1936-1950, segundo um plano de intervenção elaborado pela DGEMN, a Sé foi submetida a um restauro de grande amplitude através do qual diversas partes do Séc. XVIII foram eliminadas a favor do trabalho de restauro. As obras realizadas posteriormente a esta data, embora algumas de importância para o monumento, em pouco modificaram as suas características gerais e assumiram fundamentalmente, o carácter de manutenção.
A Sé de Évora tem vindo a ser restaurada desde o início de 2003. O IPPAR, através da Direcção Regional de Évora - Divisão de Obras, Conservação e Restauro, deu início à primeira fase, que visa a conservação da pedra do zimbório, tendo estes trabalhos sido concluídos no ano de 2005.
Referências
Costa, D., Rodrigues, J.D., 2000, Estado de conservação e alteração da pedra da Sé Catedral de Évora, LNEC. Relatório nº 67/00 – DG/GERO
Tavares, M.L., Veiga, M.R., Magalhães, A.C., Aguiar, J., 2005, Conservação dos revestimentos interiores da Sé de Évora, LNEC: Relatório 272/05 – NRI
Trindade, A.R., 2003, Sé de Évora, da sua construção à actualidade, investigação realizada para o IPPAR de Évora, a incluir em monografia a publicar brevemente
Wevers, L.B., 2004, Levantamento no âmbito da arqueologia da arquitectura – estudo piloto, Investigação realizada para o IPPAR de Évora (a incluir em monografia a publicar brevemente), Évora
Chicó, M.T., 1946, A Catedral de Évora na Idade Média, Ed. Nazareth, Évora
Guerreiro, A., 1975, A Catedral de Évora – Arte e História, Ed. Sé de Évora, 2.ª ed.
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Adriano, P.; Santos Silva, A.; Veiga, R.; Mirão, J.; Candeias, A.E., "Microscopic characterisation of old mortars from the Santa Maria Church in Évora", 11th Euroseminar on Microscopy Applied to Building Materials, Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, Junho de 2007 |
Adriano, P.; Santos Silva, A., Caracterização de argamassas antigas da Igreja de Santa Maria de Évora – Sé Catedral de Évora, Relatório LNEC 59/06-NMM, 2006, 86 pp. |
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